EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 26 de abril de 2014

PALAVRA FIANDEIRA 151

Detalhe de ilustração de livro infantil da CORTEZ


e toda escolha é difícil e delicada 
Obra de Rodrigo Abrahim

Em minha experiência na Educação e pelo país, 
observo que as pessoas gostam, sim, de ler.



PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Publicação digital de divulgação cultural
EDIÇÕES SEMANAIS
ANO 5 — Edição 151
26 ABRIL 2014

AMIR PIEDADE

1.Quem é Amir Piedade?

—Primeiro sou professor, depois editor. Gosto muito de apresentar-me assim. Há uma identificação imediata das pessoas com os professores. Ainda exerço e com muito prazer a docência no Ensino Fundamental e também no ensino superior. Paranaense por nascimento e paulista por escolha, sou apaixonado por São Paulo, pela sua gente, pela agitação e correria da cidade, pelos museus, pelos bares, pelos teatros, bibliotecas, pela vida pulsante.



2.Como é ser um editor?

—É um trabalho de seleção. Ler, analisar e separar aquele original que você considera o mais indicado naquele momento para a editora e para o leitor. Isso significa deixar muitos, muitos originais – com excelente qualidade – de fora. É sempre uma aposta. Não há certeza nem garantia que o original selecionado será um sucesso. Não há uma fórmula para resolver o melhor modo de selecionar. E, penso sempre na tristeza do autor e da autora quando recebem a negativa de publicação. Tenho uma brincadeira que diz que se o livro vende bem os departamentos de vendas, marketing e divulgação fizeram um bom trabalho, mas se o livro não vende, o editor escolheu errado. Se o editor aprova um original e ele não vende, deu prejuízo à editora. Se ele devolve o original que é publicado por outra casa editorial e vende bem, deu prejuízo indireto à editora. É sempre uma escolha e toda escolha é difícil e delicada e traz ônus.


Na Bienal do Livro
3.Qual o primeiro livro que você aprovou?

—Foi O sonho da bolinha de gude, de Eunice D’Amico, na editora Ave-Maria.

4.Comente sobre os 10 anos de Literatura Infantil da CORTEZ, uma história da qual você faz parte.

—Trabalho na Cortez Editora desde 2001, como editor da Coleção Docência em Formação, coordenada pela prof. Selma Garrido Pimenta. É uma coleção voltada para a formação inicial na graduação e formação contínua de professores na Educação Básica. Em 2003, quando a editora decidiu abrir uma coleção de literatura infantil e juvenil, como eu tinha experiência de criação de catálogo de literatura infantil (Editora Ave-Maria e Editora Elementar), fui convidado pelo senhor José Xavier Cortez, presidente da editora, para iniciar essa tarefa com uma orientação “Faça livros que não fujam à linha editorial da Cortez, que promovam a reflexão, o debate, mas também o despertar para a leitura”. Com essa ordem pus mãos à obra e chamei autores e ilustradores para desenvolverem o projeto inicial. Contei ( e conto até hoje) com o auxílio inestimável do Mauricio Rindeika Seolin, meu editor de arte, mais o talento de excelentes revisores. A Coleção saiu com o slogan “Ler, gostosa brincadeira!”. Foi tão feliz o projeto que o jornal O Estado de São Paulo, conheceu vários títulos antes do lançamento oficial em 24 de março de 2004, e no dia anterior, deu destaque na primeira página do Caderno 2, comentando sobre o ousado projeto de literatura, os autores e ilustradores. Pronto! As escolas, livrarias, órgãos públicos etc tomavam conhecimento do nascimento da coleção. Isso ajudou a divulgação de uma forma espetacular.


CORTEZ: Dez anos de Literatura Infantil

5.Conte, por gentileza, aos leitores da FIANDEIRA, sobre a sua ida a Bolonha, e que significado teve esse acontecimento, não apenas em sua vida, mas na Literatura Infantil, expondo a importância desse evento para o livro do Brasil.

—Desde que fui à Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, observei que lá é uma grande universidade do livro infantil. Você  conhece o trabalho de editoras do mundo inteiro. Vê a beleza das imagens, os projetos gráficos, o cuidado primoroso na edição. É um encanto para os olhos, uma compreensão literária para a alma!
No caso da Cortez Editora, há um projeto de internacionalização dos autores e ilustradores brasileiros. Por isso, vamos sempre com o objetivo de vender direitos autorais, não de comprar. E tem dado muito certo. Vendemos mais de treze títulos para Estados Unidos, Colômbia, Espanha, Egito, China.
Para o Brasil é o momento de mostrar o que nossos autores e ilustradores produzem e que não ficamos devendo nada aos livros publicados no exterior.


6.Fez Filosofia. De que forma a Filosofia contribuiu com a sua vida?

—Filosofia é a reflexão cotidiana. O encontro do espírito com as angústias do homem. A esperança de errar menos, de saber o que você é e da sua contribuição para este mundo.

7.Com vê, de modo geral,  a blogosfera e também espaços culturais e de divulgação literária no universo virtual? E de modo específico, acredita que eles contribuem para a consolidação da ampliação de leitores?

—Todo e qualquer mídia que o livro ganhe espaço, estimula e chama à leitura. Temos um grande problema que é fazer o livro chegar ao leitor. Não gosto da frase sobre o brasileiro não gostar de ler. Em minha experiência na Educação e pelo país, observo que as pessoas gostam, sim, de ler. Apenas precisamos colocar o livro  nas mãos delas. Por isso, as redes sociais desempenham um papel importante na divulgação do livro.



8.Desde que o conheço sei o quanto preza a ilustração num livro infantil ou juvenil, sei o quanto aprecia a estética nas páginas. Como vê, concretamente, a valorização do ilustrador e o reconhecimento do artista de traços e cores, como um segundo autor do livro, um grande parceiro das letras?

—Aqui é um trabalho delicado. Os ilustradores acreditam que não são valorizados o suficiente. Aliás, pelo nossa (minha e sua) experiência na docência, ninguém é valorizado o suficiente. Não posso falar pelas outras editoras, mas na Cortez Editora sempre cuidamos com carinho também do ilustrador. Pagamos direitos autorais sem retirar isso do autor, além do valor acertado (que não entra como antecipação de direitos autorais) na entrega das artes.
Gostamos muito de trabalhar com profissionais que conversam tranquilamente e sabem como é o risco de se editar livro no Brasil, e, por isso, não exageram nas exigências e na negociação. A relação tanto entre autor, ilustrador e editor é e deve ser de absoluta transparência e respeito. E conseguimos isso. Dá gosto escutar  a fala de nossos autores e ilustradores contando que a Cortez Editora paga tudo rigorosamente em dia, sem ninguém precisar ir atrás para receber, enviando, inclusive com antecedência os extratos de direitos autorais.
E, nosso trabalho de editor é sempre mostrar ao ilustrador que ele é coautor da obra, por isso, a ilustração não deve se sobressair ao texto, mas constituir um trabalho em harmonia, integrado e elegante.


Ilustração de Livro Infantil (Banho de Bicho)

9.Também é autor. Poderia comentar um de seus livros  que tenha proporcionado alegrias em sua alma?, embora, claro, cada livro seja importante para o escritor.

—Ultimamente sou mais editor que escritor. Mas um dos meus primeiros livros e voltado para a escola foi O aniversário do seu Alfabeto. Vende muito bem. Visito escolas e conversos com as crianças e professores. Outros títulos entraram em programas governamentais. Quando escrevo penso sempre nas crianças para quem lecionei e leciono hoje. Talvez por isso minha produção seja bem mais paradidática.



10.Você é do sul, não é? Esteve recentemente em sua terra. Poderia expôr, gentilmente, as suas emoções e impressões ao ver pessoas  e paisagens queridas?

—Nasci no Paraná e toda minha família vive lá. Quando chego e avisto os imponentes pinheiros tenho uma sensação maravilhosa de filho voltando à terra natal. Volto sempre mais alegre, entusiasmado e comprometido com a vida e o trabalho. É um bálsamo na corrida do dia a dia.
Sempre com a família em encontros queridos 
11.Geralmente autores de Literatura Infantil têm encontros com crianças, nos colégios, feiras literárias, Bienais, etc... E você como autor, certamente já participou disso. Como é estar com crianças conversando sobre assuntos tão preciosos como Poesia, Histórias, Contos, Literatura Infantil, lendas?

—Crianças renovam qualquer pessoa. São estimulantes, curiosas, não veem a maldade que os adultos estão mergulhados. Tem esperança porque a vida ainda está começando para elas. Cada vez que vou à escola, e adoro  visitar escolas, conversar com as crianças e professores, sinto que a esperança ainda tem espaço e muito espaço em nosso mundo. E, que podemos sempre melhorar, transformar, amar.


Contação de histórias
12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual é a sua PALAVRA FIANDEIRA?

—Palavra fiandeira, fios, união, amarração, criação. Tudo isso e mais um pouco é o trabalho de escritores e ilustradores que, junto aos editores, dão vida à imaginação, tornam real  os sonhos, multiplicam as esperanças.

Com amigos 

Livro de Amir Piedade

Amir trouxe da Capadócia para embelezar a sua casa.

PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Ano 5 — Edição 151
AMIR PIEDADE

Palavra Fiandeira: 
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

Com Mara Cortez
Com pessoas queridas


sábado, 19 de abril de 2014

PALAVRA FIANDEIRA 150


Naquele tempo meus pais diziam que lugar de menino não era dentro de casa.




Que é de formiga o meu berço,
Mas a alma é de cigarra.


As universidades chegaram à conclusão de que cordel é cultura.





PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Publicação digital de divulgação cultural
EDIÇÕES SEMANAIS
ANO 5 — Edição 150
19 ABRIL 2014

MOREIRA DO ACOPIARA

 

1.Quem é Moreira do Acopiara?
—Poeta, autor de mais de vinte livros e duas centenas de cordéis. Nascido em julho de 1961, no distrito de Trussu, município de Acopiara, sertão central do Ceará. Cresci ouvindo meus irmãos mais velhos e os demais moradores da fazenda lendo cordéis e recitando estrofes antológicas de repentistas, além de quadrinhas populares e histórias tradicionais que minha mãe contava tão bem.

2.Esteve recentemente na Biblioteca Vila Nogueira, em Diadema, com o professor Robson Santos. Pode expor gentilmente aos leitores de PALAVRA FIANDEIRA algo sobre esse encontro?
—Esse Robson Santos é uma criatura maravilhosa, um professor comprometido e um artista fantástico. Nascido e criado na cidade de São Paulo, muito jovem aprendeu o sotaque do interior e passou a estudar a cultura popular do Sudeste. Os causos que conta fazem a gente bolar de rir. É um caipira falso. Com relação ao encontro, aconteceu da seguinte forma: recebi um telefonema de uma Cláudio me convidando para fazer uma explanação sobre o meu trabalho em uma biblioteca. Disse ela que eu deveria declamar alguns poemas e contar fatos engraçados da minha vida. E que o tema era "Oralidade". Relatou ainda que eu dividiria o espaço com o professor Robson Santos. Dei pulos de alegria, porque já tinha assistido mais de uma apresentação dele na biblioteca Belmonte, em São Paulo, onde também nos apresentamos juntos, de modo que sabia da qualidade do seu trabalho. Para nossa alegria, ao chegar na biblioteca ficamos sabendo que o público era formado por professores do município de Diadema, funcionários das outras bibliotecas e uma sala da EJA.  




3.Quando passou a se interessar pela Literatura de Cordel e qual foi seu primeiro cordel escrito?
—No lugar onde nasci e vivi até os dezenove anos de idade a energia elétrica ainda era um sonho. Então não tinha televisão. Escola por perto também não. A minha sorte foi que quando minha mãe (professora do interior) se casou com meu pai, que era viúvo e pai de nove crianças, levou na bagagem muitos livros, especialmente folhetos de cordel. inicialmente ela alfabetizou aqueles meninos todos, e à medida em que eu e meus dois outros irmãos fomos crescendo ela foi lendo muito para nós, contando muitas histórias, incutindo no nosso coração o gosto pela leitura. Os contos fantásticos nos fascinavam, assim como as histórias de Trancoso, mas a leitura de folhetos acabou me prendendo, talvez pelo fato de ter poucos personagens e enredo curto, o que facilitava o entendimento, além das rimas e da metrificação, o que facilitava a memorização. com treze/quatorze anos aprendi sobre rima e metrificação, e comecei a escrever os primeiros versos. Por esse tempo conheci Patativa do Assaré, melhor poeta nordestino em todos os tempos. Ele fazia o que faço hoje, ou seja, andava por aqueles interiores declamando seus versos em escolas, teatros, universidades etc., falando da sua vida e dos seus livros. Ele também tinha um programa de rádio em Juazeiro do Norte, todos os domingos de manhã, e meu pai não perdia. Eu achava muito bonito o modo como ele declamando aqueles poemas enormes, tudo de cor, e dizia que quando crescesse queria ser como ele. Um pouco mais tarde lhe mostrei alguns poemas, ele leu com atenção e me mostrou o que estava certo, o que não estava, onde deveria melhorar... Foi minha melhor aula. Depois me ensinou outras coisas, e acabou se tornando o meu melhor professor. O primeiro cordel escrito? Não me recordo mais qual foi. Mas o primeiro que publiquei foi um que falava da vida e da obra de um padre lá da minha região, que também foi meu professor de português e me emprestou muitos livros morreu atropelado. 


Literatura de Cordel em Aracaju

4.Trabalha em um projeto literário no sistema carcerário. Fale dessa experiência, por favor.
—Tudo começou no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Diadema, que tem escola tradicional que vai da alfabetização ao ensino médio. E resolveram convidar alguns arte-educadores para oficinas de teatro, música, história em quadrinho, desenho e pintura e comunicação e expressão. Em 2011 me convidaram para um 'teste' com o cordel. Deu muito certo. O trabalho é feito lá dentro do raio. Fico cinco dias (uma hora por dia) com um grupo de vinte presos. Um número três vezes maior assiste como ouvinte, do outro lado da grade, o que me corta o coração. Inicialmente falo com eles sobre cordel, de onde veio, como chegou ao Brasil, os precursores, os principais temas, autores de ontem e de hoje, a evolução gráfica, a xilogravura, sua importância na formação da cultura brasileira, sua presença na música, na literatura, no cinema e no teatro e tudo o mais. Sempre intercalando com poemas autorais, que eles gostam muito. Depois escolhemos democraticamente um tema e começamos a elaborar um texto, dentro dos padrões. O último encontro é mais para a leitura desse texto e avaliação. É quando aproveitamos também para tirar dúvidas. Agora em 2014 vou passar também por várias penitenciárias, da capital e do interior de São Paulo, só que para uma palestra junto aos monitores presos, outra experiência maravilhosa, já que lá dentro encontramos pessoas muito preparadas.


O poeta em evento literário

5.Dá muita importância à memória. É costume dizer que o Brasil é um país sem memória. Acredita que de alguma forma a Internet (YouTube...) possa reverter essa suposta realidade?
—O que acho é que a internet, a exemplo do rádio e da televisão, pode contribuir muito no sentido de divulgar o que fazemos. Mas não resta dúvida de que é preciso muito cuidado, pois acabam postando muita bobagem. Cabe selecionar, escolher o que de mais substancial. Por outro lado, nada melhor que pegar na mão um folhetinho, por mais simples que seja.

6.A cada dia cresce o interesse pela Literatura de Cordel. A que atribui tal acontecimento? Como analisa esse fato? Caso concorde com a afirmação, naturalmente.
—As universidades chegaram à conclusão de que cordel é cultura. E que pode ser um facilitador no processo de letramento. Escolas do Brasil inteiro têm trabalhado cordel na sala de aula. Livros de cordel têm sido adotados por escolas particulares, e o governo tem adquirido muitos títulos e mandado para escolas de todo o país. Eu mesmo já tive vários títulos adquiridos por esses programas de governo, como PNBE, Sala de Leitura, Biblioteca Nacional, Biblioteca em Casa, Governo de São Paulo etc.
 Na FELISB
7.No interior foi inaugurada uma Coldeteca. Você esteve presente? Supõe-se que uma Coldeteca seja um espaço de preservação da Literatura de Cordel. Conte-nos sobre essa iniciativa, e se ela já se ramifica em outras cidades.
—Ocupo, com muito orgulho, a cadeira de número 04 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), entidade fundada em 1988 na cidade do Rio de Janeiro, que agrega cordelistas dos quatro cantos do país e realiza excelente trabalho de divulgação e preservação da literatura de cordel. Nós nos reunimos uma vez por mês, e é sempre uma grande confraternização. Em uma dessas reuniões foi deliberado que, dentro do possível, implantaríamos Cordeltecas Brasil afora. Inicialmente foram inauguradas algumas no estado do Rio de Janeiro, depois em outras localidades. No Ceará já foram implantadas quase vinte. Em janeiro de 2014 participei da inauguração de mais duas, sendo uma em Ipueiras, berço da cordelista Dalinha Catunda, e outra em uma pequena comunidade no município de Reriutaba, onde a Secretária de Educação do município faz questão de incluir cordel nas escolas.  


Obra de Moreira do Acopiara= Adaptação de clássico para a Literatura de Cordel
8.Publicou um livro intitulado “Canudos e a saga de Antônio Conselheiro”. Pode nos comentar sobre a abordagem dessa obra?
—'Os Sertões', de Euclides da Cunha, é, a meu ver, uma das mais importantes obras já publicadas no Brasil. Leio esse livro desde os meus 23 anos de idade, e de uns anos para cá vinha nutrindo o desejo de trazê-lo para o cordel, muito embora sabendo que seria um trabalho árduo, por se tratar de uma linguagem profunda e de um tomo volumoso. Até que decidi trabalhar no projeto, que durou quase dois anos. Mas foi muito prazeroso. Li mais uma vez, com dobrada atenção, resumindo cada capítulo. Depois trouxe o maravilhoso enredo para a linguagem do cordel. São quase trezentas setilhas de sete sílabas poéticas. Apresentei o texto para a editora Duna Dueto, que já havia publicado outros cinco livros meus, e ela se interessou pela publicação. Acertadamente convidou o poeta Marco Haurélio para cuidar da parte editorial. Ele escreveu grande estudo, o que muito enriqueceu a obra. O paraibano Severino Ramos cuidou das ilustrações.


9.Já produziu dois CDs. Como é esse trabalho? Você canta? É compositor?
—A maioria dos poemas que escrevo não tem muito a cara do cordel. São feitos para serem declamados. Gosto de recitar meus poemas e tenho um público cativo. Então senti necessidade de colocar em CD alguns desses meus poemas. Como tenho um programa de rádio em Acopiara há quase dez anos, e em todos os programas declamo pelo menos um desses poemas, foi só fazer uma pequena seleção, editar, masterizar e mandar prensar. Não canto. Entretanto tenho várias composições gravadas, outras inéditas. E tudo acontece muito naturalmente. Vou fazendo os versos e cantarolando. Muitas vezes consigo fazer o trabalho todo, ou seja, letra e melodia. Quando não consigo, ou quando sinto que não fica do agrado, mostro para amigos, músicos profissionais como Paraíso (da dupla Mococa e Paraíso) ou Téo Azevedo, que cuidam da linha melódica.


10.Lançou um livro de Cultura Popular chamado O Sertão é meu lugar. Esse livro tem uma bela trajetória. Pode nos contar sobre ele?
—No ano de 2011 completei 50 anos de idade. O livro, que tem quase 400 páginas, é uma espécie de celebração. Reúne a maioria desses poemas que escrevo e declamo nas palestras, nos recitais e nas oficinas ou workshops que realizo por aí. Mas está esgotado, sendo que uma segunda edição já está sendo providenciada, agora com mais páginas.  



11.Como é o livro “Colcha de Retalhos” É um livro de poemas? Fala de sua infância?
—Trata-se de um texto que escrevi baseado em uma história do mesmo nome que ouvi muitas vezes contada por minha mãe. Quando a editora Melhoramentos me ligou argumentando que queria incluir cordel em seu catálogo, mostrei o referido texto e eles gostaram. Convidaram o xilógrafo Erivaldo da Silva, que reside no Rio de Janeiro, para fazer as ilustrações. Achei que o livro ficou muito bonito. E está indo muito bem, pois a história é emocionante.

Eu e meus irmãos tivemos a melhor das infâncias. Não tínhamos Televisão, Shopping Center, McDonalds nem computador, mas isso não nos fazia a menor falta, já que tínhamos amplos terreiros para correr e jogar bola, grandes açudes de água cristalina para compridos banhos e gostosas e fartas pescarias, além de inúmeros pés de frutas doces e sumarentas. E éramos muito amados. Naquele tempo meus pais diziam que lugar de menino não era dentro de casa.

12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
—A palavra declamada, seja em prosa, seja em verso, sempre me fascinou. Fiar palavras com harmonia não é fácil, mas é um trabalho que faço com alegria e paixão. E minhas palavras finais aqui são de agradecimento. Gostaria ainda de parabenizá-lo, meu professor Marciano Vasques, pela iniciativa de divulgar autores brasileiros de diversos segmentos na rede mundial de computadores, que muito tem contribuído no sentido de tornar evidente também o cordel, essa importante manifestação da cultura brasileira. E concluo com "Alma de cigarra", porque tenho certeza de que a poesia, que me salvou aqui em São Paulo, torna o mundo mais bonito.



Alma de cigarra
                Moreira de Acopiara

Sei que tenho os meus defeitos,
Mas vibro nas arrancadas.
Tenho aos pés amplas estradas
E os mais confortáveis leitos.
Gosto de braços estreitos
No conforto dos abrigos.
Tendo calma nos perigos
Busco a maciez das lãs
E a leveza das manhãs
Para acalmar os amigos.

Tenho a esperança de quem
Possui saúde e mobília.
Por aconchego, a família,
Que é o que na vida convém.
Foi grande a luta, porém
Não reclamei de cansado.
Andei sonhando acordado,
Pisando leve no chão,
Tendo paz na decisão
E um sonhar inacabado.

Não maldisse a dura lida,
Nem as virtudes finadas.
Não tive cartas marcadas
Nem gorda contrapartida.
Na busca do pão da vida
Passei por fraco e por tolo,
Fiz meu barro e meu tijolo,
Conquistei cada vizinho,
Destapei cada caminho,
Meu suor foi meu consolo.

Tive estropiados pés,
Mas, depois de renovado,
Levantei o meu telhado,
Melhorei as chaminés.
Na doma de pangarés
Levei coices, criei calos,
Mas apreciei domá-los
Entre piquetes medonhos,
Com fortalecidos sonhos
De algum dia ter cavalos.

Notei que o tempo não para,
Nem vacila no contrato.
Então derrubei meu mato
E me empenhei na coivara.
Não temi quebrar a cara
Nem confundir o estribilho,
Adubei feijão e milho
Antes mesmo de chover.
Ver a planta florescer
É como curtir um filho.

No meio da caminhada
Vi a saudade crescendo,
Que a natureza está vendo,
Mas permanece calada.
Que a mão que puxa uma enxada
Manipula uma guitarra,
Que ela amarra e desamarra,
Dispara canhão e terço...
Que é de formiga o meu berço,
Mas a alma é de cigarra.

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PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA 
ANO 5 — EDIÇÃO 150
MOREIRA DO ACOPIARA

PALAVRA FIANDEIRA 
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

Com amigos em lançamento de livro
Com Cacá Lopes e Assis Ângelo



PALAVRA FIANDEIRA





sexta-feira, 11 de abril de 2014

PALAVRA FIANDEIRA 149



Eu tenho muito mais medo de que se acabem os leitores.






PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA
Publicação digital de divulgação cultural
EDIÇÕES SEMANAIS
ANO 5 — Edição 149
12 ABRIL 2014

MARCO ANTONIO GODOY

1.Quem é Marco Antonio Godoy?

—Um sonhador bem realista.


2.É publicitário. Atualmente ilustra livros infantis. Como aconteceu essa trajetória? Que fatores o levaram ao universo da Literatura Infantil?
—Eu era publicitário, ou melhor, acho que nunca fui integralmente. Depois de muitos questionamentos internos sobre ética e moral e muita desilusões com a falta de responsabilidade social que essa profissão carrega decidi trilhar outros caminhos e um deles é justamente o da literatura.

3.O ilustrador é naturalmente  um outro autor, pois coloca no livro em traços e cores um outro olhar sobre o texto. Considera que, de modo geral, o ilustrador é devidamente valorizado ou reconhecido?

—Não, não é. Muitas editoras ainda encaram o ilustrador como um acessório, um prestador de serviços e muitos autores simplesmente nos ignoram.
4.Como essa situação pode mudar?
—Ainda temos um longo caminho a trilhar até sermos reconhecidos como autores e um caminho mais penoso ainda de nos unirmos e formarmos uma classe de trabalhadores. Mas para isso o ego tem que ser deixado de lado, e isso é muito difícil em se tratando de artistas.


Ilustração do artista para a obra "História para boi e saci dormirem"
5.National Kid, Hanna Barbera... Aprecia divulgar essas atrações juvenis de uma era de ouro da TV. Pode-se afirmar que isso faz parte de uma necessidade sua de preservar o que  representou a felicidade de uma geração?

—Somos de um tempo em que a programação infantil da televisão não era só um veículo para vender brinquedos.  Os roteiros dos desenhos animados eram inteligentes, cheios de sagacidade, humor, excelentes trilhas sonoras, referências literárias, crítica social, enfim, eram criados com argumentos consistentes, como uma verdadeira obra de arte.

Só para exemplificar, quantos de nós não tiveram a curiosidade de conhecer Julio Verne assistindo Viagem ao Centro da Terra?

Sem saudosismo gratuito, posso afirmar que isso acabou, com raríssimas exceções.



Herói de seriado vespertino que conquistou uma geração. 

6.Demonstra também ser um cidadão desiludido com a Política. Nesse caso, no período dos dias clandestinos o humor exerceu uma função absoluta, diante da falta de liberdade. Acredita que atualmente o humor gráfico, ( cartum, charge, quadrinhos, etc ) possa contribuir com a elevação do nível de consciência do povo?

—Dificilmente o humor gráfico(ou qualquer outro humor) vai ter o mesmo impacto dos anos 70/80. O gigantesco processo de imbecilização da população brasileira não permite mais esse tipo de conscientização. A impunidade total também contribui para isso. Os políticos nem se importam mais com uma pretensa “imagem” a zelar.  Eles têm a plena certeza de que nada vai tirá-los do lugar que ocupam e que se por acaso isso acontecer, ele terá um ou mais fantoches para colocar no seu cargo para continuar com o seu “trabalho”. Não duvido que alguns até colecionem cartuns nos quais eles são o assunto central. O Brasil é o túmulo da ética.



Arte de Godoy 

7.Pode adiantar para a FIANDEIRA quais seus próximos projetos na área de ilustração?
—Estou tomando coragem para escrever uma história infantil, mas primeiro preciso domar  minha extrema autocrítica. Por outro lado estou gestando uma incursão pelas graphic novels com a escritora Georgette Silen.


8.“Mãos de Amanda”, esse título desperta a curiosidade. Você foi o ilustrador desse livro. O que pode revelar ao leitor da FIANDEIRA sobre esse trabalho?
—É um sensibilíssimo texto da escritora estreante Camila Doval de Porto Alegre. Trata do tema da adoção com muita doçura, escrito de uma maneira deliciosamente inteligente. Foi paixão a primeira leitura. Um belo presente que ganhei do editor Fabiano Grazioli, da Habilis Editora.



9.Estamos acompanhando uma tentativa de se coibir, proibir a publicidade para o público infantil. Essas parcerias gigantescas dos poderes econômicos de se usar bonequinhos de personagens do cinema, e também do gibi, para vender alimentos nem sempre tão saudáveis... Como vê tudo isso?
—Essa é a tal responsabilidade social que eu citei acima e que a publicidade não tem. É o culto a ganância, ao lucro imoral e a qualquer custo, sem medir consequências.

Compre, consuma, coma, beba, fume, tudo desenfreadamente mesmo que com isso a sua família adoeça ou peça falência.

Em evento literário: Com Penélope Martins 

10.A família do poeta Leminski  proibiu um livro sobre ele; Guimarães Rosa teve biografia recolhida; vídeo sobre o escritor também foi proibido; Roberto Carlos também recolheu pela justiça uma biografia. Para o leitor é sempre uma imensa perda. O que pensa sobre essas proibições? É um direito do leitor a leitura de toda obra produzida?

—Proibir o acesso a informação sobre a vida de pessoas que bem ou mal fizeram parte da história do país é censurável (sem trocadilho). A liberdade de expressão tem que ser preservada a qualquer custo, mesmo que isso não agrade a todos. É um preceito básico da democracia. Mas para algumas pessoas a democracia se torna incômoda, mesmo para aquelas que enchiam a boca para falar em liberdade.

Curta sobre o escritor Guimarães Rosa  censurado 

11.FIANDEIRA já perguntou dezenas de vezes e aqui está novamente com a mesma questão: acredita no fim da Era do livro de papel?

—Acredito que sim, mas esse dia ainda está longe. Eu tenho muito mais medo de que se acabem os leitores.



12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?

Amor e conhecimento. Nada funciona sem isso.




Com as ilustradoras Claudia Cascarelli  e Andreia Vieira

Com o escritor Jonas Ribeiro 

 Arte de Marco Antonio Godoy 

Futuro azul


PALAVRA FIANDEIRA

ARTE, EDUCAÇÃO, LITERATURA 
Publicação virtual
Fundada pelo escritor:
Marciano Vasques
ANO 5 — Edição 149
MARCO ANTONIO GODOY
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A edição 148 foi uma reapresentação da edição com Teresa Senda Galindo