PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DE LITERATURA
ANO 1- Nº 5 - 15/DEZEMBRO/2009
NESTA EDIÇÃO: GLÓRIA KIRINUS
COM OS LEITORES, UMA PROSA QUE É UMA POESIA
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É preciso que a força da poesia invada os corações aflitos. Ela é mesmo uma força, que está além do simples trançar das letras, das rimas, dos rumos e dos muros. Talvez seja apenas a mais delicada forma de se dizer. Aquilo que está nela é ela. PALAVRA FIANDEIRA é também poesia, e vela pelos que embelezam a alma. Nesta edição uma poetisa, uma escritora, uma autora de livros infantis. Ouçamos a sua palavra, vamos nos enredar em sua leveza. Quem sabe ela nos poderá dizer que o mundo pode ser como o menino e a menina querem. Com vocês, PALAVRA FIANDEIRA! Seguindo a sua audaciosa trilha da felicidade.
GLÓRIA KIRINUS
Como tecer Glória Kirinus? Como compreender a sua força poética, mansamente refugiada nas frestas dos afazeres cotidianos? Talvez seja de fato apenas uma observadora, ou esteja a extrair dos cantos e recantos das cidades por onde vagueia, a poesia, aquela que a si catalisa o que é puro e sincero. Ela batiza o mundo com as suas sílabas, escreve para crianças, e tateia ousadas reflexões.
Glória Kirinus é poeta, e tem consciência da sua imensa responsabilidade, por isso transita longe das flores banais.
Consegue estar no olhar da criança, e, dona do aprendizado do cerzir as cicatrizes, também encanta-se com a oralidade infantil, por isso segue com verso e conversa com os pequenos.
É teórica e é prática, e a sua prática reside no poetizar. É assim que responde ao mundo e é assim que demonstra o seu estar. Com a sua palavra fiandeira nos leva ao acalanto dos olhos e nos enriquece.
ENTREVISTA
GLÓRIA KIRINUS
PALAVRA FIANDEIRA
EDIÇÃO 15 DEZEMBRO
1. Quem é Glória Kirinus?
No espaço: um pouco peruana, um pouco brasileira.
No tempo: uma sexagenária distraída que perdeu de vista a folhinha que marca os anos.
Na vida: escritora, leitora, mulher, mãe, avó, filha, irmã, amiga.
No trabalho: formiga e cigarra inventando ofícios todo dia... com alguns títulos acadêmicos para avalizar as ousadias.
No planeta Terra:uma habitante a mais
No céu astrológico: canceriana, com lua dupla e ascendente em aquário.
2. Em um de seus cursos, disse que "Ler, Escrever e Compreender um poema ajuda a respirar melhor". Fale-nos sobre isso.
No momento em que estou finalizando um livro teórico “Sintomas de Poesia na Infância”, onde aproveito a terminologia médica para equilibrá-la com a conduta poética da criança, essa pergunta é bem pertinente. Não vou sozinha nessa percepção da poesia como canal de auto-conhecimento e cura do corpo e da alma. Bachelard me acompanha. É ele quem diz:
“toda criação deve superar uma ansiedade. Criar é desatar uma angústia. Deixamos de respirar quando somos convidados a um esforço novo. Há assim uma espécie de asma do trabalho no limiar de toda aprendizagem” (A terra e os devaneios da vontade p. 114).
Não duvido que ler, escrever e compreender um poema ajude não apenas a respirar melhor, como também a viver melhor. Algo de córtex frontal deve ser tocado com a leitura e a escrita. Algo de contaminação feliz deve provocar uma inédita dança celular no corpo e na alma. Algo... Mas quem sou eu para entrar em áreas que apenas adivinho?
3. No curso Lavra- Palavra, revela a sua paixão pelo poético na oralidade infantil. Em que momento da sua vida tal paixão começou a se manifestar?
O curso “Lavra-Palavra” foi meu melhor invento. É por causa dele que conheci muita parte do Brasil. E a cada curso ministrado amplio e ganho aval precioso dos participantes. Não são poucos os que se descobriram poetas com o curso. Eles estão por aí, com suas publicações. E às vezes, alguns brincam de aprendizes e visitam o curso quando o encontram nas suas cidades. Digo, então, não tenho mais nada para ensinar a você. E ficamos cúmplices de um aprendizado que nunca termina.
A oralidade infantil me cativa e surpreende. Numa época da minha vida fui professora do atelier de literatura, das primeiras séries, no colégio Integral de Curitiba. Foi ali que nasceu o “Lavra-Palavra”, movido pela fertilidade poética da oralidade infantil. Além disso, sou mãe de três filhos que já foram crianças e sou avó. Sempre me chamou muito a atenção essa percepção poética do mundo que as crianças demonstram a cada conversa.
4. Uma criatura fiandeira sempre merece o nosso respeito. Quem é a Aranha Castanha, de seu livro "Aranha Castanha e outras tramas"?
A primeira crônica explica. O fato foi real. Constatei uma aranha no meu travesseiro. O espelho me devolveu um terceiro olho na minha testa. Motivo suficiente para desenvolver o texto. Mas como eu sou um pouco castanha e sou fiandeira de palavras, nada impede que divida esta identificação com a aranha castanha, que graças a Deus, não é marrom, do contrário seria mortal. E esta aqui é apenas estranha.
Em suma a “aranha castanha” é uma rendeira que aprendeu as manhas com a Sherazade, com Penélope, com Esther, Aracne, Ariadne, essas mulheres que adoram fiar e desfiar os desafios da vida e do texto. Juntar fios e organizar os mesmos, num acabamento estético é nossa arte. Mas somente nós sabemos dos avessos do pano. Quanto tecido desfeito pela fiandeira exigente. Quanto nó solto ou com arremate firme. O lado direito é o texto final, acabado. É o resultado de muita trama, muito tear que o leitor terá o prazer de ler.
5. Sintomas da poesia, da filosofia, da felicidade. Eis aí coisas extraordinárias. A sua literatura é uma busca da felicidade?
“Sintomas de Poesia” é o título de um livro teórico que está no prelo e deve ser publicado em 2010.
A Literatura, entre outras artes é uma contra-indicação contra a morte. O autor se multiplica em outros e de tanto não caber em si é capaz de sentir como Mário de Andrade: eu sou trezentos, sou trezentos e cincoenta, mas quem sabe, um dia, toparei comigo. Só que nenhum criador quer topar com ele mesmo. Daí para de procurar-se entre os trezentos, entre os trezentos e cincoenta ... Como não ser feliz com a companhia e possibilidade do viver com diversos personagens da literatura? Como não descobrir-se neles? E se o desamor te pega de assalto, como não encontrar outro amor que não maltrate ninguém, na leitura de Tomás Antonio Gonzaga, por exemplo? Quem não foi a Marília de Dirceu, ouvindo as palavras bonitas, na leitura do poeta árcade?
Minha literatura permite que as montanhas ou os sapatos conversem. E junto formiga com cigarra (formigarra/cigamiga) e tartaruga com lira (Tartalira). Será esta uma maneira de promover a conciliação de aparentes apostos? De unir as disjunções? Então, talvez escrever seja uma maneira de ser feliz.
6. Seu enredo passa pela Pedagogia Freinet, pode sintetizar ao leitor tal pedagogia, destacando um de seus princípios?
Meu enredo? Olha que você está acreditando mesmo que eu tenho alguma cumplicidade com a “aranha castanha” rsrsrsrsr.
O meu encontro com Célestin Freinet foi um acontecimento na minha vida. Quando aconteceu o encontro internacional de educadores Freinet (RIDEF)em Florianópolis, a diretora da escola onde eu lecionava me pediu que representasse o escola, com minha oficina “lavra-palavra”. É claro, que não aceitei. Eu nem sabia quem era Freinet. Quando levei este argumento, ela me falou muito categórica e serena, ao mesmo tempo: Freinet é você. Levei tamanho susto, porque eu estava viva e nem me imaginava homem. Voltei para casa com uma pilha de livros de Freinet. Me reconheci em muitos momentos. E até agora, muito do que falo em relação a educação, mais tarde confirmo em Freinet.
7. Há um grupo de curitibanos apoiado pela senhora, com estudos e produções baseadas em Heráclito e Bachelard. Está certa a minha afirmação? Conte-nos sobre esse grupo.
Ah, eles são meus poetas da biblioteca Pública do Paraná. Devo a eles a qualidade de ser palestrista com platéia garantida. Nunca me abandonam e nem me deixam falando sozinha. Então, são eles que me apóiam e não o contrário. E são meus interlocutores também. Logo, logo, o link desta entrevista estará fazendo parte de inúmeros blogs e redes de contato que eles muito bem administram.
Acompanharam minha pesquisa de pós-doutorado: tempo de maradigmas. Esta pesquisa tem muito de Heráclito e de Bachelard. E por aí vamos,e por aí vão, me fazendo acreditar que a poesia reconstrói nosso olhar e nossa relação com o mundo.
No momento estou escrevendo a apresentação do novo livro do grupo: Pó&teias II.
8. Riqueza de imaginário e de esperanças, o texto comovente de seu livro O Sapato Falador: Como surgiu a inspiração ou a ideia desse livro?
Na época que eu tinha TV, assistia por volta de 1984, cenas de uma trágica enchente, no Sul do país. “O Sapato Falador” foi meu primeiro livro editado em 1985. Agora, reeditado pela Cortez, coincidiu com nova enchente no Sul do país. Acho que o sapato novo, o sapato que se ganha é um objeto mágico e cheio de encantamentos. É lá onde está o pé. Lá onde estamos situados. Lá onde pisamos e andamos. Um sapato é esquerdo e outro é direito. Aqui tempos outra conversa entre diferentes. Mas a caminhada sugere um compasso, um acordo. O livro me trouxe muitas alegrias. Recentemente ele foi lançado na Feira do Livro de Porto Alegre e recebi retornos muito significativos de leitores de todas as idades. Por mim, que, “O Sapato Falador” fale muito ainda.
9. A senhora demonstra sentir satisfação em participar de uma Associação de luta dos autores. Como vê e qual importância atribui à participação em entidades representativas dos escritores?
Acho importantíssimo estar entre nossos pares. Acho tão importante que até aceitei a representação da mesma, no Paraná. Estamos acompanhando os avanços a nível nacional em relação aos nossos interesses, como classe leitora e escritora. Acompanho na nossa lista de discussão pelo yahoo as opiniões, descobertas, modalidades de conduta diante do mercado editorial, indagações, respostas, debates, com muito interesse. Muitas vezes recorro à lista quando preciso esclarecer alguma dúvida. Há sempre alguém que tem mais experiência em determinado aspecto. E como é bom socializar estas experiências. Sinto que a AEI_lIj está passando por um processo muito rico de fortalecimento, de visibilidade e isto não foi nada improvisado. São dez anos de trabalho pelas diferentes diretorias pelas quais passou.
10. Literatura Infantil é só para crianças?
É para todo leitor. Gosto de chamá-la de adulto-infanto-juvenil. Bartolomeu Campos Queirós faz uma pergunta bem oportuna, neste sentido: existe uma árvore para adulto e outra para criança?
Respondendo esta pergunta digo que não existe nem árvore, nem lua, nem mar sujeito a compartimentos estanques. E nem existe livro para o dia do índio, dia do médico, dia do papel, dia da vacina, nada disso. Escrevemos para crianças e sabemos que os adultos selecionam os livros e temos esses leitores encantados com nossa literatura infanto-juvenil. E a literatura infanto-juvenil brasileira tem grande prestigio no exterirr Já conferi isso em feiras de livros e encontros de literatura Internacional. O público não completa a visita se antes não passa no stand do Brasil.
Só fico um pouco sem graça quando me chamam de autora infantil. É engraçado, vai ver que é por isso que nem notei que completei sessenta nos e completarei em breve vinte e cinco anos de autora.
11. Tema recorrente nas entrevistas de PALAVRA FIANDEIRA, que já foi motivo de estudos entre filósofos e escritores através dos tempos, o que é para a senhora a felicidade?
Ser amada. Quando perguntaram uma vez para Jorge Amado, por que escreve, ele respondeu para ser Amado. Vejo aí a confirmação de uma identidade existencial e social. Ele foi Jorge Amado. Mas esse Amado sobrenome, por força de uma bela ambiguidade corresponde também a amado. Quer mais felicidade que essa?
Já que é um pouco tarde para mudar meu sobrenome, outra solução seria morar numa cidade chamada Felicidade. E já vi que ela existe. Daí as pessoas perguntariam: onde você mora? Em Felicidade.
Quando fico triste, em Curitiba, e a felicidade foge de mim. Vou para Santa Felicidade, um bairro italiano e gastronômico aqui perto. Parece que volto com a felicidade a tiracolo para casa. Em resumo, para mim a felicidade vem carregada de palavras. E eu as procuro em todo lugar, nas feiras livres, nos livros, nas ruas, no ônibus.... Daí o sucesso do mexicano Agustín Lara: acuerdate de Acapulco, Maria bonita, Maria del alma... Nunca estive em Acapulco e nem me chamo Maria, mas sei que de alguma maneira ele canta pra mim.
12. Diga-nos sobre um autor ou um livro que possa realmente ter influenciado a sua vida, de alguma forma.
Esta é a pergunta mais difícil: Heráclito? Guimarães Rosa? Monteiro Lobato? César Vallejo, na poesia? As mil e uma noites? Estou lendo com meus alunos, de um curso para formação de mediadores de leitura, este livro infinito. No momento, para mim, este curso e esta leitura é o melhor presente recebido este ano. Uma história chama outra e outra e outra...
13. Enxurrada de poetas na Internet, essa biblioteca infinita. A estética e a qualidade reduzida, o brilho a qualquer custo. Milhões de internautas são poetas. Nunca o mundo teve tanto poetas. Como interpreta isso?
Os poetas com essência poética prevalecerão. A Ruth Rocha falou numa entrevista que talento aparece. Um dia, aparece. Bons poetas serão descobertos e aparecerão. Outros, talvez descubram, lendo os bons poetas, que estão em dívida com a poesia e aprenderão. O princípio democrático que permite que todo mundo se atribua o nome de poeta somente se sustenta com poesia, com vasta e profunda poesia, aquela que seja capaz de acordar o Lázaro mais profundo e sonolento que nos habita.
14. A internet aprofundou a proliferação de poetas encomiásticos, que, em grupos, associações, entidades, listas, etc, ficam elogiando-se entre si. Como vê esse fenômeno?
È uma recuperação tribal viva. Que continuem proliferando. Que continuem se elogiando, numa espécie de conspiração vital pela arte. Entendo sua pergunta. Talvez esperasse uma crítica a esta atitude, mas vou pelo contrário, na companhia dionisíaca do prazer de estar em rede, de estar-junto de saber-se em estado de pertencimento grupal. Isto é de uma atualidade bárbara. O cotidiano que se enraíza antropologicamente em tempos milenares. Grupos, associações, entidades, listas, são marcas reais de um imaginário que desde sempre nos espia, com seu olho congregador.
15. Embora todos, obviamente, sejam importantes, se tivesse que falar de um de seus livros, qual deles escolheria?
Dentre os teóricos é fácil escolher: Criança e Poesia na pedagogia Freinet (Paulinas).
Dentre os literários...Formigarra/Cigamiga (tentando reeditar). E dentre os bilíngües “Quando as montanhas conversam/Cuando los cerros conversan” (Paulinas). Dentre os juvenis: “Aranha Castanha e outras tramas”... Esta pergunta também é difícil. Como escolher? Essa história de pedir pra mãe: qual o filho mais amado? Bom é descobrir qual o livro preferido do leitor.
16. Muitos permanecem na crença do "Eu não cito o outro, o outro não existe". Não é um comportamento literário apenas, ocorre de um modo geral nas artes. Como conviver com esse tipo de consciência? Qual a contribuição que um escritor pode dar para modificar tal coisa?
E ocorre também nas ciências e na política. É pertinente ao humano. Será que nos cabe querer mudar isso? Vejo com serenidade o ego que atua cortando fios dos outros aqui e lá. Eles não sabem o que fazem. E não sabem que o mundo é uma rede infinita de conexões. Uma teia onde um se encontra com o outro quando menos espera. E a magia da internet colabora e muito para aproximar as pessoas. Hoje em dia não há problema nenhum, se alguém se queixa de não ser citado aqui ou lá. Enquanto acontece essa queixa, pode estar sendo citado, num canto do mundo que nem imagina.
Nada melhor do que admirar genuinamente a arte e o talento do colega. Isto é um exercício estético e humanizador. Estas entrevistas da “palavra fiandeira” estão na contra-corrende de atitudes menores. Há um exercício de olhar a arte do outro. Nesse sentido me sinto profundamente agradecida e bem “existida”.
17. A senhora realiza também oficinas e cursos de crônicas e contos. Fale-nos da crônica na formação do leitor juvenil.
Desde 2004 estou inventando meu trabalho. E desde 2006 que trabalho diretamente com oficinas de criação literária e de leitura pela Fundação Cultural de Curitiba e pelo Paço da Liberdade. Curitiba está ficando uma cidade bem literária e esta mudança é recente, ou talvez eu não a descobri antes?
No momento estou ministrando oficinas de crônicas para adultos e para jovens bem jovens. Em relação aos jovens estou aprendendo sobre eles, sobre seus interesses, suas rebeldias, suas expressões tão definitivas, traduzidas pelas palavras sempre, nunca, jamais, juro, impossível. Um universo que eu não conhecia e fico também fascinada pela força expressiva deles e pelo jeito que tomam a vida com tanta determinação e preocupação com a questão profissional. Na oficina procuro levá-los ao encontro com o imaginário que eles chamam de “viajar na maionese” e morrem de medo de “pagar mico”. Daí, aos poucos, soltam-se e fazem as pazes com a maionese e até com o mico. Depois de muito riso, começam a escrever. Com a rigidez de qualquer tipo de tensão, a escrita não se solta e não acontece. A crônica permite dialogar com o cotidiano, ser interlocutor dos detalhes mínimos que são ampliados pela percepção e habilidade do cronista. E exige a escrita rápida. A inspiração é o tempo tirano que quer hora e dia para receber a crônica nova.
18. É lenda ou realidade o que afirma o sistema editorial, de que poesia não vende? Caso seja real, a que atribui tal situação?
Será que essa afirmação não foi fabricada? Já cheguei a pensar nisso, porque eu constato que as pessoas gostam de poesia e comprariam mais livros de poesia se os atendentes de livraria não estivessem sempre com respostas como: “ o livro está no sistema, mas não na livraria”; “esgotado”; “se encomendar o livro, mandam trazer”... Essas respostas desanimam qualquer leitor. Já me aconteceu de pedir livros de Sidónio Muralha nas livrarias da cidade. Ele é um poeta português que casou com Curitiba e morou bom tempo aqui. Os livreiros não sabiam quem ele era. Eu precisava repetir várias vezes o nome. E quando falaram que os livros dele não tinham e que iriam fazer pedido, etc. e tal...Eu mesma fui achar os mesmos na estante.
Acho que a poesia não está disponível. Isso é diferente do que afirmar que poesia não vende.
Tenho dois livros de poesia “Se Tivesse Tempo” e “Lâmpada de Lua”. E eles foram bem vendidos, enquanto estavam disponíveis. Tomara que eles sejam reeditados em breve.
19. A senhora destoa, pude reparar certa vez ao sentir a força expressiva de sua poética numa lista de relacionamentos literários de luta pela regulamentação dos direitos trabalhistas do escritor e do ilustrador, quando apareceu com uma intervenção puramente poética. De fato, "a poesia não pede licença e às vezes escapa em momentos pouco convenientes, causando estranhamento", como a senhora mesma disse. Falando nisso, quando a poesia entrou em sua vida?
A poesia não pede licença para acontecer. Eu somente percebo isso quando os outros (interlocutores) observam isto de alguma maneira. Em reuniões burocráticas devo ter deixado escapar alguma poesia. Ou nas perguntas que faço quando vou ao mercado, ao banco, ou nas orientações que dou para eventuais empregados. Uma vez estava ensinando uma diarista a acomodar melhor a roupa que ela devia passar para ganhar tempo e ser mais prática. Não lembro exatamente o que eu falei. Sei que falei das golas e dos punhos, e das mangas. Reparei no olhar extasiado dela (como se estivesse vendo um fantasma ou algo extraordinário). Daí ela completou: a senhora fala tão bonito!...Parece que coloca as palavras dentro de uma música. É claro que perdi a lição de passar roupa e passei para a didática da percepção de poesia. Essa foi uma definição de poesia muito espontânea semelhante àquela respondida por Ricardo Reis/Fernando Pessoa: “música que se faz com idéias.
Respondendo sua pergunta:
Será que a poesia entrou desde que nasci? Se ela me acompanha desde as primeiras palavras, talvez ela tenha se afirmado quando vim morar no Brasil. Como estrangeira prestei mais atenção nas palavras. Era uma questão de sobrevivência. E foi a poesia que definiu minha estadia definitiva aqui. Gostei demais da expressão “fazer arte”. É claro que ficaria morando num país onde todo mundo faz arte! Ah, outra expressão brasileira que gosto muito e me custou algum esforço de compreensão: cor-de-burro-quando-foge. Há outras extremamente singulares: dor de cotovelo, por exemplo. E ainda, criado-mudo...São intermináveis as palavras que aprendi com minha escuta de estrangeira. O português é uma língua estrangeira rica em analogias e metáforas...Além da preciosa sonoridade, claro. Por isso sempre digo que o português do Brasil é minha língua literária.
20. Deixe uma mensagem para o leitor de PALAVRA FIANDEIRA.
Deixo uma pergunta: qual a aranha fiandeira que lhe contou sobre esses tantos fios meus? Faz tempo que não respondia uma entrevista tão provocante como esta aqui. Obrigadíssima pela oportunidade desta prosa com os leitores de “palavra fiandeira”.
"a poesia não pede licença para acontecer", nem a beleza que transparece do sorriso desta maravilhosa alma poética. "Um habitante a mais" diz Glória Kirinus, eu digo que sem ela (sem si Glória), este mundo tinha a menos...
ResponderExcluirAdorei a entrevista, claro! Como só o Marciano sabe fazer...
Adorei conhecer Glória Kirinus que, com ela (que consigo), fiquei mais segura do caminho a percorrer.
Felicidades e uma época natalícia maravilhosa.
Se não for pedir muito, como me posso corresponder consigo, Glória?
Beijocas gorduchas
A amiga
Carmen Ezequiel
Querida Carmen, obrigada pelas palavras e pelo carinho. Estou por aqui, no Face e, claro, no "Palavra Fiandeira"
ExcluirSEMPRE é bom ler e conhecer um pouco mais sobre Glória, esta mulher de fibra, inteligentissima, com quem tive a honra de aprender sobre literatura e a vida. Excelente entrevista! Parabéns ao Marciano pela publicação e à Glória pelas belissimas respostas.
ResponderExcluirAbraços,
Andréa Motta
Que legal ter você por aqui, querida Andrea! Abraço grande!
ExcluirPalavras poéticas, assim como a vida da Glória. Todos respiramos melhor com suas palavras!!!
ResponderExcluirObrigada.
Deisi
Onde tem fios e tramas estão meus po&teios e po&teias! Que bom ter você pertinho, querida Deisi. Obrigada pelas palavras e pelo carinho
ExcluirMelhor do que ler as palavras de Glória Kirinus, seja em suas obras, seja em belas entrevistas como esta, é ouvir Glória Kirinus. Seu discurso é a própria poesia!
ResponderExcluirUm grande abraço!
Alexandre.
Alexandre, obrigada pelas palavras e pelo carinho!
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