EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

domingo, 10 de janeiro de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 9

 PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA LITERÁRIA
ANO 1 - Nº 9 - 10/01/2010

NESTA EDIÇÃO:

EL PICAFLOR DE MI PATIO  II  - Ricardo Emílio Bianco - Missiones - Argentina


ROCÍO L´AMAR 
ENTREVISTA 
ROSSANA ARELLANO


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ANATOMIA DO HAICAI E O SILÊNCIO DE ROSSANA ARELLANO

Tudo aquilo que de uma fotografia se pode fazer, segundo Vicente Haya, é um haicai. Um jogo poético. Uma forma poética japonesa. Um poema breve, não obstante, eterno em importância, em significados, no qual se espera frescor e simplicidade, surpresa e mistério. Poesia da sensação. O haicai - fundamentamos - nos em seu princípio - diz mais com o que silencia do que o que torna evidente. O haicai se separa do abuso do "Eu", do ego, do protagonismo. O haicai faz referência à aproximação do homem com a natureza. Entretanto, atualmente a temática se viu AMPLIADA pela marcha do tempo. A fugacidade das coisas e seus extremos antagônicos, o desalinho ou feiúra da própria beleza, isto é, a nostalgia, a interioridade da consciência do ser humano, o abandono consigo mesmo, os elementos imperfeitos e débeis, o simples, o incomum, o humorístico, a pincelada de ironia - entre outros - são organizados pel@s poetas a criar os haicais.

Mas, o que é um haicai?

Haicai é um conjunto de três versos disposto em 5-7-5. Não tem título nem rima. Esta peça chave da poesia japonesa emerge de uma extensão para dar origem a este novo estilo poético. Alcançou sua forma atual ao final do século XV e deve seu nome ao poeta Shiki (1867 -1902). Quanto à sua forma contemporânea, o haicai não deixa dúvidas: são o fundo e a temática dos elementos mais complexos. Matsuo Basho, considerado como o pai do haicai, afirmava: um haicai é simplesmente o que está acontecendo neste lugar neste momento. Por exemplo, "sopra o poente, e ao oriente empilham / as folhas secas" (de Buson), "Uma velha lagoa/ ao mergulhar de uma rã/ ruído de água" (de Basho). "Vento outonal /dentro do coração/ montes e rios" ( de Kioshi).

Todavia, alguns críticos afirmam que o haicai não é um fenômeno literário, mas apenas uma arte menor. A causa do motivo seria pelo fato de que esteja ao alcance de qualquer um escrever um bom haicai, e que na produção de poetas consagrados hajam haicais medíocres.


Provando-se distintas roupas

Curiosamente, Rossana Arellano não reconhece em si mesma a bandeira de POETA que nela flameja. Não está convencida, embora pese às suas evidentes conquistas - um sem número de elogios e críticas construtivas. Mas o certo é que seu discurso resulta altamente significativo e profundo. A poesia fica assim, por uma parte, convertida num campo benéfico e, por outra, vivendo tanto interna como externamente, dispondo-se de uma realidade herdada como testemunha de primeira fila de um processo próprio da luz de verdadeiras réplicas donde a vida pôs seus acentos, provando - a, enquanto surgem nela amargas tempestades, e ao amparo destas - enraizando-se profundamente - os indícios, ainda que manhosamente Arellano prossiga negando, sua entrada ao discurso poético atual.



Portanto, corresponde frontalmente ao nosso propósito, aprofundar e refletir no espírito da condição humana, transcendente para o plano social/literário.

Entretanto, ainda que não seja uma questão deste tema, quisera fazer um parênteses, com o único objetivo de dar respostas a certos equívocos que parecem frear as habilidades intelectuais desta poeta. Pessoalmente, afirmo: se bem que publicar livros exige oxigênio e asas, como dizem os entendidos, o poeta não deve ter pressa por ver seu livro publicado, porque quando mais madur(@) esteja, melhor.

De modo que, esclarecido o tema, desde o ponto de vista ético, recolhemos os instrumentos para convidar a Rossana Arellano Guirrao, premiada recentemente com o Primeiro Prêmio no Concurso "Lídia Biery" - 2009 de haicais, para escutar sua abordagem de acordo com o tema que nos convoca.




1. Sabemos que o haicai é um poema breve, escrito em três versos e que ao total somam 17 sílabas.. Em sua opinião, o que caracteriza o haicai seria aquilo que o distancia das formas poéticas tradicionais em seu conteúdo?



- Estimada Rocío, primeiramente devo iniciar dizendo que sou uma aprendiz de Poeta, se bem que sempre amei a poesia, mas relativamente à técnica e ao estilo, só comecei a me preocupar há 3 anos. Para mim o haicai talvez seja uma das mais belas expressões poéticas. Diria que não seja que essa forma criativa se distancie dos demais modos de expressão poética, mas que as outras se ponham alheias.

2. Dizia Andrei Tarkovski, que "O leitor de haicai tem que perder - se nele, como na natureza, tem que deixar-se cair nela, perder-se em sua profundidade, como em um cosmos, donde tampouco há um acima e um abaixo...". Entre o leitor e você, Rossana Arellano, qual seria a aventura ou como deveria ser - em sua mente - essa excursão?


Apesar de eu valorizar muito o que disseram os outros antes, pois cada vez com eles mais se aprende, sem ser sorberba, digo: no haicai, como em toda manifestação de arte, o autor é quem deve deixar sua essência ao criar. E só consegue se for autêntico no que faz, é como injetar gotas de seu sangue no leitor, nem mais nem menos.

3. Concordaria que o haicai é uma arte de comunhão espiritual, tanto para quem os escreve como para quem os lê?

- Sim, completamente para quem o escreve, ainda que desconheço como sentem os demais. Veja bem: quisera pensar que não apenas nos lemos entre nós (poetas e aprendizes). Nada há mais que acrescentar.

4. Críticos literários - obviamente alguns - costumam contemplar a simplicidade e a clareza do haicai como sinal de ignorância ou inexperiência do/a poeta. De acordo com seus critérios, em relação à categoria literária - como gênero literário, adiciona ou subtrai?



- Atualmente, os "críticos literários" perderam toda a credibilidade, visto que são como espécie de membros tirados de um arquivo bastante gasto, mas não assim folheado Poucos sabem o que realmente significa um haicai e creem que basta apenas pôr 17 sílabas e já está tudo ok. Com isso, não eximo ao "poeta" porque no geral o que circula são Poetrix e todos vamos caindo no mesmo molde do "facilito". Tal parece que ninguém mais quer pensar ou sentir, "estamos em época que tudo é desejável e qualquer um se denomina "Poeta".

5. Certamente o haicai manifesta um tenaz afastamento da fantasia, e não oculta uma realidade que o leitor possa deduzir. Bashô falava que há que seguir "a naturalidade que procede do coração". Qual seria o cerne ou a luminária que o guia a priori para este exercício/proposta/ideia escritural?


- Não sei se me creiam, porém, para os haicais fecho os olhos e flutuo no ar, ou no mar e inclusive dentro da terra...quando flui a emoção, a melodia do haicai vai se escrevendo. Só há que entregar-se às vozes internas e ouvir o silêncio interior. Não sempre presente.


6. Desde os finais do século XIX uma vanguarda de poetas europeus e hispano-americanos se interessaram pela poesia do haicai. Poetas cuja filosofia existencial se identificou plenamente com a emoção e o sentir íntimo do homem em estreito contato com a natureza. Poderia nomear alguns deles, - como referência da arte do haicai - que sejam ou foram ou serão sempre poetas de consulta de cabeceira de estudo frequente para você?

- Aqui parecerei antipática, entretanto devo confessar que lendo a Borges, cheguei a Benedetti, logo: leio, leio, - Não haicais - porém POESIA, muita poesia e faço muito malabarismo para apontar Tankas a primeira pessoa que me mostrou a beleza desta poesia, é uma espanhola da qual somente posso dizer que se chama Ana.

7. Sendo o haicai filosofia, intuição, provérbios, cânticos, enfim, sínteses de uma preocupação lírica, concisa e totalizadora,e, que, segundo dizem, em estreita relação com a física quântica, que converge em sensibilidades aparentemente antagônicas acerca da existência, será então a compreensão de um mundo interno que escapa dos desígnios da razão, ou é o vazio ou o fluxo e refluxo de uma existência que se vai modificando entre o ser e o não ser? Parece uma ideia abstrata e/ou um conceito metafísico, porém desejamos conhecer sua opinião.


- Pudesse equivocar-me 100% com o resto dos entendidos, instruídos, literatos, etc...todavia reitero, para mim o haicai é um canto desde o mais profundo do ser e sua busca para encontrar essa comunhão antes de pisar o próximo caminho, sem a razão não haveria conhecimento e sem este não poderíamos nos elevar.


É um passo a mais no novo degrau da sabedoria, por outro lado, me agrada desenhar um verso nessa síntese preciosa que somente a entregam essas 17 sílabas e sua ordem. Relembro a nossa Pia Barros e "A Ordem das Coisas", sem esquecer a Foucault.



8. Além disso, também desejamos conhecer aos haicais que mereceram o primeiro prêmio no concurso "Lídia Biery", 2009, que você acaba de receber. Aproveitamos para parabenizá -la publicamente.




1. Entre os ramos
    pássaro e seus ninhos
    dolces gorjeios.





                              2. Línguas ao vermelho
                                  Dançando na madeira
                                  Fina cinza.




3. Copas ao céu
     Pontos de vista tocando
     na clorofila.



Poesia de Rossana Arellano




ENSAIO A PEDIDO

Agarre-o! Agarre o orgulho!

E o exile.
Pegue a alma num sábado!

e a parta em mil pedaços.


Tire-lhe a rebelião
E extirpe-lhe a caneta

Faça-lhe sangrar os escritos

E pise-lhe todos os pomares.

Mate-lhe a paixão pelo provérbio

Rasgue as escrituras sagradas
que marcam a pele

como salmos com olhos.

Sacrifique-a! Depois das palavras

apague-lhe o riso quando amamentas
Roube-lhe a identidade de anjo e demônio

sacrifique - lhe a lógica que cresce em seu texto.


Que baixem os profetas em espírito!

Que os sábios opinem em profecias!
Que os templos vistam-se de metáforas

e a voz da pregação seja íntegra.



Makistakis - Madrid - Espanha

ÁGUIA NO PONTO ZERO

Escaparam as cartas da vida

às três da tarde

levantando uma brisa de luz fragmentada

que gira meu polegar em ponto zero.

Bendito seja o lugar,
o nome, a resposta
a folha, o momento entrecruzado de história

o chamado e aquele rosto adolescente

Bendita a cabala, o proibido que se transforma
O espaço, o prolongamento da vida

Aquelas somas positivas
com hipóteses que sinalizam notas de instantes acrescentados

Bendito o respeito á criação
enfatizada no gênesis

Sem bocejar, nem malícia das horas
sem claudicar no gelo.

Assim, segurando a pele dos novos dias

degolando a maldade

que furtivamente no sangue se arrasta .

Assim, sem delírio ou delito de carne

novamente a mão

preencheu de céu esses olhos.



ALINHANDO PEDRAS

Crescem as empresas nas cinzas

enquanto o homem

traz essencialmente o riso histérico.

O sol se junta para lucrar, inspirado
alinhando pedras humanas

A vida dá à luz

a meninos cegos, que fundem os momentos.

Em um aniversário de morte

se revela a infância

em mensagens isentas de máscaras.


Eles levam através da luz
amada liberdade

como um milagre autêntico

donde brincam

as mãos de Deus

alcançando um amadurecimento,

como um presente.


Francisco Pardo - Papéis de Parede

O NINHO

Vieram em bando

Queriam beber a água dos meus despertares
Bebiam meus sonhos de criança

E até aquela ponta de abandono

Bebiam a tristeza de minhas penas

Bebiam minhas perninhas azuis

Sempre, sempre enfiadas nas águas

Bebiam meus sufocos

A sonolência das minhas invenções

Bebiam no pulsar dos meus prantos a lágrima viva

Bebiam a raridade das minhas umidades

Bebiam minhas debilidades de noites sem estrelas Meu Deus! Bebiam minha inocência!

Enquanto minha face de menino
Permaneceu paralisada além, no ninho.

Onde a senhora tocava o piano

E a cada noite me contava um conto

e eu esperava a minha vez
Sempre, sempre esperei a minha vez


Entretanto, minhas perninhas azuis
Minhas peninhas despojadas de ramos
Morriam de tristeza num trinar de medo!



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BIOGRAFIA 



ROSANA ARELLANO GUIRAO:
Nascida em Santiago do Chile, em 22 de Janeiro da década de 60, viveu durante a sua infância na Décima Região do país, logo se mudando para o extremo Norte para realizar os estudos universitários, que abandona. Trabalha durante dezessete anos numa empresa familiar. Casada, mãe de três filhos, e um anjo. Atualmente vive na capital ( Santiago do Chile).

Participou de Encontros Poéticos Internacionais e Literatura Infantil em Argentina, Panamá e Chile. É membro do grupo poético Transoceánico.

Participou de oficinas literárias de Raúl Zurita, Floridor Perez, e Hector Montecinos.

PUBLICAÇÕES:


Anotologia "Versos Encadenados" a publicar em Fevereiro de 2010.


PRÊMIOS E DISTINÇÕES:

Primeiro lugar no Concurso de Haicais " Lídia B. Biery".
Foro Poético Aires de Libertad

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Rocío L´Amar é correspondente de PALAVRA FIANDEIRA no Chile
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TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS: MARCIANO VASQUES

Marciano Vasques é o fundador da Revista PALAVRA FIANDEIRA



5 comentários:

  1. gracias Marciano, te quedó hermosa la entrevista de Rossana traducida al Portugués y con la incorporación de nuevas imágenes ad hoc los poemas... ¡feliz fin de semana!, tu amiga, Rocío

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  2. Olá Marciano, gostei do seu espaço e pretendo voltar de vez em quando. Desejo sucesso no blog.
    Abraços de Luz.
    F. A. Pereira
    http://iluminandoavida.blogspot.com/

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  3. Marciano e Rocío:
    Muito obrigado por esta tradução, eu estou animado para ver meus poemas traduzidos para Português é bom.
    Mais uma vez obrigado
    Conseguir um abraço
    Obrigado

    Rossana

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  4. Una vez más , yo
    Ahora para decir que he colgado el Poema
    EL NIDO
    En el siguiente FORO de mi amigo Walter Faila
    (Poeta y escritor/ Argentino) Residente ahora el Brasil.
    Te dejaré el link
    y un abrazo
    Rossana

    http://airesdelibertad.foroactivo.com/foro-rosa-buk-poesia-libre-f1/o-ninho-a-maria-lua--el-nido-ahora-en-portugues-t10359.htm#146381

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  5. RO...
    Te extraño, ayer salió tu nombre en una conversa...
    y la verdad, se me llenaron los ojos de lágrimas.

    Tq

    Un abrazo grande
    Ross

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