EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

domingo, 27 de dezembro de 2009

PALAVRA FIANDEIRA 6

 PALAVRA FIANDEIRA 
REVISTA DE LITERATURA
ANO 1- Nº 6 - 27/DEZEMBRO/2009


NESTA EDIÇÃO:

 CARMEN EZEQUIEL ENTREVISTA
NINO RALEIRAS
Diretamente de Portugal

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SOMBRAS COMUNS
Entrevista a Nino Raleiras

Por Carmen Ezequiel
 Carmen Ezequiel é colaboradora de PALAVRA FIANDEIRA

Por cá, há o costume de se dizer que os “olhos são o espelho da alma”.
Na 2ª edição de Sombras Comuns, entrevistamos a alma de um homem que, como ele refere, adora o seu olhar (pessoalmente, eu também). Um olhar descontraido, mas atento.
Descontraido de Ser humilde.

Atento a todos os pormenores, captando-os nas imagens que recolhe através da lente da sua objectiva, usando a câmara fotográfica como ponte para o que vê e não vê, exprimindo o seu sentir e estar.

Aqui, entrevistamos Nino Raleiras. Nome incomum numa pessoa que cedo sentiu o “bichinho” pela arte da fotografia.
Aqui vos apresento o Nino, uma pessoa comum, como tu e eu.


Esta é uma fotografia que ele próprio designa de “a foto”.
Revela os traços que tem até hoje”, diz. “Foi tirada no local onde tive acesso a muitas máquinas fotográficas antigas, onde primeiro vi uma fotografia ser revelada, onde o “bichinho” começou” – comenta melancólico pelas recordações.

Este era o resultado de “uma paciência inesgotável” que o “fotógrafo que me conhecia desde sempre” tinha para lhe conseguir um sorriso.


Vejamos agora as diferenças. Este é o olhar descontraído, atento e actual do Nino, que nos cativa de imediato, pela sensibilidade que transparece.

Carmen Ezequiel -
Define-te em três linhas.

Nino Raleiras – Defino-me como alguém que adora aprender (seja sobre psiquiatria, desporto ou experiência de vida, o cheiro das cidades e do campo, o riso das crianças e a sabedoria dos mais velhos). Ler e ser levado a vários mundos por uma música.

Intenso em tudo o que me apaixona; seja uma mulher ou uma causa.

Abençoado pela família, amigos e meio ambiente, que me rodeiam.Teimoso e sempre com uma pergunta pronta, seja qual for o assunto.


– Vamos dar a conhecer um pouco da nossa terra lusitana a todos os que lêem PALAVRA FIANDEIRA. Qual a cidade, em Portugal, com a qual mais te identificas e dá-me cinco boas razões para a tua escolha?

– Portugal é um país pequeno, mas recheado de pequenos contrastes.

Lisboa é a cidade mais bonita que conheço, com as suas colinas, gentes e diferentes cheiros.

Tem um local que transborda vida: o Bairro Alto, com as suas lojas alternativas durante o dia e, os seus inúmeros bares, que tornam qualquer noite pequena.

A sua incomparável luz torna-se ainda mais bela quando refletida pelo rio que a banha.

Há uma imagem típica de Lisboa que ninguém que a vive consegue esquecer: o cheiro a castanhas assadas em plena rua nos primeiros dias do Outono.


Existe, no entanto, uma zona de Portugal que me traz a paz de espírito que necessito: o Alentejo e, mais concretamente, a zona que se encontra entre a magnífica e romana cidade de Évora e a raiana cidade de Elvas.

Aí posso encontrar família e amigos.

Provar os melhores pratos e vinhos.

Perder-me naquela planície.

Durante muito tempo não percebi o verdadeiro significado da frase que me diziam quando chegava – “então, quando abalas?”. Pensava que queriam saber quando me ia embora, mas na verdade o que pretendiam era saber quanto tempo podiam estar comigo.


– O que é Menos que Zero? Porque sentiste a necessidade de criar um blogue?

– Há muitos anos que sentia a necessidade de me exprimir para lá das conversas ou dos escritos que fazia em qualquer folha de papel, mas que nunca guardava.
Por outro lado, sempre fui muito discreto e raramente falava sobre mim, somente o essencial, sendo um desconhecido para as pessoas com as quais convivia.

O blogue surgiu como uma tentativa de me abrir ao exterior, de me expor. Não sabia o que esperar, nunca tinha feito nada parecido.



– “Será a cultura dos blogues um instrumento da vaidade?” Acreditas nisso? Que todos os que utilizam este meio para se exprimir fazem-no por vaidade?

– Claro que a vaidade está presente nos blogues. Embora não considere que ela seja o principal motivo para a maior parte dos bloggers do mundo inteiro. A vaidade mostra-se na forma como se apresenta um texto, uma fotografia ou uma música. Nas opiniões que se expressam ou na riqueza das experiências que ali se partilham.

Há quem tenha aderido aos blogues porque a isso é praticamente obrigado. Seja por motivos profissionais ou porque é isso que deles se espera.
Mas, certamente que cada um terá os seus motivos para criar e manter algo que pode tanto ser muito pessoal, como somente uma partilha de informação.



– No teu espaço presenteias-nos com fotografias várias. A fotografia sempre foi uma paixão para ti? A imagem que captas é um reflexo das tuas emoções e estado de espírito? Que outras formas de arte te auxiliam no dia-a-dia?
– A minha formação académica foi em Contabilidade e em Direito e, a expressão através das formas consideradas como “artes” tem surgido gradualmente e com uma maior incidência nos últimos dois anos.

Se na fotografia tento captar um momento que, posso não estar só a ver, mas principalmente a sentir.

Na música experimento a luxúria de ser levado por alguém a um estado de alegria ou tristeza. Na leitura tento, muitas vezes, entrar na cabeça de quem escreve, naquilo que pensa, na fase da vida em que se encontra.
Com a pintura experimento a libertação. A mistura de cores que, talvez só eu entenda, as palavras que tapo e ninguém vê.

Na escrita exponho-me. Chega a ser dolorosa essa exposição, pois abro uma porta que era desconhecida. Sujeito-me a ler opiniões, igualmente cruas e sinceras, que sinto me tornam melhor.


– Tudo isso é um meio para te abstraíres da rotina, ajudar-te a equilibrar a mente e a “manter a coluna vertebral direita”?

– Há muito que optei por viver sem a rotina que nos torna mais um marionete num palco cheio deles.
Procuro informar-me sobre o mundo que nos rodeia. Podendo assim ter a opinião sobre diferentes assuntos e não, tão-somente, seguindo uma corrente que é da maioria. Não aceito que decidam por mim, quando tenho essa possibilidade, assumo-a, muitas vezes com um sorriso, tentando ser o mais justo possível.

É talvez aí, que mais se entenda a minha verticalidade, a tal “coluna vertebral direita”, que mais se vinca quando mantenho a minha posição. Desde que nela acredite, mesmo que isso me traga dissabores ou não cair nas boas graças de alguém. Por aqui também se vê o meu “feitiozinho lixado” que, em algumas situações, já me fez ser a única “ovelha” de cor diferente.



– Também utilizas um pouco da ironia para exprimires as tuas revoltas com as adversidades da vida. Isso faz parte da tua teimosia e “feitiozinho lixado”, como dizes? O que te faz infeliz e perturba emocionalmente?

– A ironia acompanha-me desde sempre. Uso-a muitas vezes. Permite-me expressar opiniões com um sorriso. Não tenho tido grandes adversidades na minha vida. Nem tão pouco me sinto revoltado. Exprimo alguns sentimentos pontuais, que duram pouco, pois é com alegria que vivo e aproveito tudo o que me chega.

O que me entristece, e de certa forma, me perturba emocionalmente são as injustiças sofridas por pessoas que sempre procuraram fazer o bem.

A cegueira que não permite ver para além do que se pretende.



– Gostaria que escolhesses uma das tuas fotografias preferidas e nos dissesses o porquê da escolha.



– Esta é a fotografia que mais gosto. Foi tirada em Gênova, num bairro onde as prostitutas se sentam de dia à porta de casa, aguardando pelos clientes.

Evitam a todo o custo serem fotografadas.

Três delas estão ao fundo e vêem um padre que se dirige para onde elas se encontram e, que emana uma luz muito intensa.

Gosto muito das contrariedades e contrastes que esta foto transmite.

Prostitutas.

Padre.
Bairro escuro num dia cheio de sol.

Um branco celestial num padre negro.


– Perguntaste porque te escolhi para esta entrevista. Eu respondi : “e, porque não!?”. “Se caminhas diariamente pela burocracia, ouvindo 'estórias' e desgraças alheias”, porque não ouvir um pouco da tua “estória”? É disso que trata este espaço: da vida de vidas de pessoas comuns, como tu e eu. Queres deixar alguma mensagem para o leitor do PALAVRA FIANDEIRA?

– O Palavra Fiandeira permitiu-me descobrir pessoas muito interessantes e, com quem, provavelmente, não me iria cruzar. Porque são comuns, porque são discretas na sua beleza. Qualquer homem normal e apaixonado pela vida poderia aqui estar. Coube-me a mim o privilégio.


Pedi ao Nino e, porque ele tem sempre uma questão para qualquer assunto, que terminássemos esta entrevista com uma pergunta feita por ele. Questionando-me sobre o meu poema favorito, partilho convosco um dos muitos que tenho.

De Originis – J. O. Travanca Rêgo (conterrâneo de Vila Boim)




Não nasci do Nada. Mas

De ruínas que aí estavam

- em flor – sementes altas!

Filho da terra sou.
Bebo um sonho de água…

- Serei

a pura poeira inominável
em ruínas mudas sem colunas,

túmulo sem corpo

: história indecifrável?”




E, assim se chega ao final de mais um Sombras Comuns. Agradeço ao Nino pela simplicidade das suas palavras e pela virtual conversa que tivemos.




Aqui, fala-se de tudo e de nada.

De tudo o que somos.

De nada que ninguém é.



Carmen Ezequiel

7 comentários:

  1. HOLA CON MUCHO ESFUERZO, PUES NO SE PORTUGUÉS, HE IDO LEYENDO, ESTA INTERESANTE ENTREVISTA.

    MI ADMIRACIÓN HACIA NINO, UNA PERSONA LLENA DE HUMANIDAD Y UN BUEN FOTÓGRAFO QUE SABE CAPTAR LA BELLEZA DE LA NATURALEZA DE PORTUGAL Y LAS DISTINTAS FACETAS DE LA VIDA COTIDIANA.

    LA POESIA ME PARECE PRECIOSA.

    GRACIAS A CARMEN EZQUIEL, POR ESTA ENTREVISTA Y A MARCIANO VASQUES, POR DEJARME ENTRAR EN ESTA CASA AZUL LLENA DE CULTURA.

    UN ABRAZO DESDE VALENCIA, Montserrat

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  2. Se tiverem curiosidade, este é o blogue:
    http://menosqzero.blogspot.com/

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  3. "então, quando abalas?"
    já trouxe dissabores a algumas pessoas que conheço mas realmente sou da opinião do Nino é mesmo saber quanto tempo se pode ter a companhia...


    gostei da entrevista e principalmente do poema escolhido

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  4. É sempre bom conhecer um pouco mais de quem se conhece!
    Estão de parabéns os dois conterrâneos.

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  5. Parabéns meu caro! A tua paixão materializou-se e até já se internacionalizou! Só prova que nunca é tarde para dar asas aos nossos sonhos! Grande abraço

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  6. Sabe sempre bem passar por este cantinho em busca de mais um pedaço de serenidade e inteligência.
    Também me iniciei na "nobre arte" de escrever um blogue, e concordo que terá um pouco de vaidade mas é sobretudo o querer partilhar experiências, abrir uma janela ao mundo para expor um pouco do que somos.
    NArez

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