EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 10 de abril de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 25




PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA 
ANO 1-Nº25- 10/ABRIL/2010 


NESTA EDIÇÃO:

AGUSTÍN BENELLI


DO CHILE, 

POR ROCÍO L'AMAR

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As pulsações 
que cruzam 
o artista 
Agustín Benelli

Dentro das fronteiras da Poesia e das Artes Visuais



Desde o início da História, o homem sentiu a necessidade de manifestar suas inquietações artísticas nas paredes dos lugares que habitava. Prova deste fato o demonstram as cenas que se encontram em várias cavernas em diversos lugares do mundo. Mais tarde, o homem começou a escrever nas paredes, prova disso, os muçulmanos escreviam partes do Corão como decoração. Também os monges italianos deixavam mensagens a seus colegas escritos nas paredes de modo que ninguém mais os entendesse.

Desde que o homem existe sentiu a necessidade básica de se comunicar, de transmitir às futuras gerações sua cultura.

Então o anterior nos serve como base para estabelecer certas relações no que hoje entendemos como arte (essa incitação permanente ao diálogo, ao desejo de ser ouvido ou visto, à busca incessante do contato com numerosos receptores, a romper com o anonimato, a estabelecer algum tipo de amizade através da criação artística, etc, etc), dentro das fronteiras da poesia e as artes pictóricas - como é nosso interesse-.

Os estilos visuais ou pictóricos - ou as preferências - dos escritores geralmente respondem a seus estilos literários. Por exemplo, Edgar Allan Poe produziu um retrato seu cujos olhos possuíam a mesma melancolia encontrada isolada em seus contos.

Alguns escritores gozaram plenamente de suas pinturas e chegaram a expor um contraste com seus escritos, os quais concebiam muitas vezes como um reflexo da miséria. Pintar não foi um escapismo, mas uma resposta, um meio para distanciar-se do mundo que lhes doía.

Não que seja que os escritores queiram alcançar uma obra prima através da pintura. Sua audácia é tomar uma paleta de aquarelas e obter uma sensação tátil e uma forma de expressão, na ponta dos dedos, mais rápida de obter com a pena. Não podemos deixar de mencionar aqui os desenhos de menino de Federico García Lorca, muitos destacados no mundo literário por sua força e potência, como suas magníficas obras em prosa e verso. Conta-se que usava lápis de cores ou o mesmo pequeno lápis com que escrevia e desenhava, primeiros desenhos ingênuos, simples, belos, para mais adiante fazer desenhos surrealistas que corresponderam à sua época.

Mundos carregados de imagens

As relações entre pintura e poesia têm longa história. Num mundo carregado de imagens estáticas como o Renascimento, não poucos poemas eram descrições de quadros. A reverência da palavra à imagem foi total: o espelho da simetria pictórica o é também da poética. Há exemplos até por gosto. O mais famoso: "Enquanto lírio rosa e branco ...", soneto de Garcilaso que parece uma exercício de crônica minuciosa de uma mulher de algum quadro, o Nascimento de Vênus, de Botticelli. Porém, ao dizer que parece um exercício, a analogia quer estabelecer e à vezes diferenciar ambas formas de representação.

Tempos depois, o impressionismo e a nascente fotografia, engajaram-se em uma curiosa luta. Como reproduzir essa zona que oscila entre a suposta objetividade e a ambígua subjetividade? É o começo das misturas que conduzem à página em branco de Mallarmé e ao cubismo do começo do século. A simultaneidade - tão comentada pelas vanguardas - já está em Duchamp e seu nu declinado sob uma escada, e na poesia concreta de Apollinaire.


Foi Degas quem queria ser poeta? E recebeu de Mallarmé a seguinte declaração: "A Poesia não se faz com ideias mas sim com palavras". Creio que a coisa vá por aí. Salvo que o poeta seja ou tenha sido pintor, e então domine de primeira mão dois conhecimentos e duas habilidades.
Penso em Alberti, que tem um livro dedicado à pintura e outro que é um diário poético sobre Picasso. Ou em Enrique Lihn, que deixou a escola para ser pintor e se tornou poeta e crítico de arte.
Interessa constatar a predileção por comentar poeticamente o trabalho geral ou os trabalhos particulares de pintores. E o interesse pela imagem. É muito fácil cair na tentação da transferência verbal, saltando do trampolim da combinação de cores à das palavras. Este é o grande risco. E se expressa maravilhosamente nestes versos: "Em lugar de escrever para ti, queria aprender a pintar..." ( Ao alfandegueiro Rosseau).

*Fragmento do artigo de Edgar O'Hara



O silêncio da pintura e a fotografia.


Há silêncios que coalham feito gelo em um bloco estreito e duro. É difícil rompê-los. Porém há outros que se vão preparando ardorosamente e, logo, nos rodeiam em chamas. Romper um silêncio de gelo talvez seja difícil; porém é mais difícil ainda romper um silêncio de fogo, como este da pintura/fotografia. Quem rompe aqui a voz, neste silêncio de fogo que nos circunda; nestes silêncios de fogo?

Na pintura e na fotografia, como em todas as artes poéticas, o adjetivo se faz substantivo. E com isto se começa a esclarecer a questão para a maioria dos questionadores (E todos devemos parar um pouco, pelo menos um pouco, diante de toda pintura, com esta sinceridade interrogante; todos devemos ser sempre, infantilmente, se queres, diante de toda obra poética ou artística, um pouco, ou um muito, como meninos, questionadores).

Isto de que e o como começa a esclarecer a questão ou as questões, porque as primeiras perguntas que costumam fazer diante do mistério da criação poética na pintura e ás vezes na fotografia ( E toda pintura que o seja, e, seja como for, é sempre, como toda coisa deveras, um puro mistério de criação, de poesia), as primeiras perguntas se que fazem são estas: O que é isto? ou, Que quer dizer isto? O que quer dizer você com isto?, ou também o irritado: Porém, quer dizer-me você a mim o que seja isto: , em lugar destas outras: Como é isto? , ou, Como isto é possível? , nas quais vá implícito um ato de fé: de boa fé. Por que nas primeiras, não.

A atitude primeira seria, quando melhor, uma interrogação absolutamente científica; um anseio filosófico deslocado. que se equivoca de caminho. E nem sequer verdadeiramente filosófico, se é verdade que a filosofia, como diziam os gregos, começa pelo assombro, pela surpresa; o que não se surpreende nem se assombra diante do verdadeiramente espantoso, surpreendente, que há em toda obra de pura criação poética, não tem direito a perguntar nada.

Teve um personagem cinematográfico que dizia que preferia dar um tiro a dar uma explicação. é o mesmo que Dante quando disse que há coisas às quais somente se responde com faca, com punhal: com uma punhalada. Tiro ou punhalada é a resposta explicativa de todas as artes poéticas; a resposta inerente e mortal de sua razão poética, que, como disse Max Jacob, a poesia moderna se esquiva de todas as explicações; a poesia moderna e toda poesia, toda forma poética. O mesmo com a pintura, a músicas e a fotografia - formas poéticas -; nenhuma poesia, nem música, nem pintura, nem fotografia precisam dar explicações, por que é, em principio, por definição, por natureza, inexplicável.

Todos o que verdadeiramente têm pintado ou fotografado, que criaram seus mundos ou seu mundo com a pintura ou a fotografia, ou na pintura pintaram ou na fotografia fotografaram, não porque quiseram que se possa querer pintar/ fotografar e não pintar/ fotografar, mas sim como quiseram; como lhe deram e não porque lhe deram sua vontade, seu anseio, seu apetite; que se faz real vontade porque é o apetite de coisa ou de coisas, ânsia de realidade, de criação verdadeira, anseio criador ou fazedor das coisas.

E neste forte desejo, que é nas artes poéticas desejo de forma, é ao que se há chamado, com razão, estilo. Não tem questões técnicas em pintura que não fiquem reduzidas a isso somente: às puras questões de estilo.

Porém é que neste desejo da pintura/ fotografia há um tal desejo de verdade poética, de criação ou recriação das coisas, seja lá o que for isto, se situa essa última e decisiva e vibrante tensão do desejo humano que a transparente linguagem popular denomina vontade santíssima; quando se diz que alguém o que quer é fazer sua santíssima vontade, e somente isso: sua santíssima vontade, se atribui ao que isto se refere uma vontade invencível, intransigente, única.

E isso - este nada mesmo, porém nada mais que isso, que é para eles tudo - é o que querem o pintor e o fotógrafo ou o poeta, que, definitivamente, os três são um mesmo poeta com diferentes linguagens imaginativas.

E há que passar por cada linguagem imaginativa andando como sobre águas, para não queimarmos com eles; porque é muito frequente se queimar e chamuscar-se com todos estes ardentes jogos da poesia.

Se escutarmos com os ouvidos a luz, se abrirmos os olhos a estes luminosos silêncios, compreenderemos facilmente como todas as linguagens imaginativas se originaram e radicalmente se fundem em uma só linguagem comum: o da criação poética mesma, que é a vontade sobrenatural de sua própria natureza. Por isso, cada uma destas linguagens é hermética, irredutível; por isso não se pode dizer em palavras o que já está dito na pintura ou na fotografia ou na música; pois cada uma destas linguagens é, como atividade espiritual que é, o que chamou Hegel: uma especificação cada vez mais determinada do pensamento. *Fragmento do texto publicado na revista "ARTE", de José Bergamin.

A Poesia é pintura que fala

Segundo Virgínia Woolf, um escritor sempre se perguntará como levar o sol à página, como pode conseguir que o leitor veja a lua enquanto se eleva no horizonte por meio de uma ou duas palavras. Isto é, se perguntará como conseguir um efeito máximo por meio de recursos mínimos, tal como sucede com Charles Stelle, o pintor de "O quarto de Jacob", que, com uma só pincelada de negro violáceo muda o tom geral da paisagem que acaba de compor sobre uma tela.

A formulação de analogias entre a poesia e a pintura remonta à afirmação de Simónides de Ceos, no século V A.C, recolhida por Plutarco, segundo a qual "A pintura é poesia silenciosa, a poesia é pintura que fala". E assim como se atribuiu tradicionalmente à Aristóteles a origem da teoria literária, também durante séculos se reconheceu a origem da teoria das relações inter - artísticas em Horácio, que bebeu das fontes gregas. Sua Epístola Ad Pisones - que já Quintiliano considerava uma verdadeira ars poética, título com o que logo ficou conhecida - enfatiza e reitera a correspondência entre ambas artes tal como surge na obra do Estagirita. O lema horaciano , ut pictura, e a ideia aristotélica de que a intriga de uma tragédia se assemelha a uma pintura, proporcionaram desde o renascimento até o século XVIII uma constituição ao sistema das artes, constituição baseada na assimilação entre poesia e pintura, e uma de cujas formulações mais proeminentes está contida em uma obra bem tardia como Les Beaux -Arts reduits à un même principle do abade Charles Batteux ( 1746). Foi esta obra a que provocou a reação de Charles Batteux contra o entusiasmo pela migração de qualidades e poderes, tanto estéticos como pedagógicos, entre domínios artísticos diversos.

Antes de que se publicasse el Laocoonte de Lessing (1766), outras obras haviam reclamado já uma distinção precisa entre as artes, como el Paragone de Leonardo de Vinci e as Reflexões criticas sobre a poesia e sobre a pintura do abade J. B. Du Bos, escritas respectivamente até fins do século XV a princípios do XVIII. Entretanto, a diferença do Laocoonte e seu fundamento em favor de um estatuto autônomo da poesia, em tais obras se sustentava a inferioridade desta última com respeito à pintura. Segundo a distinção que elaborou Du Bos, a lógica de tal hierarquia responde à natureza dos signos de cada uma das artes, dado que os pintores utilizam signos que não são arbitrários e instituídos, como as palavras que utilizam os poetas. Os signos naturais pictóricos, ao apresentar os múltiplos componentes de uma ação ou de um cenário simultaneamente ao olhar do receptor, são capazes de provocar nele um efeito maior que os signos artificiais linguísticos, os quais submetem tais componentes à ordem sequencial de uma descrição.

Lee assinala acertadamente que o tipo de relação entre literatura e pintura favorecida pelo Renascimento excedeu as pretensões originais de Aristóteles ou Horácio. Dolce foi um dos que mais radicalizou o pensamento de ambos, e chegou a declarar que os escritores são pintores e que a poesia, a história, tudo o que um "homem culto" pode escrever, é pintura. Em seu Diálogo Da Pintura, intitulado l'Aretino (1557), o primeiro grande tratado da pintura humanista, predomina a ideia de Horácio sobre a conveniência de criar a partir de formas e temas clássicos. Bellori (1664) reelaborou logo a teoria de Dolce seguindo estritamente a noção aristotélica de mímeses. Sua obra " A ideia do pintor, do escultor e do arquiteto" confirma o papel central que tinha a Poética no século XVII e insiste na ideia de que a pintura e a poesia devem imitar ações humanas em suas versões mais elevadas, ideia que logo seria herdada pelo neoclassicismo francês.

Poesia fotográfica v/s fotografia poética

Devemos reter esta frase, porque com ela se compões os poemas de Agustín Benelli, porque todos e cada um deles são corpos de uma fotografia familiar. Escrituras brancas sobre folhas pretas e ou vice-versa. Poesia dos sinais. Poesia do significante. Fotografia do ênfase e a intensidade estilística.

Na fantasia de Agustín Benelli só se postula o corpo sensual da mulher que aspira a reter no texto essa luz entre os efeitos do claro&escuro. Flashes poéticos que nos mostram a verdade do desejo, por um lado, e o prazer verbal, por outro. Sem ser intimidante nem fugitivo, nos abre o álbum e nos oferece suas visões anotadas como se fossem pequenas velas no meio da noite. Será acaso antecipação ao poema que se realizará? Suspeito que esta paisagem é importante porque desperta nossa luxúria. Essa sensação universal que produz o tênue de uma silhueta - certamente crescente - cuja imagem aparece exposta. O disponível. O oferecido. O assunto. Fotofraseado.


A fotografia traça uma sequencia no espaço que mostra a poesia.


Mãos e pubis, nádegas e gestos, braçadas e contorções, seios e insinuações, um mundo silencioso que emerge feito promessa de um contato, uma fricção, uma carícia. Esses fragmentos ou colagens ou grafismos expressam pulsão sexual. Na ampla dimensão das chamadas é a mulher, misteriosa obviedade de fêmea, feminina, companheira, a flutuação da arte poética e pictórica de Agustín Benelli.
Vale dizer que a criatividade que os poetas têm em abundância pode ser contida às vezes em uma forma, porém também pode transbordar-se em outras disciplinas que vão mais além daescrita, mais além do literário.

" É uma realidade a perspectiva/ e é uma ilusão a perspectiva", disse um poeta. De modo que a arte embeleze nossa observação.

Por outro lado, é importante sinalizar que ninguém consideraria sua atividade alternativa como subordinada à outra. "Trata-se de mundos autônomos e complementares a um tempo (segundo Paz), o ensaio ou a pintura se escolhe como meio de expressão segundo o desejo, as circunstâncias ou as exigências do tema.


Com frequência nos encontramos observando fragmentos das vidas de outras pessoas. Geralmente, isto acontece à distância, a maioria das vezes, através de uma janela. E é pelos movimentos e os gestos de seus corpos que inventamos os possíveis dramas de suas vidas. Porém, que aconteceria se uma ou todas estas pessoas a quem vigiamos se voltassem em nossa direção e nos olhassem diretamente nos olhos? O incômodo desse momento se deveria não tão somente ao nos sentirmos aprisionados em um ato de "voyerismo", mas que por algo ainda mais inquietante. Nesse momento, nos parece mudar de lugar. Nos sentimos empequenecidos, reduzidos às mesmas dimensões da imagem distante que teria o outro de nós. Nos convertemos no observado. O olhar parece nos acusar, como se nos prendesse ao ato proibido da observação em segredo.


Mas se sente a mesma inquietante sensação diante do retrato frontal, quer seja em fotografia ou na pintura. O rosto me observa constantemente, e, portanto, me afasta da possibilidade de uma meditação e contemplação distanciadas que constituem a essência da poesia.
Para ser mais precisa, fosse possível posar e fotografar aos personagens rodeados de objetos simbólicos que aparecem em nossos sonhos, poderíamos nos aproximar da experiência com estas fotos. As fotos com poses têm algo em comum: o sujeito nos olha diretamente nos olhos. E é esse contato ocular que tanto inquieta como deleita o observador.

1. A que responde a fascinação dos artistas por outros campos artísticos, cruzando fronteiras, escutando, olhando e até muitas vezes trabalhando juntos em diferentes meios?

-É importante ter presente que a vida en sua natureza primitiva, é a interrelação de um sem números de fenômenos que certamente não criou o ser humano. Seu conhecimento e manipulação através da história, tem configurado uma "realidade" especial em cada época. Este processo no qual o ser humano domina certos fenômenos e cria por sua vez outros, tem uma inquestionável influência na configuração do que chamamos o mundo social e cultural. Esta realidade infinita na qual se misturam os fenômenos naturais e os artificiais criados pelo ser humano, exige muitas ferramentas para interpretá-la e expressá-la. Neste contexto surge a necessidade de alguns indivíduos no âmbito artístico, de utilizar diferentes suportes para manifestar sua reação frente aos afetos que provoca esta amalgama tão variada de fenômenos, que denominamos vida. Neste processo, o ser emocional busca consciente ou inconscientemente um dos fenômenos fundamentais que dão sentido à vida: a beleza. Que não podemos certamente definir completamente, visto que a semelhança do que chamamos realidade, esta é incomensurável.


O emocionar-se tem seu próprio campo de ação, e sua manifestação se tornará visível em grau diferente de acordo com o meio de expressão que utilize. A fotografia jamais poderá penetrar tão profundamente na alma humana como a poesia pode fazer. Porém a imagem material tem uma qualidade de representação única. Esta multiplicidade de respostas me impulsiona a buscar diferentes meios para expressar minhas emoções e pontos de vista. Por isso tenho me interessado pela pintura e o desenho, o teatro, a fotografia e a poesia.

2. Os pintores vêm algo nos poetas, que os diferencia deles. Qual é sua experiência?, considerando que na década de 90 o conheci sendo pintor, e hoje em dia você é fotógrafo, diretor de teatro, gestor cultural, radialista, e poeta.

- Os pintores, assim como todos os humanos, realizam diferenças linguísticas do mundo que os rodeiam, porém sua alta sensibilidade e percepção das formas e das cores, os leva muitas vezes a expressar o mundo que os circunda, apenas através da magia desses elementos. Desde muito criança relembro meu interesse pelo desenho, uma prática jamais por mim abandonada pelo completo. Minha experiência, tanto na poesia quanto nas artes visuais, me permite pontuar que a diferença substancial entre pintura e poesia não existe, enquanto processo criativo. Sem dúvida, cada arte requer um domínio de certa técnica, porém obviamente, este básico aspecto que todo criador deve possuir, existe uma instância superior, de onde por minhas vivências percebo que há uma força misteriosa que me permite compreender que os elementos com os quais trabalho têm uma qualidade de insinuar-se, de apresentar-se diante de mim como necessários em um determinado momento. Pelo que sempre aconselho aos que querem cultivar alguma arte, que se deixem levar pelo inconsciente e permitir, como no caso da poesia, que as palavras possam emergir sem serem forçadas, deixar que elas aflorem e que certamente representarão genuinamente a emoção que o poeta experimenta frente à realidade que conhece.


3. Alguns poeta falam quase como pintores sobre como concebem suas obras. Desde a fotografia, que enriquece também progressivamente a linguagem como experiência estética. Onde começa primeiramente a ser gestada a metáfora no fotógrafo ou no poeta, em Agustín Benelli?

- A tristeza é um grande motor mental para encontrar o âmbito ideal onde achar um estado psicológico apropriado, de onde experimentar a palavra, com um poder evocativo poderoso. Porém também está a alegria, o desfrutar da vida, o eterno amor. Ali emergem as sensações que definem o verbo, esses desejos que convocam de uma forma misteriosa a palavra mais adequada. A emoção que provoca a existência, tem seu selo particular de acordo com a sua época: por isso creio que esta tem de alguma forma suas próprias palavras, seu próprio ritmo. Só há que deixar-se levar por esse impulso vital de uma forma honesta e descobrir com espanto a expressão perfeita da beleza.

4. A literatura e as artes visuais se relacionam de muitas maneiras. Imagens sensoriais, ideias, textura, cor, ritmo, espaços, geometria, beleza, etc.. De que forma você integra a linguagem visual e poética em suas obras, isto é, onde põe você o acento da ênfase?
- Somos matéria, ainda o espiritual é matéria, nada pode existir no universo sem uma materialidade, seja conhecida ou desconhecida. O corpo é o veículo que nos transporta por esta vida, estrutura que não escolhemos, porque viemos a um mundo onde tudo estava feito e nossa liberdade só consiste em conjugar os fenômenos existentes de uma maneira sábia e positiva. Fato que o ser humano esquece persistentemente. Somos deuses que esquecemos que o somos e pretendemos em troca ser Deus. Somos carne e osso, completas criaturas onde o emocional desempenha um papel essencial. A textura de minha poesia é a paixão que pulsa o ritmo do verso, duas gotas de água em brasas, o vapor afundando nos interstícios do desejo, a geometria da beleza que me abraça com seus olhos azuis e balança a água na loucura de uma embarcação em Veneza, ou no Bio Bio.

5. Desperta a minha atenção o diálogo ou efeito dialogante em ambos os gêneros - poesia e fotografia - não sei quando começa uma e acaba a outra. Entretanto, ambas comunicam, ambas são retratos poéticos associados ao encontro. Qual é sua reflexão, seu pensamento artístico, do impresso escrito e da escrita fotográfica?


- Creio perceber uma profusão de imagens em minha poesia que a torna muito visual. Este aspecto de minha poesia indubitavelmente está vinculado a meu particular modo de observar o mundo rodeante. Gosto de reparar nos detalhes, isto é, do particular ao todo. A proximidade entre minha poética e fotografia pode levar ao erro e perceber uma articulação consciente no processo de realizar minha escrita poética e sua referência fotográfica. Mas não procede assim, como já tenho insinuado, cada meio de expressão o emprega de acordo com a sua natureza, sem forçar suas qualidade intrínsecas que possui. Não descarto que na leitura do conjunto, o espectador/ leitor perceba uma relação entre uma e outra.

6. Se tivesse que escolher uma obra poética e uma plástica, quais seriam, obviamente de outros criadores, e porquê?

- Paul Klee ocupa um lugar especial no desenvolvimento do meu trabalho plástico. Foi em uma de suas obras que vislumbrei meu particular modo de conceber meu trabalho. Ainda que dificilmente algum crítico possa encontrar algo de sua proposta em minha obra plástica. Nessa década, refiro-me à de 80, experimento um especial interesse por conhecer mais profundamente o sentido da poesia, que coincide com meu encontro com o poeta espanhol, Juan Carlos Mestre. Como o qual me une uma especial amizade e que junto a outros poetas, ainda jovens buscávamos o sol da meia-noite, a diáfana palavra que não está sujeita ao passado, essa emoção de escutar o som novo do sangue.

7. Contemplar uma obra de arte centraliza o indivíduo em "si mesmo", promove sua imaginação e tem uma profunda incidência em sua formação sensitiva e cultural. Qual é seu desfrute estético, do ponto de vista do artista, do sistema de valores emocionais, da compreensão do coração?

- A música ocupa um lugar muito importante em minha formação artística, e me refiro aos clássicos que desde pequeno tenho conhecido e admirado com profunda devoção. Alguns deles são: Beethoven, Mozart, Bach, Max Bruch, Alban Berg, Tchaikovski, Dvorak, Brahms, Rachmaninoff , Sarasate, Saint Saens.

Com efeito, a música tem sido importante em minha vida, ainda mais, tem sido um livro em especial, que teve e tem uma influência enorme em minha pessoa. Refiro-me à Bíblia, um livro que me salvou do vazio da descrença, da amargura da solidão, e que entregou uma profunda visão da natureza humana.
Sua riqueza literária e moral, indiscutivelmente um fator importante, como referência, é a obra e vida de Gabriela Mistral.

8. Frequentemente se crê que os realizadores de artes plásticas não necessitam ter conhecimentos específicos e que nesta arte não se pratica o pensamento analítico, que fazê-lo reprime a "inspiração" poética, naturalmente que a investigação demonstra que os artistas acrescentam e dão qualidade a sua experiência sensível e ao seu imaginário simbólico graças ao manejo esperto da linguagem da arte, a sua consciência histórica e à reflexão crítica do universo natural, social e cultural em que vivem. Que instrumentos, ferramentas, equipamentos, provimentos, contém sua bagagem cultural?

- Uma profunda reflexão do ser humano, um examinar a história e seus fatos, compreendendo que a experiência humana com todos os seus defeitos tem um valor único. O ser humano é capaz de realizar tantas maravilhas, que não deixo de me surpreender com sua transbordante inteligência, e o espanto de pensar que alguns têm a fantasia de imaginar que dependemos do macaco. (Milhares de anos de evolução? Como é possível a ideia de atribuir uma qualidade divina ao tempo?) . Um formoso animal, porém está muito distante, infinitamente longe das qualidades do ser humano.

9
- Estamos concluindo a entrevista, Agustín Benelli. Sendo assim, proponho a você que realize uma ideia: levar a cabo uma analogia entre poesia, pintura, fotografia, teatro, locução/rádio...Qual seria, segundo você, essa semelhança necessária para co-existir e criar harmonia com cada grupo?

- Expressão e conhecimento da vida que se compartilha, uma aproximação ao coração do outro: a pulsação que percorre toda a existência.

BIOGRAFIA


Após se licenciar do Ensino Médio, ingressa na Universidad de Concepcíón no ano de 1982, estudando nessa casa de estudos, Licenciatura em Educação Menção Artes Plásticas. Durante a década de oitenta, empreende a busca de sua linguagem plástica pessoal; seus resultados são exibidos em diversas salas de exposições, tanto na área da pintura como no desenho. Ao final dos anos 80, realiza, na Rádio Universidad de Concepción FM, durante mais de três anos, a produção e condução do programa “Flashback” e "Um Minuto com a Arte". A partir de 1995, começa seu trabalho na área visual da fotografia.

Na Universidad del Desarrollo (Concepción), em 2000, promove o curso eletivo "Oficina de Fotografia", e em 2004, dá a Cátedra, Fotografia Jornalística na Carreira de Jornalismo nessa mesma casa de estudo.

Durante 2002 e 2003, realiza na Universidad San Sebastián da Cidade de Concepción, o curso de Fotografia Jornalística; desenvolvendo a partir de 2001 diversas oficinas, como "A Fotografia mais além da Técnica, em Busca do Aphoran Perdido"; "Fotografia versus Aphorangrafia", e na Escola de verão de 2003, profere a conferência "A Imagem Oculta da Fotografia".

Em 2004, realiza, na Universidad de Concepción, a oficina "Fotografia e Desenvolvimento Humano". Novamente na Universidad San Sebastián, apresenta, durante o ano de 2005, uma oficina anual de Fotografia, e em 2006, realiza a oficina “Aphorangrafía & Fotografía Artística”. Entre seus prêmios se destacam, em primeiro lugar, o concurso "Nuevos Artistas de la VIII Región” do Instituto Chileno Alemão de Cultura de Concepción, e sua seleção no IV Salão Nacional de Gráfica da Pontifícia Universidade Católica do Chile.

Figuram entre suas exposições uma amostra coletiva no Museu SAISE de Burdeos, França, e na cidade de Concepción. Expôs no Instituto Chileno Alemão de Cultura, Multi- Sala Aliança Francesa, Instituto Chileno Norte - Americano de Cultura, Pinacoteca da Universidade de Concepción, Galeria Pencopolitana de Arte, entre outras.
Em 2007, funda a Companhia de teatro “La Rampa”. Como dramaturgo, é favorecido com contribuições do Fondart Regional 2007 para a montagem de sua obra teatral "Teu Corpo e o Meu"
Em 2008, realiza a montagem “El Ocaso de la Mañana”. Em 2009, põe em cena a fusão poética: Escondite de Fibras & Materiales Infinitos.
A partir de 2007, retoma a produção e condução do Programa de Conversação: Flashback, na Rádio Universidade de Concepción F. M.

Como fotógrafo, é favorecido com contribuições do Fondart regional 2008 para o desenvolvimento do Projeto Foto&Grafia, junto ao poeta Omar Lara. Sua obra poética está contida em dois textos inéditos: "Vazio Incerto" e " Casto de Toda Palabra Inconclusa".
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Os marinheiros navegam com seu alimento de estrelas
Cobrem os mares com seu alfabeto de sal
Em sua margem errante transita o poeta com sua ampulheta
Seus olhos buscam no equinócio a grafia de uma ave celeste
Enquanto uma faísca com seu sangue a colorir o pôr do sol.

Na aventurança do passar dos dias
Sua mão inventa uma água que estremece
Que se agita no subterrâneo sulco do desejo.

O lírio deixou de florescer
Anoitece e as aves abandonam seu voo.




Com ares de vulcão
Seu corpo é água e oxigênio
Coluna de estrelas no vértice de seu nariz

Ela ondula vapor na busca de um azul com aroma espacial.
Mais além do cristal do relâmpago com luxúria
Escaneia meus olhos e atiça a sua luz

espada que acende e calça sua própria matéria
A recordação de uma voz distante inclina minha cabeça no silêncio
Untando minha boca com bálsamo de nogueiras

De folhas de limoeiros e odores de açafrão.
Porém a noite insistente vaga entre meus ossos
Costela de outro corpo
Às vezes com granito

Às vezes com mármore;
Sei que as pedras conhecem seu nome
Porém eu gaguejo nem sequer sou pedra
Sou carne sem ouvido
Corpo sem sentido
Mesmo que toda minha pele não pudesse sentir
Sua vazia matéria de todo o nada.






A percorri com meus braços no alto
Esperava tocar mais que a profundidade do seu corpo

Permanecia a luz da noite vigilante em seu cristal
A lâmpada do scanner olhava em seus olhos
cara a cara
boca a boca

Tudo se agita com seu vento de esperma
Tudo se avermelha em sua pupila profunda

Un instante de cume e vazio
De voo e uivo.





A vida incubou em seus ossos uma história
Que não pude esquecer
Suas palavras têm um círculo
Um timbre de água que não inunda tudo
Seu corpo cruza os fios de uma velha cama
Que reclina ao menor movimento de minhas mãos


Rocío L' Amar entrevistou AGUSTÍN BENELLI


Rocío L' Amar é jornalista, poeta, ativista cultural, 
correspondente e colaboradora de PALAVRA FIANDEIRA no Chile.

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Original em Espanhol. Tradução para o Português: Marciano Vasques


Marciano Vasques é escritor
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5 comentários:

  1. MARCIANO, te quedó preciosa la entrevista al Portugués... es un gran honor que seas nuestro traductor del Salón de Entrevistas, blog chileno que su único objetivo es difundir literatura a través de diferentes temas que hemos ido abordando,

    por aquello del terremoto estoy atrasada en las entrevistas a escritores(as) chilen@s, porque -como tú bien sabes- quisiera comenzar pronto la entrevista contigo, que daría el pie inicial para una serie de poetas y escritores extranjeros,

    en fin, ya llegará el día,

    te quiero mucho HERMANO,

    Rocío

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  2. La Lectura de esta entrada, ha respondido a algunas preguntas, que yo me hago cuando veo alguna pìntura de significado abstracto.

    Quizá la respuesta está en la mente del autor o autora y no quiera desvelar su significado.

    Yo puedo interpretar a mi manera. Cada uno / a, podemos ver lo que queramos ver.
     Un abrazo, desde Valencia, Montserrat

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  3. Digo, un abrazo como una palabra fraterna, un saludo a la distancia, en los caminos inciertos de esta existencia, donde la belleza es un refugio perfecto para el alma.
    Despojado de la vanidad de cada día, te agradezco los minutos de tu vida y la palabra portuguesa que me has regalado.

    Agustín Benelli

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  4. Olá, já estava com saudades da Rócio e do seu trabalho. Fico satisfeita por estar bem e nos presentear, uma vez mais, com palavras de uma alma iluminada.

    "Expressão e conhecimento da vida que se compartilha, uma aproximação ao coração do outro: a pulsação que percorre toda a existência"

    Nas minhas veias, o meu sangue ficou mais forte...

    Beijocas à Rócio e benvinda.
    Obrigada Marciano e uma beijoca.

    Carmen Ezequiel

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  5. Estimada Carmen, tus pulsaciones poéticas han acelerado el tránsito de mi sangre, agradecida soy de tanta nobleza puesta en este comentario,

    gracias, recibe mi abrazobeso de luz desde Chile,

    Rocío

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