EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

PALAVRA FIANDEIRA 70



PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA DIGITAL LITERÁRIA

PUBLICAÇÃO SEMANAL DE LITERATURA E ARTES

EDIÇÃO SEMANAL 
ANO 3 — Nº70
16 JUNHO 2012



ANDRÉ LUÍS OLIVEIRA



                                    
                                           Tenho alma de artista, sim.



1.Quem é André de Oliveira?

Sou um professor que busca, em sua prática pedagógica,criar um ambiente
mais descontraído, rico em relações interpessoais, onde as informações possam circular, os aspectos afetivos e emocionais possam ser observados e onde todos os alunos sejam incluídos no processo de ensino-aprendizagem,tendo suas limitações, necessidade e interesses, não respeitados, mas também levados em consideração. Para tanto, acredito no poder da arte em suas mais variadas formas: Literatura, música, dança, teatro...


2.Tem agora um lançamento pela PAULUS, chegando nas praças. Poderia nos falar desse livro?

BICHOS DIVERSOS foi escrito no ano de 2007 e teve em sua primeira edição, em 2008, uma tiragem modesta de 300 cópias, financiadas com o dinheiro arrecadado da venda de meu primeiro livro, também “independente” A CIDADE DOS CACHORROS, lançado em 2006
As poesias de BICHOS DIVERSOS foram inspiradas noAndré meninoque tinha paixão e muita curiosidade pelas mais diversas espécies de animais. Esse interesse fez com que, na época, meus pais me dessem de presente uma coleção da editora Abril chamadaOs bichos. Muitos anos depois, em 2007, logo após meu casamento, em meio aos preparativos para a mudança de endereço, para minha surpresa, abrindo uma das caixas com meus pertences, vejo um tanto empoeirada minha querida coleção.
Nessa época ficava cada vez mais evidente, em meu fazer pedagógico, a importância de oportunizar às crianças o contato com poesias no início do processo de letramento. Os textos curtos e a musicalidade dos versos com suas rimas encantavam e encantam os pequenos, dando um significado para a aprendizagem, uma motivação que em outros momentos, não aconteciam. Foi aí, então, que comecei a reler minha antiga coleção dos tempos de menino, buscando informações e características de alguns animais para, em um segundo momento, transpor essas informações numa narrativa poética. Penso que consegui, nos 10 poemas que compõem o livro, trazer informações importantes, mas sempre com um viés lúdico. As ilustrações de Renato Andrade trazem ainda mais encanto e graça ao livro.
Em 2010, resolvi entrar em contato com algumas editoras, entre elas a PAULUS, que demonstrou interesse em publicar o livro através do editor Alexandre Carvalho.



3.A propósito, seu livro Lino&Adelino nasceu inspirado numa pessoa real, que você conhece e com quem convive no cotidiano. Poderia nos falar algo sobre isso, sobre escrever obras de Literatura Infantil inspiradas em pessoas reais?

Tenho o privilégio de conviver com crianças há 30 anos. As boas histórias “pipocam” a todo momento em meu entorno. Acho que sou um bom observador e apenas as traduzo em minhas narrativas.
LINO E ADELINO, na verdade, foi inspirado em duas pessoas reais: Lino, o filho caçula de meu querido amigo Renato Andrade, ilustrador do livro, e Adelino, um funcionário da escola onde trabalho. O Lino e o Adelino fictícios têm algumas características baseadas na realidade. Lino é um garoto bastante observador, atento a detalhes que muitas vezes passam despercebidos para boa parte da garotada de hoje. O Adelino, da vida real, é um sujeito sério, quieto e muito zeloso em seu trabalho. A narrativa em prosa tem um forte teor ecológico e fala da amizade entre um garoto e um jardineiro que buscam salvar as flores da escola, por meio da EDUCAÇÃO.
LINO E ADELINO conta com uma participação pra de especial, incluí em minha narrativa a poesiaA borboleta, do escritor e amigo Marciano Vasques, trazendo ainda mais encanto para a história.



4.Seu livro “Essências e Reminiscências” aborda a sua experiência como educador, atuando como educador, como psicopedagogo... Poderia, por gentileza, nos contar um pouco desse seu trabalho e como surgiu a ideia de expô-lo em um livro?

O livroEssências e Reminiscências, sobretudo a parte que apresenta o repertório de atividades lúdicas e os textos que abordam de alguma maneira o universo escolar, nasceram de uma proposta para criar, juntamente com o psicólogo Guilherme Davoli, uma apostila sobre Psicomotricidade para estudantes de Pedagogia. Reuni parte desse material para compor o livro que traz ainda relatos pessoais escritos a partir da notícia da gravidez de Andresa, minha esposa, fato que me trouxe à tona lembranças e reflexões sobre a importância das experiências vividas na infância, junto à escola e à família, como poderosos alicerces para a formação do adulto que virá. Penso que, mesmo que os textos tenham como pano de fundo uma época, cujos costumes e ritmo fossem bem diferentes dos tempos atuais, eles conseguem de alguma maneira sinalizar a importância e a riqueza dos vínculos estabelecidos na infância. Enfim, é um livro para educadores e tem por objetivo abrir algumas frestas para que o ar possa entrar, trazendo reflexões e mudanças em nossas concepções e práticas pedagógicas.

5.Tem uma trajetória de vida sempre voltada para a Educação, trabalhando como recreacionista, também na Fundação Síndrome de Down... Poderia nos relatar qual a importância de sua atuação nessa Fundação, para o seu aperfeiçoamento como educador ou pessoa? Conte-nos dessa sua experiência, no ângulo de sua satisfação pessoal

Em 1983, estudava Ciências Sociais, quando minha mãe, diretora do Colégio Pequeno Príncipe, em Ribeirão Preto, convidou- me para desenvolver um programa de recreação com as crianças da Educação Infantil. Minha mãe argumentou que, ao me observar em contato com os primos e primas menores, verificou um supostojeito especialna condução de brincadeiras que eu inventava e reinventava para entreter os pequenos em tardes chuvosas.
Magro, com longos cabelos encaracolados e usando óculos tipo John Lennon, logo ganhei o apelido de tio Visconde de Sabugosa. Bastou uma semana para que eu percebesse que, afinal, tinha encontrado meu lugar no mundo e não me via fazendo outra coisa que não passasse pelo sorriso de uma criança. O tempo passou. Cursei Pedagogia, dirigi por 10 anos uma escola de Educação Infantil, chamadaCaleidoscópio; ludicidade e transformação em um brinquedo, palavras- chave para umaPedagogia viva. No final da década de 80, começo dos anos 90, aCaleidoscópio trabalhava com a inclusão de alunos portadores de necessidades especiais. Enfrentamos, na época, algumas dificuldades com uma significativa parcela de pais temerosos de que o andamento do conteúdo programado fosse truncado por conta de algumas limitações apresentadas pelos alunos incluídos. Contudo, felizmente, bancamos nossa proposta e tivemos 10 anos de aprendizagens e vivências que marcaram de maneira positiva a vida de todos os envolvidos.
Em 1998, deixei a direção da Caleidoscópio e fui morar em Campinas, para iniciar um trabalho com crianças e adolescentes portadores de síndrome de Down. Lá, fui monitor de atividades pré- profissionalizantes. Ocarro- chefeera a confecção de papéis e cartões reciclados que, por conta da qualidade, eram comprados por uma papelaria localizada no sofisticado Shopping Galeria. De tudo, o mais interessante era o clima que prevalecia durante essas variadas produções, sempre de muita cooperação e envolvimento. Mas o maior legado do meu tempo de Fundação Síndrome de Down, foi o acolhimento em uma dimensão nunca antes experimentada por mim. O acolher pelo prazer de se estar juntos, com cada um, podendo ser o que se é, percebendo que não existe quem seja deficiente em tudo ou eficiente em tudo. As pessoas portadoras de Síndrome de Down transitam muito bem nessa esfera do afeto, do acolher o outro, dos sentimentos, às vezes tão nebulosa para nós, os ditos normais. Essas foram as lições que aprendi com meus aprendentes - ensinantes: ser mais espirituoso, valorizar os encontros, demonstrar meus afetos, não ser tão rigoroso com os outros ou comigo mesmo e levar a vida com mais poesia e leveza.




6.Já fundou uma escola, e atualmente atua no Colégio Pequeno Príncipe, em Ribeirão Preto. Poderia, por favor, contar aos leitores da Fiandeira como é o trabalho que desenvolve atualmente nesse colégio?

Atuo como psicopedagogo, acompanhando várias turmas de diferentes faixas etárias. Dentre vários afazeres pedagógicos, eu destacaria o projetoEntonação e Fluência na leituraem que me utilizo de várias linguagens( dramática, lúdica, musical, expressão corporal) como motes para uma aprendizagem que tenha mais significado para a criança. Também acompanho individualmente crianças que apresentam dificuldades, em algum momento, na aprendizagem.


7.Dentre suas obras tem um livro chamado “A Cidade dos Cachorros”. Do que trata? São contos? Poesias? Pode nos revelar algo sobre esse livro?


O livroA Cidade dos cachorrossurgiu como desdobramento de um texto que foi criado originalmente para cumprir outro objetivo. Em um primeiro momento foi concebido como roteiro de uma peça de teatro das crianças da primeira série de 2006.
Desde o ano 2001 venho desenvolvendo o projetoFluência e entonação na leitura, que tem como culminância a apresentação cênica dos alunos na última semana de aulas. As apresentações dos anos anteriores vinham sendo baseadas em adaptações dos textos de Ruth Rocha e de clássicos da literatura infantil. Naquele ano, senti a necessidade de mudar e resolvi me arriscar com um texto próprio, que acabou caindo no agrado da meninada, tanto que, durante um dos ensaios, uma aluna me perguntou onde poderia comprar o livro com aquela história. O comentário dessa criança me encheu de coragem e levei o texto para a professora Alzira Sene, que elogiou e apoiou a idéia. Alzira teve participação importante como revisora e me ajudou a transpor o texto para o seu novo formato. Feito isso, procurei meu amigo cartunista, Renato Andrade, que deu um toque especial, ilustrando o livro com seu traço moderno e talentoso. Foi assim que surgiuA Cidade dos cachorros, uma narrativa dirigida às crianças, que leva a reflexões sobre valorizar o que cada um tem de melhor e sobre saber ouvir e observar.

8.Como é para você, trabalhar com crianças?


Trabalhar com crianças é um privilégio, mas também um grande desafio, sobretudo nesses tempos velozes de globalização onde o excesso de informação se sobrepõe a contemplação, ao aprofundamento dos conteúdos, tão necessários para a aprendizagem dos pequenos.
Vejo como uma missão o meu ofício de professor, e sempre digo que, embora esteja bastante feliz com minhas autorias literárias, o meu compromisso maior é com minha prática pedagógica, dia após dia. Aliás, o André, autor de livros, existe porque é, digamos assim, alimentado pelas fantásticas nuances que as crianças protagonizam no cotidiano escolar.



9.Atua na Rede Social, tem um site. Como analisa esse avanço da informática, e a chamadaRealidade Virtual?

Para os meus contemporâneos, que trilhamos boa parte do caminho a pé, que brincamos na rua, contemplando a paisagem, sem bruscas rupturas para interromper nosso arrebatamento, com celulares tocando sem parar, que vivemos intensamente nossos afetos, frequentamos e alimentamos nossas amizades, estando presentes nas vidas uns dos outros, juntos, nos mais variados momentos. Penso que para essas gerações que tiveram a oportunidade de vivenciar as situações citadas acima, é fantástico utilizar o mundo virtual; resgatam- se amizades antigas espalhadas pelo mundo,conhecem - se novas pessoas, estabelecem - se conexões empreendedoras, divulgam - se nossos trabalhos e produtos que advêm dos mesmos. Inclusive no aspecto profissional, tenho vivido experiências bem positivas. Tenho um site onde divulgo meu trabalho pedagógico e livros para o público infantil, 4 anos. No primeiro ano, o site recebia uma média de 8 visitas/mês. Depois que entrei na rede social e a utilizei como ponte, convidando meusamigospara visitarem o site, passei a ter uma média de 380 visitas/mês e boa parte acaba por adquirir alguns de meus livros.
Lembrei- me do livro CONEXÕES EMPRENDEDORAS, de Renato Fonseca Andrade. Em um determinado momento do livro, ele diz:Redes sociais são gente com gente, ou melhor, gente se importando com gente. As mídias sociais são somente ferramentas que encurtam a distância entre as pessoas. Quando as mídias sociais são utilizadas conectar pessoas que não desenvolvem um propósito comum, elas acabam não servindo para nada, quando são utilizadas para um intercâmbio legítimo e transparente, favorece o crescimento pessoal e profissional
Agora, com relação a essa geração que está crescendo, com todo este aparato tecnológico a sua disposição, tenho receio de que essas crianças cresçam sem um certo “capital onírico”; fundamental para o desenvolvimento da subjetividade, imaginação e criatividade.

10.Em sua bibliografia, vemos diversos livros tematizando bichos. Qual é, para você, a importância dessa ligação que a criança tem com os bichos, sobretudo na primeira infância?

É fundamental que, as escolas de educação infantil privilegiem em sua proposta pedagógica, a ludicidade, a poesia e a fantasia. Para os pequeninos, os contos de fadas trazem a possibilidade do jogo simbólico. Com as crianças das séries iniciais é importante que o jogo dramático faça parte da grade curricular, sobretudo nos tempos telemáticos atuais, onde podemos observar a pobreza narrativa, própria dos novos brinquedos e jogos com os quais as crianças interagem.
Crianças e animais vivem um flerte eterno e esse interesse, essa curiosidade das crianças em relação aos animais, trazem várias possibilidades de fazeres pedagógicos para o professor criativo: Projetos, pesquisas, passeios, produções de textos, apresentações cênicas. No brincar de faz de conta, de faz de verdade fica evidente a maior motivação da garotada quando a dramatização é proposta a partir de textos que trazem animais como protagonistas da história. Em função disso, procuro em minhas narrativas apresentar os bichos de maneira bem humorada, com suas características, suas idiossincrasias. Em meus textos exploro também alguns arquétipos, as simbologias de cada animal: A esperteza da raposa, a vaidade do rei leão, a sabedoria do elefante, a mística coruja. As crianças identificamse com alguns arquétipos e adoram o exercício de representá- los. Nesses exercícios, nessas brincadeiras a criança entra em contato com sua emoção, com sua subjetividade.

11.Arte, teatro, poesia. Tudo se entrelaça em seu fazer artístico e literário. Tem alma de artista? E o que pensa que possam ser as maiores dificuldades aos fazedores de arte em nosso país, sobretudo nas periferias?

Desde pequeno sou consumidor de arte e cultura. Com 7 anos recebia meus 3 cruzeiros de mesada e ia correndo para a banca para comprar os gibis e almanaques da época. Poucos anos depois descobri os livros e discos. Cresci ouvindo música e lendo. Lendo muito. Concordo com uma teoria de Paulo Leminsk que diz:tem de existir a poesia tanto no emissor, quanto no receptor. A pessoa precisa ser tão poeta para entender um poema, quanto para fazê-lo. Então, você pode ter passado tua vida inteira sem ter feito um verso, mas ao mesmo tempo, o sujeito lê, 30 anos,João Cabral de Melo Neto, Mario Quintana, Manoel de Barros e se emociona. Poxa, esse cara é poeta!. Tenho alma de artista, sim. Sou o poeta receptor que, de tanto ler autores maravilhosos, hoje arrisca seus versos, conta suas histórias.


12.Deixe aqui a sua mensagem final: Qual é a sua Palavra Fiandeira?

Minha palavra fiandeira é o trabalho. Fazer o que tem de ser feito. Lembro aqui o poeta Marciano Vasques : a formigatrabalhando, trabalhando... a aranhatece- tece... Eu vou, tecendo aulas, tecendo versos... Enquanto educador, acredito que o mais importante na aprendizagem é o processo, o caminho percorrido de desafios e conquistas que professor e aprendiz percorrem e, muitas vezes, acabam tendo como produtos da caminhada, do tecer,teias lindas de se ver.




Com os amigos Daniel Magno e Marina
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PALAVRA FIANDEIRA
Publicação Semanal de Literatura e Artes
Edição de Sábado
16/JUNHO/2012
Fundada pelo escritor Marciano Vasques
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Um comentário:

  1. Eu adorei a entrevista!
    Em alguns momentos, eu me apercebi sorrindo diante das respostas, como a me identificar com as propostas, com as reflexões e, principalmente com as deduções poético-pedagógicas tão verdadeiras, tão reais!
    Vou sair correndo em busca das obras citadas na entrevista!
    Parabéns, escritor e professor André Luís Oliveira!
    Obrigada, querido amigo, Marciano Vasques!
    Que maravilha é o PALAVRA FIANDEIRA! Virou meu companheiro das manhãs de sábado! Parabéns!

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