EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 28 de novembro de 2009

PALAVRA FIANDEIRA - 4

REVISTA DE LITERATURA
ANO 1 - Nº4 - 29/NOVEMBRO/2009

NESTA EDIÇÃO:
-ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS
-A FILOSOFIA DO SAPO
___________________________________________________________________________________
Esta edição de PALAVRA FIANDEIRA recebeu um título curioso: DEZENAS. O motivo é justo. Apresentamos dez artistas contemporâneos, todos residentes em CASA AZUL DA ARTE. Para o deleite dos olhos, o leitor verá uma breve amostra do que de melhor se produz na pintura contemporânea.
A segunda atração de PALAVRA FIANDEIRA oferece dez breves textos de Literatura Infantil (para adultos lerem) escritos por Marciano Vasques, com seus sapos filósofos em suas conversas interessantes e produtivas, nas quais diversas questões contemporâneas são colocadas na pauta do brejo. Os curiosos anfíbios já conquistaram centenas de corações e resolveram trazer ao caro leitor de nossa revista as suas reflexões.


Com vocês, PALAVRA FIANDEIRA Nº 4

DEZENAS

UMA DEZENA DE ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS




    















1. JERONI MIRA GALMÉS - Mulher Gaditana - Desenho/Aquarela/Pigmento - Madrid  - Espanha
2. DIEGO DAYER - Médio Pudor - Óleo - Argentina
3. THAÍS IBAÑEZ - Circo Campestre - Óleo - Brasil
4. PEPE LINARES - Sem título - Óleo - Barcelona
5. DANIEL GARCIA - Geografia do tempo - Óleo - Barcelona
6. LEONID ABREMOV- Outono - Óleo - Rússia
7. MARÍLIA CHARTUNE - Aquarelas - Brasil
8. ROGÉRIA GILLEMANS - Mulher Angolana - Óleo - Angola
9. MARIA TARABAY - Angústia - Óleo - Argentina
10. GRAZIELA BELLO - Magia de estrelas - Acrílico/tela - Argentina

UMA DEZENA DE HISTÓRIAS DO BREJO

O SAPO NA FILA

Um sapo falando na fila incomoda.
- Para, sapo! Vou te engolir.
- Quem vai engolir sapo?
- Isso já é moda no Brasil.
O sapo, educado, apela para o bom senso.
- Estou aqui para exercer o meu direito!!!
- O seu direito é votar! Não ficar falando...
- Deixe o sapo falar.
- Eu estou aqui há duas horas. Não quero ouvir papo de sapo. Ainda mais com este calor - disse uma eleitora com um colar.
- Eu quero ler.
- Eu quero voltar para o meu lar.
- Eu queria o mar.
O sapo decidiu calar.
Passado algum tempo, alguém resolveu provocar.
- Vai votar em quem, sapo?
O anfíbio, cândido, fala de seu candidato.
- Esse não, sapo!!! - berram na fila.
- Deixem o sapo votar em que ele quiser.
- O voto é secreto.
- Esse candidato vai transformar o país num brejo.
- Então está pra sapo!
- Vocês estão implicando com o coitado...
E assim foi até à hora do voto. Não deixaram o pobre em paz.
- E então, sapo, fez a sua parte?
- Fiz a primeira. Votei.
- E qual é a segunda, sapo?
- Fiscalizar. Isso vai levar quatro anos.

A LUA E A SAPABELA


No brejo, o sapo brejeiro, enamorado que só ele, tentava, com seus boleros de amor, conquistar a sempre tão distante e bela Lua.
Derramava ao luar a sua bonita voz.
Como se fosse o último romântico do século, tocava a sua viola e, bolerando, bolerando, declarava seu impossível amor pela insensível Lua.
Escondida entre as folhagens, a Sapabela, entristecida, ouvia o sapo cantor e suspirava.
- “Que pena que ele só pensa na Lua. Se ao menos lembrasse que eu existo!”
E o sapo a cantar desabafava!
- “Não adianta. A lua nem ouve os meus boleros. Serei sempre um sapo solitário...”
E porque às vezes o amor está tão perto, mas a gente nem repara, o sapo continuava sonhando com a distante Lua, dedicando-lhe seus apaixonados boleros de amor, sem ao menos ouvir, atrás das folhagens, o palpitante coração da Sapabela.

A PALAVRA ANDARILHA


Uma andorinha andarilha sobrevoava os dois amigos quando o Rospo começou:
- A palavra pode ter pesos diferentes...
- Explica isso direito Rospo.
- A palavra: "vagabundo", por exemplo...
- Sim?
- "Adorável vagabundo" é nome charmoso de um filme...
- Adorável vagabundo é o Carlitos...
- Isso, o Chaplin. Tem também "Coração Vagabundo", que é título de uma canção.
- Muito bonita, por sinal...
- Você conhece, Sapabela?
- Sim, estou sempre sintonizada...
- Mas é uma canção antiga...
- Sim, eu ia dizer: sintonizada com o que é bom...
- Outro exemplo é "A Dama e o Vagabundo".
- Um filme clássico de Disney...
- Muito bem...
- E daí?
- Acontece Sapa, que a palavra: "vagabundo" tem nuances poéticas...
- Sim, tem até uma música italiana chamada Giramondo, aqui gravada pelos "Os Incríveis" com o nome "O Vagabundo"...
- Até isso você sabe?
- Sapabela, meu!
- Então, como eu ia dizendo, dependendo do contexto a palavra "vagabundo" se torna leve, suave...Ou pesada, tão pesada que pode doer na alma...
- Ela também pode significar andarilho... Assim como você...
- Eu?
- Claro, o "Vagabundo da Filosofia".
- Meu Deus! Sapabela no pedaço!
- Tem definição melhor pra você, Rospo?

O SAPO QUE ACUMULAVA TESOUROS

Rospo encontra a amiga Sapabela.
- Rospo, você não tem nada na vida. Fica o tempo todo na beira da lagoa. Você precisa ter um patrimônio.
- Eu tenho...
- Ora, Rospo. O que você tem?
- Tenho amigos...
- Amigos?
- Sim, além da natureza...
- Natureza?
- Sim, fico aqui na beira da lagoa e sou feliz. Gosto de olhar para as borboletas, as flores, a mata, o azul do céu...
- Mas isso não é dinheiro, Rospo. Você precisa de moedas. Com moedas você compra tudo...Tudo é mercado, a vida funciona assim...
- Compro o azul? Compro o verde? Compro a paz? Compro a poesia?
- Você pode comprar uma revista de poesia.
- MAS NÃO POSSO COMPRAR A POESIA!
- Você pode comprar um avião e voar, pode comprar uma floresta...
- Mas não posso comprar os tesouros que acumulo dentro de mim.
- Dentro de você?
- Sim, dentro da minha consciência. O único lugar onde o mercado não funciona...


O SAPO QUE SABIA TUDO


Estava o Rospo passeando num assovio quando encontrou um sapo entristecido.
- Que é isso companheiro? Qual o motivo de tanta melancolia?
- Olá, Rospo. A vida perdeu a graça para mim...
- Não diga uma coisa dessas. O que aconteceu afinal?
- Eu sei tudo!
- Não brinca! Você sabe tudo? Pois devia estar feliz.
- Ao contrário, estou triste, altamente depressivo. A vida perde o sentido quando você sabe tudo. A mágica da vida está na curiosidade, no prazer e na felicidade das descobertas. Não tem graça nenhuma você saber tudo.
- Acho que estou começando a compreender o seu drama...
- Pois é, meu amigo. Feliz é você que tem tanta coisa para descobrir. Desvendar a vida é a sua própria arte.
- Mas sempre tem algo para a gente aprender. Tem certeza de que sabe tudo, meu amigo?
- Tenho. Queria tanto poder ser igual a uma criança.
- Sim?
- Viver o encanto do aprendizado, poder olhar o mundo com olhos de descobrir, mas sou aquele que sabe tudo, e por isso a vida perdeu a graça.
- Pobre amigo, eu ofereço a minha amizade.
Como todas as amizades verdadeiras, ela pode curar a sua tristeza.
- É mesmo?
- Ué! Você não sabia?

O SAPO E O PROVÉRBIO

Rospo adora provérbios, principalmente porque mexe neles.
E a Sapabela, claro, adora provocar.
-Ouça esse, meu amigo: "Quem cala, consente".
-Nem sempre.
-Ora, Rospo, você vive mudando todos os provérbios...
-Questionando, minha cara Sapa, questionando...
-Explique esse "Nem sempre".
-É simples.
-Manda ver.
-Numa ditadura, quem abre a boca pode morrer.
-Não havia pensado nisso.
-Claro, muitos se calam para não perder a vida, porém, jamais aceitam a opressão. Calar, às vezes, é preparar o tempo de gritar.
-Compreendi, calar e consentir são verbos que nem sempre combinam.
-Pois é, velhos provérbios, Sapa, velhos provérbios... A gente precisa dar uma sacudida...
-Mas às vezes é omissão, não é?
-"Bem, faltava o toque da Sapabela".



O SAPO E OS ENFEITES


Rospo visitando a amiga Sapabela. No meio do chá, observa o bonito vaso numa prateleira da estante.
- Que bonito! Realmente, um excelente enfeite para a mobília.
- Obrigado, Rospo. Tem um livro também, viu?
- Esse é enfeite para a alma.
- Para a alma?
- Exatamente. ele adorna a sua alma com a riqueza de suas páginas.
- Então, além de enfeitar a estante, ele embeleza a minha mente?
- Enfeitar a estante? Livro não é para ficar imóvel no móvel, Sapabela!
- Eu sei, Rospo, estava brincando. Quer ler esse?

O SAPO RICO

Casualmente, naturalmente, um novo encontro:
- Estou rico, Sapabela!
- Rico? Mas, você não tem nada, Rospo!
- Não exagere, Sapabela.
A provocativa amiga prossegue:
- Você não tem nem um celular novo!
- Mas, estou rico, minha amiga.
- Onde está essa riqueza, afinal?
- É riqueza para quem quer ver.
- Eu quero!
- Hoje, ao amanhecer, criei um poema. Poetizei.
- Um poema?
- Sim, depois de terminá-lo, percebi o quanto fiquei rico.
- "Tem razão: é riqueza para quem quer ver"


ROSPO E O MONSTRO

Rospo surge apavorado.
- O que foi que aconteceu, Rospo?
- Eu vi, Sapabela, eu vi! A mais terrível das criaturas.
- Você está tremendo. Fale, meu amigo. Calma!
- Jorrava sangue pelos olhos, babava, olhar ameaçador, dentes pontiagudos, garras medonhas...
- É um monstro.
- Sim, o pior que poderia existir. Nojento, repugnante, asqueroso...
- Onde você encontrou essa criatura nefasta?
- Na praça. Vi uma criança abandonada, pedindo esmola, e uma outra adormecida num banco.
- Não entendi. E o monstro horrível?
- As pessoas passavam e nem se importavam com elas, fingiam que não estavam vendo...
- Compreendi. Você viu o monstro da indiferença.


SAPABELA E A DIVERSÃO



- Rospo, continuo na minha incansável busca da felicidade.
- Quer jogar xadrez, Sapabela?
- Não procuro diversão. Busco a felicidade.
- Vamos ao cinema? Quer jogar boliche?
- Não, Rospo, não...
- Ao baile?
- Rospo, tente entender: eu procuro a felicidade.
- Você já sabe onde encontrá-la, Sapabela...
- Pois é, meu caro amigo, enquanto não a tiver dentro de mim, as coisas que você falou não passarão de apenas diversão...
- Eu entendo, eu entendo...


Desenhos de Daniela Alves Vasques

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

REVISTA DE LITERATURA
ANO 1 - Nº 3 - 22/ Novembro/ 2009

Ingrid Odgers


Rocío L´Amar: 
Abordagem do Pensamento Poético de Ingrid Odgers
Carmen Ezequiel: 
Da Sombra a Vida

sábado, 21 de novembro de 2009

PALAVRA FIANDEIRA Nº 3


ALENTEJO
Alvorada de um final de Maio 
Foto: Carmen Ezequiel - Portugal




EDITORIAL



Nova edição de PALAVRA FIANDEIRA está no ar, é assim que podemos dizer, a voar, certamente, um voo de longo alcance. Não está nas bancas e livrarias, mas aqui, nesse espaço infinito que é a biblioteca outrora imaginada. Mil labirintos que se cruzam em palavras que fecundam e arremessam o ser para o tempo. E a revista prossegue a sua jornada trazendo outras palavras que vieram como o vento exposto em cartões postais.


Presença de Portugal na palavra de Carmen Ezequiel, com seu texto de estreia a nos apresentar os seus rumos e os seus quereres. Do Chile, Rocío L´Amar, palavra em orvalho, jornalista, poeta, ativista cultural, nos oferta uma entrevista com a poeta Ingrid Odgers, na qual descortina a poeta, a criadora, a artista.


Sabor de aventura intelectual, em seus olhos: PALAVRA FIANDEIRA.

Marciano Vasques



                                                                       


CARMEN EZEQUIEL
PORTUGAL


Da Sombra a Vida


Da Sombra a Vida vai ser um espaço onde se grita a poesia, onde se escrevem as imagens, onde se arquitetam as palavras e se constroem caminhos e percursos de vida, das vidas de pessoas comuns… idênticas a qualquer um de nós.


Aqui, se entrevistam pessoas de um Portugal escondido e longínqua alma lusitana. Que partiram ou partem à busca do seu sentido de ser e estar e de, no campo das artes ou vida trivial; o amor, o dom do dar e o próprio bem-estar, encontrar.


Aqui, se vai falar da bela natureza, do ser animal, das coisas imóveis, abstratas, concretas, imaginárias, inatas e reais. Para dar ao leitor a magnitude de uma benevolência ação, de um sonho cantado ou de uma mera situação.


Aqui, se personificam as emoções, se engrandecem os espíritos, se dá luxo ao saber, se presenteiam as conversas, se aplaude o silêncio e se respeita o outro.


Porque sem sombra, a vida nada.
Porque das sombras, a vida surge.
Porque sem vida, a sombra é simplesmente mais uma.

Aqui, fala-se de tudo e de nada.
De tudo o que somos.

De nada que ninguém é.


CARMEN EZEQUIEL
Especialmente para PALAVRA FIANDEIRA

ROCÍO L´AMAR - CHILE


 ENTREVISTA: 


Aproximação,

Abordando o pensamento poético de Ingrid Odgers



Por Rocío L´Amar

(especialmente para PALAVRA FIANDEIRA)

Disse alguém que "o poeta é o fundador do ser", e isto, certamente, nos induz a pensar, que o poeta É, o poeta é o que arquiva em si, o que salvaguarda, e "a poesia é fundação do ser pela palavra", então, de acordo com este postulado, a poesia é seu vestígio/ distintivo/coroação, sua perfeição, que é também o fim/morte do poeta, entendendo-se que o que prevalece é a obra em tempo real e não o poeta.

Tendo em conta esse pressuposto ideológico, social e cultural, atrevo-me a dizer que Ingrid Odgers é poeta, é criadora, é artista. Poeta, porque age com fervor nos pantagruélicos quixotismos. Criadora, porque por meio da palavra – como veículo imprescindível – vai mais alta do que qualquer tipo de enquadramento ou classificação. Artista, porque organiza e articula o coração da subjetividade das artes – como mundologia – , razão pela qual sua poesia é uma constante reivindicação feminista em seu contexto lúdico. 

A caracteriza uma infatigável devoção ao ofício/profissão poeta/escritora. E não oculta a relevância, e influência que teve a paixão de outros poetas/escritores em sua obra, quero dizer, reage diante dos mais imperceptíveis estímulos externos. 

Consegue da estética da sedução a filosofia da liberdade/simplicidade em seus poemas. Propícios para aproximar-se de uma leitura profunda. E no corpus do romance, permite que se observe as configurações formais do gênero. 

Com a irrupção da Internet, tendência dominante hoje em dia como modelo de difusão, a poesia está mais próxima dos leitores. Tem seguidores, que nas formas tradicionais de edição (formato papel) não é tão massiva. Assim mesmo, os desacertos das políticas dominantes – como no Chile – que castigam o livro com altos impostos, contribuem, junto a outros fatores, a que se paralisem publicações e NÃO chegue o livro a TODOS os setores da população, e à progressiva proliferação de blogs literários. 

Podemos então falar da existência de novos poetas e uma nova poesia? 

A este panorama convidamos a Ingrid Odgers a responder algumas interrogações. 



A PALAVRA FIANDEIRA DE INGRID ODGERS

                            
                                    Ingrid Odgers            


1. O/a poeta, formador constante do espanto e sem medo diante dos mistérios recorrentes nas representações estéticas com ideal de permanência, estará dispost(@) a afrontar os novos e fortíssimos impactos da indústria cultural? Quero dizer, em meio dessa virtualização, este show midiático, esta imediatez do instante digital, criar obras de qualidade, substanciosas, com inteligência, consagrando poéticas renovadoras?


– Sim, sem dúvida, o/a poet@, tem a ousadia para desafiar a indústria cultural e a valentia para criar e recriar estéticas, não para ajustar-se à indústria, porém, devido a que como criador está sempre aliado a um imenso sentido de liberdade plena. E é baseado neste livre arbítrio que se consolidam as bases de poéticas inovadoras e inteligentes. O/a poet@, o autêntico, não busca, então, a adaptação ao mercado, mas sim romper com os cânones tradicionais que transmitem uma academia ultrapassada e os lugares cansadoramente comuns, nos quais prolifera a infestação da oferta virtual atual, talvez por essa razão a indústria cultural e os/as artistas dificilmente caminhem juntos, as editoras e os escritores estão divorciados, ou melhor, os escritores estão "abandonando um mal matrimônio".


2. Há milhares de portais com milhares de poemas em Internet. Seria isso uma garantia de liberdade de expressão para o pensamento criativo ou apenas é uma possibilidade de exploração que se aproveita para o espetáculo e o aplauso em uma sociedade light?


– A rede de Internet está para todos. Certamente, é uma grande expressão de liberdade e também de libertinagem e como tal dá lugar ao light, ao vulgar, o intelectual e o banal. E considerando o anterior,sim, evidentemente, é a ferramenta da vez, do show, e aplauso de uma sociedade cada vez mais light.. Cada um/a sabe o que o leva a interagir e/ou adentrar-se nesta teia gigantesca e é, portanto responsável...Agora é o leitor ou internauta quem deve lapidar seus gostos se procura boa literatura e arte.

                                                   
            Ingrid Odgers

3. Sabemos que a poesia assume suas mutações...Não está em sua linguagem o vocábulo claudicar, retratar-se...É temperada com diversos estilos, simetria, ambientes. Pensa você que há rigor poético ou é uma poesia elaborada para as inclinações do internauta?


– Creio que existe um raro, quero dizer, escasso rigor poético e um escasso conhecimento da linguagem literária. Na realidade, poucos internautas têm conhecimento do que seja a POESIA, manejo da linguagem, estética, etc...E, como no mercado normal (livrarias,feiras do livro, exposições, etc), consomem o que a indústria (e a academia) deseja entregar em ambos espaços. Existe nula capacidade de crítica na sociedade devido à pouca cultura literária ou má qualidade da educação existente.


4. Certo é que a globalização impõe ao poeta outros rumos , outras direções. Também a melosidade do êxito e a fama...o inabordável/abordável. E como é difícil fazer da poesia um produto massivo, busca à deriva o bem estar nos olhos e ouvidos de uma realidade fática. Aproveitamento ou necessidade?


– Ainda que muitos desejamos que não seja assim, a poesia é e será de elite. Não é atrativa como o baile, a música popular ou o cinema. A poesia é para um público especial, de uma sensibilidade maior e de certa cultura, e, portanto, escasso.

Com efeito, muitos poetas caem no meloso, para aproveitamento daqueles que desejam viver da "paraliteratura", que não concebe o princípio da beleza em si mesma, senão, através de uma utilidade. Abarca também o terreno do ensino e instituições, onde o paraliterário é um feito fundamental diante da crise dos estudos literários, que se converterá em crise dos estudos culturais, algo a que não se pode impor prazo pela literatura. Portanto, lhes é conveniente a globalização, grande mercado e mais benefícios.



5. Existe, para Ingrid Odgers, algum poema de um autor(a) prodígios(@) que tenha querido escrever? Por quê?


– Claro que sim, me agrada, porque com ele me identifico, o poema de Enrique Lihn:


"Porque escrevi"



..."Em sua origem o rio é uma veia de água

– Ali, por um momento, sequer, nessa altura –

logo, ao final, um mar que ninguém vê

dos que estão nas braçadas da vida.

Porque escrevi fui um ódio inconfessável,

porém o mar forma parte de minha escritura mesma:

linha

da ruptura

em que um verso se espuma

eu pude renovar a poesia."...

Ingrid Odgers

Biografia:


Ingrid Ordegs Toloza. Concepción, Chile,1955. Escritora, poeta, narradora, crítica e gestora cultural. Tem, atualmente, 16 livros publicados, dois romances e um ensaio. é prêmio "Conselho do livro" 2002 e 2009. Criadora de diversos espaços virtuais, entre eles "Revista La Silla", Letras iberoamericanas, Antologias de poetas chilenos. É editora de Revista de Literatura Periferia, Região de BioBio, Chile. Atua como assessora cultural e diretora de oficinas literárias.


PUBLICAÇÕES:


Ángel dormido (1998)

Bajopiel (1998)

Arcoiris de vida (1999)

Copa de invierno (2000)

El retorno del ángel (2001)

La extraña barca del olvido (2003)

Náufragos en la ciudad (2003)

La llave de la otra historia (2005)

A puertas cerradas (Ensayo, 2005)

Más silenciosa que mi sombra (Novela, 2006)

En las frías rodillas del mundo (2006)

Memoria de un juego (2007)

La fusión de los signos (2007)

Estudio marginal- Comentario y crítica (Ensayo, 2008)


PRÊMIOS E DISTINÇÕES:


Postulada ao prêmio de arte e cultura, artes literárias Basldonero Lillo 2008, região do BioBio.

Prêmio Novela Fundo de apoio à iniciativas culturais 2008. Município de Conceição.

Sua obra integra a História da Literatura Hispanoamericana de Polônia 2008.

Os livros: Memória de um jogo, Nas frias voltas do mundo, A fusão dos signos, e o romance "Mais Silenciosa que minha sombra", que foram traduzidos ao Polonês.


Suas obras poéticas foram parcialmente traduzidas ao Inglês, Português, Francês ou Italiano.

Sua obra integra a Antologia de Literatura Hispanoamericana de Canadá.

Prêmio "Conselho Nacional do Livro e a Leitura", 2002.

Terceiro Concurso Nacional de Narrativa e Poesia Magoeditores - Santiago 2005.

Selecionada para representar o Chile em Encontro Mundial de Escritores em Chiclayo, Perú, ano 2002.


Designada Membro do Comitê Consultivo Nacional de Cultura em reconhecimento a seu vasto currículo e destacada trajetória no âmbito da Literatura.

Sua obra figura no estúdio Presença Feminina na Literatura Nacional - Lina Vera Lampereein - Edição 2007, corrigida e atualizada entre as destacadas escritoras Ana Maria Vieira e Paz Molina.

Sua obra figura na Cartografia Cultural do Chile (Mineduc 1999-2002)

No Catálogo lírico chileno (2002)

Em revistas literárias regionais, nacionais e internacionais (1999 e 2009) e em sites internacionais.

Foi convidada ao encontro Mundial de Poetas em Oaxaca, México, por seu trabalho acadêmico "Chile, Mulher, Literatura e Discriminação".


POESIA:


Pontos Cardeais


As palavras concluem o silêncio
Não parecem esgotar-se
Cavalgam o cérebro
Se é que não estou mergulhando nas lembranças
No que tocam meus olhos alertas
Zelosos
        Desbotados


Árvore e folha
Pandeiro e flauta


Tudo sucumbe ao Tom e ao Ritmo
flutuo despida
pelos pontos cardeais
Sedenta
Sou um segredo
    um estremecimento
                    um lamento
No simples gesto de acender a luz
e te olhar ao espelho na escuridão
Neste labirinto perco a visão
Crivando os lugares comuns


Deixam os pés no lodo
Caçador caçado

Sem armadilha
                    Sem rede

Caçador caçado

                    Caçado

Caçador

***************

Animais


E teu corpo cai em meu peito
e a palavra nos flancos
e nos fundimos num poema
e somos animais
fazemos
e desfazemos
e somos animais
que fazemos
e desfazemos

Em ti
Lentamente descobriste
Que a noite gira em tuas costelas
E se abre
E se estende
Até cair muito dentro
Até cair muito fundo
No trevo de teu sexo
E se estende
No eterno assovio do silêncio.


**************

Letras


Estes montinhos de pedras empilhadas
balbuciantes
rigorosamente calvas
desejam tomar bruscamente
algo de certeza
Tentam incinerar escuridão e cativeiro
Ocultas mordem o ventre
Assalta a sanidade tenebrosa
Caem sobre um papel de cinzas e chá envelhecido
Tudo é possível
Creio em absoluto
(É o risco que se corre)
Este monstro
Busca auxílio
Busca magia
Resplandecimento extinguido em neon e caos
Se arma em absoluta incerteza
símbolo de um frenesi que estende os braços
e abraça
Até comer os miolos com sua gula.

****

Original em Espanhol.

Tradução: Marciano Vasques

sábado, 14 de novembro de 2009

PALAVRA FIANDEIRA Nº 2

PALAVRA FIANDEIRA
NÚMERO 2
Edição de 15 de Novembro de 2009
Revista de Literatura, Artes e Cultura


ENTREVISTA
O Editor e Livreiro JOSÉ XAVIER CORTEZ

Senhor Cortez ilustrado por Roberto Melo

PALAVRA FIANDEIRA está se tornando aos poucos uma revista. Conselho Editorial, correspondentes, colaboradores. Inicialmente no formato blog, quem sabe um dia também no formato papel. Com abordagens de múltiplas linguagens: cinema, teatro, artes, literatura, cultura popular, movendo-se entre o carinho, as palavras de incentivo e também a reação silenciosa, quem sabe ela vai conquistar o seu coração?

Surge uma nova revista trazendo o frescor da palavra, o verbo misturado à vida, buscando a pátria na alma escrita e alojando-se nos tórax do mundo que sofrem pelo amor autêntico, feito de poesia, de literatura, de artes, larva poética a corroer a insensatez e a mudez, larva que lavra como uma boa palavra.


O SENHOR CORTEZ

Um dos mais bonitos encontros de minha vida. Com o Senhor Cortez, o portador da palavra fiandeira. Homem cuja saga está num média metragem com lançamento previsto para Dezembro deste 2009, e que será gratuitamente distribuído para instituições públicas, bibliotecas e diversas entidades no Rio Grande do Norte, e veiculado pela TV PUC - SP.

A impressão inicial é a que fica para sempre. Estamos diante de uma pessoa simples, humanista por excelência, extremamente preocupada com as pessoas ao seu redor, e com os valores que regem o espírito das sociedades contemporâneas. José Xavier Cortez, nordestino do mundo, nos destinos do mundo, nos conta que a cada dois anos realiza a Bienal da Família, um encontro que reúne todos os membros da extensa família. 105 pessoas. Sente um orgulho imenso disso. E fala de cada um com uma doçura e uma generosidade que emociona. Duas pesquisadoras estão escrevendo um livro sobre ele, sobre a sua vida, que será certamente um sucesso editorial. Aqui, Palavra Fiandeira ajuda humildemente a contar um pouco dessa grandiosa história.

Casa onde a família se reúne a cada dois anos. Arte: Roberto Melo



Hoje não consigo ficar um dia sem ler!
Xavier Cortez



1. Fale-nos de sua trajetória.

CORTEZ: Nasci num sítio no município de Currais Novos, no RN, e desde os cinco anos já ajudava os meus pais nos afazeres diários, e no sustento da família. Fiz um pouco de tudo. Fui garimpeiro, balconista, vendia frutas carregando um balaio pelas ruas, já aos 18 anos, quando após me alistar na Escola de Aprendizes de Marinheiro, em Janeiro de 1955, tornei-me militar, e tive que lutar muito para garantir as minhas despesas pessoais. Durante oito anos fui militar, até ser cassado. Então vim para São Paulo.


2. Como foi a sua vida em São Paulo?

CORTEZ: Quando aqui cheguei, tive muita dificuldade para conseguir emprego. Trabalhei num estacionamento e comecei lavando carros. Em 1966, após prestar alguns vestibulares consegui entrar no curso de Economia da PUC, onde me formei. E foi na PUC que abriu-se para mim o universo dos livros. Sob encomenda comecei a vender livros para os meus colegas da classe. Fui ganhando a confiança dos professores e dos alunos e um dia, num corredor da PUC, abri a livraria Cortez&Morales, uma sociedade que durou 11 anos. No início de Janeiro de 1980, criei a Cortez Editora e Livraria Ltda, que é onde estamos agora.


3. Qual a importância da Livraria Cortez para o contexto da época?

CORTEZ: Vivíamos numa ditadura. E desde o início, a livraria tornou-se uma opção para os que buscavam uma literatura comprometida, "de esquerda", uma literatura que nem sempre era encontrada nas outras livrarias. Depois, encorajado por professores e alunos da PUC, tornei-me editor.


4. Qual foi o primeiro livro lançado pela sua editora?

CORTEZ: Foi "Metodologia do Trabalho Científico", de Antonio Joaquim Severino. que, podemos dizer assim, tornou-se um clássico no mundo acadêmico.


Cortez em sua livraria

5. Quem é o senhor Cortez?

CORTEZ:Uma pessoa que não sofreu mudança com relação à questão social, naquilo que se relaciona com os semelhantes. Sou uma pessoa sempre pensando no Ser Humano, na família. Sempre trabalho nas publicações com amor, pensando em todos, em cada leitor. Nos que são capazes de ler, para levar às pessoas mensagens que possam ajudar a se ter uma sociedade mais justa.


6. Para Emerson, e também para Montaigne, a biblioteca é um salão mágico onde estão encantados os melhores espíritos da humanidade. Como o senhor vê a biblioteca hoje? Falta investimento? Ela precisa mudar? Modernizar-se mais ainda? Fale-nos sobre a biblioteca.

CORTEZ: Ainda é o lugar ideal para se pesquisar, estudar, ler, refletir. Principalmente para as pessoas sem recursos. Quando cheguei a São Paulo, utilizei e muito a Biblioteca Mário de Andrade.


Edição comemorativa da revista da Biblioteca Mário de Andrade

Biblioteca é essencial. Mas, precisa de atualização, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais. Imagine então as cidades menores. Todas as pessoas devem ter as mesmas oportunidades, e estão em desvantagens com relação aos grandes centros. Não têm biblioteca. Eu, veja só, quando estava no sertão do Nordeste, em Currais Novos, no Rio Grande do Norte, nunca entrei numa biblioteca. Que atraso sofri! Veja que nas Bienais de Livro conseguimos a participação maciça de crianças, jovens e adolescentes. Os governos Municipais ou estaduais, cada qual com a sua forma de fazer política, dão a sua contribuição, fornecem recursos para professores e alunos, como acontece em Pernambuco e no Ceará, onde ocorrem distribuições de recursos e de livros. Considero um belo incentivo a iniciativa governamental de dar o Vale- Cultura.


7. Borges, numa histórica palestra em Universidade na Argentina, disse que o livro passou por diversas valorações. Inclusive, para ele, é um objeto de culto, não no sentido religioso, claro. E para o senhor, o que é o livro? O que ele representa ou simboliza?

CORTEZ: O suporte mais importante para a transmissão do conhecimento. Sempre me vali dos livros. E comecei a ler tarde. A leitura me levou ao que sou hoje. Só ela poderia me fazer isso! Só ela! Hoje não consigo ficar um dia sem ler!


8. Na feira de Frankfurt, recentemente, anunciou-se o ano de 2018 como a data em que o livro digital vai triunfar, vai finalmente dominar. Qual a sua expectativa diante disso?

CORTEZ: Não devemos desconsiderar a tecnologia. E ela vai ajudar a vender o livro de papel, pois as pessoas não vão deixar de ler essa forma do livro. Vão se cansar de ler na tela, e não vão guardar os livros digitais. Pode haver na leitura uma grande dispersão do conhecimento, pois o computador favorece isso. É muito fragmentado, às vezes muito supérfluo. Um livro de Sociologia, de Filosofia, de Economia, enfim, obras que tratam desses assuntos, exigem muita concentração. O computador não se aprofunda, quer dizer, não permite, na maioria das vezes, um aprofundamento. Entretanto, nós, aqui da Editora, estamos muito atentos a tudo isso. Veja que vai acontecer um congresso nos EUA sobre esse tema e um colaborador da Cortez irá participar.


Marciano Vasques entrevistando Cortez em sua livraria, em São Paulo

9. Considera que a Literatura Infantil é apenas para crianças?

CORTEZ: De maneira alguma. Foi após ter lido um livro Infantil que tomei a decisão de investir nesse segmento. Ao ler "Sebastiana e Severina", de André Neves, fiquei emocionado. O livro me influenciou e mudou os meus rumos, ampliando os caminhos de nossa editora. O assunto tratava de uma igreja, uma cidade na Paraíba, da rendeira, transportou-me imediatamente para Currais Novos, nos anos 50. Um livro infantil fez isso! Toda a minha saudade, todo o meu sentimento, todas as lembranças, a minha própria infância, tudo isso foi recuperado no livro, então abriu-se, a partir dessa leitura, um outro segmento para a nossa editora.


10. Conte-nos um pouco mais sobre isso.

CORTEZ: Em 2004 estava a pensar em um novo segmento editorial, e como sempre participei e participo das entidades de classe, e sempre gostei de estar por dentro do que está ocorrendo no mercado livreiro, já estava eu em uma reunião da ANL, a qual fui o fundador. Já sentia que não dava para continuar apenas com a área acadêmica. Não havia mais correspondência entre a efervescência universitária e a venda de livros, por conta de alguns fatores, entre os quais a cópia. Havia em minha mente três alternativas: auto-ajuda, religião e infanto-juvenil. Lemos e discutimos muito. A primeira não se encaixava dentro do perfil da nossa editora. A Religião, além disso, já tinha e tem ótimas editora que a divulgam muito bem. Desse modo, só restou Literatura infanto-juvenil. Percebemos o quanto essa é uma área que tinha espaço. Viu como a leitura de um livro infantil influencia uma vida adulta? Li com 60 anos e não era criança. Os adultos se encantam com a história infantil, principalmente os que não tiveram infância. Vou contar um fato: enviamos para o Governo de Fortaleza mais ou menos 100 mil exemplares de um volume da coleção infantil "Nossa Capital", um livro para cada criança. Na feira de Fortaleza pudemos constatar que todas as crianças e seus pais sabiam a história da cidade. Quão importante foi esse livro infantil! Eis um exemplo concreto. Os adultos aprendem também. O livro leva ao caminho certo, como aconteceu comigo quando li "Sebastiana e Severina".



11. Qual a sensação do senhor quando um novo livro é lançado pela sua editora?

CORTEZ: Quando publico um texto sempre acho que a sua mensagem vai trazer felicidade para alguém, além do conhecimento. Cheguei aqui sem nada. Mas sempre busquei na leitura o apoio, a ajuda. Um pai que leva um livro para o filho está fazendo uma grande ação. O filho, ao receber o livro, deve aprender a pensar: "Meu pai trouxe um objeto importante." É assim que eu vivo. Penso que é assim que deve ser. Plantar as coisas, fazer uma boa ação, no sentido de que as pessoas utilizem essa boa ação. Tive muita ajuda em minha vida. O respeito pelas pessoas vem da infância, uma dose grande da minha educação eu trouxe de onde nasci. Por isso, a cada livro que publico sinto uma felicidade.


12. Como leitor, desde que tenha se encantado a primeira vez com a leitura de um livro, qual é o seu gênero preferido de literatura? Poesia? Conto? Romance?

CORTEZ: Gosto de ler sobre Política, Sociologia, Filosofia. Aprecio também a literatura real, aquela que fala da vida. Li, recentemente, "O Caçador de Pipas". Gosto, de um modo geral, das obras que falam da questão da Educação no país. As nossas coleções sempre nascem da vida, de um acontecimento, de uma experiência pessoal, algo que eu vivi. Temos como exemplo a coleção "Preconceito". Tem também um pouco de história. Muitas das histórias foram pensadas por mim. Veja esse caso: eu estava numa reunião de editores, e o presidente da Entidade falou que um editor Inglês iria dar uma palestra. Alguém sugeriu a contratação de um tradutor. O presidente respondeu: Não acredito que vamos ter que contratar um tradutor! Não é possível que um editor não saiba falar Inglês! -"Que preconceito", pensei na hora. Criei então a coleção "Preconceito", que é um sucesso de vendas, E assim foi indo. Certa vez apareceu alguém da França, amigo de Edgar Morin, e tinha uma deficiência e aí fui vendo nos preconceitos o quanto o mundo, a humanidade, ainda é deficiente de respeito, de entendimento das coisas que são essenciais, de ética, de amor. A coleção aborda o preconceito contra o deficiente, contra o homossexual, e assim por diante, a cada volume.


Um dos momentos da entrevista

13. Diga algo que realmente o deixa bem triste e decepcionado nos dias atuais.

CORTEZ: São tantas coisas, mas vou citar algumas: A Política me decepciona e me entristece. Sou nordestino, sei as deficiências e as promessas. Minha família está lá, no Nordeste. Agradeço e reconheço as coisas boas: minha casa nunca teve energia elétrica. Isso é uma coisa boa. Mas a Política me decepciona profundamente. Entristece-me também a questão de como as pessoas sobrevivem em tantas desgraças, tantos assaltos, tanta perversidade. As pessoas vivem amedrontadas. Tanta perversidade me entristece.



14. Fenômeno de vendas, obviamente: O que pensa sobre os livros de auto-ajuda?

CORTEZ: Qualquer leitura sempre traz benefícios para o leitor. Pode concordar, pode não concordar. Não concorda, não sente. Mas desperta a questão do hábito de ler. E quando a pessoa adquire o hábito de ler, começa a refletir, a questionar. "Dia da Consciência Negra". O que é isso? O que eu tenho a ver com isso? A pessoa passa a querer entender. Não busco as minhas coisas em auto-ajuda. Tenho outras prioridades, outros prazeres. Se não os tivesse, se não tivesse outras opções como eu tenho, certamente iria ler um livro de Auto-Ajuda, sim, iria lê-lo.


15. Tem alguma ideia ou sugestão que possa contribuir para política governamental com relação ao livro?

CORTEZ: Todas as iniciativas com relação ao livro, ao incentivo da leitura merece aplauso e apoio. Veja, um patrocínio da UNESCO, ajudando ao governo brasileiro a desenvolver esse hábito, ONGs, universidades, entidades, todos lutando hoje por essa questão da leitura. O Brasil está bem. Acho que há um espaço grande para resolver essa questão. A política editorial do governo quer privilegiar as pequenas e médias editoras. O PNBE agora faz um levantamento dos 20 títulos de cada editora. Todas as iniciativas são válidas.


16. Insisto nesse tema alvo de curiosidade e estudos de filósofos através dos tempos, e também de escritores: o que é para o senhor a Felicidade?

CORTEZ: Considero-me um homem feliz. Para mim, felicidade é praticar bons atos, ser solidário com todas as pessoas, principalmente com aqueles que precisam mais, precisam de mais carinho, mais compreensão. Para mim, a felicidade consiste em passar a felicidade para essas pessoas, que são as pessoas da sua convivência. Se você começa com elas, passará depois a felicidade para todas as pessoas que encontrar em seu caminho.


17. Vivemos numa época de contrastes: cada vez mais se estimula o texto curto, pois é o espírito da época, e vemos isso em Twitter e outras "ferramentas" da Internet, mas ao mesmo tempo cada vez se publica romances. Para o senhor, para onde está indo a literatura?

CORTEZ: Os romances sempre terão vez. Sempre existirá espaço para a literatura. O texto longo e o texto curto. Sempre haverá espaço para todos. E essa febre, essa loucura de alguém ter mais de 100 mil seguidores, e essas coisas, isso tudo me parece que é passageiro.


18. Que mensagem deixaria para o nosso leitor?

CORTEZ: Já tem o privilégio de ser leitor! Que continue lendo. Cada vez mais. Qualquer dúvida que eu tenho, sempre há um livro capaz de esclarecê-la. É importante continuar lendo. Sempre recorro a um livro. Qualquer que seja o problema. Esteja eu com a unha encravada, ou com o coração muito apaixonado. Sempre encontrarei uma resposta que me satisfaça.


Sempre recorro a um livro. Qualquer que seja o problema. Esteja eu com a unha encravada, ou com o coração muito apaixonado.