EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 19 de junho de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 33

******************************
PALAVRA FIANDEIRA
 REVISTA DE LITERATURA

ANO 1 - Nº 33 - 19/JUNHO/2010 


NESTA EDIÇÃO:

 


"Com açúcar, com afeto..." Chico Buarque de Hollanda


CAROLINA CARRIÇO


Claro, os olhos também comem! - Carolina Carriço

CARMEN EZEQUIEL ENTREVISTA

DIRETAMENTE DE PORTUGAL

@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@


Não me chegava a ginástica. Tinha de me exprimir de forma criativa” Carolina Carriço
Por cá, há o hábito de dizer que os “olhos também comem”.
É de tal forma verdadeiro que, em Sombras Comuns, falámos com uma doceira de corpo e alma. E que, como ela própria refere “a principal garfada é a dos olhos”.
Aqui, entrevista-se Carolina Carriço, natural de Cedofeita (Porto), mas que encontrou no Alentejo (Vila Boim – Elvas) “toda a vivacidade, luz, alegria” para se expor aos outros.
É empreendedora, palavra que a define e caracteriza; criativa, espontânea, sincera e com um sentido crítico mas prático de como vive no seu quotidiano.
Numa cozinha virtual, imaginamo-la rodeada de utensílios, a produzir, a criar, a moldar, para nos surpreender majestosamente após a confecção de um bolo.
É de tudo e todo o lado que retira a sua inspiração para as mais variadas confecções, e se por um lado não nos admiramos com isso, maravilhemo-nos efectivamente, pois que, do seu curso base, onde lida com agentes farmacológicos construiu uma ponte para trabalhar o açúcar poeticamente, oferecendo aos gulosos olhos uma magnífica sensação de saciedade.
Aqui e agora, vos apresento Carolina Carriço.



PALAVRA FIANDEIRA – Fala-nos um pouco de ti. Quem é Carolina Carriço?
Carolina Carriço – Sou uma jovem que gosta de viver uma vida calma, entre amigos e familiares, cheia de bons momentos e descobertas. Mas, que na verdade, vive a um ritmo louco, frenético, muito intenso, …(risos). Sempre alegre e bem disposta.


Porto
PF – Vamos dar a conhecer um pouco no nosso Portugal aos leitores do Palavra Fiandeira. Com que cidade ou local em Portugal mais te identificas e por que?
CC – É uma pergunta difícil. Nasci no Porto e identifico-me imenso com ele no que toca ao meu eu mais profundo, como fonte de interiorização, calma, recolhimento e até na expressão artística. Por outro lado, o Alentejo contrapõe com toda a vivacidade, luz, alegria, exteriorização desses sentimentos… Quem conhece as duas regiões percebe as diferenças eminentes. Já não conseguiria viver sem ambos e preciso mesmo desse equilíbrio dinâmico. Estão empatados (risos).
Elvas
PF – A tua arte não é a das palavras, ou da captação da imagem ou da transformação da cor em objeto. A tua arte é a de trabalhar o açúcar. De trabalhares o açúcar para adoçares o paladar dos portugueses. Em que altura esta arte apareceu? Descreve-nos um pouco o teu percurso até aqui?
CC – Tirei o meu curso superior (licenciei-me em Farmácia) e tinha tudo para ter uma vida tranquila: estava no quadro (vínculo de trabalho), perto de casa. É uma profissão em que temos de pôr de lado as nossas emoções para auxiliar quem nos procura; ser objetivos e precisos. E, eu sentia necessidade de contrariar isso… não me chegava a ginástica e o exercício físico (risos). Tinha de me exprimir de forma criativa. O açúcar apareceu na minha vida, mais ou menos, por acaso, quando conheci as pessoas certas, no momento exato. Senti uma empatia enorme com os materiais e técnicas e, à medida que os ia e vou conhecendo melhor, cresço também como pessoa.
Acredito que todos nós temos necessidade de arte nas nossas vidas, para nos sentirmos bem, e seja ela que forma for (leitura, teatro, cinema, patchwork, Arraiolos, croché, e, açúcar).
Os meus bolos são para momentos especiais”Carolina Carriço
PF – Achas que os portugueses estão famintos das coisas boas da vida e por isso colmatam essa carência com o excesso de doces e gulodices?
CC – Não. Acho que todas as pessoas, inclusive os portugueses, gostam de coisas boas, criativas e diferentes; que as façam sorrir, enternecer-se, pasmar e até chorar. Podem ser doces ou não, depende do momento, da circunstância. Claro que numa festa o bolo é um elemento principal, cheio de simbolismo e sempre envolto em muita expectativa.
Se, em momentos que não são de festa comemos mais doces e guloseimas, penso que isso tem sobretudo a ver com pressões publicitárias e econômicas, aliadas a uma grande facilidade de acesso a esses produtos, que nos levam a adotar comportamentos de grupo errados.
A Quinta
PF – Numa altura em que se fala de obesidade; em que se fala que as crianças portuguesas estão cada vez mais gordas e, em que a magreza e a anorexia são o “ideal” de beleza; não achas que estás a contribuir para a doença da moda?
CC – Não. Os meus bolos são para momentos especiais, não são para consumir todos os dias. E, numa dieta equilibrada, na minha opinião, podemos permitir-nos pecar em dias especiais. Claro que também existe a possibilidade de fazer os bolos sem açúcar, ou sem ovos. Mas o problema está na forma como nos comportamos no dia a dia e não nos dias de festa.
PF – Qual tem sido a adesão das pessoas às divinais gulodices que crias? Os portugueses são mais exigentes com a apresentação ou com o paladar?
CC – Sem dúvida. Surgem-me pedidos muito variados, tanto em termos de massas, como de recheios. As pessoas começam a ver os bolos como um palco onde tudo é possível (risos). Já tive pedidos muito difíceis de concretizar, por serem equilíbrios complicados ou grandes recortes nas massas. Mas essa exigência é muito boa, pois permite-me evoluir enquanto concretizo sonhos e torno momentos especiais.
O bolo, …, simboliza o prazer de quem recebe” Carolina Carriço
PF – A criatividade dos teus bolos leva-nos a sonhar. Por vezes, há sonhos que se concretizam e os teus bolos estão lá, nesses sonhos. Onde te inspiras para as mais variadas confecções?
CC – (risos) Depende… Tudo pode ser uma fonte de inspiração; um olhar, uma frase, uma cor, um padrão, um tecido, uma foto, uma conversa.

PF – No teu blogue Açúcar e Arte (http://acucar-e-arte.blogspot.com), materializas aos nossos olhos, o amor, o carinho, a paciência e a criatividade dos teus trabalhos adocicados. Os olhos, para além de serem o espelho da alma também comem. É verdade? Quais têm sido as reações das pessoas?
CC – Claro, os olhos também comem! Diria que a principal garfada é a dos olhos (risos). Mas, o conteúdo também é muito importante. É o que faz as pessoas voltarem e quererem mais. Se a intenção fosse apenas estética, não teria de ser necessariamente açúcar, não é? Poderia perfeitamente ser plasticina que se colocava no centro de uma mesa e depois se guardava numa estante. O bolo também simboliza o prazer de quem recebe, em partilhar com os convidados a sua felicidade, através de um doce sabor. Se assim não for, por muita beleza que tenha um bolo, ele não cumpre a sua função.
Quanto às reações têm sido todas muito boas. Da curiosidade ao apoio, muitas vezes entusiasta, principalmente por parte de quem já provou.
A mala da Carolina
PF – “Um momento pode ser tudo. Um bolo pode fazer a diferença. Momentos doces, com história e amor”. Conta-nos a história em que tu sejas o personagem principal, num momento mais marcante da tua vida e, em que efetivamente um bolo pode fazer a diferença. Qual o bolo que te deu mais gosto fazer e por que?
CC – Não consigo escolher um… só posso dizer que todos são diferentes e especiais. Gosto de sentir a expectativa e curiosidade que o bolo traz à festa; gosto quando me apresentam ideias alinhavadas mas com espaço para introduzir a minha criatividade…
Adorava a forma como ficava surpreendida com os meus bolos de criança e de ver a cara dos meus amigos. É um momento mágico. Um ano foi um cisne em 3D, noutro, um comboio. A minha mãe e avó encarregavam-se dessas pequenas grandes surpresas (risos).

PF – É mãe, esposa, profissional de saúde, dona de casa, … e, ainda “Cake Designer”. Onde fica o lugar para a mulher somente? Que capricho podes chamar de só teu?
CC – Uui… perdi-a! (risos) De momento a mulher está em pausa; mas espero rapidamente reequilibrar a minha vida.
PF – Fala-nos da tua experiência no Festival do Chocolate de Óbidos?
CC – Foi muito boa, não só pelo desafio criativo mas também pelas pessoas que conheci. É muito enriquecedor ver o percurso de outros colegas, como se traduz na prática a sua criatividade, as técnicas que utilizam. É incrível o que se pode aprender através de simples conversas. Foram dias de uma enorme sensação de responsabilidade, mas também de apoio e amizade entre colegas. Adorei!
Festival Vilamoura, Maio 2010
PF – No início de Maio participaste, já com algum calejo, no Festival do Chocolate de Vilamoura. Como te sentiste a trabalhares com pessoas a assistir?
CC – Correu lindamente! A forma como se organizou o evento permitiu uma grande proximidade entre os visitantes e expositores, de forma que a relação foi muito pessoal. Permitiu que as pessoas que o visitaram ficassem à vontade para questionarem e aos quais tentei responder da melhor forma. Foi muito giro!
Flores Genealógicas
PF – O que tens a dizer a alguém que queira trabalhar neste ramo de atividade?
CC – Que o faço com amor, paciência, responsabilidade e querendo sempre aprender mais. Pode parecer simples, mas um bolo pode ser a alegria ou a desilusão de uma festa. Acima de tudo, que se divirta, porque criar é divertido!
Vaso Flores
PF – Queres deixar alguma mensagem aos leitores do Palavra Fiandeira?
CC – Sim. Quero incentivar a continuação de muitas e boas criações literárias, que tanta falta nos fazem. A literatura é de fato uma expressão artística maravilhosa! Obrigada a todos por tornarem os nossos dias mais coloridos.
Quero agradecer à Carmen este momento agradável que passamos à conversa.
Comunhão
______________________________
(In) Existência

Ser. Ser agora.
Nada. Ser nada e ouvir a chuva lá fora.
Sou eu e mais ninguém.
O som do mar nos meus ouvidos clarifica a minha mente insana e dá-me o prazer do momento.
Carmen Ezequiel – 8/Maio/2010
___________________________
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
Este foi mais um "Sombras Comuns" onde falar com a Carolina foi assim, como o poema que vos presenteei. Em que no âmago da essência do ser nos encontramos, pela humildade desta mulher.

Aqui, fala-se de tudo e de nada.
De tudo o que somos.
De nada que ninguém é.

Carmen Ezequiel – 29 de Maio de 2010

@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@

REALIZAÇÃO:
CARMEN EZEQUIEL
Poeta, escritora, ativista cultural, correspondente e colaboradora de PALAVRA FIANDEIRA em Portugal

4 comentários:

  1. Si que se comen con los ojos estos pastelitos si.

    Enhorabuena por esta entrevista tan dulce.

    Un abrazo, Montserrat

    ResponderExcluir
  2. Obrigada Carmen!
    É um verdadeiro prazer estar contigo e foi uma delícia ver o resultado desta entrevista!!
    Mil beijinhos,
    Carolina Carriço

    ResponderExcluir
  3. Envolvente esta entrevista... Uma descoberta da beleza, da arte, da pessoa, da sua dádiva aos outros...
    Muito obrigado Carmen e Carolina, pela partilha! Ana Paula Guerra

    ResponderExcluir