PALAVRA FIANDEIRA
NÚMERO 2
Edição de 15 de Novembro de 2009
Revista de Literatura, Artes e Cultura
NÚMERO 2
Edição de 15 de Novembro de 2009
Revista de Literatura, Artes e Cultura
ENTREVISTA
O Editor e Livreiro JOSÉ XAVIER CORTEZ
O Editor e Livreiro JOSÉ XAVIER CORTEZ
PALAVRA FIANDEIRA está se tornando aos poucos uma revista. Conselho Editorial, correspondentes, colaboradores. Inicialmente no formato blog, quem sabe um dia também no formato papel. Com abordagens de múltiplas linguagens: cinema, teatro, artes, literatura, cultura popular, movendo-se entre o carinho, as palavras de incentivo e também a reação silenciosa, quem sabe ela vai conquistar o seu coração?
Surge uma nova revista trazendo o frescor da palavra, o verbo misturado à vida, buscando a pátria na alma escrita e alojando-se nos tórax do mundo que sofrem pelo amor autêntico, feito de poesia, de literatura, de artes, larva poética a corroer a insensatez e a mudez, larva que lavra como uma boa palavra.
O SENHOR CORTEZ
Um dos mais bonitos encontros de minha vida. Com o Senhor Cortez, o portador da palavra fiandeira. Homem cuja saga está num média metragem com lançamento previsto para Dezembro deste 2009, e que será gratuitamente distribuído para instituições públicas, bibliotecas e diversas entidades no Rio Grande do Norte, e veiculado pela TV PUC - SP.A impressão inicial é a que fica para sempre. Estamos diante de uma pessoa simples, humanista por excelência, extremamente preocupada com as pessoas ao seu redor, e com os valores que regem o espírito das sociedades contemporâneas. José Xavier Cortez, nordestino do mundo, nos destinos do mundo, nos conta que a cada dois anos realiza a Bienal da Família, um encontro que reúne todos os membros da extensa família. 105 pessoas. Sente um orgulho imenso disso. E fala de cada um com uma doçura e uma generosidade que emociona. Duas pesquisadoras estão escrevendo um livro sobre ele, sobre a sua vida, que será certamente um sucesso editorial. Aqui, Palavra Fiandeira ajuda humildemente a contar um pouco dessa grandiosa história.
Hoje não consigo ficar um dia sem ler!
Xavier Cortez
Xavier Cortez
1. Fale-nos de sua trajetória.
CORTEZ: Nasci num sítio no município de Currais Novos, no RN, e desde os cinco anos já ajudava os meus pais nos afazeres diários, e no sustento da família. Fiz um pouco de tudo. Fui garimpeiro, balconista, vendia frutas carregando um balaio pelas ruas, já aos 18 anos, quando após me alistar na Escola de Aprendizes de Marinheiro, em Janeiro de 1955, tornei-me militar, e tive que lutar muito para garantir as minhas despesas pessoais. Durante oito anos fui militar, até ser cassado. Então vim para São Paulo.
2. Como foi a sua vida em São Paulo?
CORTEZ: Quando aqui cheguei, tive muita dificuldade para conseguir emprego. Trabalhei num estacionamento e comecei lavando carros. Em 1966, após prestar alguns vestibulares consegui entrar no curso de Economia da PUC, onde me formei. E foi na PUC que abriu-se para mim o universo dos livros. Sob encomenda comecei a vender livros para os meus colegas da classe. Fui ganhando a confiança dos professores e dos alunos e um dia, num corredor da PUC, abri a livraria Cortez&Morales, uma sociedade que durou 11 anos. No início de Janeiro de 1980, criei a Cortez Editora e Livraria Ltda, que é onde estamos agora.
3. Qual a importância da Livraria Cortez para o contexto da época?
CORTEZ: Vivíamos numa ditadura. E desde o início, a livraria tornou-se uma opção para os que buscavam uma literatura comprometida, "de esquerda", uma literatura que nem sempre era encontrada nas outras livrarias. Depois, encorajado por professores e alunos da PUC, tornei-me editor.
4. Qual foi o primeiro livro lançado pela sua editora?
CORTEZ: Foi "Metodologia do Trabalho Científico", de Antonio Joaquim Severino. que, podemos dizer assim, tornou-se um clássico no mundo acadêmico.
5. Quem é o senhor Cortez?
CORTEZ:Uma pessoa que não sofreu mudança com relação à questão social, naquilo que se relaciona com os semelhantes. Sou uma pessoa sempre pensando no Ser Humano, na família. Sempre trabalho nas publicações com amor, pensando em todos, em cada leitor. Nos que são capazes de ler, para levar às pessoas mensagens que possam ajudar a se ter uma sociedade mais justa.
6. Para Emerson, e também para Montaigne, a biblioteca é um salão mágico onde estão encantados os melhores espíritos da humanidade. Como o senhor vê a biblioteca hoje? Falta investimento? Ela precisa mudar? Modernizar-se mais ainda? Fale-nos sobre a biblioteca.
CORTEZ: Ainda é o lugar ideal para se pesquisar, estudar, ler, refletir. Principalmente para as pessoas sem recursos. Quando cheguei a São Paulo, utilizei e muito a Biblioteca Mário de Andrade.
Biblioteca é essencial. Mas, precisa de atualização, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais. Imagine então as cidades menores. Todas as pessoas devem ter as mesmas oportunidades, e estão em desvantagens com relação aos grandes centros. Não têm biblioteca. Eu, veja só, quando estava no sertão do Nordeste, em Currais Novos, no Rio Grande do Norte, nunca entrei numa biblioteca. Que atraso sofri! Veja que nas Bienais de Livro conseguimos a participação maciça de crianças, jovens e adolescentes. Os governos Municipais ou estaduais, cada qual com a sua forma de fazer política, dão a sua contribuição, fornecem recursos para professores e alunos, como acontece em Pernambuco e no Ceará, onde ocorrem distribuições de recursos e de livros. Considero um belo incentivo a iniciativa governamental de dar o Vale- Cultura.
7. Borges, numa histórica palestra em Universidade na Argentina, disse que o livro passou por diversas valorações. Inclusive, para ele, é um objeto de culto, não no sentido religioso, claro. E para o senhor, o que é o livro? O que ele representa ou simboliza?
CORTEZ: O suporte mais importante para a transmissão do conhecimento. Sempre me vali dos livros. E comecei a ler tarde. A leitura me levou ao que sou hoje. Só ela poderia me fazer isso! Só ela! Hoje não consigo ficar um dia sem ler!
8. Na feira de Frankfurt, recentemente, anunciou-se o ano de 2018 como a data em que o livro digital vai triunfar, vai finalmente dominar. Qual a sua expectativa diante disso?
CORTEZ: Não devemos desconsiderar a tecnologia. E ela vai ajudar a vender o livro de papel, pois as pessoas não vão deixar de ler essa forma do livro. Vão se cansar de ler na tela, e não vão guardar os livros digitais. Pode haver na leitura uma grande dispersão do conhecimento, pois o computador favorece isso. É muito fragmentado, às vezes muito supérfluo. Um livro de Sociologia, de Filosofia, de Economia, enfim, obras que tratam desses assuntos, exigem muita concentração. O computador não se aprofunda, quer dizer, não permite, na maioria das vezes, um aprofundamento. Entretanto, nós, aqui da Editora, estamos muito atentos a tudo isso. Veja que vai acontecer um congresso nos EUA sobre esse tema e um colaborador da Cortez irá participar.
9. Considera que a Literatura Infantil é apenas para crianças?
CORTEZ: De maneira alguma. Foi após ter lido um livro Infantil que tomei a decisão de investir nesse segmento. Ao ler "Sebastiana e Severina", de André Neves, fiquei emocionado. O livro me influenciou e mudou os meus rumos, ampliando os caminhos de nossa editora. O assunto tratava de uma igreja, uma cidade na Paraíba, da rendeira, transportou-me imediatamente para Currais Novos, nos anos 50. Um livro infantil fez isso! Toda a minha saudade, todo o meu sentimento, todas as lembranças, a minha própria infância, tudo isso foi recuperado no livro, então abriu-se, a partir dessa leitura, um outro segmento para a nossa editora.
10. Conte-nos um pouco mais sobre isso.
CORTEZ: Em 2004 estava a pensar em um novo segmento editorial, e como sempre participei e participo das entidades de classe, e sempre gostei de estar por dentro do que está ocorrendo no mercado livreiro, já estava eu em uma reunião da ANL, a qual fui o fundador. Já sentia que não dava para continuar apenas com a área acadêmica. Não havia mais correspondência entre a efervescência universitária e a venda de livros, por conta de alguns fatores, entre os quais a cópia. Havia em minha mente três alternativas: auto-ajuda, religião e infanto-juvenil. Lemos e discutimos muito. A primeira não se encaixava dentro do perfil da nossa editora. A Religião, além disso, já tinha e tem ótimas editora que a divulgam muito bem. Desse modo, só restou Literatura infanto-juvenil. Percebemos o quanto essa é uma área que tinha espaço. Viu como a leitura de um livro infantil influencia uma vida adulta? Li com 60 anos e não era criança. Os adultos se encantam com a história infantil, principalmente os que não tiveram infância. Vou contar um fato: enviamos para o Governo de Fortaleza mais ou menos 100 mil exemplares de um volume da coleção infantil "Nossa Capital", um livro para cada criança. Na feira de Fortaleza pudemos constatar que todas as crianças e seus pais sabiam a história da cidade. Quão importante foi esse livro infantil! Eis um exemplo concreto. Os adultos aprendem também. O livro leva ao caminho certo, como aconteceu comigo quando li "Sebastiana e Severina".
11. Qual a sensação do senhor quando um novo livro é lançado pela sua editora?
CORTEZ: Quando publico um texto sempre acho que a sua mensagem vai trazer felicidade para alguém, além do conhecimento. Cheguei aqui sem nada. Mas sempre busquei na leitura o apoio, a ajuda. Um pai que leva um livro para o filho está fazendo uma grande ação. O filho, ao receber o livro, deve aprender a pensar: "Meu pai trouxe um objeto importante." É assim que eu vivo. Penso que é assim que deve ser. Plantar as coisas, fazer uma boa ação, no sentido de que as pessoas utilizem essa boa ação. Tive muita ajuda em minha vida. O respeito pelas pessoas vem da infância, uma dose grande da minha educação eu trouxe de onde nasci. Por isso, a cada livro que publico sinto uma felicidade.
12. Como leitor, desde que tenha se encantado a primeira vez com a leitura de um livro, qual é o seu gênero preferido de literatura? Poesia? Conto? Romance?
CORTEZ: Gosto de ler sobre Política, Sociologia, Filosofia. Aprecio também a literatura real, aquela que fala da vida. Li, recentemente, "O Caçador de Pipas". Gosto, de um modo geral, das obras que falam da questão da Educação no país. As nossas coleções sempre nascem da vida, de um acontecimento, de uma experiência pessoal, algo que eu vivi. Temos como exemplo a coleção "Preconceito". Tem também um pouco de história. Muitas das histórias foram pensadas por mim. Veja esse caso: eu estava numa reunião de editores, e o presidente da Entidade falou que um editor Inglês iria dar uma palestra. Alguém sugeriu a contratação de um tradutor. O presidente respondeu: Não acredito que vamos ter que contratar um tradutor! Não é possível que um editor não saiba falar Inglês! -"Que preconceito", pensei na hora. Criei então a coleção "Preconceito", que é um sucesso de vendas, E assim foi indo. Certa vez apareceu alguém da França, amigo de Edgar Morin, e tinha uma deficiência e aí fui vendo nos preconceitos o quanto o mundo, a humanidade, ainda é deficiente de respeito, de entendimento das coisas que são essenciais, de ética, de amor. A coleção aborda o preconceito contra o deficiente, contra o homossexual, e assim por diante, a cada volume.
13. Diga algo que realmente o deixa bem triste e decepcionado nos dias atuais.
CORTEZ: São tantas coisas, mas vou citar algumas: A Política me decepciona e me entristece. Sou nordestino, sei as deficiências e as promessas. Minha família está lá, no Nordeste. Agradeço e reconheço as coisas boas: minha casa nunca teve energia elétrica. Isso é uma coisa boa. Mas a Política me decepciona profundamente. Entristece-me também a questão de como as pessoas sobrevivem em tantas desgraças, tantos assaltos, tanta perversidade. As pessoas vivem amedrontadas. Tanta perversidade me entristece.
14. Fenômeno de vendas, obviamente: O que pensa sobre os livros de auto-ajuda?
CORTEZ: Qualquer leitura sempre traz benefícios para o leitor. Pode concordar, pode não concordar. Não concorda, não sente. Mas desperta a questão do hábito de ler. E quando a pessoa adquire o hábito de ler, começa a refletir, a questionar. "Dia da Consciência Negra". O que é isso? O que eu tenho a ver com isso? A pessoa passa a querer entender. Não busco as minhas coisas em auto-ajuda. Tenho outras prioridades, outros prazeres. Se não os tivesse, se não tivesse outras opções como eu tenho, certamente iria ler um livro de Auto-Ajuda, sim, iria lê-lo.
15. Tem alguma ideia ou sugestão que possa contribuir para política governamental com relação ao livro?
CORTEZ: Todas as iniciativas com relação ao livro, ao incentivo da leitura merece aplauso e apoio. Veja, um patrocínio da UNESCO, ajudando ao governo brasileiro a desenvolver esse hábito, ONGs, universidades, entidades, todos lutando hoje por essa questão da leitura. O Brasil está bem. Acho que há um espaço grande para resolver essa questão. A política editorial do governo quer privilegiar as pequenas e médias editoras. O PNBE agora faz um levantamento dos 20 títulos de cada editora. Todas as iniciativas são válidas.
16. Insisto nesse tema alvo de curiosidade e estudos de filósofos através dos tempos, e também de escritores: o que é para o senhor a Felicidade?
CORTEZ: Considero-me um homem feliz. Para mim, felicidade é praticar bons atos, ser solidário com todas as pessoas, principalmente com aqueles que precisam mais, precisam de mais carinho, mais compreensão. Para mim, a felicidade consiste em passar a felicidade para essas pessoas, que são as pessoas da sua convivência. Se você começa com elas, passará depois a felicidade para todas as pessoas que encontrar em seu caminho.
17. Vivemos numa época de contrastes: cada vez mais se estimula o texto curto, pois é o espírito da época, e vemos isso em Twitter e outras "ferramentas" da Internet, mas ao mesmo tempo cada vez se publica romances. Para o senhor, para onde está indo a literatura?
CORTEZ: Os romances sempre terão vez. Sempre existirá espaço para a literatura. O texto longo e o texto curto. Sempre haverá espaço para todos. E essa febre, essa loucura de alguém ter mais de 100 mil seguidores, e essas coisas, isso tudo me parece que é passageiro.
18. Que mensagem deixaria para o nosso leitor?
CORTEZ: Já tem o privilégio de ser leitor! Que continue lendo. Cada vez mais. Qualquer dúvida que eu tenho, sempre há um livro capaz de esclarecê-la. É importante continuar lendo. Sempre recorro a um livro. Qualquer que seja o problema. Esteja eu com a unha encravada, ou com o coração muito apaixonado. Sempre encontrarei uma resposta que me satisfaça.
CORTEZ: Nasci num sítio no município de Currais Novos, no RN, e desde os cinco anos já ajudava os meus pais nos afazeres diários, e no sustento da família. Fiz um pouco de tudo. Fui garimpeiro, balconista, vendia frutas carregando um balaio pelas ruas, já aos 18 anos, quando após me alistar na Escola de Aprendizes de Marinheiro, em Janeiro de 1955, tornei-me militar, e tive que lutar muito para garantir as minhas despesas pessoais. Durante oito anos fui militar, até ser cassado. Então vim para São Paulo.
2. Como foi a sua vida em São Paulo?
CORTEZ: Quando aqui cheguei, tive muita dificuldade para conseguir emprego. Trabalhei num estacionamento e comecei lavando carros. Em 1966, após prestar alguns vestibulares consegui entrar no curso de Economia da PUC, onde me formei. E foi na PUC que abriu-se para mim o universo dos livros. Sob encomenda comecei a vender livros para os meus colegas da classe. Fui ganhando a confiança dos professores e dos alunos e um dia, num corredor da PUC, abri a livraria Cortez&Morales, uma sociedade que durou 11 anos. No início de Janeiro de 1980, criei a Cortez Editora e Livraria Ltda, que é onde estamos agora.
3. Qual a importância da Livraria Cortez para o contexto da época?
CORTEZ: Vivíamos numa ditadura. E desde o início, a livraria tornou-se uma opção para os que buscavam uma literatura comprometida, "de esquerda", uma literatura que nem sempre era encontrada nas outras livrarias. Depois, encorajado por professores e alunos da PUC, tornei-me editor.
4. Qual foi o primeiro livro lançado pela sua editora?
CORTEZ: Foi "Metodologia do Trabalho Científico", de Antonio Joaquim Severino. que, podemos dizer assim, tornou-se um clássico no mundo acadêmico.
5. Quem é o senhor Cortez?
CORTEZ:Uma pessoa que não sofreu mudança com relação à questão social, naquilo que se relaciona com os semelhantes. Sou uma pessoa sempre pensando no Ser Humano, na família. Sempre trabalho nas publicações com amor, pensando em todos, em cada leitor. Nos que são capazes de ler, para levar às pessoas mensagens que possam ajudar a se ter uma sociedade mais justa.
6. Para Emerson, e também para Montaigne, a biblioteca é um salão mágico onde estão encantados os melhores espíritos da humanidade. Como o senhor vê a biblioteca hoje? Falta investimento? Ela precisa mudar? Modernizar-se mais ainda? Fale-nos sobre a biblioteca.
CORTEZ: Ainda é o lugar ideal para se pesquisar, estudar, ler, refletir. Principalmente para as pessoas sem recursos. Quando cheguei a São Paulo, utilizei e muito a Biblioteca Mário de Andrade.
Biblioteca é essencial. Mas, precisa de atualização, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais. Imagine então as cidades menores. Todas as pessoas devem ter as mesmas oportunidades, e estão em desvantagens com relação aos grandes centros. Não têm biblioteca. Eu, veja só, quando estava no sertão do Nordeste, em Currais Novos, no Rio Grande do Norte, nunca entrei numa biblioteca. Que atraso sofri! Veja que nas Bienais de Livro conseguimos a participação maciça de crianças, jovens e adolescentes. Os governos Municipais ou estaduais, cada qual com a sua forma de fazer política, dão a sua contribuição, fornecem recursos para professores e alunos, como acontece em Pernambuco e no Ceará, onde ocorrem distribuições de recursos e de livros. Considero um belo incentivo a iniciativa governamental de dar o Vale- Cultura.
7. Borges, numa histórica palestra em Universidade na Argentina, disse que o livro passou por diversas valorações. Inclusive, para ele, é um objeto de culto, não no sentido religioso, claro. E para o senhor, o que é o livro? O que ele representa ou simboliza?
CORTEZ: O suporte mais importante para a transmissão do conhecimento. Sempre me vali dos livros. E comecei a ler tarde. A leitura me levou ao que sou hoje. Só ela poderia me fazer isso! Só ela! Hoje não consigo ficar um dia sem ler!
8. Na feira de Frankfurt, recentemente, anunciou-se o ano de 2018 como a data em que o livro digital vai triunfar, vai finalmente dominar. Qual a sua expectativa diante disso?
CORTEZ: Não devemos desconsiderar a tecnologia. E ela vai ajudar a vender o livro de papel, pois as pessoas não vão deixar de ler essa forma do livro. Vão se cansar de ler na tela, e não vão guardar os livros digitais. Pode haver na leitura uma grande dispersão do conhecimento, pois o computador favorece isso. É muito fragmentado, às vezes muito supérfluo. Um livro de Sociologia, de Filosofia, de Economia, enfim, obras que tratam desses assuntos, exigem muita concentração. O computador não se aprofunda, quer dizer, não permite, na maioria das vezes, um aprofundamento. Entretanto, nós, aqui da Editora, estamos muito atentos a tudo isso. Veja que vai acontecer um congresso nos EUA sobre esse tema e um colaborador da Cortez irá participar.
9. Considera que a Literatura Infantil é apenas para crianças?
CORTEZ: De maneira alguma. Foi após ter lido um livro Infantil que tomei a decisão de investir nesse segmento. Ao ler "Sebastiana e Severina", de André Neves, fiquei emocionado. O livro me influenciou e mudou os meus rumos, ampliando os caminhos de nossa editora. O assunto tratava de uma igreja, uma cidade na Paraíba, da rendeira, transportou-me imediatamente para Currais Novos, nos anos 50. Um livro infantil fez isso! Toda a minha saudade, todo o meu sentimento, todas as lembranças, a minha própria infância, tudo isso foi recuperado no livro, então abriu-se, a partir dessa leitura, um outro segmento para a nossa editora.
10. Conte-nos um pouco mais sobre isso.
CORTEZ: Em 2004 estava a pensar em um novo segmento editorial, e como sempre participei e participo das entidades de classe, e sempre gostei de estar por dentro do que está ocorrendo no mercado livreiro, já estava eu em uma reunião da ANL, a qual fui o fundador. Já sentia que não dava para continuar apenas com a área acadêmica. Não havia mais correspondência entre a efervescência universitária e a venda de livros, por conta de alguns fatores, entre os quais a cópia. Havia em minha mente três alternativas: auto-ajuda, religião e infanto-juvenil. Lemos e discutimos muito. A primeira não se encaixava dentro do perfil da nossa editora. A Religião, além disso, já tinha e tem ótimas editora que a divulgam muito bem. Desse modo, só restou Literatura infanto-juvenil. Percebemos o quanto essa é uma área que tinha espaço. Viu como a leitura de um livro infantil influencia uma vida adulta? Li com 60 anos e não era criança. Os adultos se encantam com a história infantil, principalmente os que não tiveram infância. Vou contar um fato: enviamos para o Governo de Fortaleza mais ou menos 100 mil exemplares de um volume da coleção infantil "Nossa Capital", um livro para cada criança. Na feira de Fortaleza pudemos constatar que todas as crianças e seus pais sabiam a história da cidade. Quão importante foi esse livro infantil! Eis um exemplo concreto. Os adultos aprendem também. O livro leva ao caminho certo, como aconteceu comigo quando li "Sebastiana e Severina".
11. Qual a sensação do senhor quando um novo livro é lançado pela sua editora?
CORTEZ: Quando publico um texto sempre acho que a sua mensagem vai trazer felicidade para alguém, além do conhecimento. Cheguei aqui sem nada. Mas sempre busquei na leitura o apoio, a ajuda. Um pai que leva um livro para o filho está fazendo uma grande ação. O filho, ao receber o livro, deve aprender a pensar: "Meu pai trouxe um objeto importante." É assim que eu vivo. Penso que é assim que deve ser. Plantar as coisas, fazer uma boa ação, no sentido de que as pessoas utilizem essa boa ação. Tive muita ajuda em minha vida. O respeito pelas pessoas vem da infância, uma dose grande da minha educação eu trouxe de onde nasci. Por isso, a cada livro que publico sinto uma felicidade.
12. Como leitor, desde que tenha se encantado a primeira vez com a leitura de um livro, qual é o seu gênero preferido de literatura? Poesia? Conto? Romance?
CORTEZ: Gosto de ler sobre Política, Sociologia, Filosofia. Aprecio também a literatura real, aquela que fala da vida. Li, recentemente, "O Caçador de Pipas". Gosto, de um modo geral, das obras que falam da questão da Educação no país. As nossas coleções sempre nascem da vida, de um acontecimento, de uma experiência pessoal, algo que eu vivi. Temos como exemplo a coleção "Preconceito". Tem também um pouco de história. Muitas das histórias foram pensadas por mim. Veja esse caso: eu estava numa reunião de editores, e o presidente da Entidade falou que um editor Inglês iria dar uma palestra. Alguém sugeriu a contratação de um tradutor. O presidente respondeu: Não acredito que vamos ter que contratar um tradutor! Não é possível que um editor não saiba falar Inglês! -"Que preconceito", pensei na hora. Criei então a coleção "Preconceito", que é um sucesso de vendas, E assim foi indo. Certa vez apareceu alguém da França, amigo de Edgar Morin, e tinha uma deficiência e aí fui vendo nos preconceitos o quanto o mundo, a humanidade, ainda é deficiente de respeito, de entendimento das coisas que são essenciais, de ética, de amor. A coleção aborda o preconceito contra o deficiente, contra o homossexual, e assim por diante, a cada volume.
13. Diga algo que realmente o deixa bem triste e decepcionado nos dias atuais.
CORTEZ: São tantas coisas, mas vou citar algumas: A Política me decepciona e me entristece. Sou nordestino, sei as deficiências e as promessas. Minha família está lá, no Nordeste. Agradeço e reconheço as coisas boas: minha casa nunca teve energia elétrica. Isso é uma coisa boa. Mas a Política me decepciona profundamente. Entristece-me também a questão de como as pessoas sobrevivem em tantas desgraças, tantos assaltos, tanta perversidade. As pessoas vivem amedrontadas. Tanta perversidade me entristece.
14. Fenômeno de vendas, obviamente: O que pensa sobre os livros de auto-ajuda?
CORTEZ: Qualquer leitura sempre traz benefícios para o leitor. Pode concordar, pode não concordar. Não concorda, não sente. Mas desperta a questão do hábito de ler. E quando a pessoa adquire o hábito de ler, começa a refletir, a questionar. "Dia da Consciência Negra". O que é isso? O que eu tenho a ver com isso? A pessoa passa a querer entender. Não busco as minhas coisas em auto-ajuda. Tenho outras prioridades, outros prazeres. Se não os tivesse, se não tivesse outras opções como eu tenho, certamente iria ler um livro de Auto-Ajuda, sim, iria lê-lo.
15. Tem alguma ideia ou sugestão que possa contribuir para política governamental com relação ao livro?
CORTEZ: Todas as iniciativas com relação ao livro, ao incentivo da leitura merece aplauso e apoio. Veja, um patrocínio da UNESCO, ajudando ao governo brasileiro a desenvolver esse hábito, ONGs, universidades, entidades, todos lutando hoje por essa questão da leitura. O Brasil está bem. Acho que há um espaço grande para resolver essa questão. A política editorial do governo quer privilegiar as pequenas e médias editoras. O PNBE agora faz um levantamento dos 20 títulos de cada editora. Todas as iniciativas são válidas.
16. Insisto nesse tema alvo de curiosidade e estudos de filósofos através dos tempos, e também de escritores: o que é para o senhor a Felicidade?
CORTEZ: Considero-me um homem feliz. Para mim, felicidade é praticar bons atos, ser solidário com todas as pessoas, principalmente com aqueles que precisam mais, precisam de mais carinho, mais compreensão. Para mim, a felicidade consiste em passar a felicidade para essas pessoas, que são as pessoas da sua convivência. Se você começa com elas, passará depois a felicidade para todas as pessoas que encontrar em seu caminho.
17. Vivemos numa época de contrastes: cada vez mais se estimula o texto curto, pois é o espírito da época, e vemos isso em Twitter e outras "ferramentas" da Internet, mas ao mesmo tempo cada vez se publica romances. Para o senhor, para onde está indo a literatura?
CORTEZ: Os romances sempre terão vez. Sempre existirá espaço para a literatura. O texto longo e o texto curto. Sempre haverá espaço para todos. E essa febre, essa loucura de alguém ter mais de 100 mil seguidores, e essas coisas, isso tudo me parece que é passageiro.
18. Que mensagem deixaria para o nosso leitor?
CORTEZ: Já tem o privilégio de ser leitor! Que continue lendo. Cada vez mais. Qualquer dúvida que eu tenho, sempre há um livro capaz de esclarecê-la. É importante continuar lendo. Sempre recorro a um livro. Qualquer que seja o problema. Esteja eu com a unha encravada, ou com o coração muito apaixonado. Sempre encontrarei uma resposta que me satisfaça.
Fantástica entrevista com o Sr. José Xavier Cortez! Fiquei emocionada em reconhecer na opinião de um homem semelhanças com a minha própria opinião, visto que tivemos experiências distintas. Assim é que eu considero a força de transmissão de energia: Está no ar e é captada, transformada, melhorada... Bem haja!
ResponderExcluirParabéns por vocês dois, homens da literatura. A PALAVRA FIANDEIRA teve um bom começo.
Um grande abraço,
Joice Worm
Ótima entrevista...Quero parabenizar a iniciativa da revista. Aceito o convite e estarei enviando esta semana um artigo.
ResponderExcluirAbraços
Pela iniciativa e proposta cultural da revista estarei indicando hoje como blog da semana no História Viva. Abraços e sucesso a Revista.
ResponderExcluirConhecendo muito bem esse sertanejo de Currais Novos-RN, parabenizo pela entrevista: verdadeira e fiel aos princípios éticos e morais de um cidadão consciente, e que a leitura lhe ensinou os mais belos caminhos. Parabéns.
ResponderExcluirMaravilhosa a entrevista! Parabéns, Marciano! Parabéns, Cortez! Que esta dupla continue fiando histórias maravilhosas!
ResponderExcluirMARCIANO VASQUES, bom dia, de um dia belo, ensolarado aqui nas beira do Mar em Balneário Camboriú. Tenho acompanhado seus projetos desde o inicio, e se não me falha a memória, eu estava exatamente nesta data no ano passado em NY, e, foi quando de lá cheguei aos seus Blogs, ficando maravilhada com os livros de leitura para crianças. Hoje recebo sua correspondência onde me faz um convite para ser correspondente cultural e artístico aqui deste Paraíso onde moro, como recusar a um belo projeto como este, pois seus espaço prima pela boa qualidade, aja visto a entrevista com o Sr. José Xavier Cortez.
ResponderExcluirFica aqui o meu aceite, esperando suas coordenadas para que eu possa desenvolver o material sobre, e como devo enviar,
desde já, muito honrosa com seu convite,
Efigênia Coutinho
Presidente Fundadora
AVSPE
www.avspe.eti.br/
Marciano,
ResponderExcluirParabéns pela bela entrevista com o Sr. Cortez (que admiro muito).
A Palavra Fiandeira vai fiando, fiando letras, fiando versos, fiando literatura e vida.
Um grande abraço.