EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 29 de março de 2014

PALAVRA FIANDEIRA 147




Acho que o fio condutor para todas essas áreas é a narrativa.


A narrativa de histórias é uma tradição fundamental 
para a educação e formação de todas as pessoas do mundo.


PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Publicação digital de divulgação cultural
EDIÇÕES SEMANAIS
ANO 5 — Edição 147
29 de Março 2014

LUCIANO TASSO


 

1.Quem é Luciano Tasso?
Nasci em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, em 1974, numa família da classe média. Toda minha infância, eu morei lá até completer 18 anos, quando vim para São Paulo e onde resido até hoje. O desenho sempre esteve presente na minha vida. Desde pequeno, passava as tardes rabiscando, introspecto no meu próprio universo. Gostava muito de dinossauros, cachorros e, estranhamente, tive a fase de desenhar cangurus, um bicho que me fascinava. Mas tinha também o dom Quixote e a reprodução de personagens animados que assistia na televisão. Nos primeiros anos de colégio, um amigo, o Daniel Bueno, me mostrou um gibi de super-heróis que tinha comprado e aquilo representou uma grande mudança de interesse nos temas que desenhava. Foi, na verdade, o nascimento do embrião que despontaria na vontade de um dia trabalhar com ilustração.
Minha ascendência é Nordestina, por parte de mãe e italiano, por parte de pai, o que me fez conviver com dois tipos muito diferentes de comportamentos e confrontamentos: um modo mais contemplativo e o outro, mais rigoroso. Acho que essas duas características foram muito importantes para ampliar os pontos de vista diante das situações que enfrentei na vida.


2.Ilustra textos na Revista Fórum. Pode presentear os leitores comentando algo dessa sua experiência? Aproveite para falar da revista, de seu contexto,  e o que mais considerar necessário.
Minha tendência política sempre foi de esquerda. Discutia muito nos botecos com amigos jornalistas. Quando um deles estava trabalhando na editora Publisher, o Marcos Palhares, me convidou para mostrar meus trabalhos para o editor Glauco Faria. Na época, estava tentando ingressar no universo da ilustração editorial e lá pude fazer algumas experiências para formar um estilo e comportamento profissional que dariam início à minha carreira como ilustrador. Ajudaram também as afinidades com os textos cuja pauta em discussão eram sempre os problemas brasileiros e temas relacionados ao Fórum Social Mundial.

3.Quando se instalou em sua vida de forma definitiva a decisão de ser um profissional do desenho? Pode nos expôr a trajetória de sua carreira?
            O rigor italiano de minha formação, juntamente com as perspectivas da classe média brasileira, direcionavam meu futuro para escolher uma profissão economicamente rentável. Desde pequeno, a expectativa era de que eu trabalhasse na area de medicina. Inesperadamente, tomei uma decisão radical (na fila da inscrição do vestibular) que fez com que eu optasse por publicidade.
            No interior, não se sabia muito bem o que fazia um publicitário. Era, no entanto, um meio termo entre ganhar dinheiro e fazer algo relacionado com ilustração. Por sorte, tive a oportunidade de fazer um bom cursinho em escolas particulares, o que me garantiu o ingresso na Faculdade de Comunicações e Artes da USP.
            Já no primeiro ano, mudei meu curso para a parte da noite e tratei de achar um trabalho nessa área para ir me mantendo. Com isso, postergava o antigo sonho de trabalhar com o que eu mais gostava: o desenho.
            Na publicidade, tive a chance de trabalhar em boas agências como director de arte. Juntei dinheiro e fui morar na Itália por dois anos (entre 1996 e 1998). Voltando, acabei sócio de uma agência que desenvolvia uma tecnologia que estava surgindo. Era o princípio da internet e da confecção de websites para empresas.  Foi um periodo de muito deslumbramento com essa ferramenta, e a agência (Kropki era seu nome), que era muito pequena, não resistiu às oscilações do mercado. Voltei a trabalhar como freelancer para a publicidade até que surgiu a oportunidade de participar da produção de um longa-metragem infantil. Era um filme do director Alê Abreu – O Garoto Cósmico. Saí completamente falido, pois o salário era muito baixo - um reflexo da dificuldade de se produzir filmes no Brasil.
Neste tempo, aquele meu amigo de infância que comentei, o Daniel, já havia se consolidado como ilustrador de livros infantis. Saber disso foi uma boa iniciativa para que eu persistisse no sonho de seguir essa profissão artística, sem saber, no entanto, como poderia começar. Voltei, então, a produzir páginas para sites trabalhando em casa, quando soube que o Maurício Negro, outro baita ilustrador, estava precisando dividir os custos do aluguel de seu estúdio com alguém. Encontrei ali uma boa oportunidade para tentar novamente a carreira no mundo da ilustração.

A arte de Luciano Tasso em movimento
            Comecei levando alguns clientes da publicidade e, aos poucos, fui direcionando meu trabalho apenas para ilustrações de livros e revistas.



4.Conte-nos, aos leitores de A FIANDEIRA, sobre o seu projeto de um curta sobre  A CRIANÇA E A PALAVRA.
            Muitos dos trabalhos que realizei para a internet demandavam a produção de pequenas animações (vinhetas, logos, etc). Foi um exercício que, ao longo dos anos, evoluiu para que eu tivesse maior domínio sobre as técnicas dessa arte. Quando participei do longa-metragem O Garoto Cósmico, conheci o Gilberto Caserta, responsável pela pós-produção da película. Tempos depois, já dividindo a sala com o Maurício, tivemos a ideia de montar o studio Mosco, especializado em animação. Fizemos vários trabalhos juntos para diferentes clientes e um deles foi o Sesc.
O tema pedido abordava a descoberta das palavras no universo das infantil. Criamos o roteiro, as animações e chamamos o Marcelo Morgan para fazer a trilha Sonora. O curta foi exibido com grande sucesso na semana das crianças, comemorada no Sesc Pompéia.


5.Tem um estúdio de animação. O que nos pode contar para apresentá-lo?
            O trabalho de animação é extremamente exaustivo, principalmente quando falamos de poucas pessoas para participar de todo o processo. No caso do studio Mosco, éramos apenas eu e o Gil para fazer quase tudo. Lembro-me de quando participamos da produção de uma série animada para a TV RaTim Bum – Os Ecoturistinhas. O projeto era da Mol Toons e tínhamos de fazer uma quantidade imensa de episódios em um prazo incrivelmente curto. Foram noites sem dormir, problemas que não acabavam mais e os ganhos financeiros não compensavam.
            Toda essa experiência foi muito interessante, mas mostrou que a produção de animação exigia muito mais do que meu interesse pela área. Aos poucos, fui abandonando essa ideia para me dedicar exclusivamente à ilustração de livros.

6.Ilustra Livros Infantis? Como vê a Literatura Infantil no processo de alfabetização da criança para o mundo? Em quais momentos ela pode exercer o papel de protagonista numa infância?
            A narrativa de histórias é uma tradição fundamental para a educação e formação de todas as pessoas do mundo.  Nas cidades, devido às exigências e da dinâmica que vivemos, a melhor forma de manter essa tradição é através dos livros. Principalmente na fase da infância, onde os conceitos são formados e a imaginação começa a ser exercitada. A alfabetização acaba sendo uma consequência disso.
            Nos livros que ilustro, busco criar uma narrativa visual que participe, junto com o texto, para formar um conteúdo lúdico e informativo. Cito o exemplo do livro A Saga de Beowulf, com o texto em cordel de Marco Haurélio, publicada pela editora Aquariana. Nas ilustrações, fiz várias referências sobre a cultura Viking (período em que as aventuras daquele herói nórdico eram narradas ainda na tradição oral), criando uma associação visual que passasse a emoção exigida pelo texto.


Arte de Luciano Tasso nas capas

7.Tem em sua carreira alguma ilustração para  obra de Literatura de Cordel?
            O primeiro livro para-didático que ilustrei para a editora Global foi Meus Romances de Cordel, também escrito por Marco Haurélio. Os versos, me inspiraram a fazer um trabalho baseado na xilogravura, técnica típica usada nas publicações independentes de poemas em rimas de cordel. Por falta de habilidade e experiência em trabalhar a madeira no processo tradicional dessa técnica, optei por reproduzir algo digitalmente simulando o visual das xilogravuras. O resultado foi muito bem aceito e desde então fui aprimorando esse estilo em outros livros, como O que é Cultura Popular, de Moreira de Acopiara e Lua Estrela Baião, de Assis Ângelo; ambas publicadas pela Cortez.


Livro de Assis Ângelo

8.Ilustrou uma adaptação de Plauto, do século II.  Pode, gentilmente, falar à Fiandeira sobre esse seu trabalho, e das emoções ao realizá-lo?
            Este foi um projeto muito trabalhoso e proporcionalmente satisfatório. Realizar ilustrações em mosaico numa tentativa de reproduzir a principal expressão artística da época, era um trabalho impossível de se fazer, não fossem os recursos presentes no computador. Desenvolvi, assim, uma série de mecanismos que viabilizaram uma aproximação daquela forma de expressão.
            Para isso, estudei exaustivamente as obras daquele período e tentei traduzir dentro de um espírito contemporâneo toda a malícia e ironia contidos no texto original.


9.Nos fale um pouco de  MANU. De que trata a obra? Quem é Manu? Já fez algum livro de quadrinhos?
            Manu é um nome fictício que deu origem a uma história que fiz para o Zine Royale, idealizado pelo Jorge Zugliani, o Jozz. Na época, estava ouvindo as músicas do cantor chileno Victor Jara. Sua letra fortemente combativa, me inspirou a fazer essa hitória de amor usando fragmentos de letras, livros e imagens de várias artistas sulamericanos: Chico Buarque, Vargas Llosa, o pintor Fernando Botero, etc. dando ao título um nome bem latino.
            O único livro de quadrinhos que fiz foi o Automatic Kalashnikov 47, publicado pelo selo E da editora Annablume. O AK47 foi um projeto que desenvolvi graças ao Jozz, que foi o responsável pela sua publicação. A história gira em torno do roubo de armas dentro de um universo surreal, tendo como pano de fundo a cidade de São Paulo.

10.É quadrinista, ilustrador de obras de Literatura Infantil, publicitário... Como é transitar em universos aparentemente diferentes ou há entre eles um entrelaçamento, um elo de ligação?
            Tudo está interligado. Se por um lado a produção publicitária se distancia do universo artístico em termos de liberdades e expressões, sua capacidade de síntese e comunicação me ajudaram muito na capacidade de interpretar visualmente os textos.
Acho que o fio condutor para todas essas áreas é a narrativa. Poder juntar todos esses conhecimentos num único balaio, formou um caldo muito rico de técnicas de onde consigo extrair o melhor para a ilustração infantil.
(Livro de Moreira do Acopiara) 
11.Com o advento das Redes, o Facebook, por exemplo,   os blogs perderam a força e o encanto? Ou ainda viverão por um bom tempo? Qual a importância hoje, de acordo com a sua visão, da blogosfera?
            Sou um entusiasta do projeto original da rede: livre acesso de informações para todos. A forma pela qual ela está sendo controlada por grandes conglomerados, me inquieta bastante. Mas acho que esse é (ou pode ser) um estágio intermediário para uma nova forma de comunicação e vida em sociedade.
            Paradoxalmente, ou ainda, até por isso, sou um cara que ainda vive sem celular e nunca uso a página no facebook.
Toda e qualquer previsão de futuro nesse ambiente é mera especulação. Acredito apenas que, em breve, nossas cognições comunicativas mudarão completamente. Se em blogs ou facebooks, isso, eu não sei.
Com amigos 
12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?    
            Parabenizo a você, Marciano Vasques, por essa dedicação à cultura, particularmente aos temas que abordam o nosso país e a nossa produção literária.  Agradeço o convite para expôr minhas ideias e falar um pouco da minha vida. Espero que, de alguma forma, seja proveitoso aos leitores da Palavra Fiandeira.

Histórias e Movimentos
Livro ilustrado por Luciano Tasso
PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Ano 5 — Edição 147
FUNDADA PELO ESCRITOR MARCIANO VASQUES

EDIÇÃO LUCIANO TASSO
Do livro "Como Sou" — Thiago de Mello

( Arte para página de livro de Marco Haurélio)



sábado, 22 de março de 2014

PALAVRA FIANDEIRA 146




Amor para fiar...



 eu queria saber qual era a história por trás daquele desenho...
(na entrevista)

Estudo de aquarela para um curso (Curso de Cárcamo)

PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Publicação digital de divulgação cultural
EDIÇÕES SEMANAIS
ANO 5 — Edição 146
22 de Março 2014

MÁRCIA MISAWA




1.Quem é Márcia Misawa?
—Sou ilustradora apaixonada por Literatura Infantil e vivo em São Paulo.  Tenho formação em Publicidade pela Escola de Comunicações e Artes da USP e pós-graduação em Educação, em que estudei o desenvolvimento moral e ético da criança.  Cresci num sítio, pratico yoga, amo aquarela e me sinto envolvida com a infância de tal maneira que não sei mais distinguir o que é que eu faço por profissão e o que faço por ser mãe. Nesse minuto estou na 41a semana de gestação de meu segundo filho, amanhã já não sei mais. 


2.É ilustradora apaixonada pela Literatura Infantil. Como  e quando surgiu essa paixão?

—A primeira lembrança que tenho de minha vontade de ilustrar livros infantis é a sensação que tive ao ver uma aquarela de um passarinho amarelo em um livro infantil japonês, antes mesmo de saber ler:  eu queria saber qual era a história por trás daquele desenho, queria pintar daquele jeito, queria desenhar história.  E cresci assim, com essa imagem me norteando.  Várias vezes tentei ter uma profissão mais “séria”, mas a paixão ganhou da razão.


3.Viveu um tempo em Madrid e conheceu amigos espanhóis que amam a literatura infantil. Pode nos contar algo sobre esses encontros?

—Vivi na Espanha entre 2009 e 2010, com meu marido e meu filho Bruno.  Lá conheci a i con i (http://www.iconi.es), uma escola voltada para a ilustração de Literatura Infantil. Então participei de cursos com a Jutta Bauer, Arianna Squilloni e Claudia Ranucci.  Fiquei maravilhada como existiam tantas pessoas lutando contra a crise do país munidas com seus sonhos de trabalhar com Literatura Infantil. Além da rica experiência dos cursos em si, esse intercâmbio foi muito importante para mim pelas amizades que fiz e por me mostrar que esse mercado é restrito em todo o mundo e que exige muito, muito amor.

Amigos em Vichuquén 

4.Diz que tem um um carinho especial pelas novas mídias. Sobre uma profecia antiga de que a era do livro de papel será extinta, e não mais existirá o livro assim, o que tem a dizer?
—Trabalhei numa agência web por 5 anos e mais 3 como freelance, parei em 2008.  De lá para cá, a Internet tomou outra cara, mas acho que o livro no suporte digital ainda está engatinhando.  Não acho que o caminho seja pensar nas mídias digitais como substitutos do papel, tampouco adaptar o livro com sons e animações.  Acredito que será algo novo, diferente do livro de papel e dos games.  Também acho que demorará muito para termos um esboço do que pode vir a ser essa nova arte, justamente porque exige tempo para amadurecer. 


5.Poderia, por favor,  contar aos leitores de A FIANDEIRA sobre a sua exposição de Arte acontecida em Ilhabela?
A exposição coletiva Manchas e Transparências foi organizada pelo Cárcamo, querido mestre de aquarela, e foi uma mostra da produção de seus alunos, em parceria com a Prefeitura de Ilhabela.  Além de ser, na minha opinião, o nome mais importante dessa arte no país, ele é um professor muito generoso e uma pessoa de coração grande.  Tivemos a segunda edição da exposição no ano passado, em São Paulo.



Exposição Manchas e Transparências 2013, em São Paulo



 6.”O conteúdo moral na Literatura infantil”, eis o eixo condutor de seu TCC. Pode nos dar uns toques sobre a sua abordagem?
—Essa pesquisa foi fundamentada na teoria de Piaget e teve como intuito auxiliar os professores a atuarem como mediadores em discussões sobre questões morais a partir de obras da Literatura Infantil. 
A chave está em não apresentar o ponto de vista já pronto do educador, através de pura transmissão do que é certo e errado.  A criança pode até reproduzir as falas, decorar aquilo que é aprovado pelos adultos, mas dessa maneira ela não se desenvolve moralmente.  É necessário que haja vivência da situação, discussão entre pares, que a criança tenha oportunidade de pensar no seu ponto de vista e na do colega e então chegar a uma própria conclusão. 
E a seleção das obras é importante pois nem sempre a existência de um conteúdo moral numa história possibilita discussões.  Ainda há histórias que só reforçam a heteronomia, a necessidade de  ser sempre guiado por regras pela incapacidade de compreender o porquê delas existirem.  Em Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, tudo o que acontece mostra que ela não deveria desobeder à mãe, que as crianças devem obedecer.  Para os adultos a obediência parece linda, mas imagine uma situação em que a pessoa deve optar entre ser obediente e salvar uma vida, o que é prioridade?
A literatura pode auxiliar a criança a priorizar valores.   


7.Ilustrou o livro BICHO HOMEM de Nelson Albissú. Esse livro tenho aqui comigo. O autor me presenteou num encontro no “Ceu Quinta do Sol”. Poderia nos contar sobre as suas emoções ao ilustrar um livro infantil?
—Tenho muito carinho por esse livro do Nelson Albissú.  Ele começou a ser ilustrado em Madrid, os desenhos atravessaram o oceano e foram terminados aqui em São Paulo.  Ele marcou um momento importante de minha vida, de transição, de retorno. 
Cada história que ilustro é um mergulho profundo, tem que ser.  Para que as ilustrações conversem com o texto e com o leitor é preciso que tenham, elas mesmas, muito a dizer.  Eu não consigo, por exemplo, preencher uma página com elementos puramente estéticos.  Os desenhos me pedem que lhes dê emoções, histórias, sensações. 


Ilustração para Bicho Homem, de Nelson Albissú, Cortez Editora


8, Já fez ou pensou em realizar algum projeto de Histórias em Quadrinhos?
—Apesar de ter desenhado muitas meninas de olhos grandes quando era bem pequena, nunca fui de desenhar histórias em quadrinhos.  É inevitável imaginar o mangá quando se juntam as palavras “japonês” e “desenho”, né?  Para mim essa associação me deu trabalho, porque as primeiras referências que tive na infância tinham origem no mangá mas não era isso que eu buscava.  Na adolescência, quando colocamos na balança tudo o que aprendemos até então, passei a me afastar da cultura japonesa como necessidade de me sentir mais brasileira.  Depois, a tão importante valorização da cultura brasileira que eu via pelos corredores da faculdade me dava um nó na cabeça, porque me obrigava a sentir orgulho de uma cultura que não eram minhas raízes.   Por outro lado, eu também não me sentia bem acomodada na cultura japonesa.  Aos poucos fui me acostumando com essa sensação de ser sempre meio estrangeira.  E hoje acho o máximo ter a possibilidade de mostrar na prática ao meu filho mesticinho pontos de vista diferentes, de culturas diferentes.


Ilustração para Arca de haicais, de Lena Jesus Ponte, Paulinas Editora

9 É uma divulgadora de cursos, eventos, laboratórios artísticos... Ou seja, uma atuante ativista na difusão cultural na Rede.  É possível atualmente se pensar na comunicação entre os humanos sem esse meio?
—Fiquei muito contente de passar essa impressão, porque eu demorei tanto para encontrar a portinhola que levava ao país das maravilhas dos cursos e eventos da área que tenho o maior prazer em divulgar.  Vejo que não são todas as áreas que dependem das redes sociais, mas ao menos em Arte, Literatura Infantil e Ilustração elas permitiram um intercâmbio muito significativo.

10.Por curiosidade, qual o primeiro livro por você ilustrado, e por acaso tem algum livro no qual seja também a autora?
—O primeiro que ilustrei foi No oco do toco, um livro de haicais da querida Edméa Campbells, pela Paulinas, publicado em 2009.  E ainda não saiu meu primeiro livro como autora também, mas está no prelo!  Vai se chamar Cartas ao papai, sobre saudade, angústia e compreensão.


No oco do toco, de Edméa Campbells, Paulinas Editora


 11.Lendas de frutas e árvores do Brasil . Eis uma obra por você belamente ilustrada. Pode, gentilmente, nos comentar algo sobre esse livro, visto a importância do tema?
—Foi o autor Adriano Messias quem gentilmente me indicou para a Editora de Cultura e significou uma experiência muito enriquecedora para mim.  Recomendo o livro!  É uma oportunidade de conhecer lendas de origem indígena, negra e cabocla ligadas a plantas brasileiras, como o guaraná, o inhame, a erva-mate, o açaí...


Ilustração de capa para Lendas de frutas e árvores do Brasil, Adriano Messias, Editora de Cultura

Ilustração de Lendas de frutas e árvores do Brasil


12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
—Amor para fiar, ética para arrematar!  Um grande abraço a todos os leitores.


PALAVRA FIANDEIRA 

Fundada pelo escritor
MARCIANO VASQUES

ANO 5 —146
MÁRCIA MISAWA






sábado, 15 de março de 2014

PALAVRA FIANDEIRA 145


...infelizmente ainda somos um país racista.




O educador deve ser um cidadão do mundo e do seu tempo, permanentemente atualizado com o que está acontecendo e comprometido com a mudança. A educação é um ato político, já dizia Paulo Freire (...) 


PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Publicação digital de divulgação cultural
EDIÇÕES SEMANAIS
ANO 5 — Edição 145
15 de Março 2014

MARIA RITA PY


1.Quem é Maria Rita Py?

Sou apaixonada pela vida, pela natureza, pelo Sol e pela Lua. Herdeira de Deus que vê em todos os seres um irmão de caminhada. Persigo a justiça, a verdade e a felicidade na construção de um mundo melhor. Sou um condor andino em pleno voo. No poema Maria de Todas as Luas assim me defino:  “ Sou instável, temperamental, afetuosa e sentimental. Misteriosa, impulsiva, senhora do meu destino, por isso me chamam lua: Maria-lua”.


2.É uma pessoa comprometida com a luta contra o racismo. Definitivamente, acredita que o racismo continua em nosso país? Vê indícios? Que nos poderia dizer sobre isso? 
O racismo é uma ideologia que prega a supremacia de um grupo étnico sobre outro, assim como acredita que determinado grupo possui defeitos de ordem moral ou intelectual. No Brasil crescemos sobre a égide da democracia racial, que propalava vivermos em relações harmoniosas entre pretos, pardos e brancos, e em plena  igualdade, contudo os índices de desenvolvimento mostravam o contrário, e um imenso abismo social separava brancos e negros.  .A não inclusão social do povo negro e indígena,  a invisibilidade da presença do negro nos livros didáticos ou na literatura, o reforço de estereótipos imputados a negros, o racismo cordial que aparece na forma de piadas ou apelidos, o extermínio da juventude negra e os  casos de racismo que ocorreram nos últimos dias na área esportiva comprovam que infelizmente ainda somos um país racista.

3.Faz parte da CAPOSM, como é conviver numa entidade de escritores e poetas?
É sempre uma bênção, uma experiência única, pois a Casa do Poeta de Santa Maria congrega associados com diferentes formações acadêmicas e diferentes faixas etárias, oferecendo ricas oportunidades de convívio e trocas, contribuindo para o crescimento pessoal de seus associados.


4.Considerando que é uma educadora, como pode o educador contribuir para a elevação da consciência e do nível de transformações sociais?
O educador deve ser um cidadão do mundo e do seu tempo, permanentemente atualizado com o que está acontecendo e comprometido com a mudança. A educação é um ato político, já dizia Paulo Freire e ao exercemos nosso mister, é preciso sabermos de que lado estamos, a favor de quem educamos e contra quem educamos. Se o educador conseguir responder a estas questões e fizer a opção pelo mais fraco, aí sim, estaremos sendo revolucionários, aí sim estaremos contribuindo para a mudança.


5.Sem ser panfletária, naturalmente, crê que a Poesia deve estar comprometida com os anseios populares e as questões mais profundas numa sociedade, ou deveria ser neutra apenas? E o que significa neutralidade afinal?
Aprecio a leitura de poemas que me levem ao êxtase, que fale de coisas dos céus e da terra, mas sou uma militante dos movimentos sociais. Na minha vida sempre estive ligada a causas sociais, movimentos reivindicatórios, por isso acredito que a poesia deve servir sim à emancipação das minorias. Não existe neutralidade, ao optar por uma “poesia neutra”, o poeta já fez sua escolha, já disse de que lado está.

6.Março é o mês do Dia Internacional da Mulher. Como analisa a situação da mulher em nosso país ou no mundo, de forma objetiva?
A memória do movimento de luta da mulher trabalhadora fabril, no início do século XX, foi marcada por reivindicações, protestos, denúncias da opressão sofrida nas fábricas e greves. Os baixos salários, a extensa jornada de trabalho, o trabalho infantil, o controle de acesso aos banheiros, as portas trancadas durante o expediente, relógios pontos cobertos, o assédio sexual e o direito ao voto foram bandeiras levantadas por mulheres ao final do século XIX e inicio do XX.  Mulheres como Clara Zetkin, Alexandra Kollontai, Clara Lemlich, Emma Goldman, Simone Weil dedicaram suas vidas ao processo de conscientização e organização da mulher operária e foi Clara Zetkin, militante do Partido Comunista Alemão,  que durante o II Congresso Internacional de Mulheres, em 1910,  propôs a criação de um Dia Internacional da Mulher.  Graças a estas companheiras e milhares de outras, que foram chegando, a situação da mulher na atualidade tem por foco a participação política, direitos reprodutivos e eliminação da violência contra a mulher.


            


6A.Tem um livro intitulado OS PROBLEMAS DE JÚNIOR. O que poderia adiantar ao leitor da FIANDEIRA sobre esse livro?
O personagem principal desta história é Júnior, um menino de 4 aninhos que é chamado de negro por um coleguinha de aula. A partir desse momento, Júnior  não quer mais voltar à escola infantil, pensa no amigo e tenta compreender as razões porque agiu dessa forma.



7.Lançou em 2011 um livro intitulado O SEGREDO DE AYO. Como e onde foi o lançamento e conte-nos algo sobre esse segredo, por gentileza.
Nossa cidade, Santa Maria, localizada no coração do Rio Grande do Sul realiza há mais de 30 anos a maior feira do livro do interior do estado. É um período de alegria e confraternização e foi nesta feira que lancei O SEGREDO DE AYO.  Ele adora animais, e tem Zanza, uma cadela que acabou de dar cria. Um dos cachorrinhos de Zanza é muito chorão e o segredo se relaciona a forma como o garoto resolve esta situação.



8.Quem é Layla?
 É uma menina negra, linda, linda. Frequenta a classe de alfabetização e é muito feliz, até o dia em que uma nova colega chega à escola: Valquíria.  Layla tenta estabelecer uma relação de amizade com Valquíria, mas não é aceita, até que momento, durante uma brincadeira de roda, Valquíria se nega a dar a mão para a colega, confessando que não gosta de pessoas negras. A partir daí, a professora propões atividades que envolvam a (re)educação das relações raciais.




9.Tem uma coleção chamada HISTÓRIAS DA AVÓ PRETA.  A Fiandeira quer saber tudo sobre essa coleção.
Essa coleção é composta por seis histórias: Os Problemas de Júnior, O aniversário de Aziza, A Turma de Layla, Dia dos Negros, O Sonho de Jamila e Zeca, um Herói Negro.  Escrevi minha primeira historinha: “Os Problemas de Júnior”, no ano de 2002, quando meu netinho chegou em casa inconsolável, por ter sido chamado de negro por um colega. Meu objetivo era demonstrar o quanto amava meu neto, mas aí, pensei nas outras crianças negras que sofrem discriminação diariamente e ficam tristes, se negando a voltar para a escola.  Nasceu assim meu primeiro livro. A partir daí fui encorajada a escrever sobre situações de racismo envolvendo crianças negras e não negras, resultando na coleção Histórias da Vó Preta, título sugerido por meu amigo professor Júlio Quevedo.



10.O que é o Museu Treze de Maio?
O Museu Afro-Brasileiro de Santa Maria é um museu comunitário localizado no prédio onde funcionou a centenária Sociedade Cultural Ferroviária Treze de Maio, fundada a 13 de maio de 1903 e que havia fechado suas portas em virtude de dificuldades financeiras e de gestão. É um museu construído e vivenciado pela comunidade negra, oferecendo oficinas de dança afro, capoeira, percussão, grupo vocal de mulheres negras, atividades técnicas e de pesquisa, além de ser um ponto de referência do Movimento Negro local e regional.
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11.Esteve em São Paulo com as amigas na noite da ANTOLOGIA POESIAS 2013. Como foi para você essa experiência?
Conhecer pessoas com as quais nos afinizamos, que compartilhamos utopias, além de nos fortalecer, também nos enriquece. O carinho com o qual fomos recebidas, a simplicidade de todos, sem nenhuma arrogância, permitiu que me sentisse como se estivesse em minha casa, entre companheiros, parecendo serem velhos amigos que há muito tempo não via.  E como foi bom revê-los. E como foi bom abraçá-los!



12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Conhecer Marciano Vasques, alguém que caminha irradiando amorosidade foi um privilégio. Encontrar um grupo que anda de braços dados com a poesia me faz acreditar que podemos sim mudar o mundo e construirmos uma sociedade na qual o respeito, a justiça e a fraternidade convivam harmoniosamente. Minha palavra fiandeira é igualdade. Veja só meu irmão/ Sou igual a ti/ Ou não?

POEMA

OITO DE MARÇO


Chega!
Não quero abraços,
            Nem loas, nem mimos!
Quero gritar!
            Denunciar a dupla jornada de trabalho
            Que acaba com nossa sanidade física e mental!
            Denunciar a violência a que somos submetidas
            Muitas vezes, dentro de nossas casas!
            Denunciar o assédio sexual de colegas galanteadores,
            Que minam nossa condição feminina.
            Denunciar a fome que grassa entre nossos filhos,
            Herdeiros do desemprego e da exclusão!
            Denunciar a discriminação da elite
            Que nos acusa de termos “uma tropa de filhos”.
            Se não forem os filhos, o que será nosso?

            A hipócrita sociedade de consumo apropriou-se da data
            Faz festa, distribui rosas, oferece brindes!
            Visando sempre o lucro.
            Festejar o quê?

            Chega!
            Não quero  flores, nem hinos!
            Quero botar a boca no trombone:
            Não há médicos, nem pílulas nos Postos de Saúde
            E ainda falam em planejamento familiar!
Quero maternidade pra parir meu filho!
Garantir o pré-natal,
Aconchegar meu rebento
Em águas serenas,
Sem ansiedade, sem traumas!
            Não temos acesso a exames preventivos do câncer:
            de mama...de útero...
            Ou se marcarmos,
            Consulta somente para daqui a oito meses!
            Faltam creches para nossos filhos!
            Como trabalhar, se nosso coração fica em casa, com as crianças?
            Falta escola perto de casa.
            Com tanta violência, como ficar tranqüilo se nossos filhos estão no abandono?
Para este oito de março, faço um convite:
- Por favor, venham!
- Venham empunhar, comigo
  A bandeira do respeito,
Da dignidade e do direito! 



PALAVRA FIANDEIRA

Fundada pelo escritor Marciano Vasques
Ano 5 —15 Março
Edição 145
Maria Rita Py