EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 30 de março de 2013

PALAVRA FIANDEIRA — 109





PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA VIRTUAL

Publicação digital de Literatura e Artes

EDIÇÃO  109


ANO 4 —Nº109 —30 MARÇO 2013
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

LUNA VICENTE


1.Quem é Luna Vicente?
—Alguém que se dedica a modelar histórias e a própria vida. Que, assim como uma brincadeira de massinha, já se esculpiu e se desmanchou várias vezes procurando “formas” diferentes, mais elaboradas ou simplesmente para não endurecer. Mãe de um rapagão de 16 anos que vive com uma câmera fotográfica na mão, músicas na cabeça e já tem um olhar sensível de artista.


2.Nem preciso mencionar o quanto sou apaixonado pela sua arte. Conte, por favor, à Fiandeira sobre esse trabalho com massinha, que parece um projeto de delicadeza.
A origem desse trabalho é a cerâmica e a miniatura. Por muitos anos me dediquei ao ensino da cerâmica para crianças num ateliê de arte, em Curitiba, onde morava. Paralelamente fazia um trabalho autoral de miniaturas. Usava vários materiais, mas especialmente a cerâmica. Cheguei até a fazer parte de uma associação de miniaturistas. Coisa de gente meio maluca, que vira lilliputeano, mas que adoro e que me fez enxergar e valorizar os mínimos detalhes de tudo a minha volta. Graças à cerâmica me tornei extremamente paciente, aprendi a antever resultados, ter uma “disciplina” de trabalho e a planejar ações. Gosto da tridimensionalidade, de me expressar através do volume.
Por causa das miniaturas comecei a ilustrar para o mercado publicitário, mas usando massinha. Um pouco mais tarde, a convite, o livro “Cadê Clarisse?”, com texto de Sonia Rosa, foi meu primeiro trabalho editorial. E que veio em boa hora, por que com o meu filho pequeno, eu estava tomada e fascinada com o universo infantil e suas histórias reais e ficcionais.
Ao mesmo tempo que para mim se abriu uma nova possibilidade de trabalho, senti que não seria fácil conquistar um espaço na literatura, onde tradicionalmente há predominância das técnicas bidimensionais.

Moderna_atelie de escultura©

3. A sua infância tem alguma responsabilidade pela sua arte requintada?
—Toda. Convivi com pessoas na minha família que sempre valorizaram e se dedicaram ao fazer manual, e eram perfeccionistas. Meu avô era um excelente alfaiate. Lembro-me de uma ajudante dele que fazia pra mim, em poucos minutos, bebezinhos de retalhos de tecido menores que um polegar. Eu prestava atenção em todos os seus gestos, para não perder nenhum detalhe. A bisavó era uma exímia quituteira. Tenho lembranças da minha mãe fazendo bordados delicadíssimos, hoje ela se dedica ao crochê. Aprendi tudo com eles. Costuro, faço crochê, bordo. Acho que só não aprendi a cozinhar na infância porque a bisa não gostava que as crianças ficassem na cozinha.
Gostava de desenhar, brincar com bonequinhas de vestir de papel, pintar. A única coisa que não fazia era modelar, pelo menos não tenho nenhuma recordação disso.
Cursei o Ensino Médio profissionalizante de desenho arquitetônico e o que aprendi aplico principalmente quando construo os cenários para as ilustrações.

Com amigos do mundo literário©

4.Velha discussão: arte é só talento? Ou a técnica, o apuro técnico é predominante?
—As duas coisas estão intimamente ligadas. Acredito que o artista terá condições de se expressar plenamente se conhecer e dominar as possibilidades da técnica que se dispõe a trabalhar.


5.Nos encontramos pela última vez na “Noite de Pégaso”, na Livraria Martins Fontes. Tem algum  um novo livro em lançamento? Alguma data agendada?
Não tenho nenhum livro a ser lançado. Ando matutando alguns projetos autorais, mas ainda tem bastante trabalho pela frente. Tenho parceria com alguns escritores em andamento.
Com amigos artistas©

6.Luna, você ministra aula de ilustração? É isso? Qual é o público? Como o curso é desenvolvido? Pode falar sobre isso um pouquinho?
Ministro oficinas destinadas a todos os públicos, onde proponho atividades de modelagem com massinha ou argila, a partir da literatura oral ou escrita. Essas oficinas podem acontecer individualmente ou em grupos. Elas acontecem no meu ateliê, ateliê de parceiros, colégios etc.
Atendo também pessoas que me procuram querendo aprender técnicas de modelagem para desenvolver projetos específicos.

7.Tema já meio batido, mas a Fiandeira insiste: acredita no final do livro de papel?
—Prefiro não crer, apesar de sentir que o futuro aponta para isso. O livro eletrônico tem aspectos positivos, recursos sensacionais, mas não acredito que isso deve acontecer em médio prazo, como afirmam os entendidos em tecnologia. Acho que os dois formatos irão conviver ainda por muitas e muitas décadas. 

8.Qual foi seu primeiro livro, Luna? Você o ilustrou, escreveu, ou fez as duas coisas?
O primeiro livro que ilustrei foi o “Cadê Clarisse?”, com texto da Sonia Rosa.


9.Qual a sensação, o sentimento quando vê criancinhas nas suas oficinas de massinha de modelar?
Alegria e satisfação. É um momento de troca, onde quem aprende sempre sou eu. Não as ensino a modelar, crianças já sabem o que fazer com uma massinha nas mãos. Estou ali apenas pra estimular e orientar quando solicitada.


 Oficina de massinha de modelar ©

10. Você ilustra somente com massinha de modelar ou usa outros materiais?
Gosto muito de trabalhar com papel e tecido, apesar de nunca ter ilustrado nenhum livro de literatura com elas. Uso também outras massas para modelagem: papel machê, biscuit e cerâmica plástica.

11.A MENINA DERRETIDA é um livro por você ilustrado. Pode falar algo sobre essa menina?
É uma menina muito, mas muito sensível. Chora por qualquer motivo e tanto que um dia acabou por derreter. Quando pensei nas situações para tanto choro, procurei não subestimar o sentimento da personagem. E criei situações verdadeiramente passíveis de choro para uma criança como ela. Mas o desfecho é engraçado, a família toda é derretida.


  
12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Minha palavra fiandeira é a minha própria história e agradeço a você por me proporcionar essa prosa com tantas lembranças gostosas e poder compartilha-la com os seus leitores.


PALAVRA FIANDEIRA
Publicação digital de Literatura e Artes
Difusão cultural
Edições semanais aos sábados
Edição 109 — 30 de março de 2013/ANO 4
Edição LUNA VICENTE
PALAVRA FIANDEIRA
Fundada e editada pelo Escritor Marciano Vasques





sábado, 23 de março de 2013

PALAVRA FIANDEIRA — 108


ilustração de Klévisson Viana

PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA VIRTUAL

Publicação digital de Literatura e Artes

EDIÇÃO  108

ANO 4 —Nº108 —22 MARÇO 2013
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

KLÉVISSON VIANA




1.Quem é Klévisson Viana?

—Sou um artista popular, nascido na zona rural do Estado do Ceará, filho de um agricultor e de uma dona de casa, criado escutando Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino e também os cantadores, cordelistas, declamadores e vaqueiros aboiadores.
©

2. Já teve uma de suas obras de cordel adaptada pela Rede Globo. Pode nos contar sobre isso?

—“A QUENGA E O DELEGADO”, adaptado em 2001 para Série Brava Gente, com um grande elenco, tendo nos papeis principais Ana Paula Arósio e Ernani Moraes.

3.Uma obra colossal é Os Miseráveis, agora na versão musical fazendo sucesso na telona. Fale, por gentileza, da sua adaptação de “Os Miseráveis” para o cordel.

 —“OS MISERÁVEIS EM CORDEL”, lançado pela Editora Nova Alexandria, foi o primeiro título da coleção Clássicos em Cordel, coordenada pelo grande poeta e parceiro Marco Haurélio. Em 2010 o livro foi selecionado para o PNBE – Programa Nacional da Biblioteca Escolar e ficou conhecido em todo o Brasil. Adaptei, também, com grande sucesso “Dom Quixote” publicado pela Editora Manolle e “Os três mosqueteiros” publicado pela editora portuguesa Leya.


4.”A história completa de Lampião e Maria Bonita” é uma de suas obras, em parceira com Rinaré, (Rouxinol é o Fiandeiro 74). O título é fascinantemente curioso, afinal, tantas histórias já se contaram... Conte-nos, um pouco desse livro.

—Rouxinol trabalhou na minha Tupynanquim Editora por quase sete anos, e somos parceiros de muitas outras obras. Mas em “A HISTÓRIA COMPLETA DE LAMPIÃO E MARIA BONITA” procuramos ser extremamente fieis a história do cangaço, pois os textos escritos anteriormente em cordel sobre Lampião e Maria Bonita não tinham tanto rigor com a pesquisa. É um trabalho com diversas reedições, que desde que foi lançado em 2001, nunca deixou de ser reeditado.
Rouxinol, parceria com Klévisson


4. Carta de um jumento a Jô Soares, um de seus cordéis, me deixou amplamente curioso: Será que o Jô Soares deixou o jumento falar? Ou nada tem a ver o assunto do cordel?

— Fui entrevistado no programa do Jô Soares, e apresentei trechos desse folheto que agradou muito a platéia. A obra é escrita em parceria com meu irmão, o também poeta, Arievaldo Viana. O folheto surgiu a partir de uma notícia que Jô divulgou em seu programa em que um jumento só estaria custando R$ 1,00 no Nordeste. Diante da grande contribuição que o jegue deu para o desenvolvimento do Brasil, e em especial da Região Nordeste, considerei a notícia por demais ofensiva, daí então o jegue adquiriu voz e escreveu uma missiva ao grande apresentador, pedindo que ele se retratasse e divulgasse a verdadeira importância do jumento para o País.


5. Você é compositor, quadrinista, ilustrador, xilogravador, e compositor. Essa multiplicidade de talentos encontra um ponto de convergência? Isto é: sua arte, em si, é totalmente voltada para a divulgação da cultura nordestina, por exemplo? Fale ao leitor da Fiandeira um pouco sobre isso.

— Gosto de cantar as coisas do Brasil e principalmente do Nordeste, porque creio que esse é meu diferencial. Posso abordar qualquer temática, de qualquer parte do planeta, mas sei que o espaço que domino com mais categoria é a cultura da minha região. Então uso linguagens diversas para expressar minhas idéias e as coisas que acredito.
Klévisson: Aula espetáculo

6. O cordel está firme e parece que nunca esteve tanto, em sua produção, com muita gente talentosa, alguns com produção transbordante e fincando na pesquisa e na divulgação, caso de Marco Haurélio, que se consagra como um nome imperdível no universo do cordel. Assim sendo, pode nos traçar um breve panorama dos produtores contemporâneos de cordel?

Desses poetas que hoje ocupam lugares de destaque na Literatura de Cordel contemporânea, uma boa parte deles foram lançados por mim. Rouxinol do Rinaré, Evaristo Geraldo da Silva, Antônio Queiroz de França, Francisco Paiva Neves, Serra Azul, Julie Anne Oliveira, Ivonete Morais e muitos e muitos outros, provavelmente não teriam desenvolvido suas obras se não fosse o ponta-pé inicial que dei em investi meu dinheiro e meu talento na divulgação e difusão de suas obras. É certo que também me beneficiei disso, mas o que difere meu trabalho dos demais, é que sempre vi o cordel como uma empresa. E acho que a cultura deve procurar se desenvolver por conta própria, não ficar apenas esperando por subsídios públicos. É difícil um poeta de renome, na área da Literatura de Cordel, que não tenha sido publicado por mim, pelo menos uma vez. Da velha geração publiquei muito Mestre Azulão, João Firmino Cabral, Gonçalo Ferreira da Silva, Manoel Monteiro, João Lucas Evangelista, Bule-Bule, Antônio Américo de Medeiros, Antônio Alves da Silva, José Costa Leite, Zé Barbosa e muitos outros.
Marco Haurélio: Fiandeiro 60



7. João Grilo e Pedro Malasartes contracenam e são os protagonistas de um conto de Anderson, revisitado por Marco Haurélio, e ilustrado por você. Como vê a Literatura Clássica Infantil, os contos maravilhosos, para a criança de hoje?

—O cordel é uma arte irmã dos contos populares. Acho extremamente importante esse papel que os cordelistas procuram ter desde os primórdios dessa literatura de manter viva essa chama dos contos populares, que são historias eternas e universais. E Marco Haurélio, meu parceiro em vários, trabalhos é um mestre da nova geração.
Encontros

8. Você é também um proponente do Cordel em Sala de Aula? Num traçado geral, em que medida essa modalidade popular de literatura pode contribuir com a Educação de nossos Jovens?

— A Educação no Brasil, no Nordeste em especial, tem uma dívida imensurável com a Literatura de Cordel. Milhares de Nordestinos aprenderam a ler através da Literatura de Cordel. É uma linguagem de fácil compreensão, onde os recursos da métrica e da rima emprestam ao texto toda uma graciosidade e ludicidade que nenhum outro gênero literário consegue. Sem contar que o cordel goza de uma credibilidade que nenhum outro meio de comunicação experimenta, visto que representa a opinião do povo e é escrito do povo para o povo. Diferentemente dos grandes jornais e as grandes emissoras de televisão que sempre representam o interesse de um grupo ou de uma elite econômica.
 ©

9. Dizem que El Cid andou pelo Brasil, e também as sereias gregas, e tudo é um entrelaçamento infinito na cultura das vozes dos povos do mundo. O cordel é um dos propagadores dessa corrente que entrelaça culturas?

— El Cid – O Campeador, não é um personagem muito frequente na Literatura de Cordel Brasileira, mas outros nomes lendários como Roberto da Normandia (Roberto do Diabo), João de Calais, Imperatriz Porcina, Carlos Magno e os 12 pares de França e a Donzela Teodora são personagens europeus extremamente queridos e explorados em nossa literatura popular.
Carlos Magno ©

10. Dirige uma editora chamada Tupynanquim. Pode nos falar sobre ela, por favor?

— A Tupynnquim surgiu em 1995, inicialmente para produzir livros para UNICEF e revistas e jornais para diversas instituições. O interesse na Literatura de Cordel, enquanto produto editorial, só surgiu no inicio de 1999. Joseph Luyten, pesquisador holandês radicado no Brasil, teve uma grande influencia sobre isso. O cordel sempre fez parte da minha vida, mas foi através de Joseph, pesquisador da Literatura de Cordel, que descobri que precisava fazer algo urgente, pois o cordel não estava morto, mas com certeza estava na UTI.

Quando começamos muitos dos grandes poetas sobreviviam editando seus livrinhos precariamente em fotocopiadoras. Pequenas tiragens que não circulavam e não garantia a permanência dessa literatura. Durante o período dessa crise, que teve inicio em meados da década de setenta, os poetas se viram forçados apenas a publicar os folhetinhos de oito páginas, de gracejo ou de notícia. E o supra-sumo da Literatura de Cordel, que são os romances, as histórias de maior fôlego, que mostra todo o engenho do poeta criador, estavam praticamente extintas.

As novas gerações que iam surgindo não tinha contato e nem interesse de escrever romances para não publicar. Acho que uma das maiores contribuições do meu trabalho à frente da Tupynanquim Editora foi resgatar o romance de cordel. Publicamos cerca de 800 obras de mais de uma centena de poetas, veteranos e novatos. Dando um grande impulso para que a Literatura de Cordel chegasse aos nossos dias demonstrando tanto vigor. Ademais coordenei o Ponto de Cultura Cordel com a Corda Toda, onde levamos dezenas de oficinas de cordel, teatro e gravura para milhares de alunos da rede pública de Fortaleza.
Joseph Luyten —in Memória ©

11. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel? Qual a importância de se participar de uma entidade literária? O que faz uma Academia de Literatura de Cordel?

—Sou sócio-fundador e atual presidente da AESTROFE – Associação de Escritores, Trovadores e Folheteiros do Estado do Ceará, coordenamos a Praça do Cordel na Bienal Internacional do Livro do Ceará, o espaço mais democrático do Brasil para acolher o cordel. Realizamos em 2012 a I FEIRA BRASILEIRA DO CORDEL e agora em 2013 estamos nos preparando para realizar a segunda edição dessa feira, no mês de julho próximo, que se Deus quiser será um imenso sucesso. A importância de uma instituição como a ABLC – Academia Brasileira de Cordel é significativa. Pois todo trabalho que projeta nossos poetas e nossa literatura é para nós uma empreitada valorosa. Não resta a menor dúvida, que fazer parte do quadro de acadêmicos da ABLC é acima de tudo o reconhecimento merecido a um operário da arte que dedicou boa parte da sua vida a promover esse gênero literário.


12. Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?

—Minha palavra final é de agradecimento pelo espaço para falar das coisas que faço e gosto de fazer. E dizer aos leitores que minhas palavras FIANDEIRAS são:

Na mala do cordelista,
A que todos têm alcance,
O folheto é baratinho
E não é caro o romance.
Pois esse mundo encantado,
Vem sendo muito estudado
No globo terrestre inteiro...
Estude, fique instruído,
Pois o mundo está contido
Na mala do folheteiro!

@@@@


Klévisson Viana ©
  PALAVRA FIANDEIRA

ANO 4 —Edição 108
Edição Klévisson Viana
Publicação digital de Artes e Literatura
PALAVRA FIANDEIRA:
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

sábado, 16 de março de 2013

PALAVRA FIANDEIRA — 107




"Sem o sentimento creio que não há poesia, sem o lapidar da palavra e o sentimento creio que não há emoção estética."



PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA VIRTUAL

Publicação digital de Literatura e Artes

EDIÇÃO  107

ANO 4 —Nº107 —16 MARÇO 2013
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

LUIZ CARLOS TRAVAGLIA



1.Quem é Luiz Carlos Travaglia?
Um professor e pesquisador. Professor de Língua Portuguesa e Linguística e pesquisador na área de Letras e Linguística. Atuo no Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia. Aqueles que se interessarem podem ver outras informações e meu trabalho no site www.ileel.ufu.br/travaglia
2.Os diversos modelos de análises do estudo da Língua falada a credenciam como analisável? Qual o parâmetro primordial para se debruçar sobre a análise linguística da língua falada? Há um motivo subjacente, como, por exemplo, a necessidade de se preservar um tesouro?
A análise e descrição da língua falada é perfeitamente possível e nesta tarefa são utilizados os mais variados modelos e teorias linguísticas. Ao se voltar para o estudo da língua falada, o pesquisador ou pessoa interessada deve se lembrar de que ela é uma modalidade da língua diferente da língua escrita e não tentar ver o oral com o olhar que já tem sobre a língua escrita. Isto pode levar a distorções que algumas vezes aconteceram. O que nos leva ao estudo da língua falada é conhecê-la melhor, como ela é constituída e funciona, todavia às vezes tem-se realizado estudos para preservar ou manter um registro de línguas em extinção como algumas línguas indígenas.
Textos acadêmicos em parceria
3.Mussolini decretou uma lei proibindo o uso do mesmo pronome para os dois sexos. O povo obedeceu, mas quando o ditador saiu do poder, o povo voltou ao “Lei”...A língua falada obedece ao coração da multidão?
A língua tem uma vida própria estabelecida em uma sociedade e cultura e não obedece a leis a não ser as suas próprias. Pouca coisa na língua pode ser regulada por lei. Um aspecto é o fato de ela ser ou não adotada como língua oficial de um país, mas isto não garante que ela será adotada. Por exemplo, o Português é língua oficial em Moçambique, mas apenas pequena parte da população o usa no dia a dia. Outro aspecto é a ortografia, que regula como escrever as palavras, porque, como todos sabem, não há uma correspondência exata entre grafemas (letras) e fonemas. Assim escrevemos “casa” com esta forma por convenção ratificada em lei e no Vocabulário Ortográfico Oficial. Esta forma foi escolhida entre outras formas possíveis: kasa, caza, caxa (para a letra x representando o som z lembre-se de “exato”), etc. A ortografia é uma convenção e para criar uniformidade se estabelece como será por uma lei. Haja vista o recente acordo ortográfico entre os países de Língua Portuguesa. Uma lei como a feita recentemente no Brasil, segundo a qual se deve chamar presidentes mulheres de presidenta, pode ou não vingar.
Em lançamento de livro (Congresso ABRALIN): com Profª Graça (organizadora); Fernanda Henrique e Priscila Starosky  (colaboradoras)

4.Mia Couto fala sobre namorar a Língua. A oralidade não tem jeito. Faz as suas próprias leis como “Amada Amante”. Dessa forma, exemplifique as conquistas nos estudos da Linguística diante da indomável?
A língua, tanto falada quanto escrita, realmente tem mil encantos e nos surpreendemos constantemente, quando nos dedicamos a estudá-la, com a maravilha que ela é. Mas a língua oral não é tão “Amada Amante” como se supunha. Ela tem suas regularidades que não tinham sido ainda observadas. O Projeto Gramática do Português Falado Culto veio mostrar isto, bem como outros projetos de estudo de língua falada de diferentes regiões e grupos sociais. A Linguística hoje propõe, na verdade, que não há uma dicotomia entre língua falada e escrita, como dois pólos sem relação, o que existe é um contínuo em que se vai da língua totalmente falada até à totalmente escrita com estágios intermediários que inclusive se revelam em gêneros textuais diversos. Por exemplo, uma conferência é muito próxima da língua escrita e mais afastada da conversação espontânea, apesar de ser oral. Por outro lado um bilhete familiar pode se aproximar muito da conversação espontânea. No Brasil foi desenvolvido um grande projeto de estudo da língua falada que é o PGPF (Projeto Gramática do Português Falado Culto) em que se envolveram em torno de 80 linguistas do país. Este projeto gerou um grande número de estudos a partir de 1988, com muitas publicações e, no momento, está sendo consolidada a gramática de referência do Português Falado Culto que terá seis volumes, três dos quais já estão publicados pela Editora da UNICAMP: Vol I: Gramática do Português Culto Falado no Brasil – Construção do Texto Falado; Vol II: Gramática do Português Culto Falado no Brasil – Classes de palavras e processos de construção; Vol. III: Gramática do Português Culto Falado no Brasil – A construção da sentença.
                                                                                              Mia Couto ©
5.Considerando que a Ciência em qualquer ramo está em constante evolução e transformação, e nisso reside a sua postura de humildade, ao contrário do que se prega no senso comum, numa validação teológica, de que a Ciência seria a “dona da verdade”: Diante disso, em seu universo de atuação, há um modelo teórico de estudo da Língua que possa ser considerado perfeito ou definitivo, ou mais próximo de tal?
Não. Não há modelo perfeito nem um modelo definitivo. Acredito que o conjunto de teorias, modelos analíticos e correntes da Linguística, permitem aos poucos ter uma visão mais completa de como a língua é e de como funciona. O surgimento de cada teoria ou modo de ver a língua nos permite conhecer um pouco melhor este fato e fenômeno social. Hoje há um grande número de modelos e teorias que ajudam a estudar a língua, percebendo de forma mais abrangente sua riqueza.
6.Há quem prefira a semiótica do corpo. Os sinais da percepção, da atenção, as manifestações visíveis no rosto, nos gestos, nos olhos...Há quem acredite que a poesia seja o sumo da Língua Escrita. Diante de tantos dizeres e saberes, é certo se afirmar que, assim como, por exemplo, a Filosofia deve tentar ultrapassar os muros da Academia, a Linguística, sem perder seu caráter científico, deveria buscar uma aproximação com o entendimento popular?
No meu entender sim. Muito importante para qualquer ciência é o como ela pode contribuir para que a vida das pessoas seja melhor. Isto é que dá significado social a uma ciência. A Linguística tem procurado se aproximar das pessoas em geral e também buscar, para suas descobertas, usos que contribuam para melhorar a vida. Assim é que tem progredido significativamente a aplicação de suas descobertas ao ensino de língua materna e estrangeira, ao tratamento de patologias da linguagem, à terminologia, à tradução, à inteligência artificial entre outras áreas.
7.Deve o educador ensinar aos jovens a gramática normativa, a chamada norma culta, numa categoria imperativa? Durante duas décadas, muitos professores da Rede Pública da Educação em São Paulo introjetaram que a gramática estava fora. De forma simplificadora, podemos dizer que num ideal construtivista, gramática tornou-se um “bicho papão”. Diante disso, acredita que ocorreu uma perda na expressão da uma nova geração de alunos? Ou ainda, é possível o lúdico, o prazeroso no ensino da gramática?
Antes de mais nada é preciso esclarecer o que se entende por gramática: a) o mecanismo da língua presente de alguma forma em nossas mentes e que nos permite usar “automaticamente” a língua? – Gramática Internalizada; b) a descrição da língua feita pelos estudos linguísticos em todos os tempos? – Gramática Descritiva ou Teórica; c) um conjunto de regras para “bom uso” (o que seja isto não é idêntico para todos) da língua? – Gramática Normativa. Sabendo isto, podemos dizer que o que a Linguística e a Linguística Aplicada preconizam hoje é que não se deve dar muita ênfase à gramática descritiva, especialmente nas primeiras séries do Ensino Fundamental, em que se trabalharia apenas com conceitos e terminologia mínimos e necessários à alfabetização e ao letramento inicial. Nas últimas quatro séries do Ensino Fundamental e no Ensino Médio o ensino de descrição da língua iria crescendo, levando o aluno ao conhecimento teórico básico para uma atuação cultural relativa ao conhecimento sobre a língua. Quanto à Gramática Normativa o que se recomenda é que haja uma instrução do aluno para usar as diferentes variedades da língua (inclusive a norma culta) de maneira adequada à comunicação em situações de interação. Assim sendo, não se tem mais uma imposição da norma culta como a única forma possível de uso da língua. O ensino da norma culta é, todavia, visto como importante e devendo ser feito com certa ênfase pela escola, dada a importância social dessa variedade da língua, inclusive por ser o meio de divulgação de toda produção cultural. Mas o ensino de norma culta deve ser feito sem equívocos como o de achar que se ensina norma culta ao ensinar classificação de palavras e análise sintática, por exemplo, que são na verdade conhecimentos de gramática descritiva. A meu ver nunca se preconizou que a gramática estava fora: apenas se relativizou a importância que era dada ao ensino de gramática descritiva ou teoria gramatical e se recomendou que fosse dado valor à norma culta, mas dentro de um quadro como o que acabamos de configurar. Prejuízos à expressão, se houve, devem ser creditados talvez a outros fatores, inclusive a equívocos no entendimento do que era recomendado pela Linguística.
                                                  Autor Luiz Carlos Travaglia ©
8.Quando, em meados da década de 70, as meninas e os moços da PUC levaram para a periferia, nas reuniões técnicas e pedagógicas dos alfabetizadores de adultos, novas ideias, tidas então como revolucionárias no pensamento: como o relativismo; e a partir daí tudo se tornou relativo, isso de certa forma empobreceu a escrita ou a Língua falada? Ou houve um exacerbado movimento interpretativo do que se propunha? Isto é: de fato, nem tudo é relativo?
Não se trata bem de levar um relativismo ao ensino de língua materna. Como dissemos na questão anterior, buscou-se um trabalho melhor configurado em termos do que a Linguística descobria e continua descobrindo sobre a língua. Recomendava-se, por exemplo, passar de uma atitude imperativa em relação à norma culta como sendo a única que deveria ser usada, por ser a única correta, para uma atitude que considerava outras variedades da língua como igualmente válidas, dependendo da situação de uso, sem, todavia, desvalorizar a norma culta que tem de ser ensinada na escola a quem não a domina. Também se evidenciava que o ensino de gramática descritiva não tinha muita influência na competência comunicativa das pessoas e seu objetivo, portanto, não podia ser o desenvolvimento dessa competência. Era preciso antes saber usar os recursos da língua de forma adequada à produção de sentidos entre interlocutores, o que implica um trabalho voltado para o potencial significativo dos recursos da língua. O que talvez tenha gerado problemas no ensino tenha sido uma interpretação inadequada dessas propostas, mas não acreditamos que tenha havido empobrecimento da língua seja oral, seja escrita. O conceito de empobrecimento de uma língua é bastante discutível.
9.Curiosamente, Moji das Cruzes virou Mogi das Cruzes, Guaianases transformou-se em Guaianazes. Dessa forma, nos parece claro que o uso popular orienta e força, no bom sentido, uma adaptação do dicionário. Sendo assim, duas formas convivem, e em dado momento, uma, a “inventada” pelo popular, se torna predominante. Poderia, gentilmente, nos falar sobre isso?
No seu exemplo o que mudou foi apenas a ortografia e sobre isto já comentamos. Como dissemos, a língua é uma construção social e histórica e as línguas mudam, mesmo que uma geração não seja suficiente para perceber esta mudança. Se não mudassem ainda estaríamos falando e escrevendo Latim ou alguma outra língua anterior a ele. O que você refere são os fatos que a Linguística estuda como variação e mudança linguística. Na variação você tem diferentes formas coexistindo (por exemplo: você/ocê/cê ou para/pra). Num dado momento uma pode predominar e a outra ser “esquecida”. Evidentemente os estudiosos vão reconhecer que uma forma deixou de ser usada e isto será registrado em algum lugar (gramáticas, dicionários), consagrando-se a nova forma como “correta” ou a que existe. Embora falemos muito “cê vai na festa?” ainda escrevemos “você” e quando queremos usar norma culta dizemos ou escrevemos “Você vai à festa?”. Talvez algum dia escrevamos “cê” e o uso da preposição “em” com verbos de movimento passe a ser visto como norma culta, embora já seja usada há muito tempo. Apenas para ficar na regência verbal, “Você assiste o filme ou assiste ao filme”? Muitos insistem numa norma culta que exige que se diga “Assisti ao filme”, mas outros já acatam dizer “Assisti o filme”, como a norma culta atual e a outra forma como um arcaísmo. A validação das mudanças é lenta. É preciso não esquecer também que, na verdade, a norma culta falada é diferente da escrita em vários aspectos. Portanto, você tem razão: podemos dizer que o uso feito pelos usuários da língua é que manda, mas a aceitação oficial de uma nova forma é demorada.
Escrita originalmente indígena sofre influência popular; A língua escrita se transforma (foto©)
10.Pode expôr para a Fiandeira os seus livros? São todos voltados para a Gramática? Qual foi o seu primeiro título? Como surgiu, no senhor, esse interesse, essa gana da alma, de estudar a Língua?
Meu primeiro livro foi “O aspecto verbal no Português: a categoria e sua expressão”. Creio que posso dizer que tenho livros em duas linhas: uma mais teórica, descritiva da língua (O aspecto verbal no Português: a categoria e sua expressão; A coerência textual e Texto e coerência), outra mais voltada para a questão de como deve ser o ensino de Português para falantes nativos (Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática; Gramática: ensino plural e Metodologia e prática de ensino de Língua Portuguesa). Nesta segunda linha são incluídos os livros didáticos da coleção A Aventura da Linguagem (1º a 9º anos do Ensino Fundamental) que escrevi em conjunto com outros colegas. Minhas demais publicações (artigos e capítulos de livros diversos) também ficam nestas duas perspectivas e quem se interessar pode vê-los no site que indiquei na primeira pergunta.
                                                                           Livro de Luiz Carlos Travaglia
Não sei como tive essa vontade de trabalhar com a língua. Sei que desde os tempos de Ginásio (hoje parte final do Ensino Fundamental) eu já sabia que queria ser professor de Língua Portuguesa. O pesquisar a língua foi surgindo e crescendo com o tempo. Este trabalho para mim representa um prazer muito grande.
11.Penso que o aprendizado da Poesia transborda em Guimarães Rosa, penso que Jorge Amado nos transporta generosamente aos galanteios da voz popular. São vieses. Ainda com relação à questão literária aqui, a poesia, especificamente, deve lapidar-se ao máximo na forma apenas, ou é necessário, e até urgente nas circunstâncias contemporâneas, estar imbuída de sentimentos autênticos e profundos?
Sem dúvida as duas coisas, pois as duas são essenciais à poesia e à arte com a palavra em geral. Sem o sentimento creio que não há poesia, sem o lapidar da palavra e o sentimento creio que não há emoção estética. A arte literária demanda uma função poética da linguagem que, como ensinou Jakobson, foca na linguagem em si, mas o que essa linguagem veicula também é essencial.
Obra de Guimarães Rosas

12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
A palavra e todas as demais linguagens que o homem estruturou, para muitos por concessão divina ao homem, são um milagre que nos faz humanos. Como tal acredito que devem ser usadas para criar harmonia, encontro, paz, beleza. Aperfeiçoar-se no uso das linguagens especialmente da língua, da palavra é um dever de cada um de nós, assim como usá-las para o positivo. 
O que pode esta língua? (Caetano Veloso)
Caetano e Elza Soares cantam '´Língua", composição do artista.
                                                                                Livro de Luiz Carlos Travaglia


                              PALAVRA FIANDEIRA
Publicação digital de Literatura e Artes
Edição 107 —Luiz Carlos Travaglia
Publicação semanal
Edições aos sábados
PALAVRA FIANDEIRA:
Fundada pelo escritor Marciano Vasques