EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 23 de março de 2013

PALAVRA FIANDEIRA — 108


ilustração de Klévisson Viana

PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA VIRTUAL

Publicação digital de Literatura e Artes

EDIÇÃO  108

ANO 4 —Nº108 —22 MARÇO 2013
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

KLÉVISSON VIANA




1.Quem é Klévisson Viana?

—Sou um artista popular, nascido na zona rural do Estado do Ceará, filho de um agricultor e de uma dona de casa, criado escutando Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino e também os cantadores, cordelistas, declamadores e vaqueiros aboiadores.
©

2. Já teve uma de suas obras de cordel adaptada pela Rede Globo. Pode nos contar sobre isso?

—“A QUENGA E O DELEGADO”, adaptado em 2001 para Série Brava Gente, com um grande elenco, tendo nos papeis principais Ana Paula Arósio e Ernani Moraes.

3.Uma obra colossal é Os Miseráveis, agora na versão musical fazendo sucesso na telona. Fale, por gentileza, da sua adaptação de “Os Miseráveis” para o cordel.

 —“OS MISERÁVEIS EM CORDEL”, lançado pela Editora Nova Alexandria, foi o primeiro título da coleção Clássicos em Cordel, coordenada pelo grande poeta e parceiro Marco Haurélio. Em 2010 o livro foi selecionado para o PNBE – Programa Nacional da Biblioteca Escolar e ficou conhecido em todo o Brasil. Adaptei, também, com grande sucesso “Dom Quixote” publicado pela Editora Manolle e “Os três mosqueteiros” publicado pela editora portuguesa Leya.


4.”A história completa de Lampião e Maria Bonita” é uma de suas obras, em parceira com Rinaré, (Rouxinol é o Fiandeiro 74). O título é fascinantemente curioso, afinal, tantas histórias já se contaram... Conte-nos, um pouco desse livro.

—Rouxinol trabalhou na minha Tupynanquim Editora por quase sete anos, e somos parceiros de muitas outras obras. Mas em “A HISTÓRIA COMPLETA DE LAMPIÃO E MARIA BONITA” procuramos ser extremamente fieis a história do cangaço, pois os textos escritos anteriormente em cordel sobre Lampião e Maria Bonita não tinham tanto rigor com a pesquisa. É um trabalho com diversas reedições, que desde que foi lançado em 2001, nunca deixou de ser reeditado.
Rouxinol, parceria com Klévisson


4. Carta de um jumento a Jô Soares, um de seus cordéis, me deixou amplamente curioso: Será que o Jô Soares deixou o jumento falar? Ou nada tem a ver o assunto do cordel?

— Fui entrevistado no programa do Jô Soares, e apresentei trechos desse folheto que agradou muito a platéia. A obra é escrita em parceria com meu irmão, o também poeta, Arievaldo Viana. O folheto surgiu a partir de uma notícia que Jô divulgou em seu programa em que um jumento só estaria custando R$ 1,00 no Nordeste. Diante da grande contribuição que o jegue deu para o desenvolvimento do Brasil, e em especial da Região Nordeste, considerei a notícia por demais ofensiva, daí então o jegue adquiriu voz e escreveu uma missiva ao grande apresentador, pedindo que ele se retratasse e divulgasse a verdadeira importância do jumento para o País.


5. Você é compositor, quadrinista, ilustrador, xilogravador, e compositor. Essa multiplicidade de talentos encontra um ponto de convergência? Isto é: sua arte, em si, é totalmente voltada para a divulgação da cultura nordestina, por exemplo? Fale ao leitor da Fiandeira um pouco sobre isso.

— Gosto de cantar as coisas do Brasil e principalmente do Nordeste, porque creio que esse é meu diferencial. Posso abordar qualquer temática, de qualquer parte do planeta, mas sei que o espaço que domino com mais categoria é a cultura da minha região. Então uso linguagens diversas para expressar minhas idéias e as coisas que acredito.
Klévisson: Aula espetáculo

6. O cordel está firme e parece que nunca esteve tanto, em sua produção, com muita gente talentosa, alguns com produção transbordante e fincando na pesquisa e na divulgação, caso de Marco Haurélio, que se consagra como um nome imperdível no universo do cordel. Assim sendo, pode nos traçar um breve panorama dos produtores contemporâneos de cordel?

Desses poetas que hoje ocupam lugares de destaque na Literatura de Cordel contemporânea, uma boa parte deles foram lançados por mim. Rouxinol do Rinaré, Evaristo Geraldo da Silva, Antônio Queiroz de França, Francisco Paiva Neves, Serra Azul, Julie Anne Oliveira, Ivonete Morais e muitos e muitos outros, provavelmente não teriam desenvolvido suas obras se não fosse o ponta-pé inicial que dei em investi meu dinheiro e meu talento na divulgação e difusão de suas obras. É certo que também me beneficiei disso, mas o que difere meu trabalho dos demais, é que sempre vi o cordel como uma empresa. E acho que a cultura deve procurar se desenvolver por conta própria, não ficar apenas esperando por subsídios públicos. É difícil um poeta de renome, na área da Literatura de Cordel, que não tenha sido publicado por mim, pelo menos uma vez. Da velha geração publiquei muito Mestre Azulão, João Firmino Cabral, Gonçalo Ferreira da Silva, Manoel Monteiro, João Lucas Evangelista, Bule-Bule, Antônio Américo de Medeiros, Antônio Alves da Silva, José Costa Leite, Zé Barbosa e muitos outros.
Marco Haurélio: Fiandeiro 60



7. João Grilo e Pedro Malasartes contracenam e são os protagonistas de um conto de Anderson, revisitado por Marco Haurélio, e ilustrado por você. Como vê a Literatura Clássica Infantil, os contos maravilhosos, para a criança de hoje?

—O cordel é uma arte irmã dos contos populares. Acho extremamente importante esse papel que os cordelistas procuram ter desde os primórdios dessa literatura de manter viva essa chama dos contos populares, que são historias eternas e universais. E Marco Haurélio, meu parceiro em vários, trabalhos é um mestre da nova geração.
Encontros

8. Você é também um proponente do Cordel em Sala de Aula? Num traçado geral, em que medida essa modalidade popular de literatura pode contribuir com a Educação de nossos Jovens?

— A Educação no Brasil, no Nordeste em especial, tem uma dívida imensurável com a Literatura de Cordel. Milhares de Nordestinos aprenderam a ler através da Literatura de Cordel. É uma linguagem de fácil compreensão, onde os recursos da métrica e da rima emprestam ao texto toda uma graciosidade e ludicidade que nenhum outro gênero literário consegue. Sem contar que o cordel goza de uma credibilidade que nenhum outro meio de comunicação experimenta, visto que representa a opinião do povo e é escrito do povo para o povo. Diferentemente dos grandes jornais e as grandes emissoras de televisão que sempre representam o interesse de um grupo ou de uma elite econômica.
 ©

9. Dizem que El Cid andou pelo Brasil, e também as sereias gregas, e tudo é um entrelaçamento infinito na cultura das vozes dos povos do mundo. O cordel é um dos propagadores dessa corrente que entrelaça culturas?

— El Cid – O Campeador, não é um personagem muito frequente na Literatura de Cordel Brasileira, mas outros nomes lendários como Roberto da Normandia (Roberto do Diabo), João de Calais, Imperatriz Porcina, Carlos Magno e os 12 pares de França e a Donzela Teodora são personagens europeus extremamente queridos e explorados em nossa literatura popular.
Carlos Magno ©

10. Dirige uma editora chamada Tupynanquim. Pode nos falar sobre ela, por favor?

— A Tupynnquim surgiu em 1995, inicialmente para produzir livros para UNICEF e revistas e jornais para diversas instituições. O interesse na Literatura de Cordel, enquanto produto editorial, só surgiu no inicio de 1999. Joseph Luyten, pesquisador holandês radicado no Brasil, teve uma grande influencia sobre isso. O cordel sempre fez parte da minha vida, mas foi através de Joseph, pesquisador da Literatura de Cordel, que descobri que precisava fazer algo urgente, pois o cordel não estava morto, mas com certeza estava na UTI.

Quando começamos muitos dos grandes poetas sobreviviam editando seus livrinhos precariamente em fotocopiadoras. Pequenas tiragens que não circulavam e não garantia a permanência dessa literatura. Durante o período dessa crise, que teve inicio em meados da década de setenta, os poetas se viram forçados apenas a publicar os folhetinhos de oito páginas, de gracejo ou de notícia. E o supra-sumo da Literatura de Cordel, que são os romances, as histórias de maior fôlego, que mostra todo o engenho do poeta criador, estavam praticamente extintas.

As novas gerações que iam surgindo não tinha contato e nem interesse de escrever romances para não publicar. Acho que uma das maiores contribuições do meu trabalho à frente da Tupynanquim Editora foi resgatar o romance de cordel. Publicamos cerca de 800 obras de mais de uma centena de poetas, veteranos e novatos. Dando um grande impulso para que a Literatura de Cordel chegasse aos nossos dias demonstrando tanto vigor. Ademais coordenei o Ponto de Cultura Cordel com a Corda Toda, onde levamos dezenas de oficinas de cordel, teatro e gravura para milhares de alunos da rede pública de Fortaleza.
Joseph Luyten —in Memória ©

11. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel? Qual a importância de se participar de uma entidade literária? O que faz uma Academia de Literatura de Cordel?

—Sou sócio-fundador e atual presidente da AESTROFE – Associação de Escritores, Trovadores e Folheteiros do Estado do Ceará, coordenamos a Praça do Cordel na Bienal Internacional do Livro do Ceará, o espaço mais democrático do Brasil para acolher o cordel. Realizamos em 2012 a I FEIRA BRASILEIRA DO CORDEL e agora em 2013 estamos nos preparando para realizar a segunda edição dessa feira, no mês de julho próximo, que se Deus quiser será um imenso sucesso. A importância de uma instituição como a ABLC – Academia Brasileira de Cordel é significativa. Pois todo trabalho que projeta nossos poetas e nossa literatura é para nós uma empreitada valorosa. Não resta a menor dúvida, que fazer parte do quadro de acadêmicos da ABLC é acima de tudo o reconhecimento merecido a um operário da arte que dedicou boa parte da sua vida a promover esse gênero literário.


12. Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?

—Minha palavra final é de agradecimento pelo espaço para falar das coisas que faço e gosto de fazer. E dizer aos leitores que minhas palavras FIANDEIRAS são:

Na mala do cordelista,
A que todos têm alcance,
O folheto é baratinho
E não é caro o romance.
Pois esse mundo encantado,
Vem sendo muito estudado
No globo terrestre inteiro...
Estude, fique instruído,
Pois o mundo está contido
Na mala do folheteiro!

@@@@


Klévisson Viana ©
  PALAVRA FIANDEIRA

ANO 4 —Edição 108
Edição Klévisson Viana
Publicação digital de Artes e Literatura
PALAVRA FIANDEIRA:
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

2 comentários:

  1. Depois de tanto ouvir falar de você, prazer em conhecê-lo, Klévisson!

    ResponderExcluir
  2. Mais uma esclarecedora entrevista com um dos grandes agitadores culturais do Ceará e uma das maiores vozes da literatura de cordel.

    ResponderExcluir