EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 24 de novembro de 2012

PALAVRA FIANDEIRA — 93





PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA

Publicação digital de Literatura e Artes

ANO 4 —Nº93 — 17 Novembro 2012
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

NESTA EDIÇÃO:

ESCOBAR FRANELAS
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1.Quem é Escobar Franelas?                                                                                                      

Engraçado que há um ano e meio eu me apresentava aqui mesmo no Palavra Fiandeira (edição 63, julho de 2011) como escritor e videomaker. Hoje sou Educador! O poeta, o prosador e o criador audiovisual continuam existindo, evidentemente, mas o Educador surgiu espontânea e imperativamente nesse período. Trabalhei com educação voluntária por nove anos na região de Barueri mas hoje trabalho full time em um projeto muito bonito e inspirado chamado "Programa Jovens Urbanos", na região de São Miguel Paulista. 

2.Com tudo isso, qual o tempo que você dedica aos escritos e ao vídeo?

Fins de semana, basicamente. Quer dizer, com essa imersão na Pedagogia, uso as horas iniciais da manhã para praticar a escrita e preparar matérias. E os sábados dedico aos saraus, shows, eventos, rodas literárias, essas coisas. Quando tenho alguma produção na área audiovisual, aí geralmente marco nos domingos. É claro que isso tudo pode ser regra, mas com ampla abertura para exceções na agenda. Até porque tenho que contemplar outras coisas: a casa, a família, viagens, visita à amigos e parentes, assistir um cineminha, um teatro, ir a um show...

3.Importante ter ressaltado a família. Como você “vive” em família?

Creio que vivo bem. Por forças dessas circunstâncias já citadas, vivo mais próximo do caçula, João, que está pela manhã em casa, e esse é o momento em que também estou.
Tento formular algumas regrinhas de convivência pra gente sobreviver a essa correria. Decidimos, por exemplo, que ninguém come na sala de tv ou no quarto. Então, por essa regrinha, somos “obrigados” a conviver com o outro pelo menos na hora da alimentação, pois nesse momento todos nos ajuntamos no mesmo espaço. Assim, aumentamos a chance do diálogo, e potencializamos as oportunidades de conversa e troca de saberes.
Outra regra determinante é a de não termos TV ou computador nos quartos. Assim, novamente a regra agrega um pouco de civilidade às relações, pois tivemos que aprender a ouvir música no micro, por exemplo, com fone de ouvido, pois está no mesmo ambiente em que alguém pode estar assistindo TV. Aprendemos assim a conviver num mesmo território sem atrapalhar quem está praticamente ao lado da gente.
Parece que por enquanto está dando certo...

4.O que representou para você, como poeta e artista, e ser humano, ter prefaciado o livro SERAFIN DE POETAS II, uma antologia com apenas poemas de crianças?

Uma oportunidade única de alimentar (e exercitar) uma paixão avassaladora. Quando me questionam se sou otimista ou pessimista com relação às coisas do mundo, digo sempre que sou realista. E enxergar esse mundo sem viseiras significa, pra mim, trabalhar incessantemente para que estas crianças e adolescentes de hoje tenham tudo o de melhor em relação à geração anterior. E, consequentemente, que eles deixem um rastro de beleza para as gerações futuras.
Quanto à apresentação do livro Serafin de Poetas II, foi uma surpresa o convite que você me lançou, e um desafio, pois tive que sair de minha zona de conforto e me dedicar a algo que fosse sucinto e profundo ao mesmo tempo. E isso é algo difícil de se alcançar.


Foto de Escobar Franelas, no lançamento do livro SERAFIN DE POETAS, em Novembro de 2011

Livro SERAFIN DE POETAS II, lançado hoje
(SERAFIN DE POETAS é marca registrada ©)

5.Acredita que estamos no caminho certo em relação às oportunidades que as novas tecnologias oferecem?

Vasques, você está certíssimo. As chances que as tecnologias oferecem são a realidade que não tivemos mas esses jovens de hoje têm. E não adianta querer combater com essas frases ridículas tipo “no meu tempo tinha isso ou aquilo”. “No seu tempo”, você utilizou as tecnologias, as narrativas e os mitos que você tinha em mãos. Hoje eles se apropriam dos meios, conceitos e contextos que são inerentes a essa época, este período, entende? Então, acho justo bater palmas para um educador como você, que entende as demandas e as peculiaridades desse tempo, entende a cabeça desses jovens, e procura trabalhar uma imersão pela sublimação poética sem que eles percam as referências e os instrumentos que estão dispostos aí, como os celulares, a mobilidade urbana, as redes sociais, a interatividade.
A “ciranda-cirandinha” de hoje é o Facebook, o Twitter, o mundo blogueiro. E não há mais volta. Então, acho justo parabenizá-lo pela ideia de tornar esses espaços um lugar também para a introspecção, a reflexão e a prática lúdica. E o Serafin de Poetas me parece ser exatamente isso, um jardinzinho onde eles praticam o “ce-ce-cere-ce-ce” contemporâneo.

6.Na entrevista anterior, dedicamos um momento especial para o Raberuan, que partiu meses depois para as estrelas. Queria que você fizesse algumas considerações sobre esse artista.

Raberuan foi uma estrela que acendeu, piscou, iluminou e deixou um rastro de luz durante 58 anos, aqui na região leste de São Paulo e outros lugares. Logo após seu aniversário, em outubro do ano passado, ele subiu e agora pisca pra gente aqui embaixo, para que possamos nos inspirar e tentar escrever algumas pérolas, como esta que ele nos deixou: “Saudade: / esse capim novo que ora invade / meu canteiro verde de lembranças / onde sempre plantei a verdade. Saudade: / deu caruncho na felicidade / no feijão, no milho, na mandioca / ou no estalar sua pipoca / ou no comer sua tapioca. / Saudades / do beijo do Severino do Ramo / de ouvir o Akira recitando / nas festas do MPA. / dos nossos velhos novos planos / que se perderam com os anos / na plantação do meu pomar. / Saudade / da caminhada ao Casteluche / preparação do desmantelo / Ceciro, Osnofa e Gildão. / Saudade / do clima do quintal do Sacha / da ilusão de mil cachaças / da Célia fazendo o feijão / e o Zulu chamando o refrão. / Saudades / dos namoricos e paqueras / todas as meninas eram belas / só poesia e devaneio. / Saudade / de quando o povo rareava / lá pelas 4 da manhã / e o Gordo tocando o bongô. / Ô Gordo!” (“No Quintal do Sacha”. Link para o clipe em http://www.youtube.com/watch?v=WGS4X5W-6Dw)

RABERUAN!
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7.Já que disse que agora é também um Educador, como sente a educação praticada hoje?

A formal desinforma, e a informal preenche. Quero dizer com isso que no momento não sabemos o que estamos praticando. Estamos, para usar um termo marxista, alienados. E isso justamente no ambiente – a educação – onde deveríamos estar filtrando idéias e saberes.
Mas penso também que é um problema conjuntural e estrutural. Conjuntural,pois não pode ser pensado em partes, tem que ser pelo todo. E isso nos leva para a outra questão, estrutural, pois temos que pensar pelo viés da organicidade. As ações isoladas, que têm sido muitas, não se completam. Então, é preciso a instauração de uma nova ordem, que passe pela revalorização do papel do professor, do pesquisador, do pensador.

8.A arte pode contribuir com essa proposta?

Esse é o papel da arte: repensar, reponderar, des-represar a água que está contida. Em todos os campos, aspectos e narrativas.

9.O que o encanta?

Fazer novas amizades pelo Facebook, ouvir o bem-te-vi que canta na árvore da casa vizinha toda manhã, ver um botão novo numa das mini-roseiras que conservo em minha coleção de tetrapaks, ser acordado por uma ideia às 3 da manhã e ter que sair da cama para rascunhar a ideia que me tomou, comer pizza com meus filhos e a musa, ler Akira Yamasaki no metrô, ouvir Sacha Arcanjo no meu celular, ver um clipe novo do Edvaldo Santana no Youtube, trocar idéias com Marciano Vasques às sete da manhã pelas redes sociais, tudo isso me encanta...

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Com o cantor Jocélio Amaro, na noite de lançamento do livro O VOO DE PÉGASO

10.Afinal, você tem alguma hora de ócio?

Todo dia. Embora possa parecer que não, a todo momento me dou o direito de furtar um pouco de meu tempo para ficar a sós, comigo. E esses momentos são muito importantes, pois reabasteço as energias e as idéias para prosseguir a caminhada.

11.Quais  os seus projetos?

Estou escrevendo um novo livro, um romance. Rascunho ele num caderno universitário quando venho de trem para casa, à meia-noite, e de manhã digito.
E estou tomado pela ideia de finalizar o documentário sobre o Movimento Popular de Arte (MPA), de São Miguel, já que encontrei uma parceira para codirigir comigo esse projeto que tinha se tornado inviável para levar sozinho. Mas a Sheilinha Procópio, mal entrou em sintonia comigo, já se revelou a parceira ideal para levar a cabo esse empreendimento.

12.Deixe aqui a sua  mensagem final. Qual a sua Palavra Fiandeira? 

“Para aquele que pensa em desistir, dou idéias de outros caminhos. Para aquele que pensa em resistir, oferto novos argumentos. E para os que pensam em existir, dou minha mão: posso ir junto?”

Foto de Francisco Xavier ©


PALAVRA FIANDEIRA
Ano IV
Publicação digital semanal
Literatura e Artes
Edições aos sábados
Edição 93 — 24 Novembro 2012
Edição ESCOBAR FRANELAS

PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques




sábado, 17 de novembro de 2012

PALAVRA FIANDEIRA — 92




PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA

Publicação digital de Literatura e Artes

ANO 4 —Nº92— 17 Novembro 2012
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

NESTA EDIÇÃO:

MARCIANO VASQUES


Especialmente convidado para entrevistar: 
Marco Haurélio


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Desenho de Daniela Vasques
1.Quem é Marciano Vasques?
Alguém que não se desgruda de alguns valores e princípios, e acredita com firmeza que a arte pode aproximar as pessoas e tangenciar a possibilidade de reconstrução permanente de sociedades mais sensíveis, influenciando no ciclo cotidiano e na aspereza dos relacionamentos. Crê ainda na força mágica das letras e na fundação do ser para o mundo através do batismo poético. É alguém que teve uma infância privilegiada, na pobreza material, mas diante da riqueza do contato com os verdes eucaliptos e o azul das alvoradas e dos entardeceres, que ele soube contemplar, ao tempo em que foi  agraciado com a felicidade desenhada com nanquim.



2.Você nasceu em Santos, cidade fundada por Brás Cubas, personagem histórico que evoca um monumento de nossa literatura. Fale um pouco sobre isso.
Santos será sempre a evocação poética para mim, o chamamento para a literatura em sua pureza mais extrema. A cidade linda tem um mistério que não me abandona, que é o segredo da cortesia. Caminhar em maresia, estar diante da delicadeza de almas e vidas que se foram deixando seu rastro comovente nas histórias que podem ser narradas através da literatura é algo espantoso, que certamente mexe comigo. A lembrança dos trilhos e das manhãs douradas, da névoa ganhando os contornos de pessoas que chegavam e partiam, tudo isso me assombra e me resgata a cada dia. O pouquíssimo tempo que vivi em Santos foi o bastante para me marcar como alguém com segredos entesourados.

3.Marciano Vasques, numa época em que não havia a Internet e as dificuldades de comunicação eram bem maiores, você criou o boletim literário Churros, que extrapolou as fronteiras de nosso país. Qual o legado desta iniciativa para o escritor Marciano Vasques e para os que embarcaram nesta viagem?
Churros sinalizou algo imenso que se formou em minha infância, quando permanecia horas na terra do quintal desenhando mil capas de gibis e criando personagens. Quando fundei a publicação Churros, palavra com sentido duplo, no caso. Além do doce conhecido, que representa a doçura da poesia, em quaisquer de suas andanças pela alma, por mais rude que seja não pode ser desprovida da doçura, que lhe é essencial, e também o segundo significado, que é o caipira que deixa o seu pequeno mundo e vai para a cidade grande onde é alvo de gozação, de brincadeiras e de descaso. É um outro sentido da palavra, em Espanhol. E pois, com o boletim estava diante de personagens reais, o grande gibi da vida, os que velam pela grandeza do mundo. Churros irmanou-se ao movimento literário alternativo, do qual tanto me orgulho por ter participado. Guardo ainda hoje algumas cartas de leitores do Churros.
O boletim foi a minha primeira loucura, pois sacrifiquei a família, ao financiar sozinho, na gráfica, cada edição, além do dinheiro que gastava com correios. Como sempre fiz, publiquei com muito amor vários poetas apenas por conhecer pelo menos um de seus poemas. Por ter suaalmauniversal, Churros tornou-se querido e alvo de perplexidade por algunscríticosque, por serem medalhões cultuados, escreveram coisas estranhas em seus espaços na imprensa. E alguns escritores, pouquíssimos, ensinaram-me através de seus exemplos, que às vezes é melhor ficar com a literatura. Mas graças ao lema de CHURROS, "O poeta é um Pássaro sem Fronteiras", e também a Rosa dos Ventos, que indicava todas as direções, conheci pessoas extraordinárias e idealistas, como Rosemary Lopes Pereira, de acentuada doçura, e Zanoto, por quem viajei até Minas apenas para abraçá-lo, e também conheci poetas fecundos, de valorosa produção. O Movimento Literário Alternativo representou um momento de inflorescência da consciência de que só uma corrente de dedicação recíproca torna-se inquebrantável, e de que a poesia e as letras furam todos os bloqueios, para circular de acordo com a sua natureza, ou seja, a liberdade de espírito.

A rosa dos ventos, símbolo da publicação alternativa CHURROS


ALMAS BRILHANTES; Da galeria de amigos de Vasques, Rosemary Lopes Pereira

4.Poeta, contista, cronista, professor. Envolvimento total com a palavra escrita e falada. Quantos Marcianos cabem dentro de um Marciano Vasques?
Marciano é um nome que tem a criatividade do senhor Feliciano, que ligou duas coisas distintas para me nomear. Como nasci em Santos, quis ele que eu tivesse o nome de Mar azul... e por isso, escolheu a palavra ciano, que é um tipo de azul, e ao mesmo tempo juntou o ciano de seu próprio nome com o Mar de Marinha, minha mãe. Gosto sempre de contar essa história, que é a versão verdadeira, embora alguns bem sei ainda me considerem um tipo de alienígena, por meu suposto distanciamento de grupos e de movimentos.
Poeta, cronista, educador, homem... Somos um todo, uma complexidade universal ambulante. De um modo geral quase todos desprezam essa força que atua em cada um, e que nos põe diretamente em contato com a imensidão da coisas que são. Sempre é bom lembrar de Espinosa, e também de alguns escritores. Não estamos, em hipótese alguma, desamparados. E assim sou eu, todos dentro de um, não divisibilidade, pois aquele que se chora e se  ri, que espalha sua gargalhada e seu pranto solitário, é o mesmo que escreve, desenha, e se aventura na justa necessidade de ser.



5.Um de seus livros, A menina que esquecia de levar a fala Para a escola, tem um título instigante. É baseado em sua experiência como educador?
Pois é, na verdade esse título é de um conto que ganhou um concurso da Secretaria de Educação, em 1996, e posteriormente foi transformado em livro, pela audácia e perspectiva da editora, tornando-se uma obra trabalhada por psicólogos, assim como tomei conhecimento quando da minha primeira ida ao Rio de Janeiro. Assim, como Uma Dúzia de Meia de Bichinhos, que serviu de base num trabalho realizado com crianças, pela Doutora Rita Russo, da Universidade Metodista, esse livro é de fato utilizado por profissionais que lidam com questões assim.
Tem razão: é mesmo baseado em minha experiência e vivência como educador. Numa época em que as crianças estão tão agitadas e tagarelas, encontrei em minha trajetória na Educação, diversas meninas e também meninos caladinhos, introspectivos, fechados num mundo aparentemente impenetrável



6.Fale agora um pouquinho mais do Marciano Vasques poeta. Suas influências, referências, obras de cabeceira...
nos primórdios fui presenteado com os gibis, fui gibificado. Essa aventura enriqueceu a minha infância de tal forma que jamais consegui sequer pensar em me separar desse extraordinário mundo de nanquim. Depois, veio o cinema com sua força, e ter tido a oportunidade de ter visto na tela algumas obras, comoOs Brutos também Amam,Noites de Cabíria,Doutor Jivago(sai do cinema chorando, a minha sorte é que estava chuviscando em Sampa.  E pude caminhar nas calçadas disfarçado pelo chuvisco) e outras tantas... tornei-me um homem apreciador da arte do cinema. Referências literárias? Li diversos autores, como Henry Miller, passei pela fase de Ágatha Christie, li os autores latinos, como Mario Vargas Llosa e tantos outros, enfim, li bastante, e Jorge Amado, que me encantou com sua maneira de descrever a gente simples da Bahia. Alguns livros comoJubiabáretenho na memória, como se tivesse lido ontem. No mais, muita literatura infantil, sobretudo quando fui Professor Orientador de Sala de Leitura...  E também grandes poetas, como Eugênio de Andrade e outros. E com paixão de súbita felicidade li Clarice... Devo ter seguido o melhor exemplo, ler muito... Quem quer escrever deve ler muito.
Escrevi poemas na época do Churros, alguns cravejados de versos inesquecíveis para mim. Hoje sou um apaixonado pelo conto... Mas bem que um romance me atiça.

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Henry Miller e Eugênio de Andrade, leituras de Marciano Vasques


7.Como foi fazer um livro com a lendária escritora Tatiana Belinky, referência para todos nós que transitamos pela literatura infantil e juvenil?
É lindona. Quando a vi pela primeira vez, em 2001, num Seminário de Múltiplas linguagens da Literatura, a chamei de meu amor. Ela nunca se esqueceu disso. Quando a revi tempos depois, ela disse: é o barbudo, o meu amor. Muito serelepe e graciosa. Um encanto. Fazer o livro com ela foi uma das mais gratificantes experiências de minha vida. Foram momentos de felicidade indescritível estar ao seu lado naquela sala ouvindo as suas histórias e participando da seleção das fotos. Senti, a cada encontro, que ela estava muito feliz por esse livro que estava nascendo ali, em sua casa.

Numa tarde, enquanto a sua sobrinha - neta fazia um desenho dela no sofá, conversávamos e ríamos muito, pois é assim com ela, sempre foi. Depois, a sobrinha - neta esqueceu o desenho na mesinha de tampa de vidro, e eu, atualmente ladrão de flores, tratei de levar e pus no livro, para surpresa da Tatiana.
Tiramos muitas fotos, das quais, uma ou duas, sempre divulgo. Quando ela liga para mim de vez em quando, é impressionante quando digo alô. Reconhece de imediato a minha voz.
Foram dias de uma alegre experiência. E sempre na sala o lindão do cachorro Alf, protegendo a dona, claro.
Desenho da sobrinha-neta de Tatiana Belinky, no livro "Encontro com Tatiana Belinky"


8.Sua bibliografia é extensa e contempla vários gêneros. Então, vou, ardilosamente, pô-lo contra a parede. De todos os livros lançados, qual o favorito de Marciano Vasques?
Pergunta obviamente difícil. Todos são favoritos. Cada qual me traz uma alegria diversificada. Bem disse Borges, o livro é uma das formas de felicidade que a humanidade inventou, é mais ou menos isso que ele disse numa palestra em 1971.
Se fosse possível aqui falar de cada um, eu poderia expôr a felicidade que cada qual me trouxe: Rufina, pelas crianças da periferia, como uma menina dizendo que queria tanto ser a Rufina, a amizade e o contato espontâneo de cada criança com a personagem, desde a noite de lançamento no Memorial da América Latina, assim, comoUma dúzia de Meia de Bichinhos, em todos os lugares aonde vou, eUma Aventura na Casa Azul, pelo qual, recentemente, numa cidade onde estive, uma enxurrada de pequenos leitores querendo saber quem escreveu o bilhete para Vera Márcia... É, de fato, não tem mesmo um livro preferido.
Com a amiga Rufina, que inspirou o livro RUFINA, adorado pelas crianças.


Livro "Uma Aventura na Casa Azul" — Editora CORTEZ

9.Dois personagens seus, Rospo e Sapabela, são muito conhecidos de seus leitores. Ambos, em diálogos inteligentes, abordam variados assuntos, com uma filosofia muito peculiar, calcada na simplicidade. Fale um pouco mais desses queridos companheiros de jornada.

Rospo e sua amiga são originários de um jornal, o que me deixa muito feliz, pois isso me remete à infância quando lia as tiras dos quadrinhos, embora Rospo e Sapabela não sejam personagens de quadrinhos, por enquanto. Devo muito às tiras. Isso me lembra uma situação curiosa. Eu fazia uma revista mimeografada chamada Carolina, e caiu nas mãos do DOPS. Os homens ficaram furiosos, pois na capa estava escrito “Nove Tiras”...
Adorado pelas crianças, 
Rospo, um personagem com mensagem para os adultos, nas escolas infantis.
Mas então, o Rospo, a Colibrã (Mistura de Colibri com rã) e a Sapabela surgiram nas páginas do jornal GAZETA PENHENSE, para o público infantil, e as historinhas, em torno de mais de 300, foram trabalhadas por algumas professoras, de forma constante, e várias cartinhas começaram a chegar à redação. O diretor do Jornal entregou-me essas cartinhas, que eu guardo, como tudo que é precioso. Posteriormente, os personagens foram para o canal de TV da Rede Leste, de propriedade da Gazeta Penhense. Os bonecos foram feitos pelo amigo Beto dos Fantoches. Doutora Irene Serra ficou imediatamente apaixonada pelos sapos e os levou para a Internet, onde mais de uma centena de histórias foram publicadas, com ilustrações de Daniela Vasques, minha filha. Ocorre que os personagens aos poucos foram se tornando para adultos, embora continuassem e continuam sendo adorados pelas crianças, mas as histórias passaram a ser direcionadas para o público adulto.
Rospo e sua amiga, são profundamente comprometidos com os valores mais caros aos humanos, e são adeptos da liberdade de expressão e amantes da Filosofia. Querem resgatar algo muito precioso que é a conversa. Hoje, com mais de mil histórias publicadas, embora eu preserve a contagem do blogCasa Azul da Literatura, onde, até o momento, registrei apenas 840, eles seguem em frente, e na medida do possível vão demonstrando que tudo o que oprime o ser, tudo!, deverá ser combatido até ser erradicado da mente e das sociedades humanas, ou anfíbias.






10.Você lançará, em novembro, na Livraria Martins Fontes da Paulista, o livro O voo de Pégaso e outros mitos gregos (Volta e Meia). Nele, você reconta dez dos mais belos relatos da mitologia grega. Fale um pouco sobre esse projeto.
Esse projeto nasceu da necessidade de transmitir o pouco que sei e conheço a respeito da Mitologia, como forma de aproximar os humanos dos mais complexos labirintos da alma. Deuses não são inocentes, não estão à deriva, eles exercem sim o poder simbólico da mesma forma como ocorre nos contos de fadas e na maravilhosa literatura infantil, sendo que sempre me despertou a curiosidade,e essa não pode ficar sequer cochilando, esse passeio mágico, esse encontro entre Psiquê e Cinderela, entre Orfeu, os músicos de Brêmen eA cigarra e a Formiga. É uma coisa de fato fabulosa pois deságua nas fábulas. Isso tudo é para mim muito fascinante. Essas ligações ocorrem sim, nas mais distantes regiões, em todos os povos. Não são, como podem ser supostamente compreendidas, histórias da antiguidade, apenas. São para hoje, para serem lidas ou mentalmente vividas, diariamente, sem o sentido religioso, mas como o mais profundo simbolismo, que a literatura nos oferta, em sua eterna jovialidade, pela qual somos pobres em gratidão por conta de nossas vidas estarem mergulhadas no tempo da velocidade.
Pégaso é a minha nova alegria. Tão bonita, como o próprio livro.



11. A mitologia grega ainda está muito viva no nosso imaginário. Nos quadrinhos, cinema, literatura e até nas telenovelas, os seus motivos e arquétipos estão presentes. Nesse caleidoscópio, onde situar o novo livro de Marciano Vasques?
Numa esfera de delicadeza, onde um livro não acadêmico pode ser lido como um livro de pura literatura, como se estivéssemos diante de um romance fatiado em contos. Assim é oPégaso, um livro generoso, que pode sim iniciar o leitor nofantásticomundo da mitologia grega, e descobrir que o tempo não desbotou algo tão profundamente valioso, testemunha primeira das andanças da mente humana na história do pensamento. É para mim um livro apaixonante, como foi apaixonante escrevê-lo, e paixão sim, paixão pela aventura, pelos desatinos, pela loucura, pelos amores, pela doçura e pelos mistérios insondáveis, paixão: eis a herança maior na vida de todos.


12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual é a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Alegria. Sempre! Alegria é o passaporte para a felicidade. Pois de tristeza nos basta. Viver intensamente a vida dentro de nossas possibilidades, isso nos faz auferir que a grande aventura da vida está na simplicidade, é dela que surgem as mais promissoras complexidades, que são traduzidas na Literatura e nas Artes, e assim nos tornamos cúmplices da mais grandiosa necessidade: Entregar-se à alegria, e isso é possível na produtividade, como nos ensinaram alguns mestres.




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PALAVRA FIANDEIRA
Ano IV
Publicação digital semanal
Literatura e Artes
Edições aos sábados
Edição 92 — 17 Novembro 2012
Edição Marciano Vasques
PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

Agradecimentos especiais à MARCO HAURÉLIO, 
por ter aceito o convite para realizar a entrevista para esta edição.

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