EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 57

PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA

REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
EDIÇÃO 57

ANO 2 — 25/FEVEREIRO/2011

NESTA EDIÇÃO:

ROCÍO L' AMAR
_____________

ENTREVISTA ORIGINALMENTE CONCEDIDA A
ERNESTO R. DEL VALLE, PARA A REVISTA GUATINÍ



UMA CARÍCIA À PALAVRA DE ROCÍO L' AMAR


Ler Rocío L'Amar (Chile) é preparar-se para dar um valor novo às palavras. Sua indelicadeza — em bom sentido — nos termos gramaticais está localizada em toda longitude e amplitude de sua obra, obrigando-nos a estar alerta ao significado "exprofeso" que ela dá à palavra. Em geral, a leitura que convida, que estimula, tem seu valor retórico, é agradável ao ouvido e se acomoda ao nosso costume de vê-la sempre vestida do mesmo modo e forma. Agora, quando lemos, por exemplo, em:


CIGARRA (Fragmento)
não deixes de esfregar-me
e esse versinho é um vórtice um comboio que toca cedo
poderei ver as três sílabas de teu nome atravessando portas
a minha
tem
fachada de telhado tobogã deslizante
cada outono sorriu assim desapertando os resmungos
desmontando-me a ninfa minha nereida essa náiade
assovia
não canta
nem em árvores nem em cidade abaixo
as palavras resultam forasteiras
"ausentumbre" lhe dizem no meio de encruzilhadas
onde se vergam e giram indecentes raízes (...)

onde a poeta que é Rocío, se espraia de maneira sensual e erótica na imagem ausente do par permanecendo fixa em nossas mentes as imagens, metáforas e similares, de uma maneira estranha, distinta, e por demais nova e atípica. Exemplo.


* um comboio que toca cedo
* tem fachada de telhado tobogã deslizante
*assim desaparafusando o resmungo
*desmontando a ninfa minha nereuda
* "ausentumbre" lhe dizem em meio de encruzilhadas
*onde se vergam e giram indecentes raízes


1. Que poderia dizer aos Leitores de GUATINÍ/PALAVRA FIANDEIRA, sobre este estilo significativo de sua literatura?


Quando abri os olhos, naturalmente à literatura, no momento mesmo em que aprendi a decifrar os signos, li toda a biblioteca de meu pai, uma quantidade volumosa de livros. Então, comecei a existir como leitora. Entretanto, isso não me bastou, dada a sensibilidade ou inclinação que sentia que tenho pelas Letras, eu a chamo "defeito" em linguagem poética. Então, pus-me a escrever aos 9 anos.... e entre andanças e andanças, travessias, desvios, perambulando entre diferentes estilos, traçando pactos de amor com a "senhorita personalidade" (minha poesia, minha amante encantadora), nesses suores, fomos edificando esta linguagem que prende a atenção do leitor.
Em outras palavras, a poesia para mim é um jogo estético, isto é, priorizo a forma, imagens ou símbolos, o conceito... ele no tempo, ele na demarcação, ele no cativeiro, romper a inércia, transtornar, seduzir, corromper a linguagem (A sintaxe) é o segredo.


2. Além do formato papel, sua obra se encontra devidamente recolhida em CDs, outra parte se encontra espalhada pela Internet. Tem Rocío, gosto, ou, colocando de forma um pouco depreciativa, desinteresse, por um ou outro formato?

A verdade das coisas é que não sou uma poeta que se ancora em nenhum formato, todos me parecem esplêndidos, todos reluzem com luz própria para a única finalidade que temos, nós, os operários da palavra, que é difundir nossa literatura.


3. Em certa entrevista, realizada em 2008, publicada na Revista Periferia, você falou sobre a graça e desgraça do escritor, dizendo:


"  A graça do escritor é que está pleno de loucuras inteligentes.
A desgraça do escritor são certas decepções,
1. Em torno de sua criação.
2. O centralismo de seu país, com os quais polemiza."


Acredita, hoje, da mesma maneira, dois anos após, com relação as estas duas atitudes do escritor, tanto consigo mesmo como com a sociedade? Ou crê que, definitivamente, o escritor de hoje deixou de lado suas loucuras inteligentes, — como você chama, e se une a seu, digamos, povo, para saldarem juntos as diferentes contas sociais e espirituais que os atormentam e oprimem?

Sigo pensando igual.


Estas Loucuras Inteligentes me   tem respondido a entrevista.
O escritor, o poeta — o artista, em geral — sempre manteve-se sujeito a uma presença parcial, incompleta, no país que seja, rearticulando a noção de identidade e alienando-a de sua essência. Os conflitos socio-culturais, de acordo com às atividades humanas, organização social, ocupação de espaços, sexo, educação, etc, etc, possamos admitir, constroem a distância entre uns e outros. Usualmente o artista não é valorizado conforme à igualdade entre suas partes, porque primam interesses pessoais, também favoritismo que respondem a um conceito de ordem política.


3. Fazendo um pouco de História, na década de sessenta, e inclusive, em meados de setenta, muitos poetas deram sua vida por essa noção de identidade a qual você se refere; a juventude contemporânea ouve falar de Roque Dalton, Javier Heraud, e inclusive, de Víctor Jara, e tantos outros, sem precisar ao fundo, em seu interior, os valores humanos desta gente.


Falando dos avanços do nosso século, que lhe parece o surgimento do audio-livro? Seria o fim do livro impresso?



O audio-livro a mim parece um formato interessante pensando nas crianças pré-escolares, aquelas que ainda não sabem ler, inclusive mais, quando estão em seus berços, creio que é um apoio nesse sentido. Assim mesmo, não cansa a vista como o E-book, o livro digital, ainda que eu prefira, como disse meu filho, ler um livro em suporte papel e contar-lhe histórias.
Enquanto a desaparecer o livro impresso, penso que não. O mesmo se pensou sobre o livro digital, que acabaria com o livro no suporte papel.
Só haveremos de nos adaptar a esta nova alternativa que oferece a entrega de informação audível, legível, animado, não importa a forma, mas sim o conteúdo.


4. Muitos jovens escrevem suas obras para Internet. O auge literário havido, por meio de Fóruns, Revistas, etc, é realmente positivo para as letras de determinado país?


Desde o princípio até o fim somos e seremos o que somos e seremos. Internet é um espaço substancial no virtual, entretanto, nem todos são poetas nem escritores.


5. Precisamente, enriquece o desenvolvimento literário de cada país este desenvolvimento literário, esta publicação cibernética, ou a publicação em papel de seus livros?


O surgimento e proliferação de redes sociais literárias permite interagir em um espaço intrínseco e virtual a novatos e profissionais da palavra escrita, projetando suas obras até todas as latitudes do planeta sendo representantes de seus próprios países.
Sendo assim, de forma usual, se oferece, se procura e se consome. E é aqui onde aparecem os editores, cibernéticos à caça de primazia com fome de notoriedade, diga-se fama, que sustentem seus bolsos.
É um mercado onde circula de tudo com rótulos diferentes e qualidade literária.

6. Para terminar, querida Rocío, o que parece a você, no mundo brutal, politizado, delituoso, as palavras... Poesia, Amor e Solidariedade?


Por também estar preocupada com isso, é que ministro oficinas de literatura, para manter viva a chama da existência do "outro", e não seduzam às crianças condenando-as à desumanização. Poesia,Amor e Solidariedade são minhas bandeiras de luta.




Rocío L'Amar: Poeta, contadora de histórias, roteirista, gestora cultural, difusora e produtora cultural na Região de Bío Bío. Comentarista de livros nas ondas do rádio e nos espaços escritos. Fundadora e Presidente da Sociedade de Escritores de San Pedro de La Paz. Ex-Presidenta da Sociedade de Escritores de Chile — Filial Concepción. Fundadora e ex-presidenta da Associação de Escritores de Bío Bío. Criadora de Concursos Literários.
Tem publicado em formato Papel e CD. Administra 9 blogs de interesse literário na Internet, para mencionar alguns das múltiplas inquietações socio-culturais, trabalhos educativos e compromisso com a literatura através dos longos anos de gestão cultural e criação poética que vem realizando a partir de 1989, na Região de Bío Bío.


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Rocío L' Amar é também correspondente e colaboradora de PALAVRA FIANDEIRA no Chile.

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ERNESTO R. DEL VALLE



Ernesto R. del Valle.- Camagüey, Cuba.(Reside nos Estados Unidos).
Poeta e escritor, fundador da Brigada "Hnos Saíz". Publicou em diários e revistas de Cuba, Santo Domingo, Argentina e Espanha no Magazine Italiano Gente de Alfonsine Nov. 2010, Nro. 47. Seus poemas aparecem publicados em diversas antologias.
Recentemente obteve o prêmio de contos, no "1er Concurso de Relatos para el Estado de la Florida", auspiciado pelas edições "Vozes de Hoje" .
Tem publicado "Miércoles de Ceniza" — Quartas de Cinza — (Contos) Miami, Ed. Voces de Hoy 2010. É editor da Revista Guatiní.
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TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS
Marciano Vasques
PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

domingo, 20 de fevereiro de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 56

PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA

EDIÇÃO 56
ANO 2- 21/FEVEREIRO/2011
NESTA EDIÇÃO:



NAOMY KURODA

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GALERIA 
NAOMY KURODA

Entrevista para Marciano Vasques
1. Quem é Naomy Kuroda?

— Esta pergunta passou a existir na minha vida há pouco tempo.
Não passava pela minha cabeça esta questão. Passei muitos anos fazendo o que se deve fazer, correndo atrás das coisas que se deve buscar de acordo com as fases da minha vida.
Nunca havia imaginado que existia a possibilidade de não me conhecer,. Não havia percebido que o auto-conhecimento era fundamental em nossas vidas e que isso era o grande segredo para alcançarmos a plenitude do "viver"e do ser feliz. Como poderíamos buscar a felicidade sem ao menos termos conhecimento de quem somos? Como ter consciência do que queremos e do que nos preenche a alma, sem antes entendermos quem realmente somos? Como podemos fazer parte da grande corrente da vida se não visualizarmos de que maneira podemos contribuir através da nossa existência ?
Embora tarde, felizmente esta pergunta passou a fazer parte da minha vida. Não é nada fácil este processo do auto-conhecimento, porém, hoje, posso responder, não exatamente com segurança, mas com cautela quem desconfio que seja a Naomy Kuroda.
Naomy Kuroda é uma mulher muito curiosa e apaixonada por tudo que faz o coração palpitar.
É uma pessoa que ao descobrir que uma das mãos servia para segurar um lápis e a outra o papel, ampliou o seu mundo com a possibilidade de construir um mundo de cores e vidas e percebeu que era exatamente isso que a fazia realmente feliz!
Naomy Kuroda é uma pessoa que tem uma grande admiração, respeito, gratidão e amor ao ser humano, principalmente à vida que proporciona o encontro com estas pessoas maravilhosas.

2. Que homens e mulheres, sentimento ou sensação vivencia quando ilustra um livro ou um texto?

— Na infância, cada vez que desenhava, transformava-me naquele personagem. Enquanto desenhava falava alto como se fosse o personagem, ora afinando a voz para personagens femininos e engrossando a voz para masculinos, era como viver muitas vidas imaginárias através deles. Hoje ao desenhar tenho outros prazeres.
Ao ilustrar um livro sinto a felicidade da conexão com os outros profissionais, o autor, o editor, transformar em imagens, cenas e personagens que uma outra pessoa imaginou e construiu.
Ao primeiro encontro com o texto sinto meu coração palpitar de curiosidade para saber o desafio que ele me proporcionará. Logo depois fico um pouco ansiosa se terei competência suficiente para concluí-la ao agrado de todos os envolvidos, porém relaxo, tento ser amiga de todos os personagens, ficar à vontade e então tudo se torna muito prazeroso. Ao concluir cada trabalho sinto a satisfação de ter feito o melhor, ter cumprido o prazo combinado e de ter participado de um processo de trabalho em equipe que se forma entre o autor, ilustrador e editor. Depois fica aquele desejo de que os leitores recebam com muito carinho um filho que soltamos no mundo. Ilustrar é uma delícia!

3. Como decifra a felicidade em sua vida?

— Por muito tempo tive a falsa sensação de que felicidade é um estado sólido e concreto que uma vez atingido seria inabalável. Por isso mesmo difícil de alcançá-la.
Hoje percebo que a vida é muito mais generosa que isso, a felicidade nos acaricia inúmeras vezes ao dia. Não é preciso esperar por ela. Ela está conosco quando abrimos os olhos ao despertar, ao sentir o meu travesseiro que me apoiou noite adentro, ao sentir a respiração e o calor da pessoa que dorme ao meu lado , ao comer as infinitas delícias que a natureza nos presenteia, ao receber um texto para ilustrar, ao desenhar, ao ensinar a desenhar, ao ver o sorriso lindo dos meus amados sobrinhos, ao receber beijos e abraços carinhosos de tantas pessoas que amo, ao receber um email de alunos e amigos que se encontram no outro lado do mundo... Se eu começar a enumerar, irei constatar que a cada dia a felicidade nos visita inúmeras vezes.
Mesmo naqueles dias que tudo parece estar perdido, a felicidade esta lá ao nosso lado nos apoiando. Eu acredito firmemente nisso!
4. Dedica-se à cozinha, aos prazeres e às delicias, aos aromas dos alimentos. Isso tem algo a ver com a sua infância?

— Já me dediquei muito mais à cozinha do que hoje, pois adoro comer! Sou muito curiosa e gulosa, muitas vezes a gula é muito maior que a minha fome. Quando viajo fico frustrada pois o meu estômago jamais alcança degustar todas as delícias oferecidas. Volto sem poder conhecer tantos sabores! Que desperdício!
Acredito que a gula está diretamente ligada á vontade de viver, de ter prazer de viver!
Penso que quem perde o interesse pelo alimento perde-se um pouco do entusiasmo pela vida!
Cozinhar realmente me remete à infância, às festas de família, o prazer de cozinhar e aprender com a minha mãe. Muitos pratos estão ligados aos momentos saudosos da vida. Lembro que sempre que eu prestava algum exame ou concurso minha mãe fazia pratos simples mas deliciosos como batata cozida com tomate e carne na panela de pressão para que eu não tivesse qualquer chance de um desarranjo na hora da prova. Ao me ver deliciando com os seus quitutes parecia sentir-se plena. Ela ficava sentada na minha frente contemplando a filha se deliciar. Era o amor sendo transmitido através de um prato que com certeza iria me fortalecer para enfrentar a vida. Tem aromas que até hoje sinto-os ao recordar. Bolos deliciosos que minha mãe fazia numa panela de bolo sobre a boca do fogão, pois o nosso forno não funcionava. Sempre acabava queimando um pouco na parte de baixo e isso tornava o aroma delicioso. Doces orientais de feijão "azuki" que minha mãe fazia eram únicos e sei que nunca mais poderei saboreá-las pois só ela conseguia preparar daquela forma, com todo empenho e amor. Ela deve estar fazendo estas delícias para todos que estão lá no Céu. Alimentos são essenciais nas nossas vidas assim como o amor!
5. Entre os infantis que ilustrou pode comentar sobre "O Dedal da Vovó"? 


— "O Dedal da Vovó" é o meu primogênito, o primeiro livro que ilustrei.
Quando descobri a arte da ilustração, me empenhei em me informar sobre todos os canais que levassem ao conhecimento mais aprofundado sobre esta arte.
Conheci a CELIJU- Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil. Escritores e ilustradores renomados de Literatura Infantil e Juvenil se reuniam na Biblioteca Monteiro Lobato (São Paulo) para estudos, palestras e reuniões. Eu, ainda era apenas uma curiosa e pretendente a me tornar uma ilustradora. Comecei a frequentar às reuniões muito timidamente, sentava no cantinho da sala, mas sempre na primeira fileira para não perder nada. Lá estavam Nelly Novaes Coelho, Lúcia Pimentel Góes, Eva Furnari, Camila Cerqueira César, Maria Heloísa Penteado, e tantos outros escritores e ilustradores respeitáveis. E eu um  peixinho totalmente fora d'água. Lúcia Pimentel Góes e a Camila Cerqueira César que eram uma das coordenadoras logo perceberam a minha presença e gentilmente vieram falar comigo e generosamente me inseriam ao grupo. Numa das nossas conversas a Lúcia percebendo a minha enorme vontade de ilustrar convidou-me para visitá-la na sua casa e lá me ofereceu um texto seu para que eu ilustrasse totalmente sem compromisso, se ficasse bom ela iria batalhar uma Editora. Quando mostrei o boneco do livro ela gostou e ofereceu ao Lino de Albergaria , Editor da FTD, na época e Cláudio Cuellar, Editor de Arte da FTD. Assim nasceu o livro "O Dedal da Vovó".
Hoje, sinto muita alegria quando meus alunos adultos se surpreendem ao descobrir que eu sou a Naomy Kuroda ilustradora deste livro que eles leram na infância e que segundo eles, gostavam muito.

6. Há uma suavidade, uma delicadeza, um frescor em sua arte que combina com a pessoa que demonstra ser em seus textos. Isso confere?

— Fico muito lisonjeada e feliz quando alguém me qualifica como uma pessoa delicada e suave. Ainda talvez por falta de auto-conhecimento nunca me defini assim.
Sempre tive a sensação de que sou uma pessoa rude, dura e batalhadora correndo atrás das coisas que me são importantes. Mas muitas pessoas me definem
como delicada e suave, realmente fazem um paralelo com a minha personalidade e os meus desenhos, então sinto que estas definições são reais pois os desenhos, assim como os meus textos, são as mais puras projeções da minha alma.

7. Também é professora de desenho. Como exerce essa função ou atividade?

— No início tive muito receio e medo se eu teria capacidade para orientar as pessoas a desenharem, afinal eu ainda tenho muitas incertezas e indagações a respeito disso.
Mas com muita surpresa percebi que ao fazê-lo brotam de dentro de nós tantos conhecimentos, tantas experiências guardadas em algum canto do nosso cérebro que por vezes havíamos esquecido que possuíamos, e ao ensiná-los tais conhecimentos e experiências se fazem teoria. Muitos alunos chegam com a preocupação de que desenhar é uma coisa de outro mundo com a sensação de que para saber desenhar teria que nascer com um dom especial. Mostro a eles que desenhar é saber olhar, observar a natureza, a vida, saber imaginar e se utilizar de algumas técnicas que facilitarão a desenhar. Assim eles terão a grata surpresa ao constatar que havia um desenhista dentro deles bastava acordá-los e com dedicação colocar em prática. Quando meus alunos finalizam um trabalho soltam um suspiro de satisfação e dizem que quase não conseguem acreditar que foram eles que desenharam. O sorriso que me dirigem nestes momentos é muito gratificante.

8. Costuma receber comentários de autores dos livros que ilustra?



— Sim, alguns, mas não é frequente, o que acho uma pena, eu gostaria que houvesse mais contato, embora eu não saiba precisar se isso seria benéfico ou não.
9. Já passou pela sua cabeça fazer um audiovisual, um desenho em curta metragem, ou algo assim?



— Olha, nunca havia pensado nisso mas através desta pergunta me deu uma vontade de acreditar que um dia isso possa ser possível!

10. Ilustrou pela FTD "A Raposa e as Uvas". Gosta de fábulas?  

— Fábulas são a nossa infância, penso que é uma forma encantadora de entrar em contato com grandes ensinamentos e com todas as sinuosidades da vida.
Talvez quando entramos em contato com as fábulas na infância não conseguimos visualizar completamente todos os recados que ela contem, no entanto, com certeza, em algum momento da vida iremos entender, a cada ocasião que enfrentarmos situações que nos remetem àquelas fábulas, iremos recordar, pois acredito que tais ensinamentos estarão bem incutidos dentro de nós.
11. Já ilustrou livros de Poemas infantis?

— Nunca, seria um desafio bastante interessante!
12. Qual a primeira obra que ilustrou?

— Como respondi na pergunta 5 foi o "O Dedal da Vovó". Já havia ilustrado alguns livros de livro didático de autores independentes, mas a primeira obra que ilustrei em esquema de Editora foi o "O Dedal da Vovó".


13. Também ilustrou um conto enigmático de Andersen, "A princesa e a ervilha". Como vê a importância dos contos clássicos na formação da criança hoje?


— Eu acredito que independentemente da época em que vivemos, da tecnologia que temos acesso, criança é sempre criança, portanto a necessidade básica da formação humana, cultural
é sempre igual. Clássicos são clássicos pois sobreviveram ao tempo, portanto eu creio que a necessidade e a importância deles serão sempre inabaláveis.

14. Como ilustradora, acompanha a produção cinematográfica
 dirigida ao público infantil?

— Sim, não só por ser ilustradora, mas por gostar muito. São lindos, sensíveis e muito prazerosos! Gostei muito de "UP- Altas Aventuras", "As aventuras de Azur e Asmar" e todos do Hayao Miyazaki, principalmente "O Castelo Encantado".


Imagem do filme UP - ALTAS AVENTURAS
15. Tem algum livro que poderia citar, cuja leitura possa de uma forma ou de outra ter influenciado o seu pensamento ou a sua vida?

— Muitos livros influenciam nossos pensamentos, até nossas ideologias. Um dos livros importantes na minha vida foi "Quando meu irmãozinho nasceu" de Walcyr Carrasco com ilustrações de Walter Ono. Até encontrar -me com este livro, dentro da minha ignorância, eu tinha a falsa sensação de que ilustração de um livro sempre deveriam ser desenhos realistas e acadêmicos. Quando encontrei este livro ilustrado graciosamente em traços livres, soltos apenas em preto e branco mas que ilustrava magníficamente a história, senti que havia encontrado tudo que eu sempre procurei como profissão. Outros livros foram bastante importantes na minha vida. "Metamorfose" de Franz Kafka, "O Capote" de Nicolai Gogol, livros de crônicas de Ruben Alves, "Dois irmãos" de Milton Hatoum, "Duas Vidas, dois destinos" de Katherine Paterson e tantos outros livros têm me ensinado sobre a vida.
Livro sempre é um presente para a nossa vida!

16. Poderia nos resumir o que é ou foi a ABRADEMI ? De que forma a sua vida ou carreira tem algo a ver?

— ABRADEMI — Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustração — foi o primeiro grupo de profissionais de Mangá(HQ japones) e Ilustração que conheci. Foi numa época em que nada sabia sobre profissionalização do desenho. Cheguei à primeira reunião para a formação da Associação ,crua, sem nenhum conhecimento da profissão mas muitos que lá estavam reunidos já eram profissionais.
Conheci alguns ilustradores que trabalhavam na Abril Cultural como desenhistas internos, e também muitos ilustradores free lancers que nestes encontros nos ensinavam "dicas" sobre materiais profissionais de desenho. Até então eu conhecia lápis-de cor, guache, aquarela e papel canson apenas escolares. Fui adquirindo aos poucos materiais profissionais que eles me orientavam e passei a finalizar meus desenhos de uma forma mais apresentável profissionalmente. Participei de algumas exposições organizadas por esta Associação, eventos realizados  na Sociedade Cultural Brasil Japão e no MASP Museu de Arte de São Paulo.
Foi um grupo de profissionais que muito me incentivaram para dar segmento à minha busca profissional.

17. Participa, é membro, de uma Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil. Poderia, por gentileza, expor brevemente qual é, para você, a importância de uma entidade assim para os autores?

— A profissão de Ilustrador é muito isolada pois quando somos free lancer, trabalhamos em casa, sozinhos e muitas vezes embora tenhamos alguns amigos ilustradores não temos muita dimensão de onde estamos inseridos. Quando somos membros de uma Associação assim, sentimos uma comunicação, obtemos a facilidade de informação, o calor de fazermos parte de uma classe, uma família e isso é muito bom.

18. Quais os maiores problemas enfrentados pelos artistas ilustradores no Brasil?

— Bem, para mim, o maior problema que sinto é a concentração da oferta de trabalho num período do ano. Temos época do ano em que ficamos em off e de repente chegam períodos que as ofertas de trabalho se intensificam impossibilitando aceitarmos todos os trabalhos oferecidos. O que é uma pena!

19. Ilustra Livros didáticos, infantis, etc, mas atua com a sua arte em outros "produtos"? Ou seja, já ilustrou capa de CDs, por exemplo, ou pensou sobre?

— No início da minha carreira ilustrei para tecelagens. Lembro que ia pegar trabalho (não tínhamos internet) numa zona industrial muito distante da minha casa. Fazia desenhos infantis para lençóis e toalhas infantis. Hoje tenho vontade de ilustrar para algum outro produto também, vamos pensar.

20. Tem opinião formada sobre o futuro do livro de papel? Ele resistirá ainda alguns séculos?

— Sou uma pessoa que gosto bastante de tecnologia e de novidades mas sinceramente eu ainda acho difícil que os livros de papel sejam totalmente substituídos por tablet ou algo assim.`
Pelo menos eu gostaria que os livros de papel resistissem por muitos séculos ainda.

21. Você tem um atelier? Ensina desenho para crianças?

— Não, não tenho atelier nem dou aulas de desenho para crianças. Preparo alunos num atelier de desenho artístico e alunos que vão prestar vestibular em Faculdades de Artes que passarão por provas de Conhecimentos específicos de desenho.

22. Há alguma ilustração de algum livro infantil que tenha lido quando crianças, que marcou a sua sensibilidade a ponto de segurar as imagens em sua memória?

— Sim, muitas imagens guardo-as na minha memória, a maioria são de livros de contos e lendas japoneses que minha mãe nos presenteava. Recordo que nelas era muito nítida a presença do bem e do mal na fisionomia dos personagens. Eram ilustrações alegres, coloridas e bastante ingênuas. Como não tínhamos uma situação financeira que poderíamos comprar quantos livros quiséssemos, quando ganhávamos livros, folheávamos incansavelmente por centenas de vezes.

23. Gostaria de falar algo sobre os desenhistas de Histórias em Quadrinhos no Brasil, visto que temos uma produção histórica fascinante, inclusive no "ramo" das histórias de terror?

— Na época que fazia parte da ABRADEMI conheci alguns desenhistas de HQ e observava que levavam uma carreira muito difícil, mas tinham muito amor pelo que faziam. Era uma batalha bastante difícil mas não desistiam jamais. Achava admirável e quase heróico a atitude destes desenhistas. Hoje vejo que HQ está bem mais difundido, mais aceito por várias Editoras inclusive o Mangá (HQ japonês).
É muito interessante como os conceitos mudam em alguns anos. Na minha época de adolescência, quando mostrava os Mangás para minhas amigas ocidentais elas estranhavam aqueles desenhos de personagens com olhos enormes cheio de estrelas e pernas super compridas. Hoje vejo que estes mesmos desenhos são muito aceitos pelos jovens.


24. Considera que a Literatura Infantil é apenas para crianças ou o leitor adulto também pode extrair algo da leitura de um livro infantil?



— Jamais eu diria que Literatura infantil é apenas para crianças, pois eu nunca me distanciei dela. Em todos os momentos da minha vida livros infantis fizeram parte, não apenas pela minha profissão, mas por que acredito que Literatura Infantil é a literatura mais poética, mais encantadora aproximação com a arte escrita. Acredito também que ninguém deixa de ser criança, talvez alguns até esqueçam como é ser criança, mas todos têm guardados dentro de si a alma da pureza infantil. Eu realmente acredito nisso.

25. Ainda há no "Brasil Intelectual" preconceito contra a literatura infantil, durante muito tempo considerada por muitos uma literatura menor?




— Eu penso que não devemos perder o nosso precioso tempo com pessoas que assim pensam pois tenho a certeza que quem está perdendo com tudo isso são eles.
Nós que adoramos e consideramos a Literatura Infantil como Literatura Maior é que estamos enriquecendo nossas vidas.

26. Quando, em que momento na sua vida ou na sua infância surgiu a certeza ou a impressão de que as cores e os traços fariam parte de sua vida?



— O desenho em si não consigo saber como foi que entrou na minha vida, pois até onde a minha memória consegue retroceder, talvez 4 anos (?), eu já rabiscava paredes, chão e qualquer coisa que possibilitasse riscar. A minha família sempre respirou arte, meu pai era fotógrafo profissional, tinha vontade de seguir a fotografia artística mas desistiu e optou pela fotografia comercial, opção de retorno financeiro mais seguro, segundo ele, para possibilitar a criação dos filhos. Minha mãe era uma artista em todos os aspectos: era retratista espetacular, pintora, escultora, poetisa na língua japonesa com algumas letras de música premiadas em concursos da colônia japonesa. Desenhar sempre foi incentivado assim como Literatura e a escrita. Quando criança eu e a minha irmã costumávamos escrever textos em língua japonesa e participávamos de concursos e em algumas nos saíamos muito bem. As cores entraram na minha vida quando minha mãe me ensinou a utilizar os pincéis e as tintas para ajudá-la a colorir fotografias para os clientes do meu pai. Eu acredito que tinha aproximadamente seis anos. Foi numa época em que não existiam fotografias coloridas então pintávamos sobre ela com uma espécie de tinta aquarela especial americana para fotografias. Os clientes ficavam muito satisfeitos. As cores e os traços sempre fizeram parte da minha vida e se Deus quiser sempre fará parte da minha trajetória!
27. Tem alguma pergunta que não foi feita que gostaria de fazer para Naomy Kuroda?

— Gostei bastante de todas as perguntas, foi muito interessante respondê-las me despertando para muitas coisas.
Todavia, irei acrescentar, a seguir, mais duas perguntas que eu gostaria de fazer para Naomy Kuroda.

28. O que provoca a sua inveja e admiração?

— Tenho inveja e admiração, estes dois sentimentos antagônicos por uma única coisa. "As pessoas que desde muito jovem sabem exatamente o que querem da vida ou na vida"!
Como disse no início da entrevista, passei muitos anos da minha vida sem perceber que podemos "escolher" se soubermos o que queremos.
Quando encontro jovens, já com a carreira escolhida, segundo a sua própria vontade e se dedicando de corpo e alma nela, tenho estes dois sentimentos. Tenho vontade de dizer a eles
o quanto são contemplados por isso. Na nossa vida temos várias alegrias, satisfações e prazeres mas vejo que a profissão, a realização profissional, não apenas o retorno financeiro, mas o prazer que a profissão nos fornece é uma das felicidades mais singulares e particulares que sentimos. É por isso que devemos tanto cuidar dela com muito carinho e amor.

29. O que ainda tem como meta aprender?


— Tenho ainda inúmeras coisas que preciso aprender: como nadar, andar de bicicleta..., mas o que eu tenho muita vontade de aprender é sobre a Música.
Adoro ir aos concertos musicais, mas sou totalmente leiga. Tenho como objetivo estudar sobre música clássica e óperas. Gostaria também de me empenhar em aprender a tocar um instrumento musical. Há alguns ano me dediquei em aprender a tocar órgão eletrônico, tocava até bem, mas acabei priorizando a ilustração pois as duas coisas requeriam muitas horas de dedicação.
Música, assim como o desenho, é a arte que me dá muito prazer!


30. Que palavras ou mensagem deixaria para os leitores de PALAVRA FIANDEIRA?

— Pelos anos que caminhei pela vida, até hoje, o que ficou muito claro para mim é que devemos lutar sempre para conseguirmos viver felizes e satisfeitos independentemente de bens materiais
e para isso devemos lutar, construir a nossa vida de uma forma que a nossa profissão não sirva apenas para ganhar o nosso sustento, mas para termos orgulho do que fazemos profissionalmente,
sermos felizes a cada produto que sai para o mundo através das nossas mãos. Passamos quase a metade do nosso dia trabalhando, seria muito triste passarmos tantas horas fazendo algo que não gostamos. Evidentemente, muitas vezes fica difícil conciliar o ganha pão com a nossa paixão, no início talvez até precisamos fazer concessões mas devemos sempre manter este objetivo em nossa mente e correr atrás.


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PALAVRA FIANDEIRA 
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA 
FUNDADA PELO ESCRITOR MARCIANO VASQUES
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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 55

PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA LITERÁRIA DIGITAL
EDIÇÃO 55
ANO 2 —  18/FEVEREIRO/2011

NESTA EDIÇÃO:


MÁRCIA KUPSTAS

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A PALAVRA FIANDEIRA DE 
MÁRCIA KUPSTAS

Entrevistada por Marciano Vasques


1. Quem é Márcia Kupstas?


— Uma mulher que tinha o sonho de escrever, desde que era muito criança. Levou um bom tempo pra entender que se pode dedicar tempo aos sonhos e à realidade. Casou; descasou, teve filhos e encontrou a felicidade pessoal num lugar paradisíaco em Ubatuba, ao lado do Paulo, seu novo companheiro. 


2. Seu primeiro livro foi "Crescer é perigoso". Poderia, por favor, nos falar sobre ele?


—Tenho IMENSO carinho por CRESCER É PERIGOSO. Na época, lecionava no colégio Bandeirantes, capital de São Paulo, e tinha mais de 1000 (é sério, mil mesmo) alunos, boa parte deles orientais. Daí a inspiração para o Gustavo, um 'japonesinho' tímido, deslocado com o estereótipo de c-d-f, louco pra namorar, ter amigos, fazer alguma bagunça, sair do meio "nipônico" tradicional... o livro fez grande sucesso na época e detonou minha carreira. Ganhou o Prêmio Revelação Mercedes-Benz de 1988.


3. Alguns de seus livros têm no título a palavra "beijo" (O Primeiro Beijo; Clube do beijo...), parecem ser obras dedicadas ao público juvenil. Assim sendo, fale-nos da recepção desse público aos seus livros.

— Gosto de escrever para jovens. Acredito que é a nossa primeira grande aventura, a de adolescer. Todo mundo tem seu primeiro beijo, primeira decepção amorosa, primeiro grande amor... esses temas atraem e seduzem e modéstia à parte, acho que consigo "ler" a alma jovem com dignidade e realismo.


4. Já recebeu alguns prêmios literários. Poderia, por gentileza, nos contar sobre alguns deles, embora, claro, todos tenham sido importantes em sua carreira.
  
— O primeiro e maior foi o Mercedes-Benz, até porque era a estréia, só havia 2 prêmios e mais de 500 livros concorrendo. Depois o Orígenes Lessa, aí uns prêmios em concursos de contos e o jabuti em 2004, com ELES NÃO SÃO ANJOS COMO EU.


5. Como escritora, naturalmente está inserida no seu tempo. Dessa forma, como é a sua atuação na Internet? Tem blog? Site? Mantém intercâmbio com poetas? Participa de sites de relacionamentos? Enfim, como  pode ser encontrada no mundo virtual?

— Sou uma mulher das cavernas, em termos de informática. Tenho um site básico, biográfico e respondo e-mails com grande satisfação, do mesmo modo que respondia cartas. Abro alguns sites, faço compras pela internet, leio notícias em sites informativos, mas não assino embaixo da exposição gratuita que a internet propõe, na qual quase todo mundo se sente celebridade, conta tudo, diz o que acha de tudo, onde foi o que fez... entrei e saí do FACEBOOK, detestei a experiência. Gosto de preservar minha intimidade, prefiro contatos mais seletivos.


6.  Hoje, ao entrevistá-la, senti saudades do seu livro 9 cois@s e-mail que eu odeio em você , que li quando era Professor Orientador de Sala de Leitura, e lembro-me de como os jovens do "ginásio" o disputavam para os empréstimos. Poderia falar aos nossos leitores sobre a abordagem dessa obra?

— É legal, né? À época, meu filho tinha uns 16 anos e minha filha uns 7. Ele vivia apoquentando a menina, e disse um dia que ia vendê-la por internet, ela ficou furiosa... daí veio a inspiração, as maldades masculinas e as respostas femininas, num jogo de vai-e-volta em correspondência bem franca. Acho que a guerra entre os sexos ficou expressiva no livro, não só para pré-adolescentes; de certo modo essas dualidades masculinas/femininas prosseguem pela vida afora. 


7. Realiza Palestras e Conferências por esse Brasil afora, participando de Bienais do livro, e outros eventos. Como é para você, em termos de satisfação interior, esse contato e essa atividade?
  
— Já fiz muito, viagens demais, participei demais desses eventos. Hoje também sou seletiva, até porque moro em Ubatuba e aceito convites ou que são mais próximos (como a Feira de Parati, que fica a 100 km daqui) ou a Feira do Livro de S. José dos Campos, que será em abril de 2011, também perto.

8. Participou  de dezenas de encontros nos CEUS (Centros Educacionais Unificados). Como foi esse contato na periferia? De que forma essa experiência contribuiu com a sua Carreira Literária?


— Fiquei fã "de carteirinha" dos CEUs. É uma grande experiência educacional, reunindo escola/teatro/piscina/biblioteca tudo num mesmo ambiente, para alunos e comunidade. Pena que o projeto carecia de grande injeção de $ e o governo seguinte cortou muitas verbas. Torço para que seja de novo privilegiado.


9. Já realizou centenas de visitas em escolas. Quando começou essa peregrinação? Lembra qual a primeira escola que visitou?

— Não lembro... foi muito mesmo. Acho que é um caminho importante, ainda mais em começo de carreira, para o escritor "testar" seu público.  Hoje praticamente não faço mais visitas, os convites são muitos e acabam atrapalhando a concentração, no processo de escritura. 


10.  Muitos autores influenciaram a sua vida, e exercerem sobre você um fascínio e um apreço pela leitura. Poderia citar alguns desses escritores?

— Na infância, Lobato. Adorava tanto os seus livros, que ganhei a coleção inteira como  presente de natal e aniversário, um ou 2 por data. Depois, era sócia com mamãe da biblioteca Ambulante do SESI, uma kombi que parava no bairro, lotada de livros. Descobri grandes autores, que amei: José Mauro de Vasconcelos (infelizmente meio esquecido hoje), Agatha Christie, John Stenbeck,  Jack London, Ernest Hemingway. Mais velha, achei o Rubem Fonseca, Stephen KIng, Mario Vargas Llosa, Dean Koontz, Gabriel Garcia Marquez,  e mil outros, sou leitora voraz.

11. Participou da Revista Capricho. Escrevia histórias? Crônicas?  Recebia cartas de leitoras? Qual foi a sua contribuição literária para com a publicação?

— Tive uma coluna, HISTÓRIAS DA TURMA, por 3 anos. Eram contos curtos com a mesma galera, que morava num prédio e dividia descobertas, romances, confidências... o pessoal mandava cartas, colocava leitores como coadjuvantes, foi bem legal. Hoje existe em livro, pela ed. Atual.

12. Você é descendente de Russos, e de Ucranianos. Qual a influência desses povos em sua formação cultural? Ouvia histórias e Lendas quando criança?

— Minha avó morou conosco até meus 18 anos, quando ela faleceu, então a convivência foi grande. Ela era grande conversadora, lembrava de detalhes da Europa, da primeira Guerra Mundial, começo de imigração nos anos 20/30, contava lendas russas, foi um universo de histórias que ela me revelou. 
  
13. A leitura de autores diversos como Edgar Allan Poe, Agatha Christie, Conan Doyle, certamente trouxe algum despertar em você pela literatura policial ou de suspense.  Mesclando isso com o seu prazer em escrever ao público juvenil, é correta a afirmação de que essas leituras em sua adolescência e formação cultural, influenciaram em algum aspecto o seu fazer literário?

— Talvez menos do que eu mesma gostaria. Acabei criando histórias mais  emotivas e familiares do que de suspense/terror. Vai sair um grande livro nessa área, em que de certa forma resgato essa influência, chama-se A GENTE MATOU O CACHORRO? , pela ed. Salesiana.

14. Muitos não reconhecem de forma adequada o valor da Literatura Infantil, chegando ao disparate de a considerar uma arte menor. Outros reconhecem seu valor legítimo e imenso. Acredita que a Literatura Infantil seja exclusivamente para crianças, ou o adulto poderá dela usufruir?

— Sem dúvida, está aí o imenso sucesso de HARRY POTTER no mundo todo que não me deixa mentir. Acho que existe sim muito preconceito, aquele papo de crítico, de "arte menor" e "arte maior'... grandes autores "clássicos" de hoje eram populares em seu tempo e sofreram isso. José de Alencar,por ex, era chamado até de analfabeto pela ELITE PENSANTE de sua época porque vendia jornais, era reconhecido pelo público... o tempo separa joio do trigo, muita gente do "infanto-juvenil" vai ficar para o futuro, pode crer, e será reconhecido, APESAR da crítica.

15. Uma polêmica que aos poucos vai se desbotando é a questão da sobrevivência do livro de papel diante do avanço e do domínio da tecnologia. Para você, o livro no seu formato de papel desaparecerá com o tempo?

— Creio que sim, ou pelo menos vai conviver com dificuldade com o e-book. Mas isso não atrapalha, livro já foi em papiro, em rolo... nada impede  que boas histórias continuem sendo escritas e desfrutadas, seja no formato que for.


16. Participa de alguma entidade de defesa dos interesses dos escritores? 
 

— Não. Sou sócia pro-forma de uma delas, mas não sou lá muito sociável... acho que escritor não é bem uma classe sindicalizável, creio que se quisesse lutar por uma causa comum seria a de não taxar direito autoral como renda, no mais, é cada um batalhando seus próprios trabalhos. 

17. Uma de suas obras tem um título sugestivo: "É preciso Lutar". Sobre qual tema trata esse livro?

 —É um livro legal, ganhou o prêmio Orígenes Lessa, Altamente Recomendável para jovens. É a luta de moradores de uma rua para impedir que uma árvore seja cortada por um motivo fútil. O livro está também em Frankfurt, na biblioteca mundial deles , como Altamente Recomendável também.


18. Também escreve poesia? É verídico ou um pouco lendário certo argumento editorial de alguns de que poesia não vende? Isto é, tem veracidade, tem consistência tal argumento? No caso afirmativo, haveria então uma falta de interesse pela poesia entre nossos contemporâneos?

— Gosto de ler poesia, mas não escrevo. Sou verborrágica, narrativa. Não é minha praia.

19. Seja um livro de poesia, um  para o leitor juvenil, uma obra infantil...: o que deve ter um livro para que seja atraente?

— Um livro tem de ser honesto. As obras nascem das vísceras do escritor, quem é formalista e não sente a obra, geralmente escreve mal e é mal aceito pelo leitor. Personagens bem criados, reais, convincentes, seduzem o leitor e geralmente protagonizam grandes enredos. 


20. Tem algum livro contemporâneo ou clássico, que gostaria de ter escrito? Que você, após ler, poderia dizer assim: "Como queria eu ter sido a autora desse livro!"?

Muitas vezes penso isso, de tanta gente! Fica até chato citar um.

21. Márcia, além do prazer e da alegria que a leitura causa, no caso da Literatura o que mais deve ela  trazer ao leitor?

— Histórias são maneiras de você aprender sobre sentimentos. Gosto de sugerir a  questão: imagine se você tivesse de sentir na pele, dos 8 aos 18 anos, todos os sentimentos humanos, bons e ruins. Você ficasse órfão e se sentisse solitário, abandonado, com medo, carecesse de proteção, amizade, enfrentasse rejeição, raiva, ódio, depois descobrisse a paixão, a perda, o ciúme etc... provavelmente lhe diriam para escrever uma biografia, tão incomum é sentir tudo na pele. Com os livros, nós aprendemos sobre sentimentos através dos outros, dos personagens que nos são espelhos das emoções. Acho - como já disse Stephen King - que uma boa história, no momento certo em sua vida, pode salvar a sua alma.


22. O que é para Márcia Kupstas a felicidade?

— É viver em Maranduba, curtir a minha praia quando tem pouca gente, dormir cedo, caminhas bastante, escrever coisas que me atraem, namorar o Paulo, ler bons livros. Ah, e um comercial, por favor! Somos  donos do CHALÉS PAUMAR, que tem 4 aptos para alugar em temporada, 2 kitinetes e 2 unidades de 2 quartos. Se alguém quiser conhecer um pouco desse paraíso, apareça! O fone é 012 3849-5262

23. Enredos e dramas juvenis e adolescentes estão, como já vimos, em seus livros. Fazem parte da sua trajetória de escritora. Quando surgiu esse interesse pela alma adolescente?

— Acho que ainda sou adolescente. Tenho grande empatia com esse período de descobertas, de paixões tão fortes, de tamanha insegurança diante do futuro... gosto de retratar gente que tem um "rito de passagem" e aprende a enfrentar a vida, através desse momento decisivo.


24. Além de escritora, é professora. Pode nos falar sobre a sua atuação na área educacional ou acadêmica?

— Lecionei durante dez anos em grandes colégios da capital, mas desde 1992 tive de decidir entre a carreira literária e a acadêmica. Aí fiz minha escolha pelos livros, entro nas escolas pelas suas páginas ou em eventuais projetos, como  palestras ou oficina para professores.

25. Além do que já é feito no plano institucional (compra de livros pelo governo — Notável!, etc) que outras iniciativas poderiam contribuir para facilitar o acesso do brasileiro à leitura?

— Preço. Livro em banca é uma boa, livro como presente em catálogo tipo Avon, venda de porta-em-porta... dessacralizar o livro, tirar o peso de entrar em livraria (pouquíssimas!). Acho que a Internet facilitou bastante isso, mas ainda é pouco. Deveria haver mais livros na televisão, novelas com personagens lendo e divulgando livros que gostem, entrevista com escritores (nesse ponto, um brinde ao Fausto Sival, sempre citando alguns livros em seu programa)

26. O preço de capa sistematicamente foi usado como justificativa para o não acesso do brasileiro  ao livro. Tudo bem: o livro realmente é caro. Mas, poderia apontar outro motivo que possa ser posto como empecilho, barreira, para a democratização e a expansão da leitura?  

—Tradição cultural é uma coisa que pesa. Somos um povo visual (visto o sucesso da TV) e a leitura requer pré-requisito, alfabetização, tempo introspectivo, modelo de incentivo... pais que não lêem dificilmente terão filhos leitores. Há muito que fazer nesse campo.

27. No gancho da pergunta anterior, com relação ao CD (Música), e ao DVD (cinema, filme) a pirataria se expande. Além de ser um problema de ordem cultural, evidentemente, é também de causa social, visto o preço de DVDs originais. Caso ocorresse com o livro tal coisa, ou seja, caso houvesse o alastramento de livros piratas num  contexto no qual que a leitura tivesse a penetração que tem a Música e a cultura de entretenimento na alma do brasileiro, isso, a pirataria de obras literárias vendidas em camelôs, causaria uma revolta entre os escritores, considerando o anseio natural de cada poeta por ser lido?

— Questão complicada, essa... de certa forma somos pirateados pelo xerox, em "n" escolas. Mas a bandalheira em excesso  foi coibida, apesar de que hoje você também tem a chance do pessoal baixar livros em alguns sites... eu mesma descobri o CLUBE DO BEIJO, com capa e tudo, num site, reclamei, tiraram, mas... é difícil. O negócio é o leitor/fã se conscientizar de que pode ter acesso ao livro através de sebo, biblioteca etc sem precisar do pirata. 

28. Teria algum projeto literário em andamento, algum livro em mente, ou então algum sonho, que poderia nos antecipar e revelar aos leitores?

— A GENTE MATOU O CACHORRO? está em provas finais, vai para livrarias mês que vem. Depois, tantos projetos! Vou amadurecer mais as ideias. 


29. Para terminar, que mensagem deixaria aos leitores de PALAVRA FIANDEIRA?


— Não desistam da leitura. Mesmo que haja falta de tempo, ansiedade, muita coisa a fazer, encare alguns minutos com os livros como uma prioridade na sua rotina. Como disse antes, citando Stephen King, uma boa história, no momento certo em sua vida pode salvar a sua alma. 

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PALAVRA FIANDEIRA —
Fundada pelo escritor Marciano Vasques