Acho que o fio condutor para todas essas áreas é a narrativa.
A narrativa de histórias é uma tradição fundamental
para a educação e formação de todas as pessoas do mundo.
PALAVRA FIANDEIRA
ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Publicação digital de divulgação cultural
EDIÇÕES SEMANAIS
ANO 5 — Edição 147
29 de Março 2014
LUCIANO TASSO
1.Quem é Luciano Tasso?
Nasci em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, em 1974, numa família da
classe média. Toda minha infância, eu morei lá até completer 18 anos, quando
vim para São Paulo e onde resido até hoje. O desenho sempre esteve presente na
minha vida. Desde pequeno, passava as tardes rabiscando, introspecto no meu
próprio universo. Gostava muito de dinossauros, cachorros e, estranhamente, tive
a fase de desenhar cangurus, um bicho que me fascinava. Mas tinha também o dom
Quixote e a reprodução de personagens animados que assistia na televisão. Nos
primeiros anos de colégio, um amigo, o Daniel Bueno, me mostrou um gibi de
super-heróis que tinha comprado e aquilo representou uma grande mudança de
interesse nos temas que desenhava. Foi, na verdade, o nascimento do embrião que
despontaria na vontade de um dia trabalhar com ilustração.
Minha ascendência é Nordestina, por parte de mãe e italiano, por parte de
pai, o que me fez conviver com dois tipos muito diferentes de comportamentos e
confrontamentos: um modo mais contemplativo e o outro, mais rigoroso. Acho que
essas duas características foram muito importantes para ampliar os pontos de
vista diante das situações que enfrentei na vida.
2.Ilustra textos na Revista Fórum.
Pode presentear os leitores comentando algo dessa sua experiência? Aproveite
para falar da revista, de seu contexto,
e o que mais considerar necessário.
Minha tendência política sempre foi de esquerda. Discutia muito nos
botecos com amigos jornalistas. Quando um deles estava trabalhando na editora
Publisher, o Marcos Palhares, me convidou para mostrar meus trabalhos para o
editor Glauco Faria. Na época, estava tentando ingressar no universo da
ilustração editorial e lá pude fazer algumas experiências para formar um estilo
e comportamento profissional que dariam início à minha carreira como
ilustrador. Ajudaram também as afinidades com os textos cuja pauta em discussão
eram sempre os problemas brasileiros e temas relacionados ao Fórum Social
Mundial.
3.Quando se instalou em sua vida de
forma definitiva a decisão de ser um profissional do desenho? Pode nos expôr a
trajetória de sua carreira?
O rigor italiano de minha
formação, juntamente com as perspectivas da classe média brasileira,
direcionavam meu futuro para escolher uma profissão economicamente rentável.
Desde pequeno, a expectativa era de que eu trabalhasse na area de medicina. Inesperadamente,
tomei uma decisão radical (na fila da inscrição do vestibular) que fez com que
eu optasse por publicidade.
No interior, não se sabia muito bem
o que fazia um publicitário. Era, no entanto, um meio termo entre ganhar
dinheiro e fazer algo relacionado com ilustração. Por sorte, tive a oportunidade
de fazer um bom cursinho em escolas particulares, o que me garantiu o ingresso
na Faculdade de Comunicações e Artes da USP.
Já no primeiro ano, mudei meu curso
para a parte da noite e tratei de achar um trabalho nessa área para ir me
mantendo. Com isso, postergava o antigo sonho de trabalhar com o que eu mais
gostava: o desenho.
Na publicidade, tive a chance de trabalhar
em boas agências como director de arte. Juntei dinheiro e fui morar na Itália
por dois anos (entre 1996 e 1998). Voltando, acabei sócio de uma agência que desenvolvia
uma tecnologia que estava surgindo. Era o princípio da internet e da confecção de websites para empresas. Foi um periodo de muito deslumbramento com
essa ferramenta, e a agência (Kropki era seu nome), que era muito pequena, não
resistiu às oscilações do mercado. Voltei a trabalhar como freelancer para a publicidade até que surgiu a oportunidade de
participar da produção de um longa-metragem infantil. Era um filme do director
Alê Abreu – O Garoto Cósmico. Saí completamente falido, pois o salário era
muito baixo - um reflexo da dificuldade de se produzir filmes no Brasil.
Neste tempo, aquele meu amigo de infância que comentei, o Daniel, já
havia se consolidado como ilustrador de livros infantis. Saber disso foi uma
boa iniciativa para que eu persistisse no sonho de seguir essa profissão
artística, sem saber, no entanto, como poderia começar. Voltei, então, a produzir
páginas para sites trabalhando em casa, quando soube que o Maurício Negro, outro
baita ilustrador, estava precisando dividir os custos do aluguel de seu estúdio
com alguém. Encontrei ali uma boa oportunidade para tentar novamente a carreira
no mundo da ilustração.
A arte de Luciano Tasso em movimento
Comecei levando alguns clientes da
publicidade e, aos poucos, fui direcionando meu trabalho apenas para
ilustrações de livros e revistas.
4.Conte-nos, aos leitores de A
FIANDEIRA, sobre o seu projeto de um curta sobre A CRIANÇA E A PALAVRA.
Muitos dos trabalhos que realizei
para a internet demandavam a produção de pequenas animações (vinhetas, logos,
etc). Foi um exercício que, ao longo dos anos, evoluiu para que eu tivesse maior
domínio sobre as técnicas dessa arte. Quando participei do longa-metragem O
Garoto Cósmico, conheci o Gilberto Caserta, responsável pela pós-produção da
película. Tempos depois, já dividindo a sala com o Maurício, tivemos a ideia de
montar o studio Mosco, especializado em animação. Fizemos vários trabalhos
juntos para diferentes clientes e um deles foi o Sesc.
O tema pedido abordava a descoberta das palavras no universo das
infantil. Criamos o roteiro, as animações e chamamos o Marcelo Morgan para
fazer a trilha Sonora. O curta foi exibido com grande sucesso na semana das
crianças, comemorada no Sesc Pompéia.
5.Tem um estúdio de animação. O que
nos pode contar para apresentá-lo?
O trabalho de animação é
extremamente exaustivo, principalmente quando falamos de poucas pessoas para
participar de todo o processo. No caso do studio Mosco, éramos apenas eu e o
Gil para fazer quase tudo. Lembro-me de quando participamos da produção de uma
série animada para a TV RaTim Bum – Os Ecoturistinhas. O projeto era da Mol
Toons e tínhamos de fazer uma quantidade imensa de episódios em um prazo
incrivelmente curto. Foram noites sem dormir, problemas que não acabavam mais e
os ganhos financeiros não compensavam.
Toda essa experiência foi muito
interessante, mas mostrou que a produção de animação exigia muito mais do que
meu interesse pela área. Aos poucos, fui abandonando essa ideia para me dedicar
exclusivamente à ilustração de livros.
6.Ilustra Livros Infantis? Como vê a
Literatura Infantil no processo de alfabetização da criança para o mundo? Em
quais momentos ela pode exercer o papel de protagonista numa infância?
A narrativa de histórias é uma
tradição fundamental para a educação e formação de todas as pessoas do mundo. Nas cidades, devido às exigências e da
dinâmica que vivemos, a melhor forma de manter essa tradição é através dos
livros. Principalmente na fase da infância, onde os conceitos são formados e a
imaginação começa a ser exercitada. A alfabetização acaba sendo uma
consequência disso.
Nos livros que ilustro, busco criar
uma narrativa visual que participe, junto com o texto, para formar um conteúdo lúdico
e informativo. Cito o exemplo do livro A Saga de Beowulf, com o texto em cordel
de Marco Haurélio, publicada pela editora Aquariana. Nas ilustrações, fiz
várias referências sobre a cultura Viking (período em que as aventuras daquele
herói nórdico eram narradas ainda na tradição oral), criando uma associação
visual que passasse a emoção exigida pelo texto.
7.Tem em sua carreira alguma
ilustração para obra de Literatura de
Cordel?
O primeiro livro para-didático
que ilustrei para a editora Global foi Meus Romances de Cordel, também escrito
por Marco Haurélio. Os versos, me inspiraram a fazer um trabalho baseado na
xilogravura, técnica típica usada nas publicações independentes de poemas em
rimas de cordel. Por falta de habilidade e experiência em trabalhar a madeira
no processo tradicional dessa técnica, optei por reproduzir algo digitalmente
simulando o visual das xilogravuras. O resultado foi muito bem aceito e desde
então fui aprimorando esse estilo em outros livros, como O que é Cultura
Popular, de Moreira de Acopiara e Lua Estrela Baião, de Assis Ângelo; ambas
publicadas pela Cortez.
Livro de Assis Ângelo
8.Ilustrou uma adaptação de Plauto,
do século II. Pode, gentilmente, falar à
Fiandeira sobre esse seu trabalho, e das emoções ao realizá-lo?
Este foi um projeto muito trabalhoso
e proporcionalmente satisfatório. Realizar ilustrações em mosaico numa
tentativa de reproduzir a principal expressão artística da época, era um
trabalho impossível de se fazer, não fossem os recursos presentes no
computador. Desenvolvi, assim, uma série de mecanismos que viabilizaram uma
aproximação daquela forma de expressão.
Para isso, estudei exaustivamente as
obras daquele período e tentei traduzir dentro de um espírito contemporâneo
toda a malícia e ironia contidos no texto original.
9.Nos fale um pouco de MANU. De que trata a obra? Quem é Manu? Já fez algum livro de quadrinhos?
Manu é um nome fictício que deu
origem a uma história que fiz para o Zine Royale, idealizado pelo Jorge
Zugliani, o Jozz. Na época, estava ouvindo as músicas do cantor chileno Victor
Jara. Sua letra fortemente combativa, me inspirou a fazer essa hitória de amor
usando fragmentos de letras, livros e imagens de várias artistas sulamericanos:
Chico Buarque, Vargas Llosa, o pintor Fernando Botero, etc. dando ao título um
nome bem latino.
O único livro de quadrinhos que fiz
foi o Automatic Kalashnikov 47, publicado pelo selo E da editora Annablume. O
AK47 foi um projeto que desenvolvi graças ao Jozz, que foi o responsável pela sua
publicação. A história gira em torno do roubo de armas dentro de um universo
surreal, tendo como pano de fundo a cidade de São Paulo.
10.É quadrinista, ilustrador de
obras de Literatura Infantil, publicitário... Como é transitar em universos
aparentemente diferentes ou há entre eles um entrelaçamento, um elo de ligação?
Tudo está interligado. Se
por um lado a produção publicitária se distancia do universo artístico em
termos de liberdades e expressões, sua capacidade de síntese e comunicação me
ajudaram muito na capacidade de interpretar visualmente os textos.
Acho que o fio condutor para todas essas áreas é a narrativa. Poder juntar
todos esses conhecimentos num único balaio, formou um caldo muito rico de
técnicas de onde consigo extrair o melhor para a ilustração infantil.
(Livro de Moreira do Acopiara)
11.Com o advento das Redes, o
Facebook, por exemplo, os blogs
perderam a força e o encanto? Ou ainda viverão por um bom tempo? Qual a
importância hoje, de acordo com a sua visão, da blogosfera?
Sou um entusiasta do projeto
original da rede: livre acesso de informações para todos. A forma pela qual ela
está sendo controlada por grandes conglomerados, me inquieta bastante. Mas acho
que esse é (ou pode ser) um estágio intermediário para uma nova forma de
comunicação e vida em sociedade.
Paradoxalmente, ou ainda, até por
isso, sou um cara que ainda vive sem celular e nunca uso a página no facebook.
Toda e qualquer previsão de futuro nesse ambiente é mera especulação.
Acredito apenas que, em breve, nossas cognições comunicativas mudarão
completamente. Se em blogs ou facebooks, isso, eu não sei.
Com amigos
12.Deixe aqui a sua mensagem final.
Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Parabenizo a você, Marciano Vasques,
por essa dedicação à cultura, particularmente aos temas que abordam o nosso país
e a nossa produção literária. Agradeço o
convite para expôr minhas ideias e falar um pouco da minha vida. Espero que, de
alguma forma, seja proveitoso aos leitores da Palavra Fiandeira.
Histórias e Movimentos
Livro ilustrado por Luciano Tasso
PALAVRA FIANDEIRA
ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Ano 5 — Edição 147
FUNDADA PELO ESCRITOR MARCIANO VASQUES
EDIÇÃO LUCIANO TASSO
Do livro "Como Sou" — Thiago de Mello
( Arte para página de livro de Marco Haurélio)
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