EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 61



PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
28/ABRIL/2011
Ano 2 — Nº61

NESTA EDIÇÃO:

ANGELA LEITE DE SOUZA
Foto: Marcus Castilho

PALAVRAS EM PLENO VOO

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TEMPOS DO TEMPO DE ÂNGELA LEITE

1. Quem é Angela Leite de Souza?
Os que me conhecem mais de perto dizem que são duas: a profissional, cheia de energia, que batalha incansavelmente para manter o espaço conquistado e que teve até coragem de encarar um concurso público aos 53 anos de idade, iniciando nova carreira; e a outra, introspectiva, de pouco falar e muito escutar, quase tímida, um coração de manteiga...


2. Você é feita de coração, e certamente poderá dizer e apontar aos nossos leitores
logo de entrada, um jeito de viver.
Já percebi tudo, caro entrevistador, você quer me interpretar pelo que escrevo, não é? Um jeito de viver que considero bom é o do personagem do livro que tem esse título e que é até hoje um dos meus best sellers – sonhando e amando, sempre e acima de tudo. Difícil, mas não impossível.




3.Angela Leite, tudo pode ser brinquedo?
Pode, embora, muito incoerentemente eu tenha a mania de levar tudo muito a sério. Sinto, porém, que a maturidade tem me dado alguma leveza. E, por outro lado, ao me dedicar cada vez mais à literatura infanto-juvenil, escrevendo ou ilustrando, consegui fazer da brincadeira o meu trabalho.

4. Sempre que eu a vejo em foto ou num vídeo, na maioria das vezes está de vermelho, uma blusa, um detalhe... Isso é apenas coincidência, ou tem algum significado?
Tenho fascinação por vermelho e sei, vaidosa que sou, que essa cor favorece muito as morenas...

5. Fez recentemente sua estreia no mundo digital de vez, com o lançamento de seu primeiro e-book. Consideramos que a emoção de um livro de papel já é nossa velha conhecida, como foi então a sua emoção diante desse seu primeiro livro digital?
A primeira sensação que tive – afora o encantamento de ir acompanhando a criação das ilustrações, que o JPVeiga me enviava aos poucos – foi a de me jogar em um precipício: o novo, o desconhecido, cercado de tantas reservas... Mas, à medida que vou me “enfronhando” mais nesse mundo digital, sinto que estou no caminho certo e que o futuro pode me reservar muitas alegrias. A emoção de cada “filho literário” que nasce é sempre grande. Mas, para dizer a verdade, quando fica pronto um novo livro meu, e recebo os primeiros exemplares da editora, morro de medo de folheá-lo e me arrepender de alguma coisa, ou descobrir um erro imperdoável! Então, costumo adiar um pouco o prazer do “cheirinho de papel” que o livro impresso oferece.

6. Nesse livro seus poemas resgatam uma antiga arte japonesa, o haicai. Conte como chegou a esta releitura do fazer poético japonês, sendo que já peregrinou por esse caminho em outras obras, sim?
Realmente, “Tempos do Tempo” é o quarto livro de haicais que publico. Sem contar alguns avulsos que estão no livro “Estas muitas Minas” e mais umas dúzias que ainda vão virar novos livros. Eu sempre fui muito sintética ao escrever e, há muitos anos, estava eu entregando uns poemas para serem publicados no Suplemento Literário do “Minas Gerais”, quando fui apresentada ao poeta Yacilton Almeida. Ele quis conhecer minha poesia e, ao ler, exclamou: “Você é uma haicaísta nata!” Eu nem sabia se estava sendo elogiada ou não... E tive ali mesmo uma pequena aula sobre o haicai, depois complementada por muitas leituras teóricas e de haicais de autores japoneses e brasileiros que praticaram/praticam essa arte. Só então comecei a experimentar o gênero e tentar corresponder ao que o Yacilton dissera. E me exercitei tanto que hoje tenho dificuldade de escrever poemas extensos. Por que gastar tantas palavras se em três versos é possível contar uma história, ou fazer uma reflexão, ou capturar o momento?

7. Ainda sobre o seu primeiro livro digital, poderia nos dizer quais são os tempos do tempo? Sem entregar o ouro do livro, claro.
O tempo, na nossa língua, tem duas acepções. À medida que um passa, o outro pode mudar muito... Deixo aí a charada e quem quiser decifrá-la, por favor, que entre em alguma livraria virtual e procure encontrar meu eBook, sem perda de tempo!

8. Angela, palavras são pássaros?
Sim, e acho que a maioria dos escritores sabe que, por seguro, é bom ter um alçapão à mão.


9. Quando sentiu pela primeira vez que as palavras são pássaros? Era uma menininha? Uma adolescente?
Talvez a menina que escreveu, com letra incerta de principiante, um texto intitulado “Discurso” e que começava assim: “O dono do Brasil morreu” – já intuísse o quanto a vida pode ser efêmera. Daí, a necessidade de prender logo no papel os acontecimentos importantes. Daí, também, a escolha do jornalismo, como primeira profissão. Mas acho que foi na adolescência, ao ensaiar a poesia, que ela descobriu o quanto as próprias palavras são fugidias e ai de quem não segurá-las enquanto estão passando, apressadas, no redemoinho de nossos pensamentos!

10. Pegar as palavras em pleno voo é o seu jeito de fazer poesia e ser poeta. Mas a poesia é também o jeito que achou de não parar mais de brincar. Poderia, por favor, nos falar sobre isso?
—   Acho que já adiantei esse tema ao responder a sua terceira pergunta. Mas posso —   acrescentar alguma coisa. Por exemplo, por que o lúdico tem de desaparecer de nossas vidas quando nos tornamos adultos? Não é brincando que a criança aprende a viver a vida real? Certa vez, uma psicóloga considerou como algo negativo, ou seja, como um sinal de imaturidade, essa “solução” que eu havia   encontrado na vida profissional.. Na época, isso me atormentou um pouco. Hoje acho muita graça: que bom que não matei de todo a criança dentro de mim.
11. Essa imagem de palavras em pleno voo é um encanto. Poderia nos exemplificar um pouco como as palavras podem estar em pleno voo?
É aquela metáfora que inventei anteriormente: as palavras (ou ideias, ou imagens) começam a se agitar dentro de nós, como pássaros, como insetos, oferecendo-se muito brevemente a nossa escolha. Sem mais nem menos, escapam, e dificilmente conseguimos alcançá-las de novo. Se não tivermos por perto a nossa rede de entomologista – o papel e o lápis, ou o laptop - adeus verso ou frase!

12. E por conta dessa realidade tão virtual, de movimentos incessantes, como deve ser para uma criança estar diante de uma palavra impressa no papel, uma palavra que não se move? Ou a palavra impressa tem movimento? Sendo assim, como levar uma criança a perceber isso?
Penso que a palavra não precisa se mexer fisicamente para mexer com a cabeça, a imaginação e o senso estético de uma criança. Sua capacidade de fantasiar é tão grande que com toda a certeza, para ela, as palavras dançam, cantam, aprontam sempre. Confio nisso. Porém, penso que o mundo virtual se tornou tão real e tão preponderante para as novas gerações que o caminho talvez venha a ser animar até mesmo as letras. A poesia concreta, por exemplo, já faz isso há muito tempo. Só não contava ainda com a tecnologia digital para ir mais além.

13. Quando aconteceu e como foi a sua comemoração dos 25 anos de carreira?
Aconteceu em 2006, na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. A ilustradora e artista plástica Regina Rennó organizou uma retrospectiva da minha produção e houve uma performance surpresa, preparada por um grupo de teatro que interpretou trechos de livros meus. Para culminar tanta emoção –pois compareceram até parentes de outra cidade a essa festa – o grupo “Tudo era uma vez”, formado por Dôra Guimarães e Elisa Almeida, presenteou-me declamando, com competência e sensibilidade, alguns poemas meus. Foram momentos que não vou esquecer.

14. Você enviou de Belo Horizonte um livro para uma menina chamada Melissa, com uma dedicatória repleta de lindeza. Claro que esse seu gesto é altamente revelador da personalidade de sua condição de poeta. O que demonstra não haver contradições entre o ser que escreve poemas e a pessoa que se diz Angela... Para você, isso é natural, não é?

Como disse lá no comecinho desta conversa, tenho a minha dualidade, como quase todo mundo. Fui uma criança calma, dócil e, ao mesmo tempo, moleca, alegre. Adulta, tornei-me reservada, mas irônica, lutadora, mas que foge de brigas. Unindo tudo isso, tenho uma sensibilidade à flor da pele, que me faz cultivar a delicadeza. Talvez como um meio de me proteger... E esse modo de ser é, sim, muito natural para mim.

15. Participou de um evento ao lado de Lino de Albergaria, e estava radiante, como só poderia, mas conte-nos sobre esse evento.

Você deve estar se referindo à nossa foto, tirada no dia em que lançamos, em 2009, “sinos_e_queijos.com”, um livro escrito a quatro mãos. Foi um lançamento coletivo promovido pela Editora Dimensão num espaço muito agradável, em Belo Horizonte, e o clima era mesmo de festa e alegria. Esta foi mais uma das muitas parcerias que já fiz com esse grande autor, pois temos uma sintonia fina que permite mesclar nossos estilos com harmonia. E o Lino, além de colega de letras e de trabalho (na Assembleia Legislativa), é um querido velho amigo.

16. Conte como foi para você "chutar o balde", e onde os leitores podem ler essa sua crônica?
A crônica foi publicada na “coluna virtual” que assino no site www.primeiroprograma.com.br Como é uma colaboração semanal, talvez não esteja mais acessível no link que remete aos textos anteriores... Foi o relato de umas férias que resolvi tirar, por 24 horas, das minhas muitas responsabilidades. É possível, é saudável, é inofensivo, eu recomendo.

17. Envolveu-se com alma numa pesquisa sobre as montanhas de Minas. Poderia, por gentileza, nos falar sobre esse projeto e no que ele resultou?
Creio que você está se referindo ao meu mais recente e acalentado projeto, que se concretizou no livro “Um verso a cada passo – a poesia na Estrada Real”, publicado pela Editora Autêntica no ano passado. Não foi, portanto, apenas nas montanhas mineiras que me embrenhei e sim nesse longo e histórico percurso que atravessa três estados brasileiros e ainda deriva para a Bahia. Foram cinco anos de pesquisas, leituras e coleta de imagens e materiais com que eu iria ilustrar os poemas que compõem o livro, usando a técnica de bordado e colagem em tecido. Valeu a pena tanto trabalho: ele participou da Feira de Bolonha, na Itália, recebeu o selo “Altamente Recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, FNLIJ, e, mais recentemente, foi selecionado para o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, PNBE. 

18. Seu livro "As Duas Vidas de Helena" é um livro juvenil? Conte algo sobre ele, como pode ser encontrado, etc...



— “As duas vidas de Helena” foi publicado pela Editora Paulus em 2006 e é um livro escrito sobre e para adolescentes. Conta a história das dificuldades de adaptação de uma menina que muda de cidade e de escola, fala do despertar do coração e da necessidade de sermos autênticos para viver com mais felicidade.

19. Minha família ama você.  Fale sobre a sua infância, para que possamos ter pistas do desenvolvimento dessa forma de ser de Angela Leite...
Esse “declaração coletiva” me acalenta a alma, acredite!
Tive uma infância muito feliz, cercada de pais amorosos e uma grande família – como costumam ser as mineiras – tanto do lado paterno quanto materno. Esses muitos tios e tias, além dos avós, me contavam charadas e adivinhas, lorotas e histórias, formando o repertório de lembranças que venho transpondo para minha obra. Como passei a primeira infância numa Belo Horizonte muito pacata, em casa com quintal, brincando livremente na rua e sem tantas diversões quanto tem a criançada de agora, precisava de recorrer à imaginação, aos materiais caseiros e aos poucos brinquedos industrializados disponíveis para me divertir. E, com isso, exercitei uma habilidade que considero mais preciosa ainda que a criatividade: a de me contentar com muito pouco e nunca sentir tédio.

20. Tem o sobrenome Leite, e dessa palavra vem Leitura, que é, de forma resumida, o leite da alma... Como vê o suposto distanciamento das crianças da leitura nesses dias de apetrechos tecnológicos tão fascinantes, entre os quais o celular, e assim sendo, dê uma dica sobre o que pensa que poderia ser feito para atrair de vez os meninos para a leitura.
Como disse na resposta anterior, tive de fato essa nutrição, inclusive de muita leitura, em minha formação. Não há outro jeito de levar as novas gerações ao livro, penso, senão lendo com eles desde muito pequenos, enchendo o quarto e a casa de livros, demonstrando através de nosso comportamento o prazer que a leitura traz. Mesmo sabendo que o livro digital certamente irá preponderar num futuro não muito distante, não acredito no desaparecimento do livro de papel. Por isso, nós que temos no livro uma das nossas razões de ser, devemos agir como se seu desaparecimento seja uma impossibilidade e prosseguir cultivando/incutindo o amor a esse objeto mágico, apesar de tão desprovido de tecnologia.

21. Ainda no rastro da pergunta anterior, considera que a escola precisa passar por alguma revolução ou o aluno que tem que ser enquadrado numa escola que de modo geral não satisfaz o espírito da época?
A escola risonha e bela daquele hino que cantávamos na década de 50 nunca se concretizou, nem mesmo em Summerhill. De lá para cá, a pedagogia passou por n metamorfoses, assumiu posturas as mais diversas – indo de um fantástico Paulo Freire a desastres como o banimento da repetência. Hoje, o que se constata no Brasil é a generalizada deterioração do ensino, em razão de políticas educacionais que não promovem o professor nem incentivam essa carreira. Em suma, ainda está por surgir entre nós o sistema, não digo perfeito, mas suficientemente bom para elevar a qualidade da aprendizagem e, consequentemente, a dos formados e dos futuros mestres. Essa a grande revolução que se espera e que pode fazer do brasileiro um leitor no sentido mais completo do termo.

22. É uma autora voltada para a Literatura Infantil, inclusive com Poesia... Considera que a Literatura Infantil seja somente para crianças?
Comecei na literatura escrevendo para os adultos e só oito livros mais tarde publiquei o primeiro para crianças. Daí por diante, o gosto de escrever para esse público, somado à possibilidade, que logo descobri, de também ilustrar os textos, me levou à especialização nesse gênero. É claro que tenho uma faixa etária em mira quando crio histórias, poemas ou imagens. Mas, assim como a minha “criança interna” se diverte escrevendo e ilustrando, a de outros adultos certamente poderá se identificar nos livros infanto-juvenis. Um exemplo: uma tia minha, aos 80 anos, tinha na cabeceira um livro meu de poemas para crianças que ela lia todas as noites, antes de dormir. E me dizia que se emocionava sempre... A poesia, especialmente, é uma linguagem que aproxima crianças e adultos, penso eu.


23. De um modo geral é difícil lidar e até romper com os entraves e as dissonâncias do espírito que paira nos grupos, e isso não é definitivamente um fenômeno apenas contemporâneo nem exclusivo do Brasil, mas percebo em você um trânsito de sua alma (nenhum sentido religioso aqui nessa palavra) que faz com que ultrapasse tais coisas com delicadeza e serenidade. Acredita que o amor pela arte da literatura pode modificar circunstâncias?
O coletivo é sempre muito difícil mesmo de administrar. Estar bem dentro de um grupo composto por pessoas com um interesse comum pode ajudar bastante, mas a consonância não é necessariamente o que acontece. As pessoas são falíveis, trazem bagagens bem distintas umas das outras, o que constitui sua riqueza, têm suas complexidades e, no campo da arte, suas ambições e vaidades também. O que não se pode, quando se é parte de um grupo ou associação, é deixar o bom senso e a serenidade serem vencidos pela paixão e pela parcialidade. Assim sendo, o amor, não somente pela arte, mas também pela harmonia, é o que mais conta.

24.Conte-nos algo sobre o livro "A Cotovia e Outras fábulas".

— “A cotovia e outras fábulas” são criações de Leonardo da Vinci, que eu recontei a partir de outras versões a que tive acesso. O livro foi publicado pela Dimensão e ilustrado, para minha alegria, pelo Rui de Oliveira, o que resultou num primor visual. É mais uma faceta do gênio do Renascimento, que poucas pessoas conheciam – a do fabulista. E o interessante é que são fábulas em geral poéticas e não com aquele habitual cunho moralista, mas somente filosófico.

25. Trabalhou na imprensa, na Revista VEJA, no Jornal do Brasil... O que escrevia? Crônicas? Crítica Literária? Diga aos nossos leitores sobre esse período e essa sua atuação na Imprensa.
Comecei no jornalismo na editoria de pesquisa de O Globo, como redatora. E esta foi a função que sempre exerci, trabalhando nas mais diversas editorias e áreas. VEJA foi a minha principal escola, porque passei por lá em sua época áurea – fim dos anos 60. Mas, paralelamente ao trabalho de redação, também fazia crítica de livros e de cinema. Para meu espanto, fiquei com fama de impiedosa nesse mister...
Continuei colaborando para diversos jornais e revistas, sempre preferindo fazer resenhas; nos últimos tempos, de literatura infantil e juvenil.

26. Seu livro de estréia foi Amoras com açúcar ? Poderia nos resgatar esse extraordinário acontecimento em sua vida?
Aos 20 e poucos anos de idade, já casada e novamente morando no Rio de Janeiro (lá vivi quase metade de minha vida), eu tinha na gaveta uma coleção de poemas e muitas dúvidas sobre a qualidade deles. Surgiu então a oportunidade de serem avaliados por dois grandes poetas, freqüentadores do famoso “Sabadoyle”, aquele sarau literário que aconteceu décadas a fio na casa do bibliófilo Plínio Doyle. O primeiro poeta, Homero Homem, não só aprovou meus versos como acabou escrevendo o prefácio de “Amoras com açúcar”, o título que dei à coletânea. E o segundo poeta, Gilberto Mendonça Teles, referendando a opinião de Homero, encorajou-me a mandar os originais para alguma editora ou concurso literário. Foi o que fiz. E assim meu livro foi um dos escolhidos pela comissão que selecionava as obras com mérito suficiente para serem publicadas pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, nos idos de 70. Foi o primeiro prêmio que conquistei e, ao mesmo tempo, a minha estreia na literatura.

27. Você ganhou o Prêmio "Casa de Las Américas"... Foi um romance? Fale um pouco, por favor. Sei que já deve ter respondido muito sobre esse prêmio em sua carreira, mas, só mais um pouco...
Quinze anos depois de lançar “Amoras com açúcar”, tive a maior alegria de toda a carreira até aqui: meu livro, também de poemas, “Estas muitas Minas” recebeu, por votação unânime, o Prêmio Casa de Las Américas” de Literatura Brasileira, em 1997. Àquela altura, eu já começava a me questionar se estava ou não no caminho certo. Afinal, o meu padrinho literário, Homero Homem, me havia dito quando leu aqueles poemas iniciais: “Ai de ti, poeta!” O aval recebido em Cuba me fez criar alma nova. E pouco importa se a poesia continua sendo um gênero meio marginal nas prateleiras das livrarias e nas estantes domésticas, pois desde então assumi que esta era a minha forma de expressão por excelência.

28. É também ilustradora. Tem alguma história sua ilustrada por você mesma?
Meu caro, tenho ilustrado principalmente meus próprios livros. Dos 16 que até agora ilustrei, somente três são de outros autores.

29. Tem viajado pelo Brasil, e , inclusive, para o exterior. Poderia nos relatar algum momento mais bonito ou que tenha emocionado o seu coração nessas suas andanças?
Três lugares em especial me marcaram nessas andanças a que me levou a literatura: Sevilha, onde participei de um memorável congresso do IBBY (International Board of Books for Young People); Cuba, onde estive, quatro anos depois de receber o prêmio, como jurada do prêmio de Literatura Brasileira de 2001; e Goiás Velho, aonde fui dar oficinas pelo Proler e, além de me emocionar com a beleza singela de uma surpreendente cidade colonial, fiz amizade definitiva com uma excelente poetisa goiana, Heloísa Campos.

30. Insisto nessa pergunta e ela está sempre surgindo: O que é para Angela Leite a felicidade?
Acho que já dei a entender o quanto é importante para mim o afeto, não? Pois é, felicidade é amar e ser correspondida – em toda a dimensão que essa palavra compreende. Consequentemente, ser feliz é ter paz espiritual.

31. Escreveu um livro chamado "Medo de Escola". Qual é a abordagem desse livro? É uma história Infantil?
Nesse livro, uma história infantil sim, encontrei a forma de exorcizar minha primeira experiência com a escola. Transpus para a ficção uma vivência meio dolorida, pois ao entrar no jardim de infância saí com dificuldade da cálida redoma em que vivia até então. Só que o meu personagem, muito antes de mim, descobriu o lado prazeroso do novo ambiente.

32. Já teve um de seus livros divulgado num programa da Xuxa, pela própria apresentadora. Pode nos contar um pouco sobre isso e qual foi o livro?
Foi uma agradável surpresa saber que “Palavras são pássaros” tinha sido apresentado por Xuxa em seu programa. Eu nada sabia, até ser avisada pela editora Salesiana, que me mandou o link (este ainda está ativo na página que tenho no site www.caleidoscopio.art.br ). De vez em quando, o autor tem alegrias desse tipo. Certo dia, um amigo me telefonou, dizendo que eu ligasse depressa a TV, pois num determinado programa infantil, cujo nome não recordo agora, o boneco apresentador estava folheando meu livro “Os elefantes” e recomendando-o ao telespectador. Este é o nosso verdadeiro salário – o salário moral.

33. Ilustrou o livro "Aranha Castanha e outras tramas". Como é o seu processo de criação das imagens? Você lê e deixa as cores surgirem? Tem um período de viagem do pensamento na história? Pode revelar algo sobre isso?
É curioso você perguntar se deixo “as cores surgirem”, pois, exatamente esse livro da Gloria Kirinus é uma obra para jovens e adultos e, assim sendo, teve de ser ilustrado em preto e branco. Quando recebi a incumbência, achei que era o meu maior desafio. Mas, à medida que buscava as soluções visuais para as densas crônicas da autora, descobri as infinitas possibilidades que essas duas cores têm e foi uma delícia ilustrá-lo. Voltando às demais perguntas, meu processo começa com a busca de uma ideia que represente o texto ou que dele derive. Depois, é preciso traduzi-la em alguma imagem que instigue o leitor a pensar e, se possível, ir mais além do texto. Ou que o leve a sorrir. Enfim, que o provoque. E é muito gostoso quando vem o “eureka!” e se pode então partir para o trabalho com as mãos.

34. Tem um poema ou um trecho de algum escrito seu que poderia deixar aqui em sua PALAVRA FIANDEIRA?

Deixo um dos meus haicais de “Lição das horas” - livro editado pela Miguilim que recebeu um “Altamente recomendável” da FNLIJ e está atualmente esgotado:

À beira do poço
sentei-me com um desejo:
não perder a sede.

35. Tenho que encerrar a entrevista, que foi um De Leite, um devaneio passear na possibilidade de mostrar ao leitor um pouco mais do coração e do fazer literário de você, um momento de rara alegria, e, bem, tenho que encerrar. Mas, para terminar, (Estou abusando, bem sei!) poderia nos expor sobre algum de seus projetos para o futuro?
Abuso nenhum: para mim foi também delicioso bate-papo, que me fez ir e voltar pelo tempo.
Meu próximo sonho já está em andamento: é conseguir patrocínio para o projeto que criei a partir do livro sobre a Estrada Real e que foi aprovado na Lei Rouanet, pelo Minc. No terreno da ilustração, fazer as artes de um livro de poemas já pronto, cujo tema é o mundo da agulha e linha, nos seus múltiplos sentidos. Mas é claro que a cabeça nunca para de fervilhar, com novas idéias e planos, e isso me faz querer viver até os 100 anos para dar conta de todos eles...



36. Que mensagem final deixaria aos nossos leitores? Qual é a sua Palavra Fiandeira?
Não se trata propriamente de uma mensagem, mas de uns versos de minha poeta favorita, Cecília Meireles, que ultimamente se tornaram uma espécie de lema para minha vida:
Levai-me aonde quiserdes.
Aprendi, com as primaveras,
a deixar-me cortar
e voltar sempre inteira.”

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ANGELA LEITE foi entrevistada pelo escritor
MARCIANO VASQUES





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terça-feira, 12 de abril de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 60

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PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
12/ABRIL/2011
Ano 2 — Nº 60
EDIÇÃO 60
APRESENTA:
MARCO HAURÉLIO 
GALOPANDO O CAVALO PENSAMENTO
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Entrevista concedida a Marciano Vasques

1. Quem é Marco Haurélio?

— Marco Haurélio é poeta, editor e pesquisador da cultura popular brasileira. Dedica-se mais à literatura de cordel, mas, também, escreve ensaios e obras hauridas da tradição oral do Brasil.

2. Lançou seu livro "Meus Romances de Cordel", na Livraria Cortez, em 9 de Abril. Como foi esse lançamento? Conte aos nossos leitores sobre as personalidades que compareceram ao evento, sobre o significado para você, a alegria do contato com os leitores e amigos...

 Rouxinol de Rinaré e Assis Ângelo na Livraria Cortez

— Além de você, lá estiveram poetas cordelistas, como João Gomes de Sá, Varneci Nascimento, Moreira de Acopiara, Pedro Monteiro, Assis Coimbra, Klévisson Viana, Carlos Alberto Fernandes, Josué de Nazaré, Cleusa Santo, Cacá Lopes, Costa Senna, Dunga e Rouxinol do Nazaré, o grande pesquisador do cangaço, Antônio Amaury, acompanhado do filho Carlos Elydio, o jornalista Assis Ângelo. Lá estiveram, ainda, a xilógrafa Nireuda Longobardi e o pesquisador do cordel Aderaldo Luciano. E escritores de outras searas, a exemplo de Mustafa Yazbek, JeosaFá, Susana Ventura, meu parceiro José Santos, também cordelista, e Roniwalter Jatobá, os ilustradores Maurício Negro e Severino Ramos e os músicos Aldy Carvalho e Ibys Maceioh. Mais os editores José Cortez, nosso anfitrião, Gustavo Tuna (Global), Rosa Zuccherato (Nova Alexandria), e Antônio Daniel Abreu (Landy), dos produtores culturais Clóvis Arruda e Antônio Clementin. E muito mais gente boa...

3. O termo Literatura de Cordel sempre está associado ao de Cultura Popular. Poderia nos falar sobre a origem e o significado dessa ligação "histórica"?
 Da obra de Marco Haurélio

— O cordel nasce e se desenvolve no meio folk, não como atividade editorial, mas como entretenimento. Mas não é literatura folclórica, pois sua autoria é conhecida. No começo, foi estudado por folcloristas, como Sílvio Romero, Gustavo Barroso, Rodrigues de Carvalho e Luís da Câmara Cascudo. Os críticos e historiadores literários mantinham distância do cordel, e só faziam referência a ele quando algum folheto servia de substrato a um texto “erudito”. A ligação histórica do cordel com a cultura popular existe, de fato, pois, a exemplo de Shakespeare, Rabelais, Cervantes, Goethe, Guimarães Rosa, os bons bebem da fonte da tradição. Leandro Gomes de Barros, por exemplo, pegou os romances do chamado ciclo do boi, ampliou, acrescentou novos elementos e escreveu a História do Boi Misterioso. João Martins de Athayde fez o mesmo com a História do Valente Vilela, um romance trágico do sertão nordestino, que narra as aventuras de um cangaceiro que abandona as armas e busca a redenção. O tema foi reaproveitado por Guimarães Rosa em A Hora e a Vez de Augusto Matraga.


Câmara Cascudo, grande pesquisador da cultura popular no Brasil

4. A validação, a autenticidade da Literatura de Cordel ocorre também a partir de alguns clichês. Poderia exemplificar isso, por favor?

— É verdade. Há quem diga que, para ser cordel, é preciso que o folheto venha embrulhado por uma xilogravura e contenha erros gráficos. Há quem confunda cordel com a poesia matuta, na qual o autor deforma o idioma para extrair um efeito humorístico ou pitoresco. Marlyse Meyer foi quem desmanchou esse engodo. Se a primeira afirmação fosse verdadeira, teríamos que riscar do rol dos cordelistas nomes como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, José Camelo, entre outros, que utilizavam como imagens de capa clichês de cartões postais e de artistas de cinema, além de desenhos feitos sob encomenda. Quanto à confusão do cordel com a poesia matuta, ela se dá mais a partir da exposição midiática de Patativa do Assaré, que foi um grande poeta matuto, mas, quando escrevia cordéis, era mediano. Alguns pesquisadores, por comodismo, acabaram acondicionando vários gêneros no mesmo balaio do que definiram como poesia popular.

5. Conte-nos sobre o seu livro "Meus Romances de Cordel", lançado pela Editora Global. No que consiste a obra?

— Meus Romances de Cordel é um livro que reúne sete títulos, escritos entre 1987 e 2007, portanto, em vinte anos de labuta poética. O primeiro, O Herói da Montanha Negra, traz elementos da mitologia grega misturados com ingredientes do gibi A Espada Selvagem de Conan. Presepadas de Chicó e Astúcias de João Grilo traz o herói picaresco que saiu do cordel para protagonizar a peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. História da Moura Torta e História de Belisfronte, o Filho do Pescador são baseiam-se em contos populares narrados por minha avó, Luzia Josefina. A Briga do Major Ramiro com o Diabo traz uma lenda sertaneja, também narrada por minha avó, e é sobre um combate entre meu bisavô e o capeta. Os Três Conselhos Sagrados é um conto exemplar, que recolhi em Brumado, Bahia. Acrescentei elementos místicos à história e ambientei-a no contexto da migração nordestina a São Paulo. 

 
Autografando seu livro para o Senhor Cortez

6. Uma das mais lindas riquezas encontrei em seu livro. "Galopando o Cavalo Pensamento"... Fale dessa obra literária, que é parte integrante de "Meus romances de cordel". 

 Ilustração do artista Luciano Tasso para o livro de Marco Haurélio


— É justamente o último poema do livro. E não é, na acepção da palavra, um romance. Traz, porém, referências ao universo mítico dos romances heroicos e de encantamento. Foi classificado por Arievaldo Viana, grande poeta cearense, como galope soberano, por alusão à obra Apocalipse Agalopado, de Zé Ramalho. Foi composto em décimas de dez sílabas poéticas (martelos), a princípio sem preocupação com a lógica, deixando fluir o inconsciente, o que chamo de a dança dos símbolos.

7. Desde muito cedo teve contato com a literatura de cordel. Deixe aos leitores essa história de amizade que nasceu...

— Nasci num lugar chamado Ponta da Serra, no pé da Serra Geral, a uns sete quilômetros de Igaporã, sertão da Bahia. Lá, assisti a reisados, queimas de Judas e vi os cantadores das estradas, sem viola e sem pompa.
Ao lado da casa de meu pai ficava a da minha avó, já apresentada aos leitores, uma das pessoas mais inteligentes que conheci, espécie de porta-voz de civilizações há muito defuntas. Ela cantava os velhos romances ibéricos e narrava histórias de Trancoso, que eu, passados tantos anos, aos poucos, vou adaptando para o cordel. Eu me admirava de sua memória prodigiosa. Aos sete anos eu sabia de cor pelo menos três romances de cordel.

8. Uma das figuras mais respeitada nesse universo é você. A gente sente isso no ar. Então, ninguém melhor para nos apresentar alguns escritores e poetas da Literatura de Cordel.

Escritor  Roniwalter Jatobá no lançamento do livro 
"Meus romances de Cordel"


— Bem, quando a gente aponta nomes, corre sempre o risco de ser injusto. Mas, vamos lá. Dos mestres do passado, entre tantos, tenho especial predileção por Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo Resende, Francisco das Chagas batista, Zé Duda, José Pacheco, Delarme Monteiro, Manoel D’Almeida Filho, Joaquim Batista de Sena, Severino Borges, Antônio Teodoro, Caetano Cosme da Silva, Minelvino Francisco Silva. Há, ainda, em atividade os veteranos Lucas Evangelista, José João dos Santos, o Mestre Azulão, João Firmino Cabral, O grande Antônio Alves da Silva, Zé Barbosa. Dentre os autores de minha geração, fica difícil selecionar alguns a título de exemplo, mas os que citei acima, que estavam presentes ao lançamento, representam, e muito bem, o cordel na atualidade.

9. Acredita que essas formas populares do fazer literário, como a trova e a literatura de cordel, sofram preconceitos de alguma elite cultural?

— O cordel sempre foi visto como literatura menor por alguns pernósticos que jamais conseguiram uma décima parte de leitores que um bom cordelista possui. Daí a ranger de dentes e as declarações preconceituosas espalhadas, inclusive, pelas páginas da internet. Quando um pseudo-intelectual discrimina o gênero, está discriminando na verdade o público-alvo. Nos últimos tempos, com a adoção do cordel em programas de governo e nas salas de aula, uma parte da chamada “elite cultural” tem babado fel na direção dos autores, cobrando, inclusive, um certificado de autenticidade daqueles que, há muito tempo, deixaram o sertão.

10. Já escreveu sobre o encontro da literatura de cordel com a tecnologia? Estamos, pois, entrando numa nova era. Parece evidente que a era tecnológica irá substituir a humanista. Como A Literatura de Cordel sobreviverá nessa nova circunstância? E sabe se já tem algum cordel falando desse encontro?

— O cordel mais modernoso que fiz foi A Chegada do Diabo no Big Brother. Klévisson Viana, com muita perspicácia, escreveu um folheto chamado O Cangaceiro do Futuro e o Jumento Espacial, no qual o cangaceiro em questão é um clone de Lampião. Bráulio Tavares, num artigo excelente, analisa o futuro do cordel e, ao fazê-lo, analisa ainda o futuro do próprio jornalismo. Está publicado no blog Mundo Fantasmo:

Imagino que no ano 2050 o Poeta Repórter será um cara jovem, articulado, bem informado, com um saite onde ele comentará em versos os principais acontecimentos. Um saite como o do jornalista Ricardo Noblat, em Brasília. No auge do escândalo do mensalão, o saite de Noblat (cuja cobertura dos fatos, e opinião sobre eles, todo mundo queria saber) chegou a ter dezenas de milhares de acessos por dia. Noblat conhece cordel (tenho em meus arquivos um artigo seu dos anos 1970). Esse repórter do ano 2050 será um Noblat que sabe fazer versos na hora, com um olho no Plantão do Jornal Nacional e outro no teclado, onde batuca as sextilhas à medida que as informações se sucedem.

No Brasil inteiro, em lan-houses, residência, escolas públicas, a rapaziada jovem acessará o saite desse Poeta Repórter do Futuro sempre que precisar de um comentário mordaz e agudo sobre o que está acontecendo – e um comentário em versos, que é o diferencial do cordel. Um poeta talentoso e rápido poderá fazer folhetos eletrônicos em tempo real, sem papel, sem tinta. Uma futura encarnação muito bem vinda, e, quem sabe, inevitável.”

11. Aprecia a Literatura Infantil? Sobretudo a Poesia Infantil? Considera que seja valorizada tal como deveria, inclusive no universo educacional? Poderia a Poesia Infantil, atuar, por exemplo, como protagonista num processo de alfabetização da criança?

— Claro. Gosto de literatura, independente dos rótulos. Li uma adaptação de as Viagens de Gulliver aos nove anos. Nessa época já havia lido quase todos os grandes romances de cordel até então escritos. Depois saltei para Dumas, Júlio Verne, Monteiro Lobato e os grandes épicos. Incluam-se os gibis. E o cordel lado a lado. Na época de professor, ainda na Bahia, trabalhei com os grandes autores “infantis” ao mesmo tempo em que apresentava o cordel aos alunos. Sem hierarquia, como deve ser.
Acho que a poesia, especialmente a que chamamos mnemônica, tem um papel fundamental nos primeiros anos de escola. Das quadras populares aos poemas autorais. E todo grande poeta, - passando por Vinicius, Cecília Meireles, Chico Buarque, Mário Quintana, José Paulo Paes, Manoel Bandeira etc. – já dedicou um ou mais poemas às crianças. Você é um exemplo disso, como o foi o grande Elias José. Como é o José Santos, que também prestigiou o lançamento do Meus Romances na Cortez.
 Mário Quintana também escreveu para crianças

12. O que foi o "Pelotão Cultural" que invadiu a Praça da Sé?

— O pelotão cultural foi uma “invenção” de Assis Ângelo, uma espécie de contrapondo à estupidez reinante, especialmente na mídia. Em 3 de março de 2007, comemoram-se os 60 anos da canção Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. O pelotão cultural, naquele contexto, foi representado por artistas de diferentes campos que renderam homenagens ao Rei do Baião. Eu criei, na ocasião, um mote decassílabo, que foi glosado por cordelistas e repentistas e reunido num livreto de cordel: “Foi voando nas asas da Asa Branca/ Que Gonzaga escreveu a sua história”. Escrevi três estrofes a partir do referido mote, entre elas esta:

Dos acordes de um grande brasileiro,
Um intérprete da alma de seu povo,
Sai um canto que sempre será novo,
Amoroso, sincero, alvissareiro.
Entre os hinos do seu cancioneiro,
O que fala duma ave migratória
Conferiu a Luiz eterna glória
Para além desta vida que se estanca.
Foi voando nas asas da Asa Branca
Que Gonzaga escreveu a sua história.”


13. Repentista, cantador, e autor de Literatura de Cordel, representam uma coisa só?

— Não. Repentista é repentista e cordelista é cordelista. Às vezes o repentista pode ser repentista, mas não é regra. Já o termo “cantador” é muito genérico. Xangai e Elomar são cantadores, mas não são repentistas. Alguns repentistas gostam de ser chamados “cantadores”. Há um livro famoso, Cantadores, de Leonardo Mota, sobre a poesia popular do sertão cearense. Luiz Gonzaga também era um legítimo cantador. Quanto ao cordelista, também é chamado poeta de bancada ou de gabinete. Com a visibilidade que o cordel ganhou nos últimos anos, alguns repentistas passaram a escrever folhetos. Há casos bem sucedidos em relação a estes cordelistas bissextos e outros bisonhos. Mas é preciso, para o bem do cordel e do repente, acabar essa confusão.

14. Você é uma pessoa atenciosa, simples, e guarda uma, digamos assim, humildade. São elementos naturais em sua personalidade, mas, de qualquer modo, considera tais atributos como essenciais para qualquer autor?

— Obrigado, Marciano. Você me fez parecer melhor do que sou. Acho que não se pode cobrar do autor um comportamento exemplar. Sou contra qualquer tipo de imposição. Rimbaud, por exemplo, era um poeta maravilhoso e um ser humano detestável. No cordel, temos o exemplo de Athayde, que, apesar de ser um grande poeta, não se furtou – sem trocadilhos – a assinar como sua parte importante da obra de outros autores, entre eles o seu grande inspirador, Leandro Gomes de Barros. Por outro lado, há a lei da reação. Quem semeia vento colhe tempestade, como diz a letra de uma famosa canção caipira.

15. Remetendo-o á pergunta 8, está sempre cercado por personalidades artísticas e literárias do universo da produção e da difusão da literatura de cordel. São mais do que autores, são missionários, se posso assim me expressar. Figuras como o jornalista Assis Ângelo, Cacá Lopes, Klévisson Viana, Rouxinol do Rinaré, e outros. Como foi granjeando esse arco de amizades?

— Em 2005 fui convidado por Gregório Nicoló, diretor da editora Luzeiro, de São Paulo, para assumir o editorial. Além de relançar clássicos que, há tempos, estavam fora de catálogo, eu fiz questão de publicar autores, conhecidos ou não, da atualidade. Todos se tornaram, ou já eram, meus amigos. Quanto ao Klévisson, ele dirige a Tupynanquim, de Fortaleza, e, além de cordelista, é ilustrador. Já ilustrou três livros meus: A Megera Domada, de que falamos, O Conde de Monte Cristo, que sairá em breve, e Traquinagens de João Grilo.

16. O encontro entre a cultura erudita, ou clássica, e a popular, na qual se insere a Literatura de Cordel, está presente em algumas adaptações. Uma delas: A Megera Domada, de William Shakespeare. Pode nos contar, especialmente, sobre essa obra? Como se originou tal projeto?


— A coleção Clássicos em Cordel foi idealizada por Nelson dos Reis, fundador da editora Nova Alexandria, infelizmente já falecido. Veio dele o convite para que eu coordenasse a coleção. Na época eu havia adaptado O Conde de Monte Cristo, mas achei que A Megera Domada era, naquele momento, o texto mais adequado. Eu estava muito afinado com os cordéis, digamos, humorísticos e sempre quis adaptar um texto de Shakespeare. O clímax da peça original, para mim, é o diálogo cheio de palavras de duplo sentido travado entre Catarina e Petruchio. Infelizmente, os trocadilhos eram todos intraduzíveis. O que fiz? Primeiro Petruchio virou Petrúquio. Depois acrescentei algumas tiradas próprias do humor nordestino.

Recentemente, a minha versão de A Megera Domada, sob direção de Ivano Lima, foi encenada no teatro Ruth Escobar. Eu, até então, não sabia que o texto era tão engraçado.


17. Seu livro "Meus Romances de Cordel" merece e precisa estar em todas as Salas de Leitura das escolas municipais e também dos CEUs, espero que isso realmente aconteça. Falando nisso, autores de literatura de cordel têm divulgado entre os alunos essa forma literária?

— Sim. Há anos autores como Costa Senna, Cacá Lopes, Moreira de Acopiara, João Gomes de Sá, também professor, e, mais recentemente, Varneci Nascimento, Cleusa Santo, Pedro Monteiro, Josué Gonçalves, Paulo Barja etc., tem levado o cordel às salas de aula. Franklin Maxado já fazia isso na década de 1970. Em Salvador, Antônio Barreto, professor e cordelista, faz uso da poesia popular na sala de aula, com resultados, até onde sei, auspiciosos. Arievaldo Viana, no Ceará, criou o projeto, transformado em  Acorda Cordel na sala de Aula. O PNBE e os programas estaduais também têm investido na aquisição de cordéis infantis e juvenis.

18. O que é "Caravana do Cordel"?

— Se você perguntar, separadamente, para cada um dos membros da Caravana, o que ela significa, nenhuma das respostas coincidirá. O que é muito bom, pois mostra a diversidade dos membros do grupo, apesar de todos se ligarem a ela por um objetivo comum: semear o cordel na Pauliceia. Para mim, Caravana do Cordel, mais do que um grupo ou um movimento, é um conceito. E, por isso, eu ainda não sei o que é a Caravana do Cordel. Só sei que ela se propõe a levar o mundo do cordel para todo o mundo.

19. Foi um dos representantes do Brasil, no Encontro Internacional de Poetas, ocorrido em Assunción, Paraguai, em 2010 . Pode nos falar desse evento?

— O evento fazia parte das comemorações do Bicentenário da República do Paraguai e reuniu poetas de vários países. Estive ao lado da professora Edilene Matos e do também cordelista Antônio Barreto, de que falei há pouco. Fomos convidados pela Embaixada do Brasil naquele país.

20. Além da Banca Central da Praça da Sé, poderia nos indicar outros pontos de venda e divulgação da Literatura de Cordel, em Sampa?

— Na própria editora Luzeiro (www.editoraluzeiro.com.br) ou nos seguintes espaços:

1. Banca Praça Ramos (centro)
2. Banca Pato (Praça da Sé)
3. Banca DPX (Praça Ramos de Azevedo)
4. Banca das Apostilas (Pátio do Colégio, ao lado da Praça da Sé)
5. Banca São Bento (Rua Barão de Itapetininga, Centro)
6. Banca Viaduto do Chá (Centro)
7. Banca Deus é Luz do Meu Caminho (Estação Guilhermina Esperança do Metrô)
8. Banca Corredor Praça Dom José Gaspar, 106
9. Banca São Francisco (Viaduto do Chá)
10. Banca JC (Rua Fortuna de Minas, Jd. Santa Maria)
11. Banca Maktub (Largo da Concórdia, Brás)
12. Banca General Carneiro (altura do nº. 167, Centro)
13. Banca Emília (Praça Dom José Gaspar, Av. São Luís, Centro)
14. Banca Viana (Largo da Concórdia, ao lado da estação de trem do Brás)
15. Banca Dom José Gaspar (Centro)
16. Banca Antônio Prado (Praça Antônio Prado, Centro)
17. Banca Guilhermina Esperança (Metrô Guilhermina Esperança)
18. Banca Barão (Barão de Itapetininga, República)
19. Banca Mário de Andrade (Centro, ao lado da Praça dom José Gaspar)
20. Sebo José de Alencar (Rua Quintino Bocaiuva, 285, Centro)


21. Estive em seu lançamento, na Livraria Cortez, e considero que tenha sido um dos mais bonitos momentos de minha carreira literária: ter tido a oportunidade de participar desse encontro que enriqueceu a minha vida. Retornei para casa feliz. Espero que me convide para outros eventos assim. Falando nisso, já tem algum programado ou no pensamento?

— Obrigado de novo, Marciano Vasques. Fiquei muito feliz com sua presença e, agora, estou embevecido com esta revelação. Bem, em agosto, já está programado o lançamento do livro Contos e Fábulas do Nosso Folclore, pela Nova Alexandria. Trata-se de uma antologia de contos populares recolhidos, em sua maior parte, no sertão da Bahia.

22. Pergunta clássica em PALAVRA FIANDEIRA: O que é para Marco Haurélio a felicidade?
 Obras de Marco Haurélio
Klevisson Viana em Xilogravura
O artista assina a capa de "As Três Folhas da Serpente"


Imagem de "A Moça que Namorou com o Bode", de Klévisson Viana

— Não sei. Mas escrevi um poema, do qual a estrofe abaixo, pode não conter a definição do que é a felicidade, mas mostra o que não é a infelicidade. Chama-se “Arrependimento”:

Do que fiz não me arrependo,
Tudo, tudo refaria.
Refaria com mais riso,
Mais raiva, mais rebeldia,
Reocupando o espaço,
Repassando, passo a passo,
Os passos que dei um dia.



23. Questão já meio ultrapassada, mas ainda insisto um pouco nela. O livro de papel resistirá ao avanço tecnológico e ao livro digital? Ou seja, o livro de papel sobreviverá?

— Não há como prever. Então, vai minha opinião pessoal: sim, resistirá; e, se não resistir, ficamos com a profecia de Zé Ramalho, na música Digitado em Poesia:

Nessa época de luta
Muito trabalho espera
O povo da nova era
Impera nessa labuta
E vendo nessa disputa
O mundo em harmonia
A vida traz alegria
E projetado eu lhe juro
Que estarei pelo futuro
Digitado em poesia



24. Não apenas a Literatura de Cordel, mas também a poesia infantil e outras formas literárias: Considera que o governo tem investido de forma suficiente ou adequada? O que mais poderia ser feito, além da compra de livros, para que a literatura possa de fato chegar com toda força ao jovem estudante?

—Tem havido, sim, investimentos do governo nas três esferas. Porém, nos municípios do interior, especialmente os pequenos, às vezes, a verba da educação é desviada para contratações de atrações musicais de gosto duvidoso.

25. O que poderia nos dizer sobre uma nova atração anunciada pela Globo, chamada "Cordel Encantado"? Contribuirá para a divulgação da Literatura de Cordel?

— Assisti à estreia (dia 11) e, pelo que pude constatar, é um amontoado de clichês e estereótipos. O sotaque dos protagonistas beira o patético. Deu saudades de Roque Santeiro. Não duvido que trará, por algum tempo, mais visibilidade. E só.

26. Tem alguma pergunta que gostaria que PALAVRA FIANDEIRA tivesse feito e que faltou?

— De jeito maneira! As perguntas acertaram na mosca. Espero que as respostas possam estar no mesmo nível.

27. Que mensagem e que PALAVRA FIANDEIRA, isto é, que palavras deixaria aos nossos leitores?

Que a Palavra Fiandeira,
Traçada com linhas de ouro,
Mostre ao povo este tesouro
Da cultura brasileira,
Do qual eu levo a bandeira,
Combatendo todo mal.
Agora chego ao final
Dessa conversa gostosa,
Tratamos na nossa prosa
Do Cordel Atemporal.

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PALAVRA FIANDEIRA
  Revista Literária Digital fundada pelo 
escritor 
Marciano Vasques

Marciano Vasques, fundador de PALAVRA FIANDEIRA
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