EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

domingo, 17 de janeiro de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 11





PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
ANO 1- Nº 11- 17/JANEIRO/2010
FUNDADA POR MARCIANO VASQUES


NESTA EDIÇÃO:
MEDARDO URBINA
ENTREVISTADO POR 
ROCÍO L'  AMAR


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OS TESOUROS DO CHILOTE (1) CHILENO MEDARDO URBINA 
Há um mito surgido entre a gente que não habita o cone sul da Nossa América acerca de que a poesia escrita por estes povos (2) do selvagem e chuvoso sul austral do Chile é "lárica". Tal conceito o escutamos pela primeira vez a respeito da poesia de Jorge Teiller. destacado poeta chileno nascido em Lauraro em 1935 e falecido em Viña Del mar em 1996. Clemente Riedemann, Nelson Navarro Cendoya, Carlos Alberto Trujilo, José Teiguel, Sonia Caicheo, Rosabetty Muñoz, Elicura Chihuailaf, Omar Lara, - entre outros poetas regionais - parecem observar com mais atenção e detalhe o espaço geográfico, os heróis anônimos, e os trabalhos do campo e o mar. amando e sonhando os silêncios criativos, a devoção e a amizade. Por estas paisagens encontram-se os poetas láricos: a poesia lárica. Entenda-se como a poesia dos lares, dos lugares, do território natal, do lar, do abrigo.


A história da literatura julgará em seu devido momento
Se creias em lendas, em poetas e o carimbo de sua inspiração proverbial, na beleza poética e seus paradigmas, em movimentos literários e seus frutos, em aventuras e mistérios: ou simplesmente em uma escrita que ata ao leitor, de tal sorte que envolve em aromas e cores, lumeeiras da praia; festas tradicionais e religiosas; em solidões marinhas, em invernos de climas rigorosos; em uma gastronomia própria com pratos típicos; como o curanto (3), as batatas esfumaçadas, peru na farinha de trigo, milcao, chochoca, torresmo de porco, caçarolas de cordeiro com luche; no folclore, culto à lua, carreras à chilena, personagem mítico, como Trauco ou a Pincoya, etc, etc, nos dá uma pista sobre o berço da grande paixão do amor e a influência em suas obras da mágica paisagem que rodeia a gente do sul do Chile.

 Curanto



Homens e mulheres admiravelmente criativos
E a propósito de poetas e escritores(as) feitos à medida da paisagem, é que dialogamos com Medardo Urbina Burgos, porque ele nunca deixou Chiloé, ainda que tenha vivido muitos anos radicado na cidade de Concepción, donde trabalha: reside na comuna de San Pedro de La Paz, e dedica os fins de semana em entregar-se aos trabalhos das "abelhas". Entre suas múltiplas atividades temos abordado este temas tão interessantes para os que residem em outras regiões, e sem dúvida é um fio condutor capaz de nos transportar - poderosissimamente - à mais pura essência do homem/mulher chilote (a), a esse mundo no qual tudo é possível, ao mais enraizado ideário que poderia oferecer a memória e os olhos plenos de matizes de Urbina, o poeta, o narrador, o editor, o solidário, o amigo das abelhas, o altruísta, o andarilho incansável, o médico, o biólogo marinho, o clássico cavalheiro.
Talvez o argumento pareça um zepelin de pensamentos e eu pareça uma colecionadora de adjetivos derivados de substantivos, ou vice- versa, mas as imagens que tenho dele falam por si.
No entanto, descubra você mesm@, a possibilidade, não de fantasiar, porém de recolher opiniões e reflexões - em um sentido vital e verdadeiro - de um homem carismático nesta Palavra Fiandeira.
ENTREVISTA



1. Como diagnosticaria você, a propósito que é médico, o conceito do lárico, considerando ademais que nasceu em Chiloé, sul do Chile?

- O lárico, considerado o termo como "relativo a lugar ( o lar) é para mim um desses termos "caprichosos", pouco definidos, que parecem dizer algo, porém ao final, são genéricos e nada dizem. Explico: Usa-se muito de forma geral o horrível termo "midiático"para se referir "aos meios de comunicação", como se não houvesse ademais outros "meios", como os meios de transporte ou os meios de integração ou qualquer outro "meio", ou "vínculo" ou "transporte", mas apenas os "meios de comunicação" (televisivo, radiofônico, tátil, e o que mais houver). Isto é, o substantivo midiático é construído sobre a base de um prefixo, sendo o substantivo tal a comunicação. O termo mais lógico seria "comunicacional" em vez de "midiático", termo que me parece pegajoso e massante. Assim, com o perdão de Teillier - o lárico, isto é, (o referido a lugar) não se refere necessariamente ao sul do Chile, mas a qualquer outro local do mundo, seja urbano ou selvagem, natural ou artificial. Sensu lato.
A partir desse ponto de vista qualquer poesia que se refira ao lugar que inspira o poeta seria 'lárica". É verdade que nem todos os lugares são tão impressionantes a ponto de estimular o poeta ou o escritor. Considerando que o escritor transfere ao papel o que nele um caminho deixou, caminho que parece estar relacionado especialmente com a esfera afetiva.
Neste sentido a minha impressão é que o sul do Chile poderia exercer mais influência nos escritores dessa origem pela variedade de paisagens, pela visão cotidiana de contrastes, como a geografia acidentada e abrupta dos arquipélagos austrais, nos que se confundem a leveza do mar, com os cabos, penínsulas, montanhas ou ilhas que rompem abruptamente a horizontalidade da água. Os reflexos nas horas de calma e as nevascas e os temporais. em momentos de ira natural. Poderá ainda influir no escritor a violência dos elementos, como as poderosas chuvas que parecem intermináveis, os estrondosos temporais, a silenciosa neve, as neblinas, as largas noites de inverno, o frio penetrante da intempérie, e a suave luz e calor das chamas dos fogaréis em torno do qual os homens e mulheres se recolhem empurrados pelo furor das intempéries.
Este exemplo poderia continuar com outras circunstâncias da vida em um sul quase selvagem, ilhado e às vezes cruel, não raras vezes ameaçador e até atentador contra a vida. Como a descrição de Boldrini, (en Rain: a última descrição de um canoeiro) do barco que é arrastado pela correnteza no momento da maré baixa no charco de Guandad, junto á ilha San Pedro, no extremo sul da ilha grande de Chiloé.
O bote flutua e gira vertiginosamente até a boca do golfo Corcovado, e as desesperadas remadas são totalmente inúteis. O barco dá voltas sem eira nem beira, entre os rodamoinhos e seu único ocupante se vê tomado pela angústia , sobrepassado inexoravelmente por essa força da água, que empurra a embarcação até a outra bravura: a bravura do golfo. Se as coisas são assim em meio a silêncios profundos e solidões intermináveis, então: claro que influi o lugar geográfico na alma, no espirito e nos sentimentos do autor!

2. Crê você que ao se escrever desde a origem, ou retornar sempre à origem, como lugar geográfico, seja possível gerar uma linguagem poética, certa qualidade intelectual, certa distinção - em nível de lenda - a um grupo de poetas que vivem ao sul do Chile?

- Sempre sob o conceito de "lárico" se pode desenvolver uma linguagem que tende a ser própria para qualquer lugar do mundo onde haja um motivo para o escritor, uma inspiração (uma motivação inspirada no "extramuros") e um talento na expressão escrita (derivada do 'intramuros"). Talvez seja mais intensa e característica a expressividade poética dos sulistas, porém, particularmente, dos poetas chilotes, especialmente a partir do grupo ALMEN (A voz da montanha), nascido entre os jovens de Castro na década dos 70 e 80, sob a iniciativa de Carlos Trujillo e Renato Cárdenas. O grupo de jovens escritores e poetas teve (e segue tendo) um impacto nas letras do país pela qualidade de suas criações, o frescor da pena, e especialmente a intensidade de suas expressões (Trujillo, Rosabetty Muñoz, José Teiguel, Nelson Navarro, Nelson Torres, Mario Contrendas e José Mansilla - entre outros). E se são catalogados de "láricos" talvez seja porque o entorno penetrou em suas almas profundamente. Em suas obras emergem casas, ruas, nomes de personagens comuns, circunstâncias, comidas típicas, o tempo atmosférico, as nuvens cinzentas, as solidões, as alegrias e os infortúnios, nos quais a água já seja como chuva, lago, rio ou mar (o que mantém a flutuar um bote a remos), sai a reluzir a modo de um fundo transparente, resgatado do cotidiano dos chilotes. O bosque exuberante, os pequenos barcos à vela - cada vez mais ausentes nos canais - os pássaros, os seres mitológicos vislumbrando desde o silêncio e a escuridão da floresta ou o suave espelho dos charcos, nos amanheceres ou na penumbra que precede a noite.
A linguagem original do chilote, tem profundas raízes históricas, geográficas e culturais. Não esqueçamos que Chiloé se desenvolveu ao seu próprio modo durante quase quatro séculos, por conta da incomunicabilidade com o resto do território situado ao norte do canal de Chacao. Nesse período, enquanto no continente havia guerras, em Chiloé ocorreu uma integração amistosa e pacífica entre espanhóis e nativos, graças ao trabalho evangelizador dos jesuítas e posteriormente dos franciscanos. Durante esse período manteve - se vigente o idioma Veliche (Nome dado à variedade chilota de mapudungu) e até em certa etapa, o Espanhol quase desapareceu do vocabulário insular. O rei de Espanha teve que obrigar o uso do idioma castelhano. Com efeito, os padres jesuítas rezavam missas em línguas vernáculas. Se conserva ainda um padre em Língua chona, hoje desaparecida. O comércio e as comunicações eram mais bem com a Espanha e com Lima, que com Chile.
Este isolamento por três séculos - e a pobreza inerente - contribuiu para criar uma cultura diferente em processos, o uso da madeira em casas e artefatos (a chamada cultura da madeira), alimentação, atividades econômicas, visão da Natureza e o mundo, música, bailes, vestuários, mitologia, religiosidade e linguagem, além do desenvolvimento de uma amabilidade sincera, gerada pela rica vida familiar em torno da fogueira do fogão e à transmissão da cultura pela via da linguagem falada desde os anciães aos jovens, diferença e cavalheirismo que hoje se encontram quase ausentes no resto do país. A expressão oral e escrita do chilote, adquiriu assim traços diferentes, que se manifestam também, de algum modo, na poesia.


Cito um poema:


POBREZA E SOLIDÃO, POBREZA DUPLA
Carlos Trujilo




A vida, por sua conta, nos parou na pobreza
Continuamos o dia em meio ao nada.
Como se nossa vida fosse pagamento de culpas


Não havia nem uma cama, nem sapatos, nem sonhos
Nem uma xícara de leite nem seu pobre pratinho
Até o pão se perdeu como um fantasma cego.


AS paredes coloridas eram nossa paisagem
Sem nem lua nem sol que iluminara seus dias
O vento assoviava por todas as fendas
Trazendo-nos os ares de outras geografias


A vida por sua conta, nos parou na pobreza
E logo, o terremoto nos cobriu de intempérie.


(De nada ficou atrás, 2008. Editorial Isla Grande. Concepcíón)


3. Jorge Teillier, promotor do termo "lárico", pensava, ou melhor, observou que a modernidade não supõe sempre uma melhor qualidade de vida, mas também "um sinal de decadência e não de progresso", de aí que sua poesia se manteve invariavelmente em uma constante defesa dos valores do humanismo, a natureza - como vínculo rural e/ou urbano/paisagem e igualmente como essência do ser, e de adesão/apego/solidariedade social. Exceto o já dito, quais seriam, para você, os valores étnicos, históricos e culturais do sul do Chile?

- Teillier tinha razão - a meu modesto juízo - razão na qual o homem é mais feliz na sua plena identidade, na sua autenticidade, na harmonia com seu eu íntimo e com suas raízes. Por isso, no atual mundo da globalização, busca-se e se valoriza mais o próprio e o autêntico "busca-se a identidade". Quem somos? Como nos identificamos? Em que nos parecemos? Em que nos diferenciamos?
E nisso no Chile NÃO HÁ IDENTIDADE! , ao menos eu não a encontro. A cueca (4), que pretende ser uma forma de nossa identidade, é de origem peruana. O Mapudungu, que é o verdadeiro idioma de nossa terra chilena, "nos envergonha!", o desconhecemos, não o falamos e tratamos a nossos nativos como seres inferiores, mas se falamos algumas palavras em Inglês: "Call Center". "Mall", "Merchandising", " Marketing", "Cofeé-Break" e outras estupidez desse tipo, apenas para nos dar ar de grandeza e querermos parecer com os gringos. Que insossos somos neste território chamado Chile! A exceção é Chiloé, ou talvez o sul do Chile. Digo Chiloé, porque há um respeito pelo nativo; conservam-se muitos termos do Mapudungu na linguagem habitual do chilote, existe música própria, arquitetura em madeira própria, costumes culinários, ricos e variados, absolutamente próprios; técnicas de agricultura, conservação e proteção da flora nativa e do entorno (estão proibidas as plantações de pinheiros e eucaliptos), há uma consciência do próprio valor, etc, etc
E vivendo no próprio, se tem harmonia consigo mesmo, com o interior e com o entorno, sem desconhecer a cultura herdade de nossos ancestrais, razão tem Teillier: Chiloé pode mostrar identidade. Identidade que o resto do Chile não tem. E disso falam nossos poetas e nossos escritores insulares.
4. Sabe-se que em procedimentos de recursos estilísticos não há padrões homogêneos na escrita poética. Como crê você que se aprecia a literatura proveniente do sul do Chile na crítica especializada, nos leitores e poetas do centro e o norte do país?

- O conceituado Oscar Lermanda sintetizou um dia o fazer literário em poucas palavras. Norte de Chile, algo de prosa e algo de poesia...talvez muito pouco. Região metropolitana: prosa e poesia, com cultores destacados. O sul do Chile é mais poesia que prosa. Magalhanes, história, prosa e pouca poesia. E Chiloé é pura poesia!
Sem dúvida, Oscar Lermana fazia alusão à "manada" de poetas surgidos do grupo Aumen, o qual já mencionamos. Com Carlos Trujillo na cabeça. Entretanto, há algo de prosa - poética e da outra nas obras de Rubén Azócar, Francisco Coloane, Pedro Ruben Azócar, José Teiguel, que é brilhante em ambos ramos da literatura, e uma certa corrente "histórico - literário" surgida em meados e fins do século XX em Chiloé com as obras sucessivas do historiador Dr. Rodolfo Urbina Burgos, que se iniciam com " A vida cotidiana de um povo de Chiloé, Castro - 1930 -1960", que foi comentado pelo padre Gabriel Guarda como um modelo para o estudo das cidades chilenas, “Castro, Castreños e Chilotes”, "Chiloé nos tempos do Fógon". " A encomenda em Chiloé", " A periferia meridional indiana: Chiloé no século XVII", que - entre outros títulos do mesmo autor - poderiam comparar-se com a magnífica produção do magallánico, Prêmio Nacional de História, nascido em Puntas Arenas, o doutor Mateus Martinic, cujos livros estão referidos a Magallanes, Punta Arenas, La Patagônia Chilena, Aysén, sob a base de fontes históricas de grande valor e com uma fineza literária brilhante, que de sua leitura fazem uma delícia.
Com o anterior, quero destacar como o sul do Chile não é só poesia, e de que modo, cada vez mais prolífico, estão editando obras de grande valor em outros campos do saber, que estão destinadas a descobrir e dar a conhecer mais profundamente o território austral.
5. Disse Clemente Riedemann, que "A experiência do viver é um ato de vontade e que a vontade se move com inteligência, com beleza e com amor, que por muitas ideias e percepções que contenham a mente, se não se tem a vontade de escrever e comunicar, não poderiam materializar-se". De que maneira desencadeia você seu processo imaginativo e criativo?

- Minha obra atual é sem dúvida muito humilde. Não pode comparar-se à de autores
conceituados no chuvoso sul, entretanto, o mínimo que publiquei se limita à prosa, à descrição de fatos, personagens, circunstâncias e fenômenos reais, do que tive experiência direta e às vezes indireta. Em todos eles desejo destacar o ser humano, desde o mais brilhante ao mais simples, pondo-os em um mesmo plano, com seus conflitos, suas histórias de sobrevivência, seus sofrimentos e circunstâncias terríveis, mas reais, que devem ter vivido nos bosques virgens, nas ilhas e nos canais, especialmente de Chiloé. Valorizo nestes escritos a utilização dos nomes reais das pessoas, as datas e circunstâncias, muitas vezes as fotografias, os diários de viagem ou as cartas, que deste modo os resgatam e se lhes impede de morrerem esquecidos na noite dos tempos. Homens e personagens simples e humildes ficam assim eternizados nas páginas de um livro, com seus sentires, seus ditados, e a própria expressão vernácula, tal como se escuta, tal como o dizem, incluindo os erros ( e às vezes horrores) dos informantes. Não para se rir deles, mas para resgatar o modo genuíno de expressão do homem comum. O resgate, considero que é minha contribuição.
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BIOGRAFIA


Chilote, nascido em Castro em 1946. Diplomou-se como Biólogo Marinho e Médico cirurgião na Universidade de Concepción. Fundou o Lar Universitário Chilote e a Revista Chiloé de Centro Chilote de Concepción. Escreveu - entre outros títulos - " O Caminho de Attao" (duas edições), " O Homem do capote branco", "Após dois passos de Darwin: acima de São Pedro", "Por terras de Pehuenches". Fundou a Editora Isla Grande (chamada agora Editora OKELDAN), na qual publicou ademais "Retratos vazios", de Igor López; "A Lenda do Capitão", de Pedro Rubén Azócar, "Nada fica Atrás", de Milton Rogovin e Carlos Trujillo; "Entre barcos e trens", de Juan Pedro Miranda.

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O RÁDIO QUE SE ENCOLHEU

"E o malaio (6) - disse Don Chanito, que estava desimpedido, desceu do barco com um enorme rádio, novinho!, e escutando a sua música se foi a sentar sobre uns castelos de madeira que haviam no porto. E fumando!... Fumando!, olhava o pôr do sol. O céu avermelhado na distância o levava a pensar indubitavelmente em suas ilhas de Malásia. E nisso estava absorto em seus pensamentos, quando o Coliboro - um que é meio tonto, que é de Quellón - esse mesminho, tinha um radinho assim de "manañina" ( pequeninha) . O sintonizou na mesma estação que estava escutando o malaio e foi devagarzinho por trás do castelo de madeira e, Zaz!, lhe foi pondo devagarzinho o rádio pequenino ao lado da grande enquanto com a outra mão tirava o rádio grande devagarzinho sem que o malaio se desse conta. O Coliboro desceu do castelo de madeira com o lindo rádio grande e novinho, e veio a olhar de longe o malaio junto com os outros chilotes, que desde lá, o malaio não escutava os risinhos -, E ali observavam ...mortos de tanto rir, esperando para ver o que se passava. Ainda o malaio distraído olhava o pôr do sol, fumando e fumando, e pensando em sua noiva talvez em Malásia, ou talvez onde?, e assim passou um bom momento. Logo o malaio saltou. Deu um tremendo salto para o lado. Senhor! E ficou mirando o seu radinho pequeno - esse que lhe deixou Coliboro - com uns olhos assim de enormes porque o malaio não podia crer que seu rádio grande e novinho havia se encolhido tanto com o ar da tarde. Ah! Ah! Ah!. Nunca pensou o pobre malaio que o ar chilote era tão "encolhedor de rádios". Ah! Ah! Ah!.
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Ao jantar! Ao jantar!...Todo mundo ao jantar!

Já vesti a grossa camisola (5) chilota e me aproximo de Don Chanito, que governa o leme ao morrer da tarde. Sinto a brisa fresca em meu rosto com milhares de gotinhas que salpicam com as suaves ondas  a golpearem o negro capacete de madeira do chalupón. Alvoroçando o vento e olhando o já avermelhado céu do mar chilote dessa tarde, presto - me a escutar outra velha história de aventuras marinhas da boca deste inesquecível capitão de barcaça chilote, que torna assim mais grato e divertido o regresso a Tendedor, na ilha Talcán, a maior das ilhas do arquipélago dos Desertores.
Plataforma abaixo escuto as vozes das mulheres que riem e jogam conversa fora com os jovens coletores de ovos, enquanto preparam a janta e fritam em uma grande frigideira de ferro os filés de peito de pássaros marinhos que demonstraram ser deliciosos!, misturados com os ovos coletados durante o dia. Os aromas intensos de tal "fritura" sobem insolentes pelos dois furos retangulares presentes na tampa e estimulam meu apetite, a essa altura, um tanto atormentado. E enquanto o negro corpo do chalupón desliza em direção ao sul sobre o mar de suave ondas, com as velas infladas pela brisa constante da tarde, volto a vida para ver diminuida à distância a negra silhueta da pedra de Calto, chamada também Islote Nihuel - ou por outros - "A Taberna do diabo". Escuta-se - agora só como um suave murmúrio -, o piar de milhares de aves marinhas, cuja lembrança vai sendo gradualmente tragada pelo silêncio suave da tarde. E aquele aroma ácido das excreções ou o murmúrio distante dos pássaros, já não nos alcança, só - talvez! - como música de fundo para tantas lembranças intensas vividas neste dia...Estou com sorte sentindo a fresca brisa marinha que nos envolve e espero que suba forte e decisivo, o iminente e alegre grito das mulheres:
- Ao jantar! Ao jantar! Todo mundo ao jantar!
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CADILLO (7)






Te trouxe desde a montanha
entre minhas meias e calças
vinhas picando suavemente a minha pele
"de intrusa" chegaste sem pedir permissão
e atravessaste comigo aqueles vales
esses verdes prados de " La Piruquina"
vadiaste comigo os rios:
O Chilcón, O Puchabrán e O Abtao
E aí seguiste presa às minhas calças,
intruso e picador cadillo!
Te uniste a mim e te levei encosta abaixo
sem pagares a passagem. Fresco!
E enquanto caminho e vadio pelos rios
com minha mochila cada vez mais pesada
Acerto! Que em cada poça vais soltando
um pouco de ti mesmo.
Lanças de repente tuas sementes
desprende teus filhos, um a um
Liberta-os! Desprende-os!
Vai pelo rio corrente abaixo.Vai!
Saltando as pedras, brincando com os paus
perseguindo amêndoas e salmões
Chegarás a uma praia solitária
a um vale verde e formoso
e germinarás como meus filhos!
E assim conhecerão outros lugares,
outros caminhos, outras paragens
longe, além donde o vento assovia
longe, além donde a neve cai
longe, donde o sol se põe
longe, longe, donde rebenta o mar
levarás de mim a semente e ...
germinarás um a um,
os extremos ocultos de cada flecha
que se há fincado no peito de uma ovelha,
ou em uma raposa culpeo
ou em uma cabra do monte
ou em minhas calças, minhas meias de lã chilota
minhas botas ou qualquer de minhas vestes
donde te prendes, cadillo!
viajante incansável,
espalhador de sementes
sem pagar tua passagem!
Fresco!
porém formosa rajada de espinhos.
Pequeno sol multicor
viajante dos montes e dos vales
Desavergonhado picador. Pica a tudo!





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Rocío L´ Amar


Rocío L´Amar é correspondente de PALAVRA FIANDEIRA no Chile

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Tradução do Espanhol por Marciano Vasques


Marciano Vasques é o fundador de PALAVRA FIANDEIRA
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NT (1): Chiloé: ilha no sul do Chile. Chilote: habitante dessa região.
NT (2): A palavra "terruños" tem uma ampla semântica. Pode significar : terrenos, do solo, povos...
NT (3): Guiso preparado com mariscos, carnes e legumes, que se cozinha sobre uma pedra dentro do forno.
NT (4):  Baile no qual os casais, soltos, representam o assédio de uma mulher por um homem. Também a música do baile.
NT (5):  No original, CHOMBA:  Prenda de vestir feita de lã, típica da região.
NT (6):  Originário de um grupo étnico e linguístico da Indonésia, Malásia, ou com as características.
NT (7): Espécie da planta.
NT* - Contextualmente, o termo "carreras" pode ter diversos significados: raças, circos,  carreiras...  
Créditos das fotos: Chiloé - visiting Chile. com

3 comentários:

  1. Estimado Marciano, qué hermoso trabajo has llevado a cabo en la traducción, inclusive has integrado un glosario para mejor comprensión en tu lengua nativa... pasé a saludarte y me encontré con la sorpresa, GRACIAS a nombre de Medardo Urbina, quien estará feliz de leer la entrevista en portugués, BESOS, Rocío

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  2. Rocío,
    Fico feliz que tenha gostado. Alguém chamado Orvalho gostar de PALAVRA FIANDEIRA é um grande presente e motivo de intensa alegria para mim. Obrigado a você pela oportunidade de me dar a conhecer alguém que realiza um trabalho tão bonito e fecundo como o seu.
    Abraços, beijos,
    Marciano Vasques

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  3. Querido amigo Marciano Vasques:
    Con gran alegría he leído y visto la traducción al portugués de la entrevista que Rocío L"Amar me ha hecho. Este trabajo suyo de gran calidad y fidelidad en la traducción, me llena de orgullo y me impulsa a felicitaros calurosamente. Aspecto especial es el de las hermosas fotografías de Chiloé seleccionadas en el trabajo, además de la selección de los colores de fondo en los párrafos y de las letras. ¡Un trabajo hermoso y profesional de primer nivel!
    Quiereo que Ud. reciba mi abrazo fraterno y agradecido. Su amigo Medardo Urbina Burgos

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