Eu tenho muito mais medo de que se acabem os leitores.
PALAVRA FIANDEIRA
ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Publicação digital de divulgação cultural
EDIÇÕES SEMANAIS
ANO 5 — Edição 149
12 ABRIL 2014
MARCO ANTONIO GODOY
1.Quem é
Marco Antonio Godoy?
—Um sonhador bem realista.
2.É
publicitário. Atualmente ilustra livros infantis. Como aconteceu essa
trajetória? Que fatores o levaram ao universo da Literatura Infantil?
—Eu era
publicitário, ou melhor, acho que nunca fui integralmente. Depois de muitos
questionamentos internos sobre ética e moral e muita desilusões com a falta de
responsabilidade social que essa profissão carrega decidi trilhar outros
caminhos e um deles é justamente o da literatura.
3.O
ilustrador é naturalmente um outro
autor, pois coloca no livro em traços e cores um outro olhar sobre o texto.
Considera que, de modo geral, o ilustrador é devidamente valorizado ou
reconhecido?
—Não, não
é. Muitas editoras ainda encaram o ilustrador como um acessório, um prestador
de serviços e muitos autores simplesmente nos ignoram.
4.Como essa situação pode mudar?
—Ainda temos um longo caminho a trilhar até sermos reconhecidos como autores e
um caminho mais penoso ainda de nos unirmos e formarmos uma classe de
trabalhadores. Mas para isso o ego tem que ser deixado de lado, e isso é muito
difícil em se tratando de artistas.
Ilustração do artista para a obra "História para boi e saci dormirem"
5.National
Kid, Hanna Barbera... Aprecia divulgar essas atrações juvenis de uma era de
ouro da TV. Pode-se afirmar que isso faz parte de uma necessidade sua de
preservar o que representou a felicidade
de uma geração?
—Somos de um tempo em que a programação infantil da televisão não era só um
veículo para vender brinquedos. Os
roteiros dos desenhos animados eram inteligentes, cheios de sagacidade, humor, excelentes
trilhas sonoras, referências literárias, crítica social, enfim, eram criados
com argumentos consistentes, como uma verdadeira obra de arte.
Só para exemplificar, quantos de nós não tiveram a curiosidade de conhecer
Julio Verne assistindo Viagem ao Centro da Terra?
Sem saudosismo gratuito, posso afirmar que isso acabou, com raríssimas exceções.
Herói de seriado vespertino que conquistou uma geração.
6.Demonstra
também ser um cidadão desiludido com a Política. Nesse caso, no período dos
dias clandestinos o humor exerceu uma função absoluta, diante da falta de
liberdade. Acredita que atualmente o humor gráfico, ( cartum, charge,
quadrinhos, etc ) possa contribuir com a elevação do nível de consciência do
povo?
—Dificilmente o humor gráfico(ou qualquer outro humor) vai ter o mesmo impacto
dos anos 70/80. O gigantesco processo de imbecilização da população brasileira
não permite mais esse tipo de conscientização. A impunidade total também
contribui para isso. Os políticos nem se importam mais com uma pretensa
“imagem” a zelar. Eles têm a plena
certeza de que nada vai tirá-los do lugar que ocupam e que se por acaso isso
acontecer, ele terá um ou mais fantoches para colocar no seu cargo para
continuar com o seu “trabalho”. Não duvido que alguns até colecionem cartuns
nos quais eles são o assunto central. O Brasil é o túmulo da ética.
Arte de Godoy
7.Pode adiantar para a FIANDEIRA quais seus
próximos projetos na área de ilustração?
—Estou tomando coragem para escrever uma história
infantil, mas primeiro preciso domar
minha extrema autocrítica. Por outro lado estou gestando uma incursão
pelas graphic novels com a escritora Georgette Silen.
8.“Mãos de
Amanda”, esse título desperta a curiosidade. Você foi o ilustrador desse livro.
O que pode revelar ao leitor da FIANDEIRA sobre esse trabalho?
—É um
sensibilíssimo texto da escritora estreante Camila Doval de Porto Alegre. Trata
do tema da adoção com muita doçura, escrito de uma maneira deliciosamente
inteligente. Foi paixão a primeira leitura. Um belo presente que ganhei do
editor Fabiano Grazioli, da Habilis Editora.
9.Estamos
acompanhando uma tentativa de se coibir, proibir a publicidade para o público
infantil. Essas parcerias gigantescas dos poderes econômicos de se usar
bonequinhos de personagens do cinema, e também do gibi, para vender alimentos
nem sempre tão saudáveis... Como vê tudo isso?
—Essa é a
tal responsabilidade social que eu citei acima e que a publicidade não tem. É o
culto a ganância, ao lucro imoral e a qualquer custo, sem medir consequências.
Compre, consuma, coma, beba, fume, tudo desenfreadamente mesmo que com isso a
sua família adoeça ou peça falência.
Em evento literário: Com Penélope Martins
10.A
família do poeta Leminski proibiu um
livro sobre ele; Guimarães Rosa teve biografia recolhida; vídeo sobre o
escritor também foi proibido; Roberto Carlos também recolheu pela justiça uma
biografia. Para o leitor é sempre uma imensa perda. O que pensa sobre essas
proibições? É um direito do leitor a leitura de toda obra produzida?
—Proibir o acesso a informação sobre a vida de pessoas que bem ou mal fizeram
parte da história do país é censurável (sem trocadilho). A liberdade de
expressão tem que ser preservada a qualquer custo, mesmo que isso não agrade a
todos. É um preceito básico da democracia. Mas para algumas pessoas a
democracia se torna incômoda, mesmo para aquelas que enchiam a boca para falar
em liberdade.
Curta sobre o escritor Guimarães Rosa censurado
11.FIANDEIRA
já perguntou dezenas de vezes e aqui está novamente com a mesma questão:
acredita no fim da Era do livro de papel?
—Acredito que sim, mas esse dia ainda está longe. Eu tenho muito mais medo de
que se acabem os leitores.
12.Deixe
aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Amor e conhecimento. Nada funciona sem isso.
Com as ilustradoras Claudia Cascarelli e Andreia Vieira
Com o escritor Jonas Ribeiro
Arte de Marco Antonio Godoy
Futuro azul
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Fundada pelo escritor:
Marciano Vasques
Marciano Vasques
ANO 5 — Edição 149
MARCO ANTONIO GODOY
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A edição 148 foi uma reapresentação da edição com Teresa Senda Galindo
O trabalho do Marco com certeza "ilustra" a sensibilidade e a responsabilidade social - e pessoal - a que ele se refere na entrevista. Foi um imenso prazer estrear pelas mãos dele na literatura. Camila Doval
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