EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 30 de janeiro de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 14

PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
ANO 1- Nº 14 - 30/JANEIRO/2010
Da série: Meninas em Preto e Branco 
Autor: Fábio Dudas
Artista plástico e Músico
- Florianópolis - Santa Catarina/Brasil
NESTA EDIÇÃO:
ROCÍO L´AMAR 
ENTREVISTA
SADY OGALDE
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ERA UMA VEZ...SADY OGALDE, 
O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Dizem que a contação de história é a arte oral de contar, numa oralidade narradora artística, que consiste em comunicar e expressar por meio da palavra, a voz e o gesto vivo, contos e outros gêneros imaginários que o contador de histórias inventa ou reinventa no aqui e agora com um público infantil considerado como interlocutor, e que por ser comunicação não são literais com relação à fonte.
O contador de histórias coleta seu material de fontes da tradição oral ou da literatura, mas o "resignifica" e "recodifica" à oralidade, tornando o conteúdo em sua mensagem pessoal e única, com a qual , "como um fogo que segue devorando e expandindo-se, vai travando o seu ouvinte e o vai enlaçando e enlaçando com imagens, percepções e sensações.

Nas palavras de Antonio Tabucchi (Nascido em Vecchiano, província de Pisa, Itália, em 24 de Setembro de 1943, escritor que abrange novelas, ensaios, teatro, poesia, Professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Siena), "A Literatura existe porque a vida não basta, e se no começo, quando o mundo era tão jovem, que todos os relatos estavam ainda por estrear, o contador de histórias reinventava a realidade; pouco variou o costume desde então, pois se segue contando, e talvez se acabe por regressar às origens, como a clássica serpente que morde a cauda, ou o que é o mesmo, a pura tradição oral".
Narradores, contadores de histórias, dentro de um conto: metade atores, metade literários.

O primeiro contador de histórias ou narrador ou contador de contos, (que é a arte oral de contar fábulas, historinhas, contos simples) na vida de uma criança é o pai ou a mãe, o avô (a), os irmãos maiores, ou a "babá" de casa, quem narra acontecimentos, anedotas, fatos reais ou fictícios para entreter ou educar ou compartilhar uma mensagem ou preservar valores ou divertir ou criticar ou apresentar possíveis soluções a diversos temas, etc, etc...
"Era uma vez...", e nessa frase, tanto podiam/podem sair fadas, bruxas, duendes, ogros, as "Chapeuzinho Vermelho", Aladins, Brancas de Neve, lobos, anõezinhos, como Sérgio, ou a anãzinha Ermengarda, enfim, personagens que são produtos da imaginação do narrador(a) entregues à avidez infantil, e que ele(a)s nunca se cansam de exigir "mais e mais, outro conto mais".

Este era um gato
com as orelhas de trapo
e a barriga ao contrário.
Queres que te conte outra vez?


Como os contos podem transformar-se em direito à educação.

Esta tradição não imposta, e se agradavelmente aceita, vai mais além de fomentar, influir e ajudar à criança a desenvolver sua imaginação e criatividade, fazer rir, estrear os sentidos, oferecer respostas simples, refletir, atuar como ponte cultural. Por que não esqueçamos que estas narrações orais são um costume que se remonta aos tempos pré - históricos, desde que os membros de uma tribo se reuniam ao redor do fogo para escutar as aventuras dos caçadores.


E ainda que parecesse que nestes tempos de Internet e televisão por cabo, ninguém lê, e pensamos que a narração oral é um outrora dinossauro, desde alguns anos voltou-se a difundir ao redor do fogo para escutar as aventuras dos caçadores.
De modo que as luzes voltaram a brilhar, e os meninos e as meninas, e os pais e professores do Pré, voltam a ser protagonistas do processo educativo como é a brincadeira ou a curiosidade. E como não temos esquecido que a literatura infantil é uma das ferramentas de educação subliminar mais eficaz que existe e que cada história deve ser, não apenas estimulante e divertida, mas que além disso de deve ter uns objetivos muitos claros e definidos que devem transmitir-se de um modo inteligente e intencionado, convidamos a Sady Ogalde, (contador de histórias) quem há poucos anos escrevia na "Ronda dos Sapos" do diário El Sur de Concepción, Chile, histórias infantis que também foram ilustradas, entregando toda sua magia aos domingos.


1. Sady, primeiramente, por que é importante a Literatura Infantil?

- Tem a literatura um extraordinário poder de sugestões e todo grande leitor sabe em que medida os personagens de ficção modelaram a sua vida, sua maneira de sentir e de pensar. Muitos escritores, que antes foram apaixonados leitores, definiram nesta direção a função da literatura: "No universo infinito da literatura - escreve Ítalo Calvino - se abrem sempre outras vidas para explorar, novíssimas e muito antigas, estilos e formas que podem mudar nossa imagem do mundo. Essa fascinação da literatura se acentua quando é um leitor jovem quem se defronta com o imaginário. "A força emotiva com que as crianças se identificam com os personagens da literatura infantil lhe confere um grande poder de sugestão, que é reforçado pelas inumeráveis e coerentes mensagens sociais que se transmitem". A literatura infantil resulta em ser um grande recurso na infância. São muitos os ensinamentos que se podem tirar de um livro, os quais podem vir redigidos de maneira explícito, ou bem, implicitamente. A literatura infantil, consegue, além disso, gerar na criança uma espécie de identificação com os diferentes personagens ou ainda com o escritor, a qual vai se manifestando uma vez que começa a correr o tempo. Os frutos da influência da literatura infantil, como muitos de outros fatores incorporados na infância, vão sendo vistos com o tempo, e claro está que os frutos que brotam da literatura infantil são na maioria das ocasiões, positivos, e que, de uma ou outra forma, desembocam já a um nível mais macro como é a sociedade.

2. Quais benefícios proporciona narrar contos para crianças? Além de estimular a aprendizagem da leitura na mais tenra idade e encantar com os livros?
- Para a grande maioria das pessoas a melhor idade na vida é a idade infantil, é por isso que a literatura infantil tem sido enquadrada dentro de uma das mais importantes nos textos didáticos. Há uma série de textos educativos dentro da venda dos livros infantis, que são ideais para as leituras para crianças, pois não apenas pretendem dar bons exemplos de convivência, mas ensinar a importância do respeito para com outros seres humanos.

3. Narrar contos oralmente é uma maneira de interagir com crianças. Neste sentido, qual é a sua experiência?
- Sempre é uma experiência agradável e enriquecedora, sempre podemos aprender algo novo das crianças. Aprendo os diversos olhares que um conto tem para elas e suas perguntas me provocam ternura e alegria. Uma forma de ensinar coisas aos pequenos, é através dos contos para crianças. Quando alguém é criança, necessita que lhes contem as coisas de uma maneira divertida, didática, dinâmica. A criança não presta atenção à explicação formal sobre uma coisa, a criança necessita de algo diferente e os contos para crianças são uma ferramenta importantíssima e muito boa, para captar a atenção delas. Convidam-me a realizar contação de histórias em muitas escolas da região, em eventos culturais que envolvem às crianças, em oficinas literárias, em bibliotecas periféricas, nos bairros, enfim, quando se espalha a voz de meu trabalho é seguro que me chamem para seu eventos. Há contos para crianças, que são conhecidos de maneira mundial, como o são, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho, os Três Porquinhos, e há milhares que eu poderia seguir relacionando, que, entretanto, não vêm ao caso. Veja bem, além de todos esses contos para crianças, conhecidos de maneira mundial e contados por todos os pais a seus filhos, também há milhares e milhares de contos infantis que não são nada conhecidos, mas que são realmente bons.


4. É necessário ser ator, isto é, utilizar disfarces, fantoches, sons, luzes, elementos visuais, assim mesmo, manejar os efeitos de expressividade, como o tom, acentuação, vibração, volume da voz, movimentos corporais, entre outros, para fazer florescer o conto oral, ou o contador de histórias deve passar despercebido, isto é, não deve interpretar os diferentes personagens, mas ser o protagonista junto a eles?
-Quando realizo contação de histórias, não utilizo disfarces, apenas me limito a contá-los dando ênfase na entonação, o tom e os gestos são relevantes e presto muita atenção à reação das crianças. Surgem perguntas ao mesmo tempo, que vou listando e trato de responder com afeto para com a inocência de suas interrogações, em linguagem simples, clara, sem grandes enfeites, a cara descoberta e olhando para elas, nos olhos. Creio que definitivamente não se requer ser ator para realizar contação de histórias.


5. Os personagens viajam até os ouvidos dos meninos e das meninas, e dali, com fantásticos poderes, percorrem mundos fabulosos em suas mentes. As histórias revoam por todas as partes, as palavras soam e ressoam, brincam. Qual é seu método particular, já experimentado, sabendo que neste cenário você é contador de histórias, para fazer voar a imaginação dos pequenos?
- O único método que funciona com as crianças é a honestidade e a empatia que se produz. Isto é, nesse momento sou um deles, e também lhes deixo questões que os leva a participar.



6. Ensinar brincando, através de fábulas, adivinhações, lendas, contos, enfim, o contador de histórias é um narrador oral. Que informação tem você dos contadores de histórias no Chile, dos que vão aos Festivais Internacionais de Contação de Histórias? E é uma profissão que se pode aprender em oficinas de narrativas orais, e exportar como expoentes do Chile, ou nenhuma das anteriores?
- Penso que é uma vocação. Se não puder ensinar a partir dos genes, é impossível a um contador obter êxito. O público infantil não é um público fácil, não se deixa enganar.

7. Dizem que Carlos Genovese, ator, dramaturgo, narrador oral ou contador de histórias e docente, ex integrante do grupo teatral ICTUS de Santiago, (1960- 1964), autor de 20 obras de teatro estreadas, 4 obras infantis, que reside em Valparaíso desde 1995, é pioneiro da Narrativa Oral no Chile, fundador do primeiro gurpo de contadores de histórias de Santiago do Chile, em 1993. Participa você desta premiação - que, obviamente, não a deram seus pares/companheiros/colegas , - ou também compartilha esta fundação com Jorge Diaz? Ou tem outros nomes além dos que apresentamos?
- Entendo que é um ator que dedicou-se ao trabalho com a oralidade. Ele apresenta suas narrações em diversas partes do mundo e cobra por isso. O que eu realizo é uma vocação que pratico por amor, sem fins lucrativos. Pelo menos nesta região, que eu saiba, não pagam. Existem outros grupos: Professores do Pré, alguns escritores da capital, que utilizam a contação de histórias como uma estratégia que possa fomentar a leitura e a produção de textos nas bibliotecas. Tenho encontrado um nicho de trabalho ali, em especial em Santiago. Existem também outras escritoras chilenas criadoras de contos infantis, como: Maria Luisa Silva, Bernardina Muñoz, Valerie Moir, escritores como: Victor Carvajal, Manuel Peña Muñoz, Hector Hidalgo, porém não sei se todos eles realizam contação de histórias.

8. Finalizando, não quero deixar passar a oportunidade de perguntar a você pela experiencia, a etiqueta social que lhe deixou ter escrito para "A Ronda dos Sapos" no Diário El Sur de Concepción há poucos anos. E por que, hoje em dia, segundo seu conhecimento, seu saber, sua intuição, já não se edita o Suplemento La Gaceta del Sur? Tem algo a ver a Internet nisto, ou a troca de editor?
- "La Ronda de los Sapos", sem dúvida, foi uma experiência magnífica. Francamente, estimo que é uma péssima decisão do conselho editorial do Diário, e que não tem relação alguma com a profusão de páginas virtuais, é um espaço que ficou vazio, as crianças ainda perguntam pela Ronda de Los Sapos, os que me conhecem seguem entregando-me seus desenhos e cartas para que eu as leve ao Diário, é uma espécie de fantasma que todavia me persegue.




BIOGRAFIA

SADY HERNÁN OGALDE CÁRCAMO

Nasce em 17 de Junho de 1948 em Talcahuano, Chile. É assessor - colaborador do Diário Eletrônico "La Gaceta Del Biobio"; Coordenador do Colégio Regional de Periodístas; Condutor do Programa Cultural e de Entrevistas da Rádio Oceanía de Talcahuano; Designer artístico da Livraria Paulinas de Chile; Organizador e executor de atividades de Contadores de Histórias em Colégios e Escolas da Região Do BíoBío. Tem participado de Encontros de Escritores "Biblioteca Móvel de Talcahuano", em Eventos Culturais da Fundação "Um Teto para Chile", em oficinas de literatura infantil. É membro Ativo da Associação de Jornalistas do Chile. Escreveu para o Suplemento "La Ronda de los Sapos", da Gaceta del Diario, El Sur de Concepcíon.

PUBLICAÇÕES:
1998 - Obras de Teatro de Natal, Edições Paulinas, Chile
2003 - Contos Infantis Regionais, Fundação Álvarez Castilho, Chile.

PRÊMIOS:

2005- Primeiro lugar no 26º Concurso Artístico de Educação, Ilustre Cidadão de Talcahuano.

2005 - Prêmio Quarto Concurso Nacional "My vida y mi trabajo", Ministério do Trabalho.
2007 - Prêmio Reconhecimento do Colégio de Jornalistas.
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O PROTESTO DOS PEIXES


Aproveitando que no país se celebrava o mês do mar, os peixes e animais dos oceanos decidiram protestar porque a cada dia os homens e as cidades contaminavam mais e mais o mar.
Organizaram-se no fundo marinho e nomearam aos mais valentes, poderosos e resistentes para saírem a reclamar por essa injustiça.
Uma coluna deles, melhor dizendo, um cardume deles, saiu da superfície de um cais do porto de Talcahuano,com umas garrafas de água salgada nas costas para respirar (Isto haviam copiado dos homens-rãs e seus tubos de oxigênio).
Estando na superfície, o tubarão, que liderava o cardume, proferiu um pequeno discurso para pôr a todos de acordo com o que iriam fazer: - Amigos! Iremos à Administração do governo para falar com as autoridades, porém antes passaremos na Escola do Riacho "La Glória", para buscar os meninos e as meninas para que nos acompanhem.
Quando chegaram à escola, os meninos e as meninas estavam muito entusiasmados para acompanhar os seus amigos marítimos e o Diretor lhes disse:
- Que cada peixe e cada animal marinho faça par com algum menino - do riacho!


- Eu vou com o Lucho Medel! - disse a Cavalinha.


- Eu vou com Carmen Guerra! - disse o peixe-serra.
- Eu formarei par com Suzana Espina! - disse a Corvina.


- Vou com a Maria Helena! - disse a baleia.
- Viva! Eu os seguirei com Pepe Roca! - disse a foca.


E partiu a fila de meninos e meninas com os peixes e animais marinhos protestando pelas ruas do porto com faixas e cartazes, rumo ao centro da cidade, para que alguma autoridade os escutasse ou ajudasse. No caminho outros pares se formavam. Mário Marin ia conversando com o golfinho, Enrique Luza cantava com a Merluza e Joana Melado, que comia pão com margarina, ia acompanhada pela sardinha, Margarida Coronado caminhava mais atrás com o linguado,e na primeira fila, gritando a pleno pulmão, marchavam Ivan Nova, e sua amiga, a Pescada.
Assim gritando e cantando, chegaram até as autoridades.
- Senhor secretário! - disseram- viemos falar com o governador.
- Ah! como eu sinto, pois não está. Anda inaugurando um campo de futebol em outra cidade - respondeu o secretário.


- Está bem, muito obrigado! - responderam os manifestantes e foram ao prefeito.


- Senhor Secretário Municipal, queremos falar com o prefeito, porque o mar está muito contaminado, e prosseguem deixando lixo todos os dias - disseram em coro - Sinto muito - disse o Secretário Municipal- O prefeito está inaugurando um campeonato de futebol.


E assim os manifestantes das espécies marinhas e as crianças foram falar com o Governador Marítimo.
Ao chegarem ao Palácio do governo marítimo, o Peixe Espada, que ia com Lily Estrada, falou ao capitão:
- Senhor Capitão! O mar está muito contaminado, e repleto de lixo químico de todo tipo, a tal ponto que não podemos viver.
- Pois eu lamento muito - disse o capitão - porém, vocês têm que reclamar com as indústrias que despejam lixo na água. Além disso, elas não são as únicas que contaminam porque as casas também o fazem, os edifícios, os barcos e as cidades.


Os pequenos e os seres oceânicos, cansados e quase sem água do mar para respirarem, agradeceram ao Capitão por escutá-los e seguiram pelas ruas cantando e gritando para chamar a atenção de todos. Passaram pelas praças e as indústrias , porém em todas as partes lhes diziam que não podiam atendê-los, por estarem sempre muito ocupados.


Por fim, os habitantes dos mares voltaram às suas correntes marinhas, seus ramos e suas rochas, e as crianças às suas escolas, tristes e desolados porque não haviam conseguidos que os ouvissem e os ajudassem a encontrarem uma solução.


O mar recebeu as suas criaturas carinhosamente, porém bravo, porque ninguém quis escutar a seus filhos, e ainda continua sua raiva, sobretudo no inverno, quando mais agita suas águas com grandes ondas que obrigam os barcos a afundarem nos portos. Outras vezes atinge com força os riachos e cais e até ameaça com maremotos as cidades.
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ORIGINAL EM ESPANHOL  - ENTREVISTA REALIZADA NO CHILE 
REALIZAÇÃO: ROCÍO L´AMAR
TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS: MARCIANO VASQUES
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ROCÍO L´AMAR


Rocío L´Amar é correspondente e colaboradora de
PALAVRA FIANDEIRA no Chile
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MARCIANO VASQUES
Marciano Vasques é o fundador de PALAVRA FIANDEIRA

sábado, 23 de janeiro de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 13

 PALAVRA FIANDEIRA 
REVISTA DE LITERATURA
ANO 1 - Nº 13 - 23/JANEIRO/2010



"É o tempo que dita quem perdura.
Nunca o momento"
Ricardo de Pinho Teixeira


DIREITOS RESERVADOS
Créditos das fotos ao final

NESTA EDIÇÃO:
CARMEN EZEQUIEL 

ENTREVISTA
RICARDO DE PINHO TEIXEIRA
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SOMBRAS COMUNS

Entrevista a Ex-Ricardo de Pinho Teixeira
por Carmen Ezequiel

Exclusivo para Palavra Fiandeira

 Por cá, há o hábito de dizer que quem conta um conto acrescenta um ponto.
Nesta 4ª edição do Sombras Comuns, conto-vos a história de um jovem editor que então com 32 anos de idade e já uma década de actividade artística, acrescenta um ponto em cada área que intervém.
Ele é editor! Criou as editoras Egoiste e CorposEditora. Mais tarde, fundou a comunidade Worldartfriends e a sua própria editora. Ajudou, até hoje, a criar mais de 300 obras literárias.

Ele é músico! Com 2 Cd’s editados.
Ele é performer! Faz peças de teatro e atuações em eventos literários e musicais.
Ele é poeta, escritor, declamador… (e um grande declamador!). Com vários títulos publicados, sendo o seu livro “best of” (1999) o primeiro de muitos que se seguiram.



Aqui, fala-se com um homem que elege o Porto como porto de abrigo, que nos fala do seu percurso profissional e artístico, que enaltece a poesia, em que viver no aqui e agora, conjuntamente com o conhecimento da História, nos permite criar coisas boas, coisas novas, afim de mudarmos o mundo e o seu pensar.
Aqui, fala-se com Ex-Ricardo dePinho Teixeira, um entre muitos e muitos num só.



Carmen Ezequiel: Quem é Ex-Ricardo de Pinho Teixeira?
Ex-Ricardo: É uma extensão de mim mesmo. É o assumir da minha arte como realização em cada um dos meus dias.

CE: Em 2000, foste considerado o mais novo editor português, com apenas 22 anos de idade. Como foi para ti enfrentares essa realidade? Que dificuldades sentiste?

R: Muitas dificuldades. Não tive ajuda de praticamente ninguém da área. Muito pelo contrário. Sempre foram muitos os entraves colocados ao que pretendia fazer.

CE: Sendo um homem dos três ofícios, com consegues conciliar a música, o teatro, a poesia e a publicação? Qual deles é o mais importante?

R: Todos são importantes em igual medida. Todos são parte de mim. Diria até conciliadores. Acabam todos por ir de encontro ao que mais gosto: A Palavra, a Criação e a Ação.



CE: O que distingue as editoras WAF, Egoiste e Corposeditora?

R: Neste momento a maior distinção é a seguinte: quer a Corpos, quer a WAF são editoras para primeiras obras ou para autores ainda não conhecidos. A Corpos é mais voltada para a Prosa, e o WAF mais voltado para a Poesia.
A Egoiste é um projecto que agora surge para tentar chegar às massas. Todos os anos iremos seleccionar alguns autores da Corpos e da WAF e iremos publicar os mesmos na Egoiste. Será um projecto com menos autores mas muito mais forte. O porquê? O WAF e a Corpos são editoras excelentes, na minha opinião as melhores, para dar oportunidade aos ainda não conhecidos.
Mas, é impossível trabalhar nacionalmente todos os seus autores. Principalmente no campo da Poesia. Na Egoiste trabalharemos só 5 a 6 livros ao ano. E só autores já anteriormente publicados na Corpos ou na WAF.

CE: Consideras que qualquer pessoa pode publicar um livro?

R: Hoje em dia isso é possível.


Existem muitas editoras que editam apenas a troco do autor lhes pagar.

Eu, como editor não o aconselho. Apenas deve ser editado um livro com qualidade, mas penso que acima de tudo e vivendo num mundo em que é fácil editar um trabalho, cabe a cada pessoa que escreve ter consciência do legado que quer deixar ao mundo.

Por outro lado, também não pertenço ao círculo dos que só editam obras que consideram comercialmente muito rentáveis ou que consideram intelectuais. Isso de "acrescentar uma vírgula ao mundo" tem muito que se lhe diga.
É o tempo que dita quem perdura. Nunca o momento.

CE: “A arte pode e deve chegar ao povo!”, referiste em determinada altura. Achas que o povo está preparado para chegar à arte? Que qualquer pessoa é capaz de fazer poesia e compreender a literatura?

R: Pois o problema põe-se aí mesmo. Muito do Povo, neste momento, não está ainda preparado para tal. Mas vai estando. São cada vez mais os interessados. Isso deve-se ao nosso crescimento enquanto sociedade. Quanto mais desenvolvidos nos tornarmos, mais interessados haverão na arte. Em relação ao fazer, aí muito mais do que educação é necessário sensibilidade e, como tudo na vida, não são muitos os que têm uma queda natural para a mesma.

CE: Como classificas a literatura em Portugal? O que achas que pode mudar?
R: Pode e deve mudar muita coisa. Mas a revolução deve vir de dentro.

O caso da Poesia, por exemplo, existem inúmeros "poetas" que se orgulham e dizem abertamente que não querem ler Poesia de outros autores. Essa é a primeira coisa a mudar. Só lendo podemos escrever melhor. Um homem para acrescentar algo de novo tem primeiro que ver o mundo à sua volta. O Presente e a História são imprescindíveis se queremos fazer algo de bom ou de novo.

CE: O que é a comunidade WAF (Worldartfriends)? Fala-nos o porquê da criação deste site?

R: A principal motivação foi saber que seria um mecanismo de interacção entre artistas e pessoas que gostam de arte. Seria possível fazer chegar a arte de todos a muito mais gente. O Worldartfriends é uma casa aberta a todos os artistas. Publicados ou não.

CE: Com tanto que já construíste, que mais podemos esperar de Ex-Ricardo dePinho Teixeira?

R: O Futuro é sempre uma incógnita. Mas gostava de experimentar coisas que ainda não fiz: Prosa, Cinema, são alguns dos meus projectos enquanto artista. Enquanto editor são outros mais. A ver se conseguimos fazer chegar a nossa arte a mais pessoas.

CE: Qual a cidade, em Portugal, com a qual mais te identificas e porquê?

R: O Porto. Porque é o meu abrigo. Se um dia o Porto não existisse, Barcelona seria a minha cidade de eleição.
CE: Que pergunta ficou por fazer?
R: Muitas e nenhuma. O que fica por perguntar ou por responder é sempre mais um motivo para voltarmos à conversa. As reticências são sempre mais interessantes que um ponto final.

CE: Queres deixar alguma mensagem ao leitor do Palavra Fiandeira?

R: Partilhem-se. É o que fica no final de tudo. Os momentos em que nos trocamos. Em que ouvimos e somos ouvidos.

Para finalizar este Sombras Comuns partilho convosco um dos muitos poemas de Florbela Espanca que me fizeram…

vaidade






Sonho que sou a Poetisa eleita,


Aquela que diz tudo e tudo sabe,


Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!


Sonho que um verso meu tem claridade


Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!


Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!


Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,


Aos pés de quem a terra anda curvada!


E quando mais no céu eu vou sonhando,


E quando mais no alto ando voando,




Acordo do meu sonho... E não sou nada!
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Aqui fala-se de tudo.
De tudo o que somos.
De nada que ninguém é.
Carmen Ezequiel - Portugal

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Cidade de Barcelona


Florbela Espanca
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PARTICIPARAM NESTA EDIÇÃO:
CARMEN EZEQUIEL (Portugal)


CARMEN EZEQUIEL é correspondente de PALAVRA FIANDEIRA em Portugal.

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MARCIANO VASQUES (Brasil)


MARCIANO VASQUES é o fundador de PALAVRA FIANDEIRA
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Créditos das fotos:
Ricardo de Pinho - Acervo pessoal
Cidade de Porto (capa) - http://www.destination360.com/europe/portugal/porto
Cidade de Porto - Carmen Ezequiel
Florbela Espanca - http://estrela_das_trevas.zip.net/arch2009-04-01_2009-04-30.html
Barcelona - http://praondethamara.wordpress.com/2008/09/12/barcelona-e-seu-dedign/
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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 12

 PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
ANO 1- Nº 12 - 19/JANEIRO/2010



"Estou semeando céu para colher estrelas" 
Norton Contreras

CÉU ESTRELADO
Vicente Van Gogh

NESTA EDIÇÃO:
ROCÍO L´AMAR

ENTREVISTA 
NORTON CONTRERAS

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NORTON CONTRERAS: 
"LEVANTEMOS AS PALAVRAS E REIVINDIQUEMOS A POESIA"


A literatura da Suécia ou literatura sueca conseguiu um amplo reconhecimento internacional graças a dois notáveis escritores da década dos 90. Selma Lagerlöf (Prêmio Nobel de Literatura 1909) e Pär Lagerkvist (Prêmio Nobel de Literatura 1951). Sem falar de Hansson, e Vitória Benedctosson, no período de auge do realismo social. Certamente, nos anos 1919, o chamado Modernismo dá fôlego e estímulo à forma literária dominante, isto é, o romance, e seu líder consagrado Augusto Strindberg, e neste mesmo gênero, também se destacou a fineza de Hjalmar Söderberg, que escrevia com um estilo cínico e pessimista e às vezes Nietszchiano.


Posteriormente, surge uma narrativa proletária, e muitas poucas pessoas desta classe social conseguiram alcançar uma educação, entretanto, entre os que conseguiram estavam os escritores Ivar Lo - Johansson, Moa Martinson e Jan Fridegärd, cujas obras foram fundamentais para conseguir a abolição de um sistema que distanciava os operários do setor capitalista.


Nos anos 1930 desenvolveu - se a consciência da necessidade de uma literatura infantil, que na Suécia se manifestou especialmente após a Segunda Guerra Mundial, com a aparição das obras de Astrid Lindgren.
Logo irrompeu a ficção policial, em cujo gênero literário é Henning Mankell (nascido em 1948), autor de uma série de romances com o detetive Kurt Wallander como protagonista, romances que foram traduzidos a mais de 30 línguas e que se converteram em bests- sellers internacionais, que delineou uma proposta, um plano, uma ideia de futuro que expressa o despertar do gênero policial e fenômeno de vendas não sonhado. No subgênero do romance de espionagem, o escritor com mais êxito é Jan Guillou (nascido em 1944), cujos romances giram em torno do espião Carl Hamilton.


A poesia sueca, no curso dos anos 30 e 40 recebeu influência do Modernismo, que se manifestou num interesse pela experimentação, a mistura de estilos e o emprego do verso livre. A principal figura da poesia nesta época é Hjalmar Gullberg (1898- 1961). Gunnar Ekelöf (1907-1968) foi descrito como o primeiro poeta surrealista sueco, sobretudo graças a sua primeira obra, a niilista Sent pä jorden (1932), uma obra que não foi entendida por seus contemporâneos, entretanto penetrou na anatomia da poesia sueca. Outro importante poeta modernista é Harry Martinson (1904 - 1978). No entanto, é provável que o poeta sueco mais famoso do século XX seja Tomas Tranströmer (nascido em 1931), sua poesia está marcada por influências da mística cristã, e se situa no espaço entre os sonhos e a realidade, o físico e o metafísico.


Ao mesmo tempo, nos anos 60, surge uma linha de poesia influenciada pelas vanguardas, com representantes como Övvind Fahlströn, quem publicou o primeiro movimento defendendo o uso dos caligramas (1) em 1954. "Hätila ragulpr pä fätskliaben" . Outros poetas deste grupo são Åke Hodell, Bengt Emil Johnson y Leif Nylén.


Como reação contra esta linha experimental dos anos 60, surgiu nos 70 uma nova geração de poetas que adotaram os modelos da geração beat estadounidense, à que pertence um dos mais representativos poetas suecos contemporâneos, Bruno K. Öijer, inspirado por Antonin Artaud, o rock and roll, e o gênero da performance.


Exílio e poesia
No entanto, não viemos a falar da literatura sueca nem inserir breves biografias nem crônicas da história deste país, pois seria impossível, tendo em conta que há os que manejam melhor a informação. Viemos por outra realidade, que permitirá ao leitor(a) orientar-se dentro da entrevista que iniciaremos, a propósito de um movimento de respostas, que imaginamos resultarão indispensáveis para conhecer e/ou recordar as complicadas mudanças, como resultado do exílio que suportaram nossos compatriotas depois do golpe militar no Chile (1973). E que como outros países, Suécia abriu suas portas para recebê-los.


Então, a partir desta perspectiva, perfeitamente definida no tempo, nas datas, na visão de um homem que palpou sua vida através deste acontecimento, é que convidamos a Norton Contreras Robledo a nos contar - com soltura - aquilo que está mais além de uma simples percepção.


Entretanto,veja bem, não há margens para a poesia, a prosa, para o poeta, o escritor. Verso a verso, Norton Contreras deu formas às suas obras literárias, inicialmente como documentos de uma época amarga, cujo discurso fala do desenraizamento, a saudade e as hostilidades, constituindo-se uma testemunha pessoal, porque é uma ferida aberta em seu mapa chileno, uma explosão insurgente de rebeldia de dor de torturas, de gritos, como interferências nocivas, porém medulares.


Deste modo, a coluna vertebral da poesia de Norton Contreras o valida, o confirma ante uma dupla realidade (de pastor e lavrador de Canela aos arquivos de museos, bibliotecas e galerias de arte de Malmö), dupla nacionalidade (de chileno a sueco), reorganizando-se frente a diversos fenômenos, mudanças, novas viagens, então não é casual que o poeta - multicultural - hoje em dia nos dê conta de seu modus vivendi, das três décadas em exílio através de uma poesia de maior valor estético, dado o ofício e o legítimo direito a ser escritor.



1. O depoimento, o emocional e subjetivo, aparecem indissociáveis, dominam grande parte de sua poesia de exílio na Suécia, devido à ditadura militar no Chile. Entretanto, a recuperação da democracia não significou o seu regresso. Por que decide você permanecer na Suécia?

- Na vida das pessoas, nem tudo é o que parece. Minha decisão nunca foi ficar na Suécia. Ao contrário, minha decisão e a de minha mulher foi regressar, porém não tínhamos as condições, para criá-las fizemos um empréstimo bancário e compramos um apartamento. Por essa época era um bom investimento, pois a tendência dos preços era que subissem o valor. Para poder pagar o empréstimo em 4 anos, eu e minha companheira, além de trabalhar 8 horas em nossos respectivos trabalhos, trabalhamos durante quatro anos, fazendo limpeza, 4 horas extras, isto é, 12 horas diárias. Porém no mesmo ano que terminamos de pagar o apartamento, estes baixaram de valor de maneira não usual, de tal forma que se o vendêssemos, o produto da venda não seria suficiente nem para comprar um terreno no Chile. Junto a essa situação, ocorreu o fato de que a família foi criando raízes na Suécia.

2. Poesia e realidade. Literatura de evasão/fuga/escape/denúncia ou talento completamente gratuito/natural/espontâneo?

- Há os que escrevem para serem famosos, ricos, e outros que escrevem para si mesmos. Eu escrevo com a ânsia e a ilusão de chegar a todos, escrevo para expressar meu mundo interior e ao redor. Neste sentido, minha poesia nasce da vida mesma e expressa os momentos, as experiências, os acontecimentos da época que me foi dado viver. Minha poesia é um tributo à natureza e à vida, uma apologia à paz e um "não" à guerra, minha poesia é de amor ao próximo, de aposta pela igualdade social, a solidariedade e a democracia. São cantos de tempos de amor e de guerra. Canto a esse amor que todos vivemos alguma vez. Ao amor que nos faz rir e chorar, ao amor nos tempos do amor e também do desamor.


3. Seu espírito revolucionário (porque você segue sonhando e lutando, ainda que é sabido que todos os "exilados", além de perder suas posses, perdem também seus sonhos) lhe permite suportar os sofrimentos, a lembrança de companheir@s assassinat@s pela ditadura. Assim, reafirmando - se em sua memória, procura vencer as adversidades, o desterro, a solidão. O que mais o estranha com relação ao Chile?

- Na verdade, o termo "exilado", uma vez recuperada a "democracia" no Chile, já não corresponde, se podemos falar de chilenos no exterior. O que mais estranho é a família, os amigos, a cultura no mais amplo sentido do conceito, o espaço, a geografia, o clima e aos companheiros do partido. Estranho não estar trabalhando pelos princípios e os sonhos que pese a todo o acontecido tanto no plano nacional quanto no internacional, estão mais fortalecidos. Aqui em Suécia prossigo militando e oferecendo as mesmas ideias, princípios e sonhos de sempre.


4. Norton, compreendemos que os "exilados" sofrem em uma terra que não é a sua, enquanto relembram aos seus entes queridos, à pátria, o lugar onde nasceram levando-se a cabo uma espécie de desânimo, interrogantes desde a voz que assombra e excita até a voz que acalma e alivia. Que mudou em você desde que passou a residir em Suécia? Qual é o antes e depois de Norton Contreras Robledo?

- Relembro como se fosse hoje, o dia em que a alvorada, quando a noite sai ao encontro do novo dia, quando ainda se podiam ver as estrelas cintilando no firmamento, ia caminhando com minha mãe. Ela adiante com o arado abrindo sulcos na terra, eu atrás, deixando cair as sementes de trigo que nos traziam o pão de cada dia. Não podia deixar de vislumbrar o firmamento e me detive a contemplá-lo. Minha mãe percebeu e se voltou ao mesmo tempo em que perguntava: - Por que ficas aí parado? Da distância, sua voz me alcançava. Senti que para responder a ela, teria que contemplar o firmamento uma vez mais. Depois lhe responderia com a inocência de meus seis anos: - "Estou semeando céu para colher estrelas". Em Canela, por cada semente de trigo que semeava germinava uma palavra. Aí estão as raízes e essência de minha poesia.

No entanto, viver na Europa, em geral, e na Suécia, em particular, deu - me uma concepção e uma visão mais cosmopolita do mundo. Uma consciência social mais progressista frente à diversidade sexual. Aqui em Suécia, faz mais de 30 anos que os homossexuais já participavam nas manifestações de 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhadores. O partido de esquerda tem parlamentares homossexuais. Nas escolas, aos jovens lhe dão anticoncepcionais. Há pouco temos uma mulher como arcebispo. Também me foi propiciado uma visão mais direta da exploração à que são submetidos os países pobres por parte dos países ricos. Ver o consumismo e a abundância dos países desenvolvidos. Observar o desperdício de recursos naturais, como a luz, a água e os alimentos. O consumismo, tão real e cotidiano para as pessoas dos países desenvolvidos, surge como algo divino, irreal e mágico ante os olhos de crianças, mulheres e homens, condenados pelos países ricos. Os mesmos países que perderam a capacidade de espanto e de indignação diante das terríveis desigualdades. Tenho uma maior sensibilidade e consciência sobre a descriminação, racismo e marginalidade a que são submetidos o povo Mapuche, já que tudo isto vivi e sofri em minha própria carne na Europa.


5. Passaram-se três décadas nessa condição sociopolítica específica de exilado. Tem pensado você na hora do regresso? Pergunto, porque dizem que "o exílio parte a quem o sofre em duas metades, mentalmente se permanece na pátria, ainda que fisicamente se viva em outra terra", e, assim mesmo, pergunto por imaginarmos que você não lhe pôs camadas de terra estrangeira em sua realidade nem terá feito ajustes de esquecimento com nossa pátria, e que nesses diálogos consigo mesmo terá esclarecido em qual povoado pensa deixar seus ossos para o descanso final?

- Se há algo sobre o qual não se pode planejar nem decidir é quando, onde e como se morrerá. Creio na vida e os desígnios do destino. Deixo isso em suas mãos.



6. Voltando à poesia: Refúgio poético. Matéria dominante desta PALAVRA FIANDEIRA. Dá-me a impressão que o transcorrer dos anos lhe ofertou um novo ar a sua poesia, passando a ser o amor, o desamor, ou a distância da amada os grandes protagonistas de seu mundo literário atual. Satisfaz a você deixar que aflorem esses sentimentos superabundantes de um erotismo não cultivado em seus primeiros poemas, essa beleza inata que reside na essência do fato poético?

- Para mim, a poesia nasce da vida, tanto que o poeta expressa seja o seu mundo interior ou o circunstante. Neste sentido, em minha poesia (E ainda que não me tenha proposto a comentar uma coletânea poética) sempre estará o amor, o desamor, e o social. Por exemplo, na coletânea poética, na qual estou trabalhando, "Poemas Peregrinos", há poemas nos quais o protagonista desse mundo literário, é o que mencionas, um erotismo não cultivado nos poemas anteriores. Há um poema à Memória de Miguel Henríquez, a Atilio Andrade Bonet, (recentemente falecido em Suécia) e um soneto à memória de Celia Hart Santamaria, jornalista, poeta e revolucionária cubana, falecida em Havana. Todas essas emoções, todos esses sentimentos me servem, são a essência em meu ofício de escrever. Um ofício solitário e em silêncio, no qual sempre a disciplina e o anseio estão encaminhados na busca criativa de uma linguagem própria, que seja finalmente universal.


7. Para dar concluída esta entrevista: O que continua a lhe incomodar hoje em dia?

- Incomoda- me e me dói os parâmetros e os valores que regem a sociedade. O classismo, o fato de que a classe política tenha vencimentos milionários, enquanto os que dizem "representar" recebem um salário miserável, para seguir sobrevivendo em sua pobreza.
Incomoda-me a desigualdade social, que a riqueza de alguns esteja baseada sobre a exploração de outros, a guerra de rapina infame contra outros países, a depredação da natureza e os recursos naturais, ainda sabendo que põem em perigo a vida dos seres, e do planeta. O racismo e a discriminação.
Incomoda-me que hajam criadores no ofício de escrever que disfarçam a realidade com um manto de cores, romanticismo e sensibilidade mercantil para vender-se ao melhor licitante. Incomoda-me, me dói e surpreende que Isabel Allende, a mais grande e mais famosa escritora do Chile, reconhecida mundialmente, não tenha recebido o Prêmio Nacional de Literatura. É algo inconcebível, e uma vergonha.






BIOGRAFIA



Norton Contreras Robledo nasceu no Chile, no povoado camponês de Canela (Região de Choapa Norte chico). Seus primeiros ofícios foram o de lavrador e pastor. Estudou o ensino básico e secundário em Valparaíso. Iniciou seus estudos na Faculdade de Educação e Letras da Universidade do Chile, que foram dramaticamente interrompidos pelo golpe de estado de 1973.Viveu em Argentina entre os anos 1975 - 1978. Nesse ano foi detido e expulso do país, pelo governo militar do General Videla. Realizou estudos de Psicologia Social, História e Filosofia na Academia de Ciências Políticas em Sofia, Bulgária (1981-1982). Membro da Sociedade de Escritores do Chile. Integrante de Poetasdelmundo. Membro da Rede Mundial de Escritores em Espanhol: REMES. Associação Internacional de Comunicadores e Jornalistas Chilenos no exterior: AICPCH, e da Organização Cultural Victor Jara. É Comunicador Social. Colaborador de ElmuroChile, geração de 80. Redacción Popular, Rebelión, revista Punto Suspensivo - Chile, Aporrea, Puebloalzao, e Enconrtrarte, de Venezuela, Prensa Argenpress, El despertar de Lontué, El Choapa digital, Red de escritores de Coquimbo, Isla negra, e outros meios de comunicação alternativos. Integra comunidades de poesia. Cultiva o conto e a poesia. Escreve ensaios, colunas e artigos culturais e políticos, os que foram publicados na imprensa escrita; Perspectiva de clases (de Argentina), Liberación (de Suécia), Tribuna Popular (de Venezuela). Publica em páginas e diários digitais. Publicou a coletânea "Cantos em tempos de amor e de guerra" - editado em Madrid, Espanha. Atualmente trabalha no projeto da coletânea
"Cantos Peregrinos"
- Reside em Suécia. No período 1983- 1996, trabalhou em diferentes ofícios. No período 1996 - 2007, trabalhou nos arquivos da cidade de Malmö, pertencente à organização Kultur Malmö, que inclui a gestão de Museos, bibliotecas e Galerias de Arte. Atualmente, realiza trabalhos eventuais como intérprete para um escritório que presta serviços de interpretação.

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A POESIA É UM GRITO DE REBELDIA AO PRESENTE, UM CANTO DE LUTA AO FUTURO


Nestes tempos conturbados, em que os meios de

[comunicação

deturpam a verdade, alienam as consciências

[segundo seus interesses

Levantamos a palavra e reivindicamos a poesia,

liberamos o verso como um canto, como um

[grito...uma arma de luta presente e futura

Poesia consciente, poesia militante não sujeita a
[direções partidárias

nem à classe eclesiástica.

Nutre -se das gentes e suas lutas, torna seus
[sonhos e ilusões,
toma partido, constrói barricadas.

Poesia libertária, poesia para o povo, vem desde o
[ventre germinal

da terra e desde as alturas das cordilheiras

[milenares.

traz as vozes dos silenciados, o sussurro dos


[amantes fortuitos.

Nos murais dos verbos está o sangue dos

[assassinados,
a poesia canta com o silêncio de suas vidas

[sepultadas,
através de seus versos e seus cantos vem o
[testemunho dos que

ontem caíram,

suas procuras de que a poesia diga as verdades,

não as que dizem os meios de comunicação da

[classe dominante do capital.

mas a verdade dos que pagam com seu sangue e

[com suas vidas


as riquezas acumuladas no império além do norte

do Rio Bravo.
(Extraído da coletânea: "Cantos em tempos de amor e de guerra")


MIGUEL ENRÍQUEZ : IN MEMORIAM,


TINHA A REVOLUÇÃO PRESA NA ALMA


Tua presença revolucionária e consequente se sente,

se percebe junto as gentes nas ruas,
lutando para abrir as grandes avenidas para o povoado.

As luzes do futuro se refletem em seus olhos,

uma estrela de fogo ilumina tua frente.
Caíste em combate disparando balas do futuro...testemunhas.
Legado político, desejos, sonhos, ilusões, atos.


As brisas de Outubro levaram a tua alma, tua ideia,


teu exemplo através do tempo e o espaço.

Miguel Henríquez, na, na luta dos povos,

tua imagem se vislumbra no rosto do socialismo do século XXI.


Deixaste de pensar, porém não estás morto.


Porque tua vida, tuas ideias, e tua militância consequente

e revolucionária estarão

sempre em nossas vidas e nas gerações futuras.

(Extraído da coletânea: "Poemas Peregrinos")


EM MEMORIA A CELIA HART SANTAMARÍA



Sinto a tua memória, a tua alma, a tua lembrança


Escrevo porque em ti penso, e não posso evitar de

pensar que nunca mais tua onírica presença.
a dor vem ao meu ser, não a posso remediar.



Ah! Punições, dores, padecimentos de meu coração.

Eras uma ilha de esperanças, sonhos e ilusões


a brisa fresca da revolução, uma canção, um som,

alma libertária, voas pela vida, entre as gentes.



Teu olhar sincero de olhos sonhadores, tua palavra certeira,

teu sorriso perfeito, tua voz ao vento, levando a esperança,

Célia, eternamente tu aqui, e agora, mais além dos tempos.



És o meu primeiro pensamento, a minha primeira poesia

nesta coletânea, que nasce com a dor de tua partida,

nasce em tua memória, vai voando até sua alma.

(Da coletânea: "Poemas Peregrinos")


BALADA PARA UMA POETA


Aí estás sentada no meio da sala

O corpo inclinado para trás

charuto levemente suspenso.


Teus pensamentos voam cabisbaixos
entre a fumaça do tabaco.


Te falo da distância,

minha voz não te alcança,

a tua me traz a melodia, o ritmo,


a cadência dos teus poemas.
A vanguarda e a pós-vanguarda,

tua revelação de que não são.


Agora sei que brincas com as palavras,


que desenhas castelos no ar,


voas aos mundos interiores

do universo da tua alma,

és possuída por todos os elementos,


em todos os lugares, em todos os momentos


em todas as paixões.

Abraçada a um poema te transportas
a uma nova galáxia,

regressas à terra

à tua vida terrena e cotidiana.


De fora dos limites


de teus poemas
longe da rota de fuga. Me diz:


"Tenho que deixar - te. Chegará o meu parceiro


e pode se incomodar"

Aí ficas no meio da sala,


charuto suspenso, abatida

a cabeça levemente inclinada


para baixo,
entre a fumaça do tabaco e a solidão.




( Da coletânea: "Poemas Peregrinos")




Escrito, geralmente poético, em que os versos adotam uma disposição
tipográfica especial
para representar o conteúdo do poema:
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Rocío L´Amar



Rocío L´Amar é correspondente de PALAVRA FIANDEIRA no Chile

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TRADUÇÃO DO ESPANHOL: Marciano Vasques


Marciano Vasques é o fundador de PALAVRA FIANDEIRA

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NT (1) *caligramas - Poesia experimental, Poesia Concreta.
NT (2) : Canela é uma comuna da província de Choapa, em Coquimbo, no Chile.





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