EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 61



PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
28/ABRIL/2011
Ano 2 — Nº61

NESTA EDIÇÃO:

ANGELA LEITE DE SOUZA
Foto: Marcus Castilho

PALAVRAS EM PLENO VOO

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TEMPOS DO TEMPO DE ÂNGELA LEITE

1. Quem é Angela Leite de Souza?
Os que me conhecem mais de perto dizem que são duas: a profissional, cheia de energia, que batalha incansavelmente para manter o espaço conquistado e que teve até coragem de encarar um concurso público aos 53 anos de idade, iniciando nova carreira; e a outra, introspectiva, de pouco falar e muito escutar, quase tímida, um coração de manteiga...


2. Você é feita de coração, e certamente poderá dizer e apontar aos nossos leitores
logo de entrada, um jeito de viver.
Já percebi tudo, caro entrevistador, você quer me interpretar pelo que escrevo, não é? Um jeito de viver que considero bom é o do personagem do livro que tem esse título e que é até hoje um dos meus best sellers – sonhando e amando, sempre e acima de tudo. Difícil, mas não impossível.




3.Angela Leite, tudo pode ser brinquedo?
Pode, embora, muito incoerentemente eu tenha a mania de levar tudo muito a sério. Sinto, porém, que a maturidade tem me dado alguma leveza. E, por outro lado, ao me dedicar cada vez mais à literatura infanto-juvenil, escrevendo ou ilustrando, consegui fazer da brincadeira o meu trabalho.

4. Sempre que eu a vejo em foto ou num vídeo, na maioria das vezes está de vermelho, uma blusa, um detalhe... Isso é apenas coincidência, ou tem algum significado?
Tenho fascinação por vermelho e sei, vaidosa que sou, que essa cor favorece muito as morenas...

5. Fez recentemente sua estreia no mundo digital de vez, com o lançamento de seu primeiro e-book. Consideramos que a emoção de um livro de papel já é nossa velha conhecida, como foi então a sua emoção diante desse seu primeiro livro digital?
A primeira sensação que tive – afora o encantamento de ir acompanhando a criação das ilustrações, que o JPVeiga me enviava aos poucos – foi a de me jogar em um precipício: o novo, o desconhecido, cercado de tantas reservas... Mas, à medida que vou me “enfronhando” mais nesse mundo digital, sinto que estou no caminho certo e que o futuro pode me reservar muitas alegrias. A emoção de cada “filho literário” que nasce é sempre grande. Mas, para dizer a verdade, quando fica pronto um novo livro meu, e recebo os primeiros exemplares da editora, morro de medo de folheá-lo e me arrepender de alguma coisa, ou descobrir um erro imperdoável! Então, costumo adiar um pouco o prazer do “cheirinho de papel” que o livro impresso oferece.

6. Nesse livro seus poemas resgatam uma antiga arte japonesa, o haicai. Conte como chegou a esta releitura do fazer poético japonês, sendo que já peregrinou por esse caminho em outras obras, sim?
Realmente, “Tempos do Tempo” é o quarto livro de haicais que publico. Sem contar alguns avulsos que estão no livro “Estas muitas Minas” e mais umas dúzias que ainda vão virar novos livros. Eu sempre fui muito sintética ao escrever e, há muitos anos, estava eu entregando uns poemas para serem publicados no Suplemento Literário do “Minas Gerais”, quando fui apresentada ao poeta Yacilton Almeida. Ele quis conhecer minha poesia e, ao ler, exclamou: “Você é uma haicaísta nata!” Eu nem sabia se estava sendo elogiada ou não... E tive ali mesmo uma pequena aula sobre o haicai, depois complementada por muitas leituras teóricas e de haicais de autores japoneses e brasileiros que praticaram/praticam essa arte. Só então comecei a experimentar o gênero e tentar corresponder ao que o Yacilton dissera. E me exercitei tanto que hoje tenho dificuldade de escrever poemas extensos. Por que gastar tantas palavras se em três versos é possível contar uma história, ou fazer uma reflexão, ou capturar o momento?

7. Ainda sobre o seu primeiro livro digital, poderia nos dizer quais são os tempos do tempo? Sem entregar o ouro do livro, claro.
O tempo, na nossa língua, tem duas acepções. À medida que um passa, o outro pode mudar muito... Deixo aí a charada e quem quiser decifrá-la, por favor, que entre em alguma livraria virtual e procure encontrar meu eBook, sem perda de tempo!

8. Angela, palavras são pássaros?
Sim, e acho que a maioria dos escritores sabe que, por seguro, é bom ter um alçapão à mão.


9. Quando sentiu pela primeira vez que as palavras são pássaros? Era uma menininha? Uma adolescente?
Talvez a menina que escreveu, com letra incerta de principiante, um texto intitulado “Discurso” e que começava assim: “O dono do Brasil morreu” – já intuísse o quanto a vida pode ser efêmera. Daí, a necessidade de prender logo no papel os acontecimentos importantes. Daí, também, a escolha do jornalismo, como primeira profissão. Mas acho que foi na adolescência, ao ensaiar a poesia, que ela descobriu o quanto as próprias palavras são fugidias e ai de quem não segurá-las enquanto estão passando, apressadas, no redemoinho de nossos pensamentos!

10. Pegar as palavras em pleno voo é o seu jeito de fazer poesia e ser poeta. Mas a poesia é também o jeito que achou de não parar mais de brincar. Poderia, por favor, nos falar sobre isso?
—   Acho que já adiantei esse tema ao responder a sua terceira pergunta. Mas posso —   acrescentar alguma coisa. Por exemplo, por que o lúdico tem de desaparecer de nossas vidas quando nos tornamos adultos? Não é brincando que a criança aprende a viver a vida real? Certa vez, uma psicóloga considerou como algo negativo, ou seja, como um sinal de imaturidade, essa “solução” que eu havia   encontrado na vida profissional.. Na época, isso me atormentou um pouco. Hoje acho muita graça: que bom que não matei de todo a criança dentro de mim.
11. Essa imagem de palavras em pleno voo é um encanto. Poderia nos exemplificar um pouco como as palavras podem estar em pleno voo?
É aquela metáfora que inventei anteriormente: as palavras (ou ideias, ou imagens) começam a se agitar dentro de nós, como pássaros, como insetos, oferecendo-se muito brevemente a nossa escolha. Sem mais nem menos, escapam, e dificilmente conseguimos alcançá-las de novo. Se não tivermos por perto a nossa rede de entomologista – o papel e o lápis, ou o laptop - adeus verso ou frase!

12. E por conta dessa realidade tão virtual, de movimentos incessantes, como deve ser para uma criança estar diante de uma palavra impressa no papel, uma palavra que não se move? Ou a palavra impressa tem movimento? Sendo assim, como levar uma criança a perceber isso?
Penso que a palavra não precisa se mexer fisicamente para mexer com a cabeça, a imaginação e o senso estético de uma criança. Sua capacidade de fantasiar é tão grande que com toda a certeza, para ela, as palavras dançam, cantam, aprontam sempre. Confio nisso. Porém, penso que o mundo virtual se tornou tão real e tão preponderante para as novas gerações que o caminho talvez venha a ser animar até mesmo as letras. A poesia concreta, por exemplo, já faz isso há muito tempo. Só não contava ainda com a tecnologia digital para ir mais além.

13. Quando aconteceu e como foi a sua comemoração dos 25 anos de carreira?
Aconteceu em 2006, na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. A ilustradora e artista plástica Regina Rennó organizou uma retrospectiva da minha produção e houve uma performance surpresa, preparada por um grupo de teatro que interpretou trechos de livros meus. Para culminar tanta emoção –pois compareceram até parentes de outra cidade a essa festa – o grupo “Tudo era uma vez”, formado por Dôra Guimarães e Elisa Almeida, presenteou-me declamando, com competência e sensibilidade, alguns poemas meus. Foram momentos que não vou esquecer.

14. Você enviou de Belo Horizonte um livro para uma menina chamada Melissa, com uma dedicatória repleta de lindeza. Claro que esse seu gesto é altamente revelador da personalidade de sua condição de poeta. O que demonstra não haver contradições entre o ser que escreve poemas e a pessoa que se diz Angela... Para você, isso é natural, não é?

Como disse lá no comecinho desta conversa, tenho a minha dualidade, como quase todo mundo. Fui uma criança calma, dócil e, ao mesmo tempo, moleca, alegre. Adulta, tornei-me reservada, mas irônica, lutadora, mas que foge de brigas. Unindo tudo isso, tenho uma sensibilidade à flor da pele, que me faz cultivar a delicadeza. Talvez como um meio de me proteger... E esse modo de ser é, sim, muito natural para mim.

15. Participou de um evento ao lado de Lino de Albergaria, e estava radiante, como só poderia, mas conte-nos sobre esse evento.

Você deve estar se referindo à nossa foto, tirada no dia em que lançamos, em 2009, “sinos_e_queijos.com”, um livro escrito a quatro mãos. Foi um lançamento coletivo promovido pela Editora Dimensão num espaço muito agradável, em Belo Horizonte, e o clima era mesmo de festa e alegria. Esta foi mais uma das muitas parcerias que já fiz com esse grande autor, pois temos uma sintonia fina que permite mesclar nossos estilos com harmonia. E o Lino, além de colega de letras e de trabalho (na Assembleia Legislativa), é um querido velho amigo.

16. Conte como foi para você "chutar o balde", e onde os leitores podem ler essa sua crônica?
A crônica foi publicada na “coluna virtual” que assino no site www.primeiroprograma.com.br Como é uma colaboração semanal, talvez não esteja mais acessível no link que remete aos textos anteriores... Foi o relato de umas férias que resolvi tirar, por 24 horas, das minhas muitas responsabilidades. É possível, é saudável, é inofensivo, eu recomendo.

17. Envolveu-se com alma numa pesquisa sobre as montanhas de Minas. Poderia, por gentileza, nos falar sobre esse projeto e no que ele resultou?
Creio que você está se referindo ao meu mais recente e acalentado projeto, que se concretizou no livro “Um verso a cada passo – a poesia na Estrada Real”, publicado pela Editora Autêntica no ano passado. Não foi, portanto, apenas nas montanhas mineiras que me embrenhei e sim nesse longo e histórico percurso que atravessa três estados brasileiros e ainda deriva para a Bahia. Foram cinco anos de pesquisas, leituras e coleta de imagens e materiais com que eu iria ilustrar os poemas que compõem o livro, usando a técnica de bordado e colagem em tecido. Valeu a pena tanto trabalho: ele participou da Feira de Bolonha, na Itália, recebeu o selo “Altamente Recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, FNLIJ, e, mais recentemente, foi selecionado para o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, PNBE. 

18. Seu livro "As Duas Vidas de Helena" é um livro juvenil? Conte algo sobre ele, como pode ser encontrado, etc...



— “As duas vidas de Helena” foi publicado pela Editora Paulus em 2006 e é um livro escrito sobre e para adolescentes. Conta a história das dificuldades de adaptação de uma menina que muda de cidade e de escola, fala do despertar do coração e da necessidade de sermos autênticos para viver com mais felicidade.

19. Minha família ama você.  Fale sobre a sua infância, para que possamos ter pistas do desenvolvimento dessa forma de ser de Angela Leite...
Esse “declaração coletiva” me acalenta a alma, acredite!
Tive uma infância muito feliz, cercada de pais amorosos e uma grande família – como costumam ser as mineiras – tanto do lado paterno quanto materno. Esses muitos tios e tias, além dos avós, me contavam charadas e adivinhas, lorotas e histórias, formando o repertório de lembranças que venho transpondo para minha obra. Como passei a primeira infância numa Belo Horizonte muito pacata, em casa com quintal, brincando livremente na rua e sem tantas diversões quanto tem a criançada de agora, precisava de recorrer à imaginação, aos materiais caseiros e aos poucos brinquedos industrializados disponíveis para me divertir. E, com isso, exercitei uma habilidade que considero mais preciosa ainda que a criatividade: a de me contentar com muito pouco e nunca sentir tédio.

20. Tem o sobrenome Leite, e dessa palavra vem Leitura, que é, de forma resumida, o leite da alma... Como vê o suposto distanciamento das crianças da leitura nesses dias de apetrechos tecnológicos tão fascinantes, entre os quais o celular, e assim sendo, dê uma dica sobre o que pensa que poderia ser feito para atrair de vez os meninos para a leitura.
Como disse na resposta anterior, tive de fato essa nutrição, inclusive de muita leitura, em minha formação. Não há outro jeito de levar as novas gerações ao livro, penso, senão lendo com eles desde muito pequenos, enchendo o quarto e a casa de livros, demonstrando através de nosso comportamento o prazer que a leitura traz. Mesmo sabendo que o livro digital certamente irá preponderar num futuro não muito distante, não acredito no desaparecimento do livro de papel. Por isso, nós que temos no livro uma das nossas razões de ser, devemos agir como se seu desaparecimento seja uma impossibilidade e prosseguir cultivando/incutindo o amor a esse objeto mágico, apesar de tão desprovido de tecnologia.

21. Ainda no rastro da pergunta anterior, considera que a escola precisa passar por alguma revolução ou o aluno que tem que ser enquadrado numa escola que de modo geral não satisfaz o espírito da época?
A escola risonha e bela daquele hino que cantávamos na década de 50 nunca se concretizou, nem mesmo em Summerhill. De lá para cá, a pedagogia passou por n metamorfoses, assumiu posturas as mais diversas – indo de um fantástico Paulo Freire a desastres como o banimento da repetência. Hoje, o que se constata no Brasil é a generalizada deterioração do ensino, em razão de políticas educacionais que não promovem o professor nem incentivam essa carreira. Em suma, ainda está por surgir entre nós o sistema, não digo perfeito, mas suficientemente bom para elevar a qualidade da aprendizagem e, consequentemente, a dos formados e dos futuros mestres. Essa a grande revolução que se espera e que pode fazer do brasileiro um leitor no sentido mais completo do termo.

22. É uma autora voltada para a Literatura Infantil, inclusive com Poesia... Considera que a Literatura Infantil seja somente para crianças?
Comecei na literatura escrevendo para os adultos e só oito livros mais tarde publiquei o primeiro para crianças. Daí por diante, o gosto de escrever para esse público, somado à possibilidade, que logo descobri, de também ilustrar os textos, me levou à especialização nesse gênero. É claro que tenho uma faixa etária em mira quando crio histórias, poemas ou imagens. Mas, assim como a minha “criança interna” se diverte escrevendo e ilustrando, a de outros adultos certamente poderá se identificar nos livros infanto-juvenis. Um exemplo: uma tia minha, aos 80 anos, tinha na cabeceira um livro meu de poemas para crianças que ela lia todas as noites, antes de dormir. E me dizia que se emocionava sempre... A poesia, especialmente, é uma linguagem que aproxima crianças e adultos, penso eu.


23. De um modo geral é difícil lidar e até romper com os entraves e as dissonâncias do espírito que paira nos grupos, e isso não é definitivamente um fenômeno apenas contemporâneo nem exclusivo do Brasil, mas percebo em você um trânsito de sua alma (nenhum sentido religioso aqui nessa palavra) que faz com que ultrapasse tais coisas com delicadeza e serenidade. Acredita que o amor pela arte da literatura pode modificar circunstâncias?
O coletivo é sempre muito difícil mesmo de administrar. Estar bem dentro de um grupo composto por pessoas com um interesse comum pode ajudar bastante, mas a consonância não é necessariamente o que acontece. As pessoas são falíveis, trazem bagagens bem distintas umas das outras, o que constitui sua riqueza, têm suas complexidades e, no campo da arte, suas ambições e vaidades também. O que não se pode, quando se é parte de um grupo ou associação, é deixar o bom senso e a serenidade serem vencidos pela paixão e pela parcialidade. Assim sendo, o amor, não somente pela arte, mas também pela harmonia, é o que mais conta.

24.Conte-nos algo sobre o livro "A Cotovia e Outras fábulas".

— “A cotovia e outras fábulas” são criações de Leonardo da Vinci, que eu recontei a partir de outras versões a que tive acesso. O livro foi publicado pela Dimensão e ilustrado, para minha alegria, pelo Rui de Oliveira, o que resultou num primor visual. É mais uma faceta do gênio do Renascimento, que poucas pessoas conheciam – a do fabulista. E o interessante é que são fábulas em geral poéticas e não com aquele habitual cunho moralista, mas somente filosófico.

25. Trabalhou na imprensa, na Revista VEJA, no Jornal do Brasil... O que escrevia? Crônicas? Crítica Literária? Diga aos nossos leitores sobre esse período e essa sua atuação na Imprensa.
Comecei no jornalismo na editoria de pesquisa de O Globo, como redatora. E esta foi a função que sempre exerci, trabalhando nas mais diversas editorias e áreas. VEJA foi a minha principal escola, porque passei por lá em sua época áurea – fim dos anos 60. Mas, paralelamente ao trabalho de redação, também fazia crítica de livros e de cinema. Para meu espanto, fiquei com fama de impiedosa nesse mister...
Continuei colaborando para diversos jornais e revistas, sempre preferindo fazer resenhas; nos últimos tempos, de literatura infantil e juvenil.

26. Seu livro de estréia foi Amoras com açúcar ? Poderia nos resgatar esse extraordinário acontecimento em sua vida?
Aos 20 e poucos anos de idade, já casada e novamente morando no Rio de Janeiro (lá vivi quase metade de minha vida), eu tinha na gaveta uma coleção de poemas e muitas dúvidas sobre a qualidade deles. Surgiu então a oportunidade de serem avaliados por dois grandes poetas, freqüentadores do famoso “Sabadoyle”, aquele sarau literário que aconteceu décadas a fio na casa do bibliófilo Plínio Doyle. O primeiro poeta, Homero Homem, não só aprovou meus versos como acabou escrevendo o prefácio de “Amoras com açúcar”, o título que dei à coletânea. E o segundo poeta, Gilberto Mendonça Teles, referendando a opinião de Homero, encorajou-me a mandar os originais para alguma editora ou concurso literário. Foi o que fiz. E assim meu livro foi um dos escolhidos pela comissão que selecionava as obras com mérito suficiente para serem publicadas pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, nos idos de 70. Foi o primeiro prêmio que conquistei e, ao mesmo tempo, a minha estreia na literatura.

27. Você ganhou o Prêmio "Casa de Las Américas"... Foi um romance? Fale um pouco, por favor. Sei que já deve ter respondido muito sobre esse prêmio em sua carreira, mas, só mais um pouco...
Quinze anos depois de lançar “Amoras com açúcar”, tive a maior alegria de toda a carreira até aqui: meu livro, também de poemas, “Estas muitas Minas” recebeu, por votação unânime, o Prêmio Casa de Las Américas” de Literatura Brasileira, em 1997. Àquela altura, eu já começava a me questionar se estava ou não no caminho certo. Afinal, o meu padrinho literário, Homero Homem, me havia dito quando leu aqueles poemas iniciais: “Ai de ti, poeta!” O aval recebido em Cuba me fez criar alma nova. E pouco importa se a poesia continua sendo um gênero meio marginal nas prateleiras das livrarias e nas estantes domésticas, pois desde então assumi que esta era a minha forma de expressão por excelência.

28. É também ilustradora. Tem alguma história sua ilustrada por você mesma?
Meu caro, tenho ilustrado principalmente meus próprios livros. Dos 16 que até agora ilustrei, somente três são de outros autores.

29. Tem viajado pelo Brasil, e , inclusive, para o exterior. Poderia nos relatar algum momento mais bonito ou que tenha emocionado o seu coração nessas suas andanças?
Três lugares em especial me marcaram nessas andanças a que me levou a literatura: Sevilha, onde participei de um memorável congresso do IBBY (International Board of Books for Young People); Cuba, onde estive, quatro anos depois de receber o prêmio, como jurada do prêmio de Literatura Brasileira de 2001; e Goiás Velho, aonde fui dar oficinas pelo Proler e, além de me emocionar com a beleza singela de uma surpreendente cidade colonial, fiz amizade definitiva com uma excelente poetisa goiana, Heloísa Campos.

30. Insisto nessa pergunta e ela está sempre surgindo: O que é para Angela Leite a felicidade?
Acho que já dei a entender o quanto é importante para mim o afeto, não? Pois é, felicidade é amar e ser correspondida – em toda a dimensão que essa palavra compreende. Consequentemente, ser feliz é ter paz espiritual.

31. Escreveu um livro chamado "Medo de Escola". Qual é a abordagem desse livro? É uma história Infantil?
Nesse livro, uma história infantil sim, encontrei a forma de exorcizar minha primeira experiência com a escola. Transpus para a ficção uma vivência meio dolorida, pois ao entrar no jardim de infância saí com dificuldade da cálida redoma em que vivia até então. Só que o meu personagem, muito antes de mim, descobriu o lado prazeroso do novo ambiente.

32. Já teve um de seus livros divulgado num programa da Xuxa, pela própria apresentadora. Pode nos contar um pouco sobre isso e qual foi o livro?
Foi uma agradável surpresa saber que “Palavras são pássaros” tinha sido apresentado por Xuxa em seu programa. Eu nada sabia, até ser avisada pela editora Salesiana, que me mandou o link (este ainda está ativo na página que tenho no site www.caleidoscopio.art.br ). De vez em quando, o autor tem alegrias desse tipo. Certo dia, um amigo me telefonou, dizendo que eu ligasse depressa a TV, pois num determinado programa infantil, cujo nome não recordo agora, o boneco apresentador estava folheando meu livro “Os elefantes” e recomendando-o ao telespectador. Este é o nosso verdadeiro salário – o salário moral.

33. Ilustrou o livro "Aranha Castanha e outras tramas". Como é o seu processo de criação das imagens? Você lê e deixa as cores surgirem? Tem um período de viagem do pensamento na história? Pode revelar algo sobre isso?
É curioso você perguntar se deixo “as cores surgirem”, pois, exatamente esse livro da Gloria Kirinus é uma obra para jovens e adultos e, assim sendo, teve de ser ilustrado em preto e branco. Quando recebi a incumbência, achei que era o meu maior desafio. Mas, à medida que buscava as soluções visuais para as densas crônicas da autora, descobri as infinitas possibilidades que essas duas cores têm e foi uma delícia ilustrá-lo. Voltando às demais perguntas, meu processo começa com a busca de uma ideia que represente o texto ou que dele derive. Depois, é preciso traduzi-la em alguma imagem que instigue o leitor a pensar e, se possível, ir mais além do texto. Ou que o leve a sorrir. Enfim, que o provoque. E é muito gostoso quando vem o “eureka!” e se pode então partir para o trabalho com as mãos.

34. Tem um poema ou um trecho de algum escrito seu que poderia deixar aqui em sua PALAVRA FIANDEIRA?

Deixo um dos meus haicais de “Lição das horas” - livro editado pela Miguilim que recebeu um “Altamente recomendável” da FNLIJ e está atualmente esgotado:

À beira do poço
sentei-me com um desejo:
não perder a sede.

35. Tenho que encerrar a entrevista, que foi um De Leite, um devaneio passear na possibilidade de mostrar ao leitor um pouco mais do coração e do fazer literário de você, um momento de rara alegria, e, bem, tenho que encerrar. Mas, para terminar, (Estou abusando, bem sei!) poderia nos expor sobre algum de seus projetos para o futuro?
Abuso nenhum: para mim foi também delicioso bate-papo, que me fez ir e voltar pelo tempo.
Meu próximo sonho já está em andamento: é conseguir patrocínio para o projeto que criei a partir do livro sobre a Estrada Real e que foi aprovado na Lei Rouanet, pelo Minc. No terreno da ilustração, fazer as artes de um livro de poemas já pronto, cujo tema é o mundo da agulha e linha, nos seus múltiplos sentidos. Mas é claro que a cabeça nunca para de fervilhar, com novas idéias e planos, e isso me faz querer viver até os 100 anos para dar conta de todos eles...



36. Que mensagem final deixaria aos nossos leitores? Qual é a sua Palavra Fiandeira?
Não se trata propriamente de uma mensagem, mas de uns versos de minha poeta favorita, Cecília Meireles, que ultimamente se tornaram uma espécie de lema para minha vida:
Levai-me aonde quiserdes.
Aprendi, com as primaveras,
a deixar-me cortar
e voltar sempre inteira.”

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ANGELA LEITE foi entrevistada pelo escritor
MARCIANO VASQUES





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2 comentários:

  1. A qualidade e diversidade da obra de Angela Leite é algo assim maravilhoso de se ver, acompanhar. E eu que pensei que conhecia tudo, descobri que estou com uma lacuna enorme na minha estante... Bom saber que tenho muito a ler, a me emocionar, espantar... Parabéns pela bela e reveladora entrevista. Que Angela continue alinhavando palavras, desafiando cores e traços e nos encantando com sua obra.
    Abraço carinhoso,
    Heloisa Davino

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