EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 26


PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
ANO 1 - Nº 26 - 21/ABRIL/2010


NESTA EDIÇÃO:

MICHELLE BEHAR
__________________________________________________________

@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

MARCIANO VASQUES ENTREVISTA:


1. Quem é Michelle Behar?



Uma apresentação básica que aparece nos meus sites:
Michelle Behar, artista plástica, nascida na Guatemala em 1955. Naturalizou-se brasileira e mora em Curitiba, Paraná. Atualmente trabalha como Gravadora, Desenhista, Pintora e Ilustração Free-Lance. Ministrou cursos de extensão de gravura na Universidade Federal do Paraná e dá cursos particulares de Pintura em Computador. Desenvolve ilustrações para livros, pinturas, gravuras em linóleo e artes plásticas digitais.

2. - Michelle, você é guatemalteca, e vive em Curitiba. Quando veio ao Brasil e o que a levou a tomar a decisão de aqui viver? Pode nos contar essa história?

Com 18 anos sai da minha terra natal, para ir morar na Suíça com meu pai que foi transferido para a Organização Mundial da Saúde. Foi lá que conheci um brasileiro, paulista, músico com quem casei e que veio a ser o pai dos meus filhos. Não era possível ficar morando na Suíça já casados, por isso vim com ele para o Brasil, para São Paulo, inicialmente durante dois anos. Mas ele foi transferido para trabalhar em Curitiba, e ao chegar aqui, eu pensei: é aqui que quero morar o resto da minha vida. Eu tinha 23 anos à época.

3. Andou em Genebra, na Suíça, poderia falar dessas suas andanças?

Estando em Genebra tive a oportunidade de freqüentar o curso de Belas Artes. Fiz cursos extracurriculares de desenho e escultura com modelo nu. Mas a principal oportunidade que tive morando lá na Europa foi poder conhecer as principais cidades e museus europeus, o que é uma experiência única, culturalmente falando.

4. Sob orientação de Eva Funari frequentou um atelier, um curso. Conte-nos essa passagem em sua vida.

Morando já em São Paulo procurei algum lugar onde poderia continuar meu trabalho artístico. E foi assim que conheci o Atelier Lassar Segal. Local deixado pelo artista para ajudar jovens artistas a ter um local para desenvolver seu trabalho utilizando as prensas de gravura e os espaços que eram o atelier dele. Foi lá que conheci e fiz amizade com Eva Furnari. Isto foi mais ou menos em 1977. Na época ela ainda não trabalhava como ilustradora, mas vendo o maravilhoso desenho dela, trocamos muitas idéias sobre ela se encaminhar para essa área, e preparar um portfólio para apresentar às editoras.

Ela seguiu esse caminho, eu segui o meu como gravadora, mudando para Curitiba e procurando então o atelier da Lais Peretti, que tinha um atelier de litografia particular. Foi com ela que, mais tarde, o grupo todo foi trabalhar no Solar do Barão, da Fundação Cultural de Curitiba.

5. Já participou de exposições em San Salvador, em Havana - Cuba. Considera que para um artista as exposições individuais ou coletivas sejam relevantes?
Um artista sempre quer que sua arte chegue ao público de uma forma que sensibilize as pessoas. E só pode acontecer isso se o trabalho é mostrado em exposições, sejam coletivas o individuais. Mas um artista nunca é um bom comerciante, e ele deveria poder contar com um marchand para fazer essa parte de divulgação e venda do trabalho. Ocorre que, infelizmente no Brasil, a arte ainda não tem seu devido valor para que o artista possa ser só artista.

6. Já recebeu algum prêmio pela sua arte?

Ainda na Guatemala recebi um premio importante de cartazes, com o tema dos 150 anos da independência da Guatemala. O que esse premio marcou em mim foi que além da quantia em dinheiro que veio, ganhava 100 copias da reprodução do meu cartaz. Tive a oportunidade de visitar o atelier litográfico que estava fazendo isso e ver como era feita a separação de cores e as placas litográficas comerciais. Foi uma experiência que marcou pelo encantamento de ver o trabalho reproduzido em múltiplos. Acho que isso que me deu o gosto pela gravura e depois pela ilustração também.

7. Tem alguma arte de sua produção  em acervo?

Tenho uma obra de gravura que foi doada para o Museu Colméia em Lages, que iniciava sua coleção na época. Nem sei se ainda existe esse museu por lá.
Uma das minhas gravuras de litografia coloridas passou a fazer parte do acervo do Museu da Gravura da Fundação Cultural de Curitiba após ter dado um curso lá no Solar do Barão.
A mais importante, é a litografia que passou a fazer parte do acervo do Walt Disney. Eu deixei algumas obras para vender numa galeria da Guatemala. E foi la que o filho do Walt Disney viu e comprou uma gravura minha para fazer parte do acervo deixado pelo pai dele.

8. Em tempos de mídia digital, como vê a importância dos museus para a cultura?

Poder ver e apreciar uma obra de arte, ter acesso a ela por mídia digital, é sempre uma enorme vantagem. Mas a emoção de poder visitar um museu e ver obras de uma forma física, sejam elas pinturas convencionais, gravuras, fotografias e pinturas por computador impressas, sempre será uma experiência diferente e mexe mais com a emoção. E para mim arte é isso, mexer com os sentimentos.

9. E o livro, o que poderia nos dizer? Ele sobreviverá na sua forma tradicional?

Existem muitos tipos de livros. As enciclopédias, por exemplo, são livros que já morreram, com o melhor sistema de busca e informação que o homem já viu no Google. Os didáticos estão perdendo para as apostilas, o que eu acho uma pena. Tem livros que são só para se  ler uma única vez, como entretenimento, esses podem ser lidos digitalmente num Palm ou celular. Agora, existem os livros que são uma jóia, pelas suas ilustrações ou fotografias, acompanhados de informação ou historia. Esses em minha opinião, nunca vão morrer.

10. Ilustrou o livro A CIDADE DAS CANTIGAS, que agora é também uma peça de teatro, um musical aprovado pelo Ministério da Cultura. Conte-nos, por favor, essa experiência de ver sua arte num livro, que depois também é transformado numa peça teatral.

Página do livro "A Cidade das Cantigas"
O maior desafio na ilustração de "A Cidade das Cantigas" foi representar nele a neta do autor e a minha filha, como as meninas que são as personagens do livro. E eu adorei poder fazer isso, e brincar com o imaginário das canções infantis.

11. Você acaba de lançar um livro, que é o seu primeiro. Fale, por gentileza, desse livro. É um livro com suas obras de arte? 

Michelle Behar autografando no lançamento do seu livro

Este livro Zoomorfosis surgiu num processo contrario ao normal de um livro ilustrado. Pois foram as obras de arte já prontas que sugeriram a historinha que é relatada no livro. Foi um processo longo de mais de um ano de criação de obras de gravura originais. Depois veio a criação da historia que eu nunca tinha tentado me expressar na escrita, a tradução para o espanhol, minha língua natal. E depois todo o processo de diagramação, edição, registro, ficha catalográfica, enfim, o processo completo de criação de um livro que foi uma experiência muito interessante.

12. Pergunta padrão em PALAVRA FIANDEIRA: O que é para Michelle Behar a felicidade?

Para a felicidade eu tenho um pequeno poema escrito que descreve bem o que penso:

De dentro para fora
Procurando andava um dia
onde achar a alegria;
a procurei de norte a sul
do Pacifico até a Oceania.

E também a felicidade
que nem no amor eu a via,
pensei que alguém a possuía
ou lá longe a escondia.


Mas o que eu não sabia
e que em nenhum lugar estaria.
Pois a felicidade e a alegria
estão onde menos pensaria.


Com muita surpresa eu vi
que a chave eu já tinha,
e a fechadura, quem diria!
só de dentro para fora abria.

15/10/08
Michelle Behar

E olhando de dentro para fora cheguei a conclusão que a felicidade maior consiste em poder trabalhar no que mais gostamos, e fazer isso com muito amor.

13. Atualmente você aprecia mais a arte digital, ou ainda gosta de desenhar no papel?


A arte de Michelle Behar


A arte digital é uma ferramenta muito poderosa de criação. Da muita liberdade de criar e refazer quando é necessário. A utilizo muito na ilustração, pois sempre são necessárias mudanças que digitalmente são mais fácil de fazer sem ter que desenhar tudo de novo. Mas também utilizo essa arte digital para fazer projetos de pinturas e gravuras que depois eu vou tornar realidade física no papel ou na tela.

14. Como vê a produção de Literatura Infantil no Brasil? Poderia citar alguns autores, escritores, e também ilustradores, cujo trabalho você acompanha?

Eu acho que a literatura infantil no Brasil tem excelentes autores e ilustradores, apesar de nem sempre serem bem remunerados, como é o caso no exterior, quando um ilustrador pode viver bem com o que ganha ao ilustrar um livro por ano. E isso permite a ele o tempo e dedicação de fazer um trabalho muito caprichado.
Acompanho sempre o trabalho da Eva Furnari com quem ainda mantenho amizade, e da Marcia Széliga como ilustradora, cujo trabalho eu admiro. Como autores, eu gosto muito do jeito que o Marciano Vasques escreve, e também da Liana Leão. 


 Marcia Széliga, escritora e ilustradora de Livros infantis

15. É sócia, membro de alguma Associação, alguma entidade dos ilustradores?

Freqüento as reuniões do Costelão Ilustrado, onde um grupo de ilustradores de Curitiba se reúne uma vez por mês para beber, comer, conversar, trocar experiências e desenhar nos papeis Kraft que forram as mesas. Esses papeis logo farão parte de uma exposição muito interessante e diferente.

16. Você atua em diversas formas de produzir arte, passando pelo desenho digital e outros, como o desenho vetorial, falando nisso: o que é um desenho vetorial?

Existem duas formas básicas de criar imagens no computador, as de bitmap e as vetoriais. A diferença principal consiste na forma como o computador vai lembrar dessas imagens. O bitmap é registrada num quadro de coordenadas x e y, onde cada pontinho que compõe a imagem tem um valor de cor, saturação e luminosidade. Isto permite criar de uma forma mais natural para o artista, com um desenho mais livre, mas não permite aumentar muito a imagem do tamanho que foi criada sem perder qualidade. É o sistema utilizado também para fotos.
Já as vetoriais são lembradas pelo computador por formulas matemáticas parabólicas. Mas para isso, tem que ser criadas em programas próprios, e compor a imagem como um quebra-cabeça de linhas e preenchimentos que se somam para formar a imagem. Isto permite ao computador lembrar só as formulas e cores, podendo fazer essa imagem ficar em qualquer tamanho sem perder qualidade.

17. Está no Twitter? O que significa para você essa onda atual de alguém ter, por exemplo, dois mil e até vinte mil seguidores, e alguém ter no mundo virtual centenas e centenas de amigos?

Estou no Twitter sim, mas não sigo tanto como vejo que meus filhos o fazem. Estou também no Facebook e no Orkut, no GTalk e no MSN. Comecei nessas redes principalmente para acompanhar atividades da família que esta longe, mas sempre vão aparecendo amizades novas em cada lugar. Acho que os familiares e as amizades ficam mais perto dessa forma. Pois considero que a amizade é algo que sempre tem que ser cultivado, e poder ter um contato e resposta imediata ajuda muito. As amizades, mesmo sendo virtuais, sem nunca ter conhecido pessoalmente, são muito reais quando se encontra uma afinidade boa. Tenho amigos na internet de faz mais de 15 anos, que nunca vi pessoalmente,  mas que acompanho a vida deles sempre com carinho. Tenho amigos ate na Islândia!

18. Acompanha a Arte Contemporânea? Muitos não gostam, alguns criticam, outros não entendem, há quem diga que ela privilegia a estética do feio. Que comentário faria a respeito?

Para mim a arte é sentimento, e se uma arte não consegue mexer com esse sentimento, não adianta. Mas esse sentimento nem sempre precisa ser bom, ai depende de como o expectador se identifica, pois tem gostos para tudo. Eu pessoalmente aprecio o que me passa uma sensação boa e bela. E dentro disso pode ser algo abstrato ou figurativo. Mas acho que o figurativo, por ser mais facilmente sentido, esta voltando a ter força no meio das artes contemporâneas.

19. Certamente é uma considerável leitora. Poderia nos citar pelo menos um livro que tenha lido e que realmente possa ter influenciado a sua vida?

Eu lembro que os livros do Richard Bach, principalmente o "Fernão Capelo Gaivota", mexeram e influenciaram muito na minha juventude. Foi onde vi que uma historia pode voar muito mais longe na imaginação do que as formas convencionais de novelas que seguem uma linha dentro da realidade, mesmo sendo ficção.

20. Você fez um desenho que atiçou a curiosidades de muitos, que é o "Mickey Feio". O que quis transmitir com esse trabalho?




O "Mickey Feio" foi só uma forma de mostrar aos ilustradores participantes esse jeito de ilustrar com estilo de gravura, que fica muito adequado para historias de medo, que a garotada hoje em dia curte muito.

21. Fale de algo de nossa época que realmente a deixa muito triste.

Eu acho que não tem nada na nossa época que não tenha tido em outras anteriores, que são as atitudes de desrespeito de algumas pessoas que não conseguem viver dentro de um principio básico de ética moral onde amar ao próximo como a si mesmo é a base. Mas o homem tem evoluído muito lentamente desde que esse principio foi estabelecido. Tenho fé que um dia chegamos lá, por isso não fico triste. Ao conseguir isso, o respeito será total, tanto pelo homem como pela natureza, pois somos todos parte de uma coisa só, o Universo.

22. Quando, em que momento em sua vida, desabrochou, ou seja, surgiu a Michelle artista plástica? Em que momento a arte entrou em sua vida?

A arte não surgiu na minha vida, a arte nasceu comigo, e desde que tenho consciência, eu tenho pintado e desenhado sempre, até antes de aprender a segurar um lápis, eu já pintava com pinturas de dedo. Sempre tive certeza que era isso que eu queria fazer na minha vida. Como aplicar isso para poder viver é que foi aparecendo aos poucos, primeiro como gravadora e depois como ilustradora e professora também, pois gosto muito de poder ensinar o que sei.

23. Como vê a produção cinematográfica para o público infantil?

Acho que a produção cinematográfica desde que surgiu, encanta tanto adultos quanto crianças. É um mundo que eu adoro, e onde tem possibilidades infinitas de expressão e criação também.

24. Deixe a sua mensagem final para os leitores de PALAVRA FIANDEIRA.

Minha mensagem final para os leitores seria meu conselho de viver a vida intensamente. Viver cada momento como algo único e dedicar a vida ao que se gosta com amor. Assim encontramos uma paz e felicidade que dá sentido a nossa vida. 

 __________________________________________

Entrevista realizada por Marciano Vasques
Marciano Vasques é escritor

sábado, 10 de abril de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 25




PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA 
ANO 1-Nº25- 10/ABRIL/2010 


NESTA EDIÇÃO:

AGUSTÍN BENELLI


DO CHILE, 

POR ROCÍO L'AMAR

@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
As pulsações 
que cruzam 
o artista 
Agustín Benelli

Dentro das fronteiras da Poesia e das Artes Visuais



Desde o início da História, o homem sentiu a necessidade de manifestar suas inquietações artísticas nas paredes dos lugares que habitava. Prova deste fato o demonstram as cenas que se encontram em várias cavernas em diversos lugares do mundo. Mais tarde, o homem começou a escrever nas paredes, prova disso, os muçulmanos escreviam partes do Corão como decoração. Também os monges italianos deixavam mensagens a seus colegas escritos nas paredes de modo que ninguém mais os entendesse.

Desde que o homem existe sentiu a necessidade básica de se comunicar, de transmitir às futuras gerações sua cultura.

Então o anterior nos serve como base para estabelecer certas relações no que hoje entendemos como arte (essa incitação permanente ao diálogo, ao desejo de ser ouvido ou visto, à busca incessante do contato com numerosos receptores, a romper com o anonimato, a estabelecer algum tipo de amizade através da criação artística, etc, etc), dentro das fronteiras da poesia e as artes pictóricas - como é nosso interesse-.

Os estilos visuais ou pictóricos - ou as preferências - dos escritores geralmente respondem a seus estilos literários. Por exemplo, Edgar Allan Poe produziu um retrato seu cujos olhos possuíam a mesma melancolia encontrada isolada em seus contos.

Alguns escritores gozaram plenamente de suas pinturas e chegaram a expor um contraste com seus escritos, os quais concebiam muitas vezes como um reflexo da miséria. Pintar não foi um escapismo, mas uma resposta, um meio para distanciar-se do mundo que lhes doía.

Não que seja que os escritores queiram alcançar uma obra prima através da pintura. Sua audácia é tomar uma paleta de aquarelas e obter uma sensação tátil e uma forma de expressão, na ponta dos dedos, mais rápida de obter com a pena. Não podemos deixar de mencionar aqui os desenhos de menino de Federico García Lorca, muitos destacados no mundo literário por sua força e potência, como suas magníficas obras em prosa e verso. Conta-se que usava lápis de cores ou o mesmo pequeno lápis com que escrevia e desenhava, primeiros desenhos ingênuos, simples, belos, para mais adiante fazer desenhos surrealistas que corresponderam à sua época.

Mundos carregados de imagens

As relações entre pintura e poesia têm longa história. Num mundo carregado de imagens estáticas como o Renascimento, não poucos poemas eram descrições de quadros. A reverência da palavra à imagem foi total: o espelho da simetria pictórica o é também da poética. Há exemplos até por gosto. O mais famoso: "Enquanto lírio rosa e branco ...", soneto de Garcilaso que parece uma exercício de crônica minuciosa de uma mulher de algum quadro, o Nascimento de Vênus, de Botticelli. Porém, ao dizer que parece um exercício, a analogia quer estabelecer e à vezes diferenciar ambas formas de representação.

Tempos depois, o impressionismo e a nascente fotografia, engajaram-se em uma curiosa luta. Como reproduzir essa zona que oscila entre a suposta objetividade e a ambígua subjetividade? É o começo das misturas que conduzem à página em branco de Mallarmé e ao cubismo do começo do século. A simultaneidade - tão comentada pelas vanguardas - já está em Duchamp e seu nu declinado sob uma escada, e na poesia concreta de Apollinaire.


Foi Degas quem queria ser poeta? E recebeu de Mallarmé a seguinte declaração: "A Poesia não se faz com ideias mas sim com palavras". Creio que a coisa vá por aí. Salvo que o poeta seja ou tenha sido pintor, e então domine de primeira mão dois conhecimentos e duas habilidades.
Penso em Alberti, que tem um livro dedicado à pintura e outro que é um diário poético sobre Picasso. Ou em Enrique Lihn, que deixou a escola para ser pintor e se tornou poeta e crítico de arte.
Interessa constatar a predileção por comentar poeticamente o trabalho geral ou os trabalhos particulares de pintores. E o interesse pela imagem. É muito fácil cair na tentação da transferência verbal, saltando do trampolim da combinação de cores à das palavras. Este é o grande risco. E se expressa maravilhosamente nestes versos: "Em lugar de escrever para ti, queria aprender a pintar..." ( Ao alfandegueiro Rosseau).

*Fragmento do artigo de Edgar O'Hara



O silêncio da pintura e a fotografia.


Há silêncios que coalham feito gelo em um bloco estreito e duro. É difícil rompê-los. Porém há outros que se vão preparando ardorosamente e, logo, nos rodeiam em chamas. Romper um silêncio de gelo talvez seja difícil; porém é mais difícil ainda romper um silêncio de fogo, como este da pintura/fotografia. Quem rompe aqui a voz, neste silêncio de fogo que nos circunda; nestes silêncios de fogo?

Na pintura e na fotografia, como em todas as artes poéticas, o adjetivo se faz substantivo. E com isto se começa a esclarecer a questão para a maioria dos questionadores (E todos devemos parar um pouco, pelo menos um pouco, diante de toda pintura, com esta sinceridade interrogante; todos devemos ser sempre, infantilmente, se queres, diante de toda obra poética ou artística, um pouco, ou um muito, como meninos, questionadores).

Isto de que e o como começa a esclarecer a questão ou as questões, porque as primeiras perguntas que costumam fazer diante do mistério da criação poética na pintura e ás vezes na fotografia ( E toda pintura que o seja, e, seja como for, é sempre, como toda coisa deveras, um puro mistério de criação, de poesia), as primeiras perguntas se que fazem são estas: O que é isto? ou, Que quer dizer isto? O que quer dizer você com isto?, ou também o irritado: Porém, quer dizer-me você a mim o que seja isto: , em lugar destas outras: Como é isto? , ou, Como isto é possível? , nas quais vá implícito um ato de fé: de boa fé. Por que nas primeiras, não.

A atitude primeira seria, quando melhor, uma interrogação absolutamente científica; um anseio filosófico deslocado. que se equivoca de caminho. E nem sequer verdadeiramente filosófico, se é verdade que a filosofia, como diziam os gregos, começa pelo assombro, pela surpresa; o que não se surpreende nem se assombra diante do verdadeiramente espantoso, surpreendente, que há em toda obra de pura criação poética, não tem direito a perguntar nada.

Teve um personagem cinematográfico que dizia que preferia dar um tiro a dar uma explicação. é o mesmo que Dante quando disse que há coisas às quais somente se responde com faca, com punhal: com uma punhalada. Tiro ou punhalada é a resposta explicativa de todas as artes poéticas; a resposta inerente e mortal de sua razão poética, que, como disse Max Jacob, a poesia moderna se esquiva de todas as explicações; a poesia moderna e toda poesia, toda forma poética. O mesmo com a pintura, a músicas e a fotografia - formas poéticas -; nenhuma poesia, nem música, nem pintura, nem fotografia precisam dar explicações, por que é, em principio, por definição, por natureza, inexplicável.

Todos o que verdadeiramente têm pintado ou fotografado, que criaram seus mundos ou seu mundo com a pintura ou a fotografia, ou na pintura pintaram ou na fotografia fotografaram, não porque quiseram que se possa querer pintar/ fotografar e não pintar/ fotografar, mas sim como quiseram; como lhe deram e não porque lhe deram sua vontade, seu anseio, seu apetite; que se faz real vontade porque é o apetite de coisa ou de coisas, ânsia de realidade, de criação verdadeira, anseio criador ou fazedor das coisas.

E neste forte desejo, que é nas artes poéticas desejo de forma, é ao que se há chamado, com razão, estilo. Não tem questões técnicas em pintura que não fiquem reduzidas a isso somente: às puras questões de estilo.

Porém é que neste desejo da pintura/ fotografia há um tal desejo de verdade poética, de criação ou recriação das coisas, seja lá o que for isto, se situa essa última e decisiva e vibrante tensão do desejo humano que a transparente linguagem popular denomina vontade santíssima; quando se diz que alguém o que quer é fazer sua santíssima vontade, e somente isso: sua santíssima vontade, se atribui ao que isto se refere uma vontade invencível, intransigente, única.

E isso - este nada mesmo, porém nada mais que isso, que é para eles tudo - é o que querem o pintor e o fotógrafo ou o poeta, que, definitivamente, os três são um mesmo poeta com diferentes linguagens imaginativas.

E há que passar por cada linguagem imaginativa andando como sobre águas, para não queimarmos com eles; porque é muito frequente se queimar e chamuscar-se com todos estes ardentes jogos da poesia.

Se escutarmos com os ouvidos a luz, se abrirmos os olhos a estes luminosos silêncios, compreenderemos facilmente como todas as linguagens imaginativas se originaram e radicalmente se fundem em uma só linguagem comum: o da criação poética mesma, que é a vontade sobrenatural de sua própria natureza. Por isso, cada uma destas linguagens é hermética, irredutível; por isso não se pode dizer em palavras o que já está dito na pintura ou na fotografia ou na música; pois cada uma destas linguagens é, como atividade espiritual que é, o que chamou Hegel: uma especificação cada vez mais determinada do pensamento. *Fragmento do texto publicado na revista "ARTE", de José Bergamin.

A Poesia é pintura que fala

Segundo Virgínia Woolf, um escritor sempre se perguntará como levar o sol à página, como pode conseguir que o leitor veja a lua enquanto se eleva no horizonte por meio de uma ou duas palavras. Isto é, se perguntará como conseguir um efeito máximo por meio de recursos mínimos, tal como sucede com Charles Stelle, o pintor de "O quarto de Jacob", que, com uma só pincelada de negro violáceo muda o tom geral da paisagem que acaba de compor sobre uma tela.

A formulação de analogias entre a poesia e a pintura remonta à afirmação de Simónides de Ceos, no século V A.C, recolhida por Plutarco, segundo a qual "A pintura é poesia silenciosa, a poesia é pintura que fala". E assim como se atribuiu tradicionalmente à Aristóteles a origem da teoria literária, também durante séculos se reconheceu a origem da teoria das relações inter - artísticas em Horácio, que bebeu das fontes gregas. Sua Epístola Ad Pisones - que já Quintiliano considerava uma verdadeira ars poética, título com o que logo ficou conhecida - enfatiza e reitera a correspondência entre ambas artes tal como surge na obra do Estagirita. O lema horaciano , ut pictura, e a ideia aristotélica de que a intriga de uma tragédia se assemelha a uma pintura, proporcionaram desde o renascimento até o século XVIII uma constituição ao sistema das artes, constituição baseada na assimilação entre poesia e pintura, e uma de cujas formulações mais proeminentes está contida em uma obra bem tardia como Les Beaux -Arts reduits à un même principle do abade Charles Batteux ( 1746). Foi esta obra a que provocou a reação de Charles Batteux contra o entusiasmo pela migração de qualidades e poderes, tanto estéticos como pedagógicos, entre domínios artísticos diversos.

Antes de que se publicasse el Laocoonte de Lessing (1766), outras obras haviam reclamado já uma distinção precisa entre as artes, como el Paragone de Leonardo de Vinci e as Reflexões criticas sobre a poesia e sobre a pintura do abade J. B. Du Bos, escritas respectivamente até fins do século XV a princípios do XVIII. Entretanto, a diferença do Laocoonte e seu fundamento em favor de um estatuto autônomo da poesia, em tais obras se sustentava a inferioridade desta última com respeito à pintura. Segundo a distinção que elaborou Du Bos, a lógica de tal hierarquia responde à natureza dos signos de cada uma das artes, dado que os pintores utilizam signos que não são arbitrários e instituídos, como as palavras que utilizam os poetas. Os signos naturais pictóricos, ao apresentar os múltiplos componentes de uma ação ou de um cenário simultaneamente ao olhar do receptor, são capazes de provocar nele um efeito maior que os signos artificiais linguísticos, os quais submetem tais componentes à ordem sequencial de uma descrição.

Lee assinala acertadamente que o tipo de relação entre literatura e pintura favorecida pelo Renascimento excedeu as pretensões originais de Aristóteles ou Horácio. Dolce foi um dos que mais radicalizou o pensamento de ambos, e chegou a declarar que os escritores são pintores e que a poesia, a história, tudo o que um "homem culto" pode escrever, é pintura. Em seu Diálogo Da Pintura, intitulado l'Aretino (1557), o primeiro grande tratado da pintura humanista, predomina a ideia de Horácio sobre a conveniência de criar a partir de formas e temas clássicos. Bellori (1664) reelaborou logo a teoria de Dolce seguindo estritamente a noção aristotélica de mímeses. Sua obra " A ideia do pintor, do escultor e do arquiteto" confirma o papel central que tinha a Poética no século XVII e insiste na ideia de que a pintura e a poesia devem imitar ações humanas em suas versões mais elevadas, ideia que logo seria herdada pelo neoclassicismo francês.

Poesia fotográfica v/s fotografia poética

Devemos reter esta frase, porque com ela se compões os poemas de Agustín Benelli, porque todos e cada um deles são corpos de uma fotografia familiar. Escrituras brancas sobre folhas pretas e ou vice-versa. Poesia dos sinais. Poesia do significante. Fotografia do ênfase e a intensidade estilística.

Na fantasia de Agustín Benelli só se postula o corpo sensual da mulher que aspira a reter no texto essa luz entre os efeitos do claro&escuro. Flashes poéticos que nos mostram a verdade do desejo, por um lado, e o prazer verbal, por outro. Sem ser intimidante nem fugitivo, nos abre o álbum e nos oferece suas visões anotadas como se fossem pequenas velas no meio da noite. Será acaso antecipação ao poema que se realizará? Suspeito que esta paisagem é importante porque desperta nossa luxúria. Essa sensação universal que produz o tênue de uma silhueta - certamente crescente - cuja imagem aparece exposta. O disponível. O oferecido. O assunto. Fotofraseado.


A fotografia traça uma sequencia no espaço que mostra a poesia.


Mãos e pubis, nádegas e gestos, braçadas e contorções, seios e insinuações, um mundo silencioso que emerge feito promessa de um contato, uma fricção, uma carícia. Esses fragmentos ou colagens ou grafismos expressam pulsão sexual. Na ampla dimensão das chamadas é a mulher, misteriosa obviedade de fêmea, feminina, companheira, a flutuação da arte poética e pictórica de Agustín Benelli.
Vale dizer que a criatividade que os poetas têm em abundância pode ser contida às vezes em uma forma, porém também pode transbordar-se em outras disciplinas que vão mais além daescrita, mais além do literário.

" É uma realidade a perspectiva/ e é uma ilusão a perspectiva", disse um poeta. De modo que a arte embeleze nossa observação.

Por outro lado, é importante sinalizar que ninguém consideraria sua atividade alternativa como subordinada à outra. "Trata-se de mundos autônomos e complementares a um tempo (segundo Paz), o ensaio ou a pintura se escolhe como meio de expressão segundo o desejo, as circunstâncias ou as exigências do tema.


Com frequência nos encontramos observando fragmentos das vidas de outras pessoas. Geralmente, isto acontece à distância, a maioria das vezes, através de uma janela. E é pelos movimentos e os gestos de seus corpos que inventamos os possíveis dramas de suas vidas. Porém, que aconteceria se uma ou todas estas pessoas a quem vigiamos se voltassem em nossa direção e nos olhassem diretamente nos olhos? O incômodo desse momento se deveria não tão somente ao nos sentirmos aprisionados em um ato de "voyerismo", mas que por algo ainda mais inquietante. Nesse momento, nos parece mudar de lugar. Nos sentimos empequenecidos, reduzidos às mesmas dimensões da imagem distante que teria o outro de nós. Nos convertemos no observado. O olhar parece nos acusar, como se nos prendesse ao ato proibido da observação em segredo.


Mas se sente a mesma inquietante sensação diante do retrato frontal, quer seja em fotografia ou na pintura. O rosto me observa constantemente, e, portanto, me afasta da possibilidade de uma meditação e contemplação distanciadas que constituem a essência da poesia.
Para ser mais precisa, fosse possível posar e fotografar aos personagens rodeados de objetos simbólicos que aparecem em nossos sonhos, poderíamos nos aproximar da experiência com estas fotos. As fotos com poses têm algo em comum: o sujeito nos olha diretamente nos olhos. E é esse contato ocular que tanto inquieta como deleita o observador.

1. A que responde a fascinação dos artistas por outros campos artísticos, cruzando fronteiras, escutando, olhando e até muitas vezes trabalhando juntos em diferentes meios?

-É importante ter presente que a vida en sua natureza primitiva, é a interrelação de um sem números de fenômenos que certamente não criou o ser humano. Seu conhecimento e manipulação através da história, tem configurado uma "realidade" especial em cada época. Este processo no qual o ser humano domina certos fenômenos e cria por sua vez outros, tem uma inquestionável influência na configuração do que chamamos o mundo social e cultural. Esta realidade infinita na qual se misturam os fenômenos naturais e os artificiais criados pelo ser humano, exige muitas ferramentas para interpretá-la e expressá-la. Neste contexto surge a necessidade de alguns indivíduos no âmbito artístico, de utilizar diferentes suportes para manifestar sua reação frente aos afetos que provoca esta amalgama tão variada de fenômenos, que denominamos vida. Neste processo, o ser emocional busca consciente ou inconscientemente um dos fenômenos fundamentais que dão sentido à vida: a beleza. Que não podemos certamente definir completamente, visto que a semelhança do que chamamos realidade, esta é incomensurável.


O emocionar-se tem seu próprio campo de ação, e sua manifestação se tornará visível em grau diferente de acordo com o meio de expressão que utilize. A fotografia jamais poderá penetrar tão profundamente na alma humana como a poesia pode fazer. Porém a imagem material tem uma qualidade de representação única. Esta multiplicidade de respostas me impulsiona a buscar diferentes meios para expressar minhas emoções e pontos de vista. Por isso tenho me interessado pela pintura e o desenho, o teatro, a fotografia e a poesia.

2. Os pintores vêm algo nos poetas, que os diferencia deles. Qual é sua experiência?, considerando que na década de 90 o conheci sendo pintor, e hoje em dia você é fotógrafo, diretor de teatro, gestor cultural, radialista, e poeta.

- Os pintores, assim como todos os humanos, realizam diferenças linguísticas do mundo que os rodeiam, porém sua alta sensibilidade e percepção das formas e das cores, os leva muitas vezes a expressar o mundo que os circunda, apenas através da magia desses elementos. Desde muito criança relembro meu interesse pelo desenho, uma prática jamais por mim abandonada pelo completo. Minha experiência, tanto na poesia quanto nas artes visuais, me permite pontuar que a diferença substancial entre pintura e poesia não existe, enquanto processo criativo. Sem dúvida, cada arte requer um domínio de certa técnica, porém obviamente, este básico aspecto que todo criador deve possuir, existe uma instância superior, de onde por minhas vivências percebo que há uma força misteriosa que me permite compreender que os elementos com os quais trabalho têm uma qualidade de insinuar-se, de apresentar-se diante de mim como necessários em um determinado momento. Pelo que sempre aconselho aos que querem cultivar alguma arte, que se deixem levar pelo inconsciente e permitir, como no caso da poesia, que as palavras possam emergir sem serem forçadas, deixar que elas aflorem e que certamente representarão genuinamente a emoção que o poeta experimenta frente à realidade que conhece.


3. Alguns poeta falam quase como pintores sobre como concebem suas obras. Desde a fotografia, que enriquece também progressivamente a linguagem como experiência estética. Onde começa primeiramente a ser gestada a metáfora no fotógrafo ou no poeta, em Agustín Benelli?

- A tristeza é um grande motor mental para encontrar o âmbito ideal onde achar um estado psicológico apropriado, de onde experimentar a palavra, com um poder evocativo poderoso. Porém também está a alegria, o desfrutar da vida, o eterno amor. Ali emergem as sensações que definem o verbo, esses desejos que convocam de uma forma misteriosa a palavra mais adequada. A emoção que provoca a existência, tem seu selo particular de acordo com a sua época: por isso creio que esta tem de alguma forma suas próprias palavras, seu próprio ritmo. Só há que deixar-se levar por esse impulso vital de uma forma honesta e descobrir com espanto a expressão perfeita da beleza.

4. A literatura e as artes visuais se relacionam de muitas maneiras. Imagens sensoriais, ideias, textura, cor, ritmo, espaços, geometria, beleza, etc.. De que forma você integra a linguagem visual e poética em suas obras, isto é, onde põe você o acento da ênfase?
- Somos matéria, ainda o espiritual é matéria, nada pode existir no universo sem uma materialidade, seja conhecida ou desconhecida. O corpo é o veículo que nos transporta por esta vida, estrutura que não escolhemos, porque viemos a um mundo onde tudo estava feito e nossa liberdade só consiste em conjugar os fenômenos existentes de uma maneira sábia e positiva. Fato que o ser humano esquece persistentemente. Somos deuses que esquecemos que o somos e pretendemos em troca ser Deus. Somos carne e osso, completas criaturas onde o emocional desempenha um papel essencial. A textura de minha poesia é a paixão que pulsa o ritmo do verso, duas gotas de água em brasas, o vapor afundando nos interstícios do desejo, a geometria da beleza que me abraça com seus olhos azuis e balança a água na loucura de uma embarcação em Veneza, ou no Bio Bio.

5. Desperta a minha atenção o diálogo ou efeito dialogante em ambos os gêneros - poesia e fotografia - não sei quando começa uma e acaba a outra. Entretanto, ambas comunicam, ambas são retratos poéticos associados ao encontro. Qual é sua reflexão, seu pensamento artístico, do impresso escrito e da escrita fotográfica?


- Creio perceber uma profusão de imagens em minha poesia que a torna muito visual. Este aspecto de minha poesia indubitavelmente está vinculado a meu particular modo de observar o mundo rodeante. Gosto de reparar nos detalhes, isto é, do particular ao todo. A proximidade entre minha poética e fotografia pode levar ao erro e perceber uma articulação consciente no processo de realizar minha escrita poética e sua referência fotográfica. Mas não procede assim, como já tenho insinuado, cada meio de expressão o emprega de acordo com a sua natureza, sem forçar suas qualidade intrínsecas que possui. Não descarto que na leitura do conjunto, o espectador/ leitor perceba uma relação entre uma e outra.

6. Se tivesse que escolher uma obra poética e uma plástica, quais seriam, obviamente de outros criadores, e porquê?

- Paul Klee ocupa um lugar especial no desenvolvimento do meu trabalho plástico. Foi em uma de suas obras que vislumbrei meu particular modo de conceber meu trabalho. Ainda que dificilmente algum crítico possa encontrar algo de sua proposta em minha obra plástica. Nessa década, refiro-me à de 80, experimento um especial interesse por conhecer mais profundamente o sentido da poesia, que coincide com meu encontro com o poeta espanhol, Juan Carlos Mestre. Como o qual me une uma especial amizade e que junto a outros poetas, ainda jovens buscávamos o sol da meia-noite, a diáfana palavra que não está sujeita ao passado, essa emoção de escutar o som novo do sangue.

7. Contemplar uma obra de arte centraliza o indivíduo em "si mesmo", promove sua imaginação e tem uma profunda incidência em sua formação sensitiva e cultural. Qual é seu desfrute estético, do ponto de vista do artista, do sistema de valores emocionais, da compreensão do coração?

- A música ocupa um lugar muito importante em minha formação artística, e me refiro aos clássicos que desde pequeno tenho conhecido e admirado com profunda devoção. Alguns deles são: Beethoven, Mozart, Bach, Max Bruch, Alban Berg, Tchaikovski, Dvorak, Brahms, Rachmaninoff , Sarasate, Saint Saens.

Com efeito, a música tem sido importante em minha vida, ainda mais, tem sido um livro em especial, que teve e tem uma influência enorme em minha pessoa. Refiro-me à Bíblia, um livro que me salvou do vazio da descrença, da amargura da solidão, e que entregou uma profunda visão da natureza humana.
Sua riqueza literária e moral, indiscutivelmente um fator importante, como referência, é a obra e vida de Gabriela Mistral.

8. Frequentemente se crê que os realizadores de artes plásticas não necessitam ter conhecimentos específicos e que nesta arte não se pratica o pensamento analítico, que fazê-lo reprime a "inspiração" poética, naturalmente que a investigação demonstra que os artistas acrescentam e dão qualidade a sua experiência sensível e ao seu imaginário simbólico graças ao manejo esperto da linguagem da arte, a sua consciência histórica e à reflexão crítica do universo natural, social e cultural em que vivem. Que instrumentos, ferramentas, equipamentos, provimentos, contém sua bagagem cultural?

- Uma profunda reflexão do ser humano, um examinar a história e seus fatos, compreendendo que a experiência humana com todos os seus defeitos tem um valor único. O ser humano é capaz de realizar tantas maravilhas, que não deixo de me surpreender com sua transbordante inteligência, e o espanto de pensar que alguns têm a fantasia de imaginar que dependemos do macaco. (Milhares de anos de evolução? Como é possível a ideia de atribuir uma qualidade divina ao tempo?) . Um formoso animal, porém está muito distante, infinitamente longe das qualidades do ser humano.

9
- Estamos concluindo a entrevista, Agustín Benelli. Sendo assim, proponho a você que realize uma ideia: levar a cabo uma analogia entre poesia, pintura, fotografia, teatro, locução/rádio...Qual seria, segundo você, essa semelhança necessária para co-existir e criar harmonia com cada grupo?

- Expressão e conhecimento da vida que se compartilha, uma aproximação ao coração do outro: a pulsação que percorre toda a existência.

BIOGRAFIA


Após se licenciar do Ensino Médio, ingressa na Universidad de Concepcíón no ano de 1982, estudando nessa casa de estudos, Licenciatura em Educação Menção Artes Plásticas. Durante a década de oitenta, empreende a busca de sua linguagem plástica pessoal; seus resultados são exibidos em diversas salas de exposições, tanto na área da pintura como no desenho. Ao final dos anos 80, realiza, na Rádio Universidad de Concepción FM, durante mais de três anos, a produção e condução do programa “Flashback” e "Um Minuto com a Arte". A partir de 1995, começa seu trabalho na área visual da fotografia.

Na Universidad del Desarrollo (Concepción), em 2000, promove o curso eletivo "Oficina de Fotografia", e em 2004, dá a Cátedra, Fotografia Jornalística na Carreira de Jornalismo nessa mesma casa de estudo.

Durante 2002 e 2003, realiza na Universidad San Sebastián da Cidade de Concepción, o curso de Fotografia Jornalística; desenvolvendo a partir de 2001 diversas oficinas, como "A Fotografia mais além da Técnica, em Busca do Aphoran Perdido"; "Fotografia versus Aphorangrafia", e na Escola de verão de 2003, profere a conferência "A Imagem Oculta da Fotografia".

Em 2004, realiza, na Universidad de Concepción, a oficina "Fotografia e Desenvolvimento Humano". Novamente na Universidad San Sebastián, apresenta, durante o ano de 2005, uma oficina anual de Fotografia, e em 2006, realiza a oficina “Aphorangrafía & Fotografía Artística”. Entre seus prêmios se destacam, em primeiro lugar, o concurso "Nuevos Artistas de la VIII Región” do Instituto Chileno Alemão de Cultura de Concepción, e sua seleção no IV Salão Nacional de Gráfica da Pontifícia Universidade Católica do Chile.

Figuram entre suas exposições uma amostra coletiva no Museu SAISE de Burdeos, França, e na cidade de Concepción. Expôs no Instituto Chileno Alemão de Cultura, Multi- Sala Aliança Francesa, Instituto Chileno Norte - Americano de Cultura, Pinacoteca da Universidade de Concepción, Galeria Pencopolitana de Arte, entre outras.
Em 2007, funda a Companhia de teatro “La Rampa”. Como dramaturgo, é favorecido com contribuições do Fondart Regional 2007 para a montagem de sua obra teatral "Teu Corpo e o Meu"
Em 2008, realiza a montagem “El Ocaso de la Mañana”. Em 2009, põe em cena a fusão poética: Escondite de Fibras & Materiales Infinitos.
A partir de 2007, retoma a produção e condução do Programa de Conversação: Flashback, na Rádio Universidade de Concepción F. M.

Como fotógrafo, é favorecido com contribuições do Fondart regional 2008 para o desenvolvimento do Projeto Foto&Grafia, junto ao poeta Omar Lara. Sua obra poética está contida em dois textos inéditos: "Vazio Incerto" e " Casto de Toda Palabra Inconclusa".
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@




Os marinheiros navegam com seu alimento de estrelas
Cobrem os mares com seu alfabeto de sal
Em sua margem errante transita o poeta com sua ampulheta
Seus olhos buscam no equinócio a grafia de uma ave celeste
Enquanto uma faísca com seu sangue a colorir o pôr do sol.

Na aventurança do passar dos dias
Sua mão inventa uma água que estremece
Que se agita no subterrâneo sulco do desejo.

O lírio deixou de florescer
Anoitece e as aves abandonam seu voo.




Com ares de vulcão
Seu corpo é água e oxigênio
Coluna de estrelas no vértice de seu nariz

Ela ondula vapor na busca de um azul com aroma espacial.
Mais além do cristal do relâmpago com luxúria
Escaneia meus olhos e atiça a sua luz

espada que acende e calça sua própria matéria
A recordação de uma voz distante inclina minha cabeça no silêncio
Untando minha boca com bálsamo de nogueiras

De folhas de limoeiros e odores de açafrão.
Porém a noite insistente vaga entre meus ossos
Costela de outro corpo
Às vezes com granito

Às vezes com mármore;
Sei que as pedras conhecem seu nome
Porém eu gaguejo nem sequer sou pedra
Sou carne sem ouvido
Corpo sem sentido
Mesmo que toda minha pele não pudesse sentir
Sua vazia matéria de todo o nada.






A percorri com meus braços no alto
Esperava tocar mais que a profundidade do seu corpo

Permanecia a luz da noite vigilante em seu cristal
A lâmpada do scanner olhava em seus olhos
cara a cara
boca a boca

Tudo se agita com seu vento de esperma
Tudo se avermelha em sua pupila profunda

Un instante de cume e vazio
De voo e uivo.





A vida incubou em seus ossos uma história
Que não pude esquecer
Suas palavras têm um círculo
Um timbre de água que não inunda tudo
Seu corpo cruza os fios de uma velha cama
Que reclina ao menor movimento de minhas mãos


Rocío L' Amar entrevistou AGUSTÍN BENELLI


Rocío L' Amar é jornalista, poeta, ativista cultural, 
correspondente e colaboradora de PALAVRA FIANDEIRA no Chile.

*********************************************************************



Original em Espanhol. Tradução para o Português: Marciano Vasques


Marciano Vasques é escritor
______________________________________________________________________________