EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 3 de abril de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 24


 PALAVRA FIANDEIRA
 REVISTA DE LITERATURA
 ANO 1 - Nº 24 - 03/ABRIL/2010
NESTA EDIÇÃO:
NORMA LUGO
CONTADORA DE HISTÓRIAS
 ARGENTINA
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MARCIANO VASQUES  ENTREVISTA:
1. Quem é Norma Lugo?
- Simplesmente alguém que ama a comunicação... Sou mulher, mãe, jornalista, contadora de histórias, intérprete da língua dos sinais. 
Arquivo pessoal/Blog

2. Como consegue conciliar sua vida de jornalista e contadora de histórias?
- É muito fácil, ambas: a jornalista e a contadora de histórias contam histórias. A jornalista se baseia em fatos reais, utiliza estatísticas, entrevistas, dados muitos concretos, porém afinal das contas, transmite ao público algo. A Contadora de histórias se permite contar contos, fragmentos de romances, lendas, conta histórias que podem ser reais, conta. Veja, as duas buscam a comunicação, atingir aos demais.

3. É verdade que "Quem conta um conto aumenta o encanto?"
- Quem conta agrega seu próprio ser e isso outorga um  especial encanto .  O contador de histórias utiliza todo seu corpo (face, gestos, mãos, o olhar, a voz...) e isso a qualquer texto enriquece. Uma muito boa história bem contada cativa muitíssimo o auditório.

4. Fale - nos do "Día del Narrador"!!! - Você participou da última comemoração, conte - nos como foi a sua participação.

Cartaz de espetáculo de Norma Lugo
Arquivo pessoal/ Blog


- A cada 20 de Março no mundo dos contadores de histórias comemoramos o nosso dia. Cada ano o compromisso tácito é contar alguma história, para um, dez, cem...O importante é narrar. Este ano decidi festejar contando aos mais jovens. Na sexta-feira fui a uma escola de Ensino Fundamental I e aos meninos de terceiro ano contei alguns contos, e no sábado pela tarde irrompi na caixa de areia de uma praça. Assim, de repente, sem microfone nem cenário, só com os contos no coração dispostos a serem presenteados. Te asseguro que a resposta foi tão cálida e agradecida. Recebi Parabéns e beijos dos meninos presentes e seus pais. Levei comigo daquela tarde a lembrança dos rostinhos espantados e o prazer de haver comemorado meu dia da melhor maneira possível, contando.


5. Esteve recentemente em Uruguai contando histórias. Conte, por gentileza, aos leitores de PALAVRA FIANDEIRA essa sua experiência.


- Era a primeira vez que viajava ao Uruguai. Sentia certa incerteza, ainda que já soubesse que o público recebe muito bem os espetáculos de contação de histórias, a mim não me haviam escutado nunca. Porém nem bem comecei a contar soube que tudo sairia muito bem. O público se conectou imediatamente. Nos rimos, nos emocionamos e as histórias surgiram naturalmente. Saiu tudo tão bem, que prometemos retornar.


6. O que é o espetáculo PALABRAS, apresentado na Casa de Cultura- Merlo?

Espetáculo na Casa de Cultura - Merlo

- É um evento único e pessoal, baseado em adaptações de textos dos escritores: Marcelo Birmajer, Isabel Allende, Silvia Plager, Eduardo Sacheri, Mario Bendetti, Eladia Blazquez e José Saramago. Denomina-se Palavras porque o fio condutor entre cada história são precisamente as palavras, contadas, cantadas... O espetáculo inclui contos que incorporam textos cantados. Além disso, um guitarrista ao vivo interpreta alguns temas. Também se produz a interatividade com o público presente porque ao ingressar à sala recebem uma palavra que através do espetáculo se irá descobrindo. É um convite a desfrutar, revalorizar, redescobrir: as palavras.


7. Recentemente participou de um encontro com jovens surdos e contou histórias com a linguagem dos sinais, Fale, por favor, dessa eletrizante experiência.

 - Pensar nas pessoas com deficiência auditiva me impulsionou a estudar a língua dos sinais, queria aprender a sua própria língua para também poder contar histórias a eles. Surpreendeu-me saber que existe muito pouca literatura filmada na língua dos sinais. Assim que, com esse espírito aprendi a deixar a voz, para que só o resto do corpo conte. Essa tarde foi fantástica, o encontro não esteve planejado, foi espontâneo, e a comunicação surgiu, naturalmente... As histórias saíram de meu coração, e de minhas mãos chegaram até eles. Quando, ao contar, de qualquer forma que seja, em silêncio, a viva voz, com o olhar, com gestos..., o fato da comunicação se desenvolve naturalmente, o êxito é completo. A naturalidade é a chave.

8. Participou de um ENCONTRO INTERNACIONAL DE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS no México. Como é esse evento? E quando ele acontece?

Arquivo da autora/Blog
- Este Encontro Internacional de Contadores de Histórias nasceu faz alguns anos, não muitos, e vem desenvolvendo-se com muitíssimo reconhecimento. Tem duas sedes: Argentina e México. Durante os meses de Fevereiro (México) e (Setembro - Outubro), Argentina, os participantes percorrem escolas, teatro, praças, museus, levando histórias. estas experiências são sumamente enriquecedoras, porque compartilhar com outros contadores é motivador. A interrelação profissional é importante. Também conhecer outros públicos. Alguém aprende muito, sobretudo se está aberto a ouvir e a observar. Um bom contador de histórias deve ser, (ao meu juízo), primeiramente um bom "observador e ouvinte".

9. É forte a presença dos Contadores de Histórias em Argentina? Poderia nos citar alguns nomes de artistas da Palavra que se dedicam a esse belo ofício?
- Em nosso país a arte da narrativa oral está crescendo com passos firmes e seguros. Ana Maria Bobo, Ana Padovani; Marta Llorente, Eva Mariangelis, Diana Tarnofki, Inés Bombara, são as primeiras referências que vêm à minha mente. Porém poderia relacionar centenas.

10 . Que importância atribui aos contos de fadas na formação do pequeno leitor?

A magia dos contos de fadas

- Os contos de fadas estimulam a fantasia e ao mesmo tempo são necessários para resolver conflitos, tomar posições e descobrir "O bom e o mal" através de um conto. Muitos psicólogos e psicoterapeutas aconselham estimular a leitura de contos de fadas para que as crianças compreendam que o mundo é um lugar onde há conflitos para se resolver, donde se podem passar momentos difíceis, porém que podem ser resolvidos. Outros, desestimulam estas histórias assegurando que a construção de um mundo irreal desemboca em pessoas incoerentes, que esperam soluções mágicas. Creio que nem um extremo nem o outro. As histórias com fadas são lindas, e as crianças gostam delas, assim que sempre incluo alguma em meu repertório.

11. De que forma a imaginação e a fantasia são importantes na edificação de uma cidadania plena no futuro de uma criança?

No jardim de Cores
Arquivo da autora/Blog

- Muitos contos não resolvem totalmente os conflitos ou o fazem de uma maneira pouco habitual, isto é uma contribuição à crítica, à investigação e proposta de minha própria resposta. Os contos não são exatos, têm diferentes protagonistas, distintos finais. Na medida que se desenvolve a imaginação o homem (criança- adulto)pode encontrar muitas respostas, não se permanece somente com o que lhe "resulta a maioria", faz sua própria dedução e inclusive pode tentar seduzir a outros para que pensem igual. (O que faz um dirigente político). Por isso em muitos programas desenvolvidos em algumas escolas, nos contos se trabalham finais abertos, oficinas de construção de textos, espaços de críticas, etc


12. No mundo tecnológico, de imagens e velocidade e realidades virtuais, como vê a presença do livro hoje? Ele resistirá ao avanço da tecnologia?

- É inegável o avanço tecnológico, em tempo útil, senão não poderíamos manter esta entrevista por exemplo. É certo que as imagens, a velocidade e a realidade virtual parecem competir com os livros, entretanto creio que não seja assim. Todavia, há gente que presenteia livros, há livrarias, editores de livros. Além disso, o contato com um livro é algo pesssoal, que envolve todos os sentidos.
Em Buenos Aires, a cada ano, como em muitas cidades do mundo, se comemora a Feira do Livro, terei a honra de participar do " O encontro de Contadores de histórias" uma vez mais, e o êxito cresce de ano a ano. Emociona ver milhares de leitores, adultos, jovens, crianças. O livro não deve resistir. Foi, é, e será sempre. A tecnologia não avança enfrentando-o.

13. Adultos também gostam de ouvir histórias?

- Muito mais do que as crianças, poderia dizer. Os contos os conectam com sua sensibilidade mais íntima. Muitos de meus espetáculos estão dirigidos aos adultos e te asseguro que a repercussão sempre é incrível. Lágrimas, risos, emoção. Muitos confessam que desde que eram meninos ninguém havia voltado a lhes contar um conto.
Isto também aprendi quando ia aos quartos de hospitais de crianças a contar, terminava contando para as suas mamães.
Nós adultos também gostamos dos contos, pois me incluo.

14. Como seria um mundo sem contadores de histórias?

Norma Lugo contando histórias
Arquivo da autora/Blog

- Creio que não seria possível. Desde que o homem nasceu sentiu a necessidade de comunicar-se. Desde a pré-história, através das pinturas rupestres (antes de desenvolver seu aparelho fonador), logo com gritos, até que descobriu a palavra. Desde então não para. Todos somos contadores de histórias, quando compartilhamos alguma experiência, quando contamos o que sonhamos à noite, a cada instante estamos narrando. Isto o digo e o reitero frente aos grupos que vêm às oficinas de contação, crendo que aqui incorporarão técnicas e se Deus quiser acharão um estilo e o melhorarão para ser profissionais, porém narradores somos todos. Assim que não poderia imaginar um mundo sem contadores de histórias.


15. Claro que muitas emoções recebe em suas andanças como contadora de histórias, mas poderia nos falar de uma muito especial?

- Faz já vários anos, compartilhei uma jornada recreativa para crianças carentes, marginais. Haviam armado em um grande parque uma espécie de circuito com diferentes propostas: pintura, futebol, jogos de puzzle, corridas e histórias. Pensei que seria difícil competir- lhe com outros stands, e mais acreditei que só as meninas viriam a escutar histórias, porém, entretanto, tive a maior das surpresas, um grupo de pequenos varões entre sete e catorze anos ficou comigo escutando contos. Fiquei tão emocionada. Agora relembro também uma vez que fui a um encontro de gente com idade avançada (anciãos), parecia que não haviam escutado nada, entretanto, ao me retirar, saudaram-me com tanto carinho chamando-me como à protagonista de um dos contos.
Depois não vou negar que cada vez que recebo alguma distinção por algum espetáculo ou participação, também me emociono muito.

16. Já escreveu ou pretende escrever um livro contando as suas histórias?
- Sim, tenho escrito vários contos, estou trabalhando sobre a edição de um CD. Já gravei em estúdio algumas histórias. A ideia é apresentar o livro, o CD e o vídeo em língua de sinais.

17. Como vê a presença da indústria cinematográfica na vida infantil? Ela prejudica ou auxilia na formação da criança como apreciadora de histórias? De que forma o cinema atua ou interfere nessa formação?

 Versão cinematográfica de A BELA ADORMECIDA,


- O cinema é uma arte e arte sempre faz bem. Se te referes à temática de violência, é prejudicial, porém não mais que a realidade. É certo que vivemos em um mundo globalizado, consumista e que recebe só algumas propostas cinematográficas, as ofertas não costumam ser as melhores. Porém, não obstante, alguns filmes motivam o interesse das crianças pela leitura. É o caso da saga de Harry Potter ou Crespúsculo, que levou a muitas crianças a se interessarem pelo livro original, gerando inclusive algumas críticas sobre os filmes.


18. O que você mais lia na sua infância? Livros infantis? Gibis? ...
Livro lido por Norma Lugo em sua infância
- Lia de tudo. Em minha casa faziam a siesta, eu não gostava de dormir, assim que aproveitava para ler. Em meu quarto entrava o sol do meio-dia, eu me estirava na cama e lia incansavelmente. O primeiro que me lembro era um romance que li, como milhares de vezes, "O Capitão Escarlate", da Baronesa Orcy, assim aprendi sobre a revolução francesa..., 
Escarlate e a Revolução Francesa

depois me presentearam "O Pequeno Príncipe," de Antonie Saint Exupéry tinha 7 ou 8 anos. Também romances românticos que logo contava à minha mãe, creio que ali nasceu a narradora oral, a mamãe não gostava ler, porém sim o que eu lhe contara.
Quando fiz 9 anos, o recordo perfeitamente, fomos a passear e me perguntaram o que queria comprar, respondi: A coleção de Patoruzito, um gibi argentino, devorei em uma semana. Também meu pai era um grande leitor de gibis, esperava que ele terminasse suas revistas para mergulhar-me no mundo dos cowboys.

19. Pegunta clássica em PALAVRA FIANDEIRA: O que é para Norma Lugo a felicidade?
- A felicidade é viver, é minha família, meu trabalho, a gente. A felicidade, sem querer filosofar, são toques do total, que podem dar-se na intimidade de tua casa, em uma praça uma tarde qualquer, em frente ao teu PC compartilhando com o mundo. Nascemos para ser felizes, só que às vezes o esquecemos.


20. Como vê os blogs na disseminação da arte de contar histórias?

- Parece-me fantástico, comemoro as novas tecnologias e esta forma de difundir o que alguém faz e sente. Além disso, tornar tangível, através de comentários, em outros blogs, a universalidade da narração oral, é maravilhoso. Saber e compartilhar que em um ponto distante de minha terra há outras pessoas contando histórias, ver seus rosos, fazer algum contato, seguir suas atividades, me encanta.

21. Como anda a publicação de Literatura Infantil na Argentina?
- A literatura infantil em Argentina tem um grande desenvolvimento. Existem associações dedicadas exclusivamente à literatura infanto-juvenil. Várias editoras se dedicam anualmente à publicação de material novo dos escritores argentinos e internacionais.

22. Poderia nos falar de alguns de seus trabalhos como jornalista?
Algumas entrevistas ou reportagens que terá realizado.

- Faz mais de 20 anos que exerço a profissão. Nem bem terminei meus estudos superiores comecei a trabalhar. Fiz "de tudo", em diários, revistas, rádio. Com o tempo me dediquei com exclusividade ao jornalismo gráfico. Trabalhar com a atualidade me levou a escrever sobre muitos temas: os primeiros anos de democracia em meu país, os julgamentos das Juntas Militares, o atentado à embaixada de Israel.
Também escrevi para as revistas mais destacadas de espetáculos, entrevistando a figuras nacionais e internacionais: atores, atrizes, cantores, bailarinos...
Tão logo fui me especializando sobre temas sociais, descobri centenas de heróis anônimos que trabalham pelo bem comum. Faço notas sobre Associações, organizações civís, deficientes, políticos comprometidos com a realidade social.
Neste momento também escrevo em uma revista esportiva.
Consegui durante estes anos um estilo, uma forma de escrever, que me leva a interessar-me sobre alguns temas, o que mais me alegra é que ao ler uma nota minha, ainda que não esteja assinada, a gente saiba que fui eu que a escrevi. Isso o descubro quando recebo e-mails com consultas em minha caixa postal.

23. De tantas coisas que acontecem no mundo, em nossa época, poderia nos dizer algo que mais fortemente a deixa profundamente triste?

- Entristece-me às vezes a humanidade, me dói o que sofrem alguns humanos. Fazendo jornalismo social, mostro a realidade mais dura que passa frente a alguém e isso me dói.
Também lastimo a mentira, o egoísmo e a descrença de uns sobre outros. Trato de pensar bem sobre os demais, de não julgar, por isso me dói quando outros julgam apressadamente, não creem, discriminam.
Meu espetáculo "Palavras" termina com os versos de Eladia Blázquez, que em um de seus parágrafos disse: "Me dói a gente, sua dor, suas feridas, porque assim somente interpreto a vida", sinto-me absolutamente identificada com estas palavras.

24 . Deixe a sua mensagem aos leitores de PALAVRA FIANDEIRA.

Arquivo da autora/Blog 
Página de rosto do blog de Norma Lugo

- É uma honra que me tenham convidado a participar. Que tenham lido até aqui! Obrigado por deixar-me compartilhar, por descobrir-me um pouco. As entrevistas de Palavra Fiandeira nos permitem redescobrir diferentes expressões da arte, conhecer outros artistas, valorizá-los.
Confirmar que a arte é parte de nossa essência humana, e que é sem dúvida uma das ferramentas fundamentais para se encontrar a felicidade. Cada um fará sua contribuição desde o lugar que lhe toca. Meu sincero agradecimento com todo o coração.
De Argentina, Norma Lugo.
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Entrevista realizada em Espanhol.
Tradução: Marciano Vasques
Marciano Vasques é escritor
o  fundador de PALAVRA FIANDEIRA
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