EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 18


PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA  
ANO 1 - Nº18 - 28 FEVEREIRO 2010 
NESTA EDIÇÃO:
MANUEL MUÑOZ ASTUDILLO

ENTREVISTA REALIZADA POR 
ROCÍO L´AMAR
CHILE
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

SINAIS VITAIS DO POETA MANUEL MUÑOZ ASTUDILLO

O existencialismo é uma corrente, movimento ou série de doutrinas filosóficas e culturais que têm por objetivo e disciplina a análise e a descrição do sentido individual da vida humana enquanto "existe". Sustenta que o existente humano pensa, age, se refere e relaciona consigo mesmo, com sua própria transcendência, com suas contradições e suas angústias. Para o pensamento existencialista o individuo não é uma porção mecânica ou "parte" de um todo, mas sim que o homem é em si uma "integridade" livre por si mesmo. Esta doutrina filosófica considera que é a existência do ser humano livre  é o que define a sua essência, em lugar de entender que sua essência ou condição humana determina a sua existência. Para esta corrente do pensamento, a existência do ser humano não é nunca um "objeto", mas sim que, desde o momento que o ser humano seja capaz de gerar pensamento "existe"; em consequência, o reconhecimento dessa existência tem primazia e procedência sobre a essência. Não obstante, a existência do homem pode ser inautêntica ou falsa se este renuncia à sua liberdade.

Movimento literário e filosófico
O existencialismo emergiu como movimento no século XX, no marco da literatura e a filosofia, herdando alguns dos argumentos de filósofos anteriores, como Schopenhauer, Kierkegaard, Nietzsche y Unamuno. Segundo o filósofo e historiador da filosofia Nicola Abbagnano, "Entende -se por existencialismo toda filosofia que se conceba e exercite como análise da existência, sempre que por "existência" se entenda o modo de ser do homem no mundo (...)".

Assim mesmo, José Ortega Y Gasset, influenciado como Heidegger, por Husserl, resumiu a sua filosofia na tese "Eu sou eu e minhas circunstãncias"; considerou que vida é a realidade radical, a relação entre o Eu e as Circunstâncias, o âmbito no que se faz presente tudo, é o experimentar da realidade, um conjunto de vivências, nas quais cada um se relaciona com o mundo; a intuição é a vivência na qual está presente a evidência e é sobre as evidências que repousa nosso conhecimento . "A vida é uma atividade que se exerce para frente, e o presente e o passado se descobrem depois, em relação com esse futuro. A vida é porvir, é o que ainda não é".

Outros destacados pensadores atribuídos ao existencialismo, em maior ou menor grau, seriam: Edith Stein, Nicola Abbagnano, Emmanuel Lévinas, Maurice Blanchot Peter Wessel Zapfe, Karl Jaspers, Max Scheler, Simone de Beauvoir, Simone Weil, Abraham Alonzo, Jonás Barnaby, Emmanuel Mounier e iincluído Paul Ricoeur y Hans-Georg Gadamer.


Origem e desenvolvimento do existencialismo.

O existencialismo nasce como uma reação frente às tradições filosóficas dominantes, tais como o racionalismo ou o empirismo, que buscam descobrir uma ordem legítima de princípios metafísicos dentro da estrutura do mundo observável, onde se possa obter o significado universal das coisas. Em 1940 e 1950, existencialistas franceses como Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Simone de Beauvoir e Daniel Lira realizaram escritos acadêmicos /ou de ficção que popularizaram temas existenciais como a liberdade, o nada, o absurdo, entre outros. Walter Kaufmann descreveu o existencialismo como "a recusa a pertencer a qualquer escola de pensamento, e repudiar a adequação a qualquer corpo de crenças, e especialmente de sistemas, e uma profunda insatisfação até a filosofia tradicional, que se marca de superficial, acadêmicas e distanciada da vida"

É a filosofia da existência, o movimento filosófico e humanístico europeu, identificado pela concepção segundo a qual "A existência precede a essência" ( Jean - Paul Sartre), e que se popularizou a partir da crise e crítica social e moral, a raiz dos desmanches e dramas socio - filosóficos ocasionados pelas grandes guerras europeias do século XX, especialmente, a segunda guerra mundial.
Ao existencialismo se há atribuído um caráter vivencial, ligado aos dilemas, estragos, contradições e estupidez humana. Esta corrente filosófica discute e propõe soluções aos problemas mais propriamente inerentes à condição humana, como o absurdo de viver, o significado e o insignificância do ser, o dilema da guera, o eterno tema do tempo, a liberdade, seja física ou metafísica, a relação deus/homem, o ateísmo, a natureza do homem, a vida e a morte. O existencialismo busca revelar o que circunda o homem, fazendo uma descrição minuciosa do meio material e abstrato em que se desenvolve o indivíduo (existente), para que este obtenha uma compreensão própria e possa dar sentido ou encontrar uma justificativa à sua existência.

Definem-se numerosas tendências, entre elas a religiosa e a ateia, acopladas por uma problemática comum, ainda que cada uma com seu próprio enfoque do entendimento da vida. A primeira outorga primazia à relação do homem com Deus, enquanto que a tendência ateia considera ao indivíduo como único ser. Estas concepções se influenciam mutuamente ao manifestar as mesmas preocupações e princípios éticos, e por experimentar as mesmas decepções enquanto a tudo o que de absurdo e sem sentido haja na vida. Este anseio pelo espírito de pessimismo, angústia e desespero caracteriza às tendências do movimento existencialista. O existencialismo, ou mais precisamente, a filosofia existencial, se interessa em refletir sobre o sentido da vida e da morte acima de questões abstratas; também tenta mostrar um caminho individualmente criativo para que o homem possa realizar-se, fazer-se e valer-se a si mesmo, apesar das tristezas e angústias ou de toda circunstância.

* Extraído da Enciclopédia Livre



O existencialismo e a arte.



Alguns consideram que os conceitos desenvolvidos na filosofia a propósito do existencialismo, foram fortemente influenciados pela arte. Romances, peças teatrais, filmes, contos e pinturas, sem que tenham sido catalogadas necessariamente como existencialistas, sugerem ser precursoras de seus postulados. Temos aqui alguns autores e obras representativas:
- A Epopéia de Gilgamesh, o texto literário mais antigo que se conhece, anônimo até agora, faz menção ao tema da morte e a busca incansável da imortalidade por parte do homem.
- As tragédias de Eurípides, Sófocles e Esquilo, que aprofundam em aspectos vitais como a angústia, o destino e a impossibilidade de escapar dele.
Os livros sábios da Bíblia, como O Eclesiastes, alguns Salmos e o livro de Jó, que deixam ver afirmações e perguntas sobre o sentido da vida, o sofrimento e a vaidade dos atos do homem.

- As tragédias de Shakespeare, como O Rei Lear, Hamlet e macbeth; influenciadas por sua vez, pelos trágicos gregos, os livros sapientes da Bíblia e as ideias de Plutarco. O famoso monólogo de Hamlet ( Cena primeira do ato terceiro), é considerado um ícone arquetípico do homem existencialista.

- Autores realistas russos, como Dostoievski. Em especial, romances como Crime e Castigo, Memórias do subsolo, os Endemoniados, os Irmãos Karamazov, e O Idiota. Alguns temas recorrentes nas obras de Dostoievski, incluem o suicidio, o orgulho ferido, a destruição dos valores familiares, o renascimento espiritual através do sofrimento (sendo um dos pontos capitais), a recusa ao Ocidente e a afirmação da ortodoxia russa e o Tzarismo.
- Fausto, na versão de Goethe, mostra problemas típicos do homem, como a insatisfação, os conflitos entre a moral e o desejo - assim como suas consequências-, e a busca do conhecimento infinito.

A poesia de alguns personagens do século XIX, conhecidos popularmente como poetas malditos: Edgar Allan Poe, Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, Paul Verlaine, Tristan Corbière, Stéphane Mallarmé, Marceline Desbordes-Valmore, Auguste Villiers de L'Isle-Adam, François Villon, Thomas Chatterton, Aloysius Bertrand, Gérard de Nerval, Lautréamont, Petrus Borel, Charles Cros, Germain Nouveau, Émile Nelligan, Armand Robin, Olivier Larronde y John Keats.

- A escassa obra de Gustav Meyrink, como O Golem ou o Rosto Verde, encerram pergunta sobre a situação espiritual do homem; sobre a insuportável situação de insônia, entre o sonho e o despertar.

- Os romances, contos e relatos de Franz kafka, como O Processo, O Castelo, A Metamorfose; nas quais os protagonistas se enfrentam em situações absurdas, carentes de expliçações, ainda que hajam respostas, às quais nunca tenham acesso.
 - A obra do escritor português, Fernando Pessoa, em particular: O Marinheiro e O Livro do Desassossego.
-Obras de autores franceses, como A Naúsea, de Sartre; A Peste, de Camus; Viagem ao fim da Noite, de Cèline; Para acabar com o juizo de Deus, de Artaud, e a poesia e dramaturgia de Jean Genet.

- Uma dos mais conhecidos romances de Hermann Hesse: O Lobo Desértico *, faz surgir uma situação na qual o protagonista, Harry Haller, se encontra sumido em um profundo dilema sobre sua identidade. Há duas almas vivendo em seu tórax: um lobo e um homem, que representam a virtude e a humanidade, em contraste com a satisfação selvagem dos instintos e uma profunda misantropia.

- Os filmes do cineasta sueco Ingmar Bergman, como O Sétimo Selo, Gritos e Sussuros, e Fanny e Alexandre.

Cineasta Ingmar Begman
- Os aforismos do autor romano Emil Cioran: Breviário de Podridão, Esse Maldito eu ou "A Tentação de Existir".
- O famoso quadro de Edvard Munch, O Grito.

  
O GRITO: Edvard Munch
Os Anos Sessenta

As circunstâncias Políticas, sociais e econômicas, que viviam na década de 60, estimularam ao máximo a criatividade e, no campo da literatura, a produção de  obras de grande marco.
O fenômeno Garcia Márquez foi um símbolo e em torno dele, os profissionais da narrativa continental obtiveram reconhecimento mundial.
 Mario Vargas Llosa

Várias foram as circunstâncias que impulsionaram o desenvolvimento da literatura latino - americana na década de 60.
Em primeiro lugar, o aparecimento de autores talentosos. Em segundo, o surgimento de um público leitor constituído por intelectuais de classe média. Em terceiro lugar, a decadência em que se encontrava a literatura de grandes metrópoles, de onde vieram sempre as melhores obras. Em quarto lugar, a preocupação mundial pelo desenvolvimento do Terceiro Mundo, muito particularmente de América Latina, e o processo cubano. Tudo isso, manejado em forma talentosa pela equipes publicitárias das editoras e os agentes literários, resultou em um "boom" pela obras continentais em língua espanhola.

Ainda que a figura central do boom tenha sido Gabriel Garcia Márquez, e sua obra Cem Anos de Solidão, publicada em 1967, há muitos autores e obras anteriores a essa data, que se vincularam a este fenômeno. O cubano Alejo Carpentier, por exemplo, ou o argentino Júlio Cortázar, já estavam consagrados como escritores. Entretanto, não haviam sido "massificados", fenômeno que só ocorreu a partir dos "60". Juan Rulfo, de México; José María Arguedas, de Perú; Guillermo Cabrera Infante eJosé Lezama Lima, de Cuba; Jorge Luis Borges e Ernesto Sábato, de Argentina; e Juan Carlos Onetti, de Uruguay, entram na renovação temática e estilística de nossa literatura. No Chile, não podemos deixar de nomear a Manuel Rojas, cuja obra - prima, Filho de Ladrão, expressa de modo magistral, os principais motivos da literatura contemporânea: a imaginação social, a angústia existencial, a incomunicabilidade e a impessoalidade da sociedade contemporânea.

Este escritor peruano é outro dos gigantes da literatura latino - americana contemporânea. Nascido em 1936, publicou seus primeiros relatos em 1959, porém seu primeiro romance A Cidade e Os Cachorros, apareceu em1963, tornando-se de imediato um êxito literário. Igualmente, as seguintes obras escritas nesta década, Vargas Llosa (Na imagem), utilizou suas próprias experiências e a realidade sócio-política peruana, no tratamento de seus escritos. Conversa na Catedral, um de seus principais romances, mostra, através da história de seus protagonistas, um jornalista frustrado, os problemas sociais e as lutas políticas no Peru nas décadas de 50 e 60. O sentido do humor e a aguda ironia da pena de Vargas Llosa,  unem-se ao uso impecável da linguagem e sua capacidade para manipular distintos planos e perspectivas de uma mesma obra, o que transforma seus romances em livros que o leitor gosta de desvendar.
O emergente movimento literário de América Latina se comprometeu majoritariamente, com as causas libertárias, democráticas e anti-ditatoriais, esta posição deve valorizar-se à luz das circunstâncias dominantes no continente durante essa época: na maioria das nações existiam governos de fato com um não dissimulado apoio dos Estados Unidos.
Ainda que os povos americanos tivessem nesse momento líderes políticos, os escritores do boom se constituíram nos líderes intelectuais.
Enquanto Cortázar e Juan Rulfo entregam suas obras ao público americano, em França e México, no Chile há vários autores que se inscrevem na mesma tendência - Neo - realista - em que alguns críticos os classificam. Maria Luisa Bombal e Carlos Droguett Alfaro estão entre eles.
A primeira se destaca pela atmosfera que é capaz de criar em suas obras: mundos paralelos donde se sugerem sensações e sentimentos. Trata-se de uma literatura "Para dentro", uma literatura íntima. O último nevoeiro, publicado em 1939 no Chile, é um de seus romances mais característico.
Droguett, por sua vez, começa empregando uma temática histórico - social e em seguida, volta-se logo para o tratamento de personagens caracterizados pela sua marginalidade de dentro da sociedade: em Eloy, por exemplo, descreve ao bandido, e em Patas de Cachorro, ao desraigado. Ambos escritores receberam o Prêmio Nacional de Literatura.
Junto à eles, cabe mencionar entre os grandes deste século a José Danoso, cujas obras, entre as que se contam O Obsceno Pássaro da Noite e Coroação, gozam de reconhecimento internacional.
O século XX é um século de poetas para Chile. O que se pode dizer de Gabriela Mistral e Pablo Neruda, que não tenha já sido dito? É por isso que agora vamos falar de outros grandes da poesia chilena.
Vicente Huidobro: A Huidobro se considera como o inovador da poesia chilena e quem primeiro a levou à altura das correntes vanguardistas do começo do século. Sua característica fundamental, a diferença de Neruda e de Mistral, é a "europeização" de seu trabalho. Levou a criação ao extremo de utilizar as palavras por seu som e ritmo, à margem do significado e seu conteúdo.
Frente ao naturalismo que se desenvolve ao seu redor, Huidobro demonstrava seu desprezo, assinalando que a natureza é uma coisa e a palavra é outra, ambas podem caminhar separadamente. à Natureza as palavras à têm sim cuidado, portanto, os homens com as palavras, devem fazer um trabalho similar ao da natureza.

Nicanor Parra: apesar do dificuldade que resulta decolar em excelência, entre figuras de tanto brilho como Neruda e a Mistral, Parra (na imagem) conseguiu desenvolver um grande talento e obter um lugar nas letras latinas, e também em outros idiomas aos quais foi traduzido. Nasceu em Chillán, em 1916, no seio de uma família camponesa, cuja sensibilidade artística foi herdada por todos os membros. Nicanor - que no plano profissional elegeu o caminho da Física e as Matemáticas - deixou a andar sua veia artística pela poesia "cotidiana". Seus versos - muitas vezes carregados de ironia -utilizam uma linguagem trivial, direta, com um ritmo que se adapta à circunstância à que se refere. Sem a camisa de força da métrica, grande parte da poesia de Parra se inscreve na chamada "Anti-Poesia", e recebe o galardão do Prêmio Nacional em 1969.

Hora de pegar a pena e lançar- se a escrever.
Para a eleição do tema que ocupa esta entrevista escolhemos a um dos poetas/escritores, que está entre os mais experimentados com respeito à produção poética e narrativa na cidade de Concepción, Manuel Muñoz Astudillo. Ainda que esteja claro que na poesia está o objetivo de alcançar o indicado nesta introdução, donde se deixa entrever a angústia existencial, o sombrio, uma alma solitária, de sofrimento e morte, pressões psicológicas, angústia incessante, pessimismo, lembranças da infância, metáforas, símbolos potentes e presentes em sua poesia, cargas simbólicas da sua concepção poética. Entretanto, Manuel Muñoz Astudillo, não se distancia do que em seu juízo deve ser o sentido da poesia, isto é, a estética, a beleza de cada poema, que não sacrificará a favor do que se vai a comunicar.

E exatamente, porque precisamente queremos respostas a nossas perguntas, nós as formularemos:


 1. É sabido que o progresso não trouxe ao homem maior felicidade, mas que o capacitou a produzir catástrofes tão atrozes como as duas guerras mundiai. Como consequência, entre essas guerras surge a arte existencialista e outros sistemas nos quais se vai a refletir sobre o velho problema da vida humana e seu sentido. Numa entrevista no ano de 1978, Miguel Arteche assinala, "Não me interessa estar au dernier cri. Estar in Sempre me interessa o que devo e tenho que fazer eu, e não o que me apontam as circunstâncias da moda" Você, como poeta contemporâneo, elegeu e teve a oportunidade de eleger, e depois de sua eleição, que caminho elegeu para sua arte poética? 
- Penso que o caminho da arte poética é um só., o romantismo, o modernismo e o existencialismo que são mais manifestações que demonstram o interesse do homem em um momento e em condições determinadas. Elas não são manifestações finais, e mais, estiveram antes que sejam consideradas movimentos e novos caminhos da arte, e indubitavelmente, seguem estando. 
Toda a arte se nutre de si mesma e as experiências vividas vão dando forma a novas concepções que por sua vez respondem às condições de novos tempos. Neste sentido não há uma Arte deste ou outro movimento ou tendência, isso é um assunto inventado pelos eruditos com um objetivo pedagógico, e que certamente tem causado confusões e até dano às concepções artísticas permanentemente renovadas por suas só dinâmica. Concretamente me inclino pelo esforço da criação, da universalidade, da originalidade.

2. A cada passo o homem/mulher tem que optar por isto ou aquilo e tem também que adotar a si mesm@. Gabriela Mistral exercita amplamente o tema da morte, que de forma reiterada aparece em nossa literatura. Como resolve você esta situação transitória do ser humano, posto que o tempo, que tem que morrer, que nasceu para morrer, que é um ser de passagem pela terra...? Sua poesia é de um existencialismo cristão, ou agnóstico?

- O que trato de expressar em meu discurso poético não é mais que a observação do universo e do homem com os parâmetros próprios que são a informação, a apreensão cultural, o desenvolvimento do homem em suas manifestações criadoras e artísticas. É possível que em alguns aspectos toque o problema da existência humana, do assunto metafísico de sua transcendência, da concepção de Deus, porém, quem poderia está alheio àquilo? Se corresponde à busca eterna, ao questionamento da origem e do desenvolvimento do homem. As perguntas ancestrais: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Não estão alienadas de nenhuma criação artística salvo a vazio e sem conteúdo, produto do tecnicismo formal. Então, não há uma manifestação clara nem é importante ser agnóstico ou cristão.
3. Na maior parte de seus poemas o que palpita é um estado de tristeza, dúvida e desespero fundindo fragmentos dispersos que rondam em sua memória (como mãe de todas as musas, segundo o que sabemos), neste eterno presente, realidade cotidiana, o que impulsiona você a essa folha em branco?

- A tristeza corresponde a uma visão intimista da vida, a olhar o mundo a partir dos sentimentos, daí que quando o discurso vai se desenvolvendo não pode ser de algazarra se nesta visão social , humana, econômica ou política do mundo somamos guerras, miséria, destruição, fome, mais do que qualquer outra coisa e certamente o sentimento se cobre de saudade e exaustão, e ao mesmo tempo se funde a mundos interiores onde tais condições de dor não existem, porque são mundos criados à imagem e semelhança de quem os cria. Outros criadores fazem poesia objetiva, a criação enfocada à denúncia, a mim me é mais cômodo o intimismo poético partindo de meu próprio eu dentro, não fora.

4. A palavra pai, mãe e os lugares também atravessados vão se tornando mais consistentes à medida que o poeta avança em maturidade. Paraíso perdido, exílio ou estão dentro de você como códigos de filiação de sua linguagem existencialista?

- É indubitável que a existência humana começa no encontro do pai e da mãe. Porém, nos primeiros anos de formação, estes órgãos dirigentes entregam os valores básicos essenciais para se olhar e medir o mundo. O amor, a solidariedade, a misericórdia e a amizade, assim como o respeito pelo outro alheio às condições ou circunstâncias particulares são o legado de meus pais, e eles me servem não apenas para enfrentar o futuro, mas, como um forte laço que me une ao passado da espécie. Nesse sentido, por exemplo, observo o direito e a Lei, não como regras frias e demolidoras, pois, me parecem como parte do eterno desenvolvimento do reconhecimento das condições essenciais do ser humano, um desenvolvimento na busca de sua proteção. Do mesmo modo, a arte não é senão também o reconhecimento que o centro de todo o universo é somente o homem e na medida que contribuímos ao seu desenvolvimento nossa arte poderá projetar-se a outros tempos como base de construções futuras.

5. Passando pela morte e o nada e a solidão do homem, acredita você que é possível a ressurreição?

- Bom, isso é uma forma de dizer. Os seres humanos tanto como o universo mesmo obedecemos a leis físicas e podemos sinalizar que nesse sentido nada perece, tudo se transforma. Como disse a canção, "tudo muda e que eu mude não é estranho". De fato de volta a vida em átomos de carbono e na vida das plantas, porém, não sonhar com a ressurreição dos morto porque há alguns com os quais jamais hei de querer me encontrar.

6. Tomando qualquer conceito, qualquer ideia, qualquer suposta definição, acharemos que sobre ele se possam inumeráveis interpretações. Decantando minuciosamente anos de escrita poética e um inflexível filtro crítico, qual é sua confissão generosa e voluntária sobre poesia, o que é que você faz dela, como único responsável de seu ser?

- Talvez seja um pouco vaidoso entrar e responder uma pergunta de tanta transcendência, pois, não serei eu a dizer, porém, gostaria de fazer notar que partindo de uma posição muito íntima trato de indicar os sinais vitais da existência, seu valor, sua transcendência no plano temporal sobre esta terra nossa, seus valores, todos comuns aos homens.

7. Por último, como menosprezar esta contribuição da filosofia sartriana ao estudo dos seres humanos, "A existência precede a essência...Somos o que queremos ser e sempre poderemos deixar de ser o que somos, os fins que perseguimos não nos são dados do exterior nem do interior, de uma suposta natureza, é nossa liberdade que os elege". Manuel Muñoz, o que somos é consequência de nossa própria liberdade de escolha?

- Seria muito cômodo afirmar cegamente, porém, não estou só, os poetas não se encontram ilhados sobre a face da Terra nem vivem no Monte Olimpo, isso é mais bem uma situação dos críticos. Não. Nos encontramos inseridos em uma sociedade transbordada de contradições na qual às vezes pareceria que pregamos o prego ao contrário, isto é, tudo marcha de cabeça para baixo. O homem se vê diminuído diante de um símbolo material: o Dinheiro. A única atividade que pareceria ser frutífera seria a de comprar e vender. Todo tipo de expressão se encontra limitada por este avassalador anticristo que emudece a criação artística e impede as manifestações da arte e obriga aos artistas a estar dentro do esquema e a estrutura pré - estabelecida. Então, de que liberdade me falas?


@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

BIOGRAFIA


Manuel Muñoz Astudillo é advogado de profissão e poeta por convicção. Com efeito, faz muito tempo que tenta o polimento da palavra no discurso poético e assim publicou numerosas coletâneas como: LAS RAZÕES DO TEMPO; BLUE PARA UMA CIDADE IMAGINÁRIA; O OLHO NA CIDADE; IMAGENS; PARA AQUECER AS MÃOS DO INVERNO; DA LEMBRANÇA. Toda essa bagagem escritural a inicia com o caderninho poético intitulado SUL DE MAIO, datado na cidade de Yumbel em 1983, tendo recorrido antes junto ao notável poeta chileno Luis Antonio Contreras Jara, os caminhos de sua terra natal Quirihue, nas páginas de Cancioneiro do Vento, de antes de 1973.

Manuel Muñoz Astudillo harmoniza sua atividade literária com a de Professor da Universidade Técnica Federico Santa Maria e a de um sério Juiz Civil de Talcahuano, Chile, onde atualmente trabalha.


@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

۩

Caminhar entre a grama
Sem urgências,
Subterrâneo e vagabundo,
Na ânsia de voltar às eternas umidades,
Morrer talvez, sob amável sombra,
Sem pressa nem precipitação,
Beber a vida sem velocidade alguma,
No crepúsculo de tuas videiras,
Ou no infinito perpetuar de teu calvário.
O homem cruza as fronteiras de um sonho,
Mágicos espaços
Modelados no vale de sua morna geografia.

Estremece a água sua essência poderosa,
Em abismais mistérios da terra
Entretanto apenas somos lírios ou pássaros
Corteja a pele
Sob uma iluminada chuva
Para renascer entre as cinzas deste tempo.
Estive entre seus braços algum dia
Uma manhã escura sob o sol de novembro
Limitada na infinita angústia
Oculta no fio dessa navalha
Estremecida na calçada de teus olhos
Despida de florestas ou desertos
Que chegou como piada depois da chuva.
E os pássaros mortos em seu próprio ninho
Antes do primeiro voo.

Estive em teus braços
Quando se ergueu na ferida terrível
De tuas últimas palavras
Antes do gelado sinuoso da primavera
Rastejando entre as peças
Deste xadrez eterno
No instante do xeque-mate
Antes que o mundo se desvanecesse
No abismo de todos os olhos do universo
Muito antes de ti ou de mim
Estive em teus braços ao começar da alvorada
E amanhã estarei de novo
Quando a terra mãe
Me abrir o seu regaço.

Bonequinha brava
Que conheces minha sede
Minha fome de ti
Voluptuosidade extrema
Donde treme
Meu corpinho com o voo
Da ave caçadora
de meus ossos
Afogados nas ondas do instinto
Reinventando um idioma
Que aproxime teus lábios a esta ferida
Refúgio de minha dor incógnita 
Neste acidente de todos os progressos
Enquanto me aproximo cego
da tua linha de fogo.


Bonequinha brava
Deves saber
Que um fantasma persegue
A ilusão da tua ternura
Agachada em um canto do sonho
Onde sangra a insônia
Cultivada em mil pombas virgens
Para levar mensagens de minha culpa
À eterna maré
Deste oceano que me habita
E que esconde teu rosto
Em um travesseiro
***********************************************************************

ROCÍO L´AMAR

Rocío L´Amar é ativista cultural, correspondente e colaboradora de PALAVRA FIANDEIRA no Chile.
*************************************************************************

Tradução do Espanhol: Marciano Vasques

Marciano Vasques é o fundador de PALAVRA FIANDEIRA
______________________________________________________________________________________

Crédito das fotos: Manuel Muñoz Astudilla - Acervo do autor ( Rocío L`Amar)
Ingmar Bergman - Google -TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Mario Vargas Llosa - Google - Todos os direitos reservados
Quadro  '"O Grito" - Google