EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

PALAVRA FIANDEIRA 36



PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA 
ANO 1- Nº 36 - 15/JULHO/2010
 NESTA EDIÇÃO:

ELOÍ BOCHECO
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 MARCIANO VASQUES ENTREVISTA
PARA PALAVRA FIANDEIRA:
ELOÍ BOCHECO


1. Quem é Eloí Bocheco?
Uma professora de língua e literatura, aposentada, que escreve literatura para crianças e jovens, e a quem interessar possa.
2. Já recebeu diversos prêmios literários. Poderia nos falar da importância desses prêmios em sua vida, e de que forma um prêmio pode influenciar na carreira de um autor?
No meu caso, os prêmios abriram caminho para a publicação de alguns livros, como Beatriz em trânsito ( CCMQ), e Batata cozida, mingau de cará ( Literatura para Todos/MEC), cujas premiações incluíram a edição e distribuição da obra.
3) Seu livro POMAR DE BRINQUEDO é encantado. E você demonstra vivenciar com doçura a vida da criança. Como é essa sua relação com o pequeno leitor?


Foi, desde sempre, uma relação de muito afeto, mediada pela literatura. Em classe, na biblioteca, ou como escritora, interajo com as crianças tendo livros por perto. E livros aproximam, criam laços, puxam rodas de conversas, favorecem o convívio amoroso, provocam o desejo de compartilhamento das impressões de leitura e dos efeitos dessas leituras na vida dos pequenos leitores.
3) Atuou a vida toda como professora, até a sua aposentadoria. Conte-nos, por favor, da presença do trabalho como alfabetizadora em sua vida e de que forma esse acontecimento influenciou na edificação da poeta.
Durante algum tempo alfabetizei crianças que repetiam a primeira série há anos, sem aprenderem a ler e escrever. O modo que encontrei para criar nelas o encantamento pela palavra, e motivá-las a querer aprender, já que chegavam enfastiadas de repetir anos a fio a mesma série, foi envolvê-las com a poesia., especialmente, a poesia infantil de Cecília Meireles.
De tal modo ficavam encantadas com os textos poéticos, que se empenhavam ao máximo para dominar o código e ler por conta os textos apresentados, que as fascinavam.
O envolvimento lúdico com a palavra reavivou naquelas crianças o gosto de aprender, que tiveram ao entrarem , pela primeira vez, na escola, mas perderam ao longo dos anos de insucesso. Via-se, nos olhos delas, a surpresa com o modo de ser das palavras dentro do poema. “Bola” “ jogo” “bela” passadas pelo crivo mágico de Cecília Meireles soavam diferentes, criavam sentidos, encantavam. O brilho nos olhos e o pedido para ler de novo, e de novo, o mesmo poema, até sabê-lo de cor, de tanto ouvir , elevou a mil graus minha crença nos poderes mágicos da poesia.
Essa experiência foi marcante e influenciou tanto a decisão de escrever poesia infantil, como o cuidado que tenho com as palavras ao compor um poema, o trabalho exaustivo para que o poema “pirilampeie”, como diz você, e possa ser agradável aos ouvidos dos pequenos leitores. E, se possível, possa despertar gosto por mais leitura.
4. Fale aos leitores da sua trajetória e das alegrias e frutos como coordenadora, idealizadora e editora do jornal de literatura infantil e juvenil O BALAINHO. Aproveite e conte o que é esse projeto que já vai por década.


O Balainho circulou durante dez anos pelo Estado de SC e pelo país.
Nasceu de um sonho meu e da Profa. Zenilde Durli de dialogar com os educadores de nosso Estado, SC, sobre as questões ligadas ao livro e à leitura, com ênfase na Literatura infantil e Juvenil, pela importância deste gênero na iniciação literária e na criação de uma cultura de leitura.
O jornal surgiu em agosto de 1999, com a ajuda de pequenos patrocínios. A repercussão foi muito boa, recebemos muitas mensagens de apoio, e foi, então, que a professora Zenilde Durli apresentou o projeto para a UNOESC. O Jornal foi aprovado e, a partir daí, a Instituição assumiu a publicação e distribuição.
A Secretaria de Estado da Educação de SC distribuía, através de seu malote, para as escolas da rede, garantindo que o Balainho chegasse em todos os municípios de SC, inclusive em todo o interiorzão. Sem essa parceria, não teríamos alcançado tantos leitores.
Além das remessas por mala direta, havia uma divulgação feita pelos próprios leitores, que passavam adiante o Jornal por simpatia, ou amor ao projeto, e também enviavam novos endereços para a mala direta, de modo que, a cada edição, o Balainho encontrava novos destinatários, nos mais diversos pontos do país. O professor Peter O’Sagae, que acompanhou e apoiou o Balainho desde o início, abrigou o Jornal na Revista Eletrônica Dobras da Leitura, e isto ampliou as possibilidades de visibilidade e acesso.
Recebíamos muitas cartas e e-mails com palavras de incentivo de educadores, pais, mediadores de leitura, ONGs, bibliotecários, escritores, especialistas em LIJ das principais instituições ligadas à promoção da leitura no Estado (SC) e no país.
Nos anos de circulação, O Balainho estabeleceu uma relação forte com seus leitores. As edições eram esperadas com expectativa. Quando atrasavam, vinham cartas “pedindo conta” do jornal, reclamando a demora.
Contamos sempre com a colaboração de escritores, ilustradores, especialistas, educadores, que gentilmente cediam um pouco de seu tempo para auxiliar o projeto. As matérias, entrevistas, depoimentos tiveram grande repercussão e ainda têm, pois muitas professores continuam incluindo O Balainho em seus trabalhos pedagógicos com alunos dos cursos de Letras e Pedagogia.
No retorno que tivemos, destaco os depoimentos de educadores que contaram que, com o auxílio do Balainho, mudaram seu modo de ver e tratar a literatura no espaço escolar, tornando-se, eles próprios, leitores de literatura, que não o eram, e, por isso, não haviam descoberto para si próprios nem para seus alunos a relevância de se envolverem com a linguagem da ficção e da poesia.

5. - "Batata cozida, mingau de cará", eis um de seus livros. É difícil falar de um livro em especial, pois todos são importantes, e merecem nosso carinho, mas poderia nos falar de um que muita alegria tenha causado a você?
O Batata cozida, mingau de cará será sempre um livro especial para mim. Surgiu de um desejo de recriar a experiência literária oral da infância, que foi uma experiência rica e inesquecível. O repertório oral era o alimento literário das crianças do campo, nos anos de 1960, pois livros eram uma raridade.
Escrevê-lo foi uma espécie de revivência daqueles reptos lúdico-amorosos que me encantaram naqueles dias. As imagens, as situações, as cenas são outras, mas o procedimento poético adotado é oriundo desse repertório e desse modo de celebrar a vida em versos.
Este livro, que recebeu o I Literatura Para Todos, em tradição oral, e seria, inicialmente, pela proposta do concurso, um livro para os neoleitores do EJA, encontra leitores de todas as idades, inclusive, faz muito sucesso entre crianças das creches. E isto se deve à linguagem do folclore, que é uma linguagem de sempre, de todos, marcada pela afetividade e por ecos líricos que atravessam o tempo e o espaço.

No dia da premiação desta obra, em Brasília, um agricultor de 65 anos, neoleitor do EJA, foi ao palco e leu o poema “Cutia” que faz parte do livro. Leu com a maior elegância e aprumo, sem tropeçar, sem se intimidar, fazendo pausas e marcações na leitura que me fizeram lembrar os declamadores de minha infância. Foram homens e mulheres como aquele agricultor que, sem saber ler e escrever, criaram o manancial do folclore, no qual fui buscar a inspiração para compor o livro. Marcas assim ficam para sempre impressas na história de leituras de um livro.
6. Recolher as histórias que ouviu e as recontar num livro deve ser uma fascinante experiência. Conte, por gentileza, aos nossos leitores essa experiência e as suas gratificações.

Na verdade, não recolhi, recriei aquilo que já estava ( está) gravado na memória, guardado e decantado pelo passagem do tempo. O estudioso Jesualdo diz que a oralidade possui uma expressividade única: pinta, esculpe e até grava a fogo, e está pontilhada de espécies e essências”, palavras que acolho inteiramente.
O folclore é uma referência fundamental para mim. Foi através desse repertório que entrei em contato com a palavra criadora, inventiva, mágica, lúdica, onde não faltam humor e nonsense. Recriar, reinventar, tendo como base esse manancial, é um prazer que me põe em sintonia com os sons que me embalaram na infância e deram a noção de que a palavra podia encantar, podia ser como o barro na mão do oleiro.
7. Meninas e meninos encenando seus poemas, murais de poesia, saraus, sala de leitura: saberia ou conseguiria viver longe da escola?
Procuro estar sempre em contato com as crianças. Gostaria de ir mais às escolas , porém, hoje em dia, os problemas de saúde me impõem certos limites. Mas, quando consigo ir, é uma alegria muito grande.
8. "Os textos poéticos nunca deveriam ser usados para ilustrar a lição didática ou o que quer que seja, como se não valessem por si mesmos, não fossem peças artísticas autônomas e precisassem justificar sua presença, porque, do contrário seriam “inúteis”. Alegria, maravilhamento, sonho, brincadeira, fantasia – coisas que advém do convívio com a poesia não são inúteis, ao contrário, são alimentos preciosos e necessários para o sustento da vida. " Em 2007, escreveu um editorial com o qual PALAVRA FIANDEIRA concorda plenamente. Poderia exemplificar porque isso ocorre, ou seja, porque cresceu e se instalou no trabalho educativo a utilização da Poesia Infantil , e de modo geral, da Literatura Infantil, para 'ilustrar" a lição didática?


Na origem, a literatura infantil está ligada à pedagogia, e não à arte. Creio que essa marca permanece forte, embora a LIJ tenha conquistado há muito tempo seu estatuto de arte. Os poemas, os textos não são chamados pelo seu valor literário, mas porque, de algum modo, “fazem par” com a lição.
É uma atitude pragmática que passa longe das possibilidades de encantamento e envolvimento de um texto. Talvez tenha que mudar a própria relação do mediador de leitura, no caso da escola, do educador, com a literatura. É preciso liberdade para que os textos voem, encantem, emocionem, sensibilizem, criem laços e intimidade com o leitor.
Os cursos de capacitação deveriam cuidar mais da formação literária dos educadores. Há Instituições que oferecem essa formação e dá para sentir a diferença no trabalho dos professores que tiveram, no currículo, subsídios para desenvolver trabalhos com leituras literárias em classe.
9. Seu texto tem "o ligeiro brilho dos insetos que pirilampejam". Um de seus livros conta a história de uma bruxinha que encontra uma chave mágica, e abre três portas, encontra uma chave mágica que abre três portas encantadas no Vale dos Jacarandás. Crianças adoram chaves mágicas que abrem portas encantadas, há sempre um mundo de magia a nos espreitar, esperando por nós. Fale-nos desse livro. Conte-nos dessa personagem.


A personagem é uma bruxinha, filha da terra, da mata, entendida em todos os segredos da floresta. Faz suas mágicas usando as próprios elementos mágicos da natureza, e mais os objetos que ela guarda num baú que foi de sua bisavó. São quatro os livros com esta bruxinha:
O pacote que tava no pote
Contra feitiço, feitiço e meio
A chave que o vaga-lume alumiou
Gaitainha tocou, bicharada dançou
No livro A chave que o vaga-lume alumiou, a chave, que abre três portas no vale dos Jacarandás, foi encontrada pela bruxinha durante a brincadeira com os vaga-lumes. Ela sai para procurar as portas. Depois de cada porta há um risco, um perigo, uma ameaça, um conflito, que ela tem que resolver: “ quem entra aqui nunca mais sai, a não ser que.........”
Ela não se desespera porque, como filha da floresta, sabe os sinais, sabe o compasso, conhece a música da terra, o canto mágico dos pássaros, a força das águas, o brilho dos pirilampos, os rumos dos voos no céu, e invoca esses conhecimentos para formular as soluções até o desenlace final.
Esta coleção da bruxinha, em muitas escolas, é levada ao palco e encenada pelas crianças com muito gosto.
10. Há um interesse explícito e intenso de você pelas coisas da natureza, que ao mesmo tempo, são as coisas da infância, que por outro lado nos remete à ternura da poesia infantil, da sonoridade, do encanto que traduz a beleza e a doçura da simplicidade. Certamente, esse balaio repleto de poesia que vive em você deve lhe causar muita felicidade. O que diria da incessante busca da felicidade que move os humanos?
Em uma crônica belíssima , A Arte de ser Feliz, Cecília Meireles conta sobre as coisas que vê de sua janela e que a fazem feliz. Coisas simples, cenas do cotidiano, tocadas pela poesia. A mesma autora, em um poema, refere-se a “estas vastas nuvens que os homens buscam”. Como alcançá-las? E por que, uma vez alcançadas, tão rápido se dissolvem?
Cada um sabe de suas buscas e do modo, e onde e como buscar contentamento e ventura. Creio que a busca vale a pena quando gera mais vida e humaniza. Aposto muito nas coisas simples, na arte, na literatura, na poesia como fontes permanentes de felicidade. Essas moradas ajudam a entrar em sintonia com valores que a traça e a ferrugem não corroem, por mais que “mudem-se os tempos, mudem-se as vontades”. Os novos tempos programam, direcionam, criam vontades e desejos, interferem nessa busca o tempo todo.
Comprar, trocar e jogar fora os objetos , como se faz na maneira consumista de ser feliz , é um modelo de felicidade não sustentável, que gera destruição e morte.
O filósofo Epicuro dá pistas muito boas para essa procura da felicidade quando aconselha, dentre outras coisas, levar uma vida examinada. Por certo, uma “vida examinada” pende mais para o lado das felicidades duradouras, porque quem examina o vivido não se deixa seduzir facilmente pelas ofertas voláteis de felicidade.
11. Sua poética nos remete de imediato aos tesouros e achados da oralidade, das tradições populares, da poesia oral, das rodas da infância. Como foi a sua infância?
Passei a infância numa pequena localidade do interior de SC. Era uma época em que as crianças andavam soltas, em bandos, pelas estradas de chão batido, ou trepadas nas pitangueiras e araçás, com as bocas lambuzadas de frutas, pés cascudos, cabelos chamuscados de sol.
Tínhamos os serões em que as crianças participavam, olhos muito acesos, atentas às proezas verbais do contador ou declamador. Podiam contar mil vezes a mesma história que a plateia não se cansava nem perdia o vivo interesse.
Cresci num tempo e num mundo em que a vida era feita à mão, no ritmo em que crescem as plantas ou correm as águas dos lajeados. As crianças nasciam em casa, pela mão das parteiras experientes e à luz dos lampiões.
As casas eram pontos de pousadas para quem vinha de longe. Os viajantes pernoitavam e partiam no cantar do galo para seus destinos. As crianças adoravam esta parte, pois os andantes sempre tinham muitas histórias na bagagem, alguns eram muito engraçados, bons falantes, poetas e patrocinavam cenas hilárias que faziam as crianças delirarem.
Até a religião era mágica e, de certo modo, inventada. O ponto de culto era uma igrejinha, fundada por um beato, no meio da mata, tão íntima do verde, que poder-se-ia pensar que nascera junto com as árvores. Havia uma igrejinha católica, no centro do povoado, que às vezes, freqüentávamos, mas nosso encantamento era pela igrejinha do beato.
As vivências lúdicas eram muito fortes e ajudavam a manter o gosto de viver, mesmo na dor, nas perdas, nos sofrimentos do corpo e da alma, nos golpes do destino.
12. Seus poemas incríveis, como MULINHA, são docemente comoventes por nos remeter ao abraço puro da infância. De que forma poderia a poesia ser mais divulgada no âmbito escolar, no trabalho de alfabetização, a ponto de se tornar protagonista num processo educativo de alfabetização, visto que com ela viria o doce teatro da infância e tudo o mais? Diga uma iniciativa que esteja faltando, em qualquer âmbito

Outro dia uma menina da quarta série me escreveu e contou que meu livro Pomar de brinquedo tinha sido seu primeiro livro de poemas e que havia descoberto que era muito gostoso ler poesia. Fiquei feliz com o fato, mas, ao mesmo tempo lamentei que esta criança só tenha encontrado a poesia na quarta série. Passou a alfabetização e as séries seguintes sem poesia em sua vida.
Acredito que temos que criar uma tradição de ler poemas para as crianças, como criamos a tradição de ler e contar histórias. Os educadores que fazem a experiência de oferecer poesia para seus alunos dão testemunho do quanto foi prazeroso e rico o convívio com a palavra poética.
Nunca encontrei uma única criança que descobrisse a poesia e não se apaixonasse, e não pedisse mais e mais poemas para ler. O que falta é dar acesso a este recurso mágico que tanto as faz felizes.
13. Literatura Infantil é apenas para criança?
Considerando que o adulto é o mediador entre a criança e o livro, então, o adulto deve ler a literatura infantil para acompanhar a formação leitora da criança.
Por outro lado, há livros, ditos infantis, que conseguem encantar adultos e crianças ao longo dos tempos.
14. Tem um blog intitulado ELOÍ BOCHECO - SALA DE FERRAMENTAS - O que é esse blog, quais as suas temáticas, a sua semântica, a sua abordagem? O que é a Sala de Ferramentas?
Sala de Ferramentas é o nome de um livro que conta a história da descoberta do livro literário por um grupo de mulheres garis. Clarice, é a moça que conduz a roda de leitura com estas mulheres. As leituras são realizadas na Sala de Ferramentas, onde elas guardam seus instrumentos de trabalho.
O primeiro capítulo deste livro chama-se Não vá embora, Clarice! E recebeu o prêmio Leia Comigo! da FNLIJ, em 2003
Então, nomeei o blog com este nome, em homenagem a estas mulheres e, também, porque o blog aborda questões ligadas ao livro, à leitura, à literatura, – ferramentas valiosas para um viver “examinado”.
15. "Sempre é tempo para alguém se tornar um leitor". Assim diz O BALAINHO. Como um adulto mergulhado, ou melhor, atolado na areia movediça do cotidiano áspero e quase sempre insensato, alvo da "cultura " que se despeja pela televisão, por certa mídia, etc, ou seja, um adulto preenchido por uma vida, poderíamos dizer, sem autenticidade, poderia se tornar um leitor. Que iniciativa deveria o governo realizar, além da compra de livros e ampliação das bibliotecas, tomando por base que "qualquer governo anseia por um povo leitor'
Há pessoas que descobrem o livro aos 60, 70, e até com mais idade e se apaixonam e se tornam grandes leitoras. Lecionei para a educação de adultos - atualmente EJA – e pude comprovar este fato.
Muitos fatores concorrem para a criação de uma tradição de leitura num município, num Estado, num país. O acesso aos livros através das bibliotecas escolares é, inegavelmente, um dos fatores decisivos para criar a prática leitora. Livros de ótima qualidade têm chegado às escolas públicas. Mas, sem o investimento em dinamizadores para estes acervos, bibliotecários, ou responsáveis pelas bibliotecas, corre-se o risco de ver os livros desaparecerem, em pouco tempo, ou ficarem nas caixas, ou, ainda, enfileirados nas prateleiras.
A biblioteca dialoga com o projeto pedagógico da escola porque a prática leitora perpassa todas as disciplinas do currículo. O bibliotecário é mediador e interlocutor no diálogo com as classes, com os mestres, tendo o livro e a leitura como pauta fundamental de seu ofício. Sem este agente fica faltando uma parte indispensável para que os investimentos em livros causem impacto na criação de uma tradição de leitura, a partir da escola.
16. Num de seus blogs você registra cartas, missivas, que recebeu de pessoas queridas. Cartas serão tesouros num futuro que aponta um mundo de tecnologia, um mundo virtual?
Acredito que sim. Quem, ainda, recebe cartas manuscritas deve guardá-las muito bem, pois serão tesouros, como você diz, relíquias, algo de um outro tempo e de um outro mundo. Daqui a alguns anos, o correio entregará contas a pagar, mas cartas, só por milagre.
Uma menina de Curitiba, ano passado, resolveu enviar cartões de natal, com palavras amorosas às amigas. Contou-me que foi um espanto. Ligavam para perguntar por que fizera isso, se estava com o computador quebrado.
17. Suas prosas são saborosas, são companheiras de viagens. Tem algum livro de prosas publicado, no qual poderíamos encontrar prosas que falem do lápis, da doçura das frutas, de escadas, de amores infantis?
Tenho um livro chamado Pedras Soltas, publicado pela EdUFSC, de crônicas editadas, antes, em jornal, e reunidas nessa obra.
19. Mário Quintana, Manoel de Barros... Talvez o Brasil não conheça mesmo o Brasil. Longe de tudo, poderia nos falar sobre um poeta que terá lido e muita alegria trouxe ao seu coração?
Sou devota de muitos poetas, inclusive de Mario Quintana e Manoel de Barros, que você menciona.
Gosto muito dos poetas antigos. Ludovico Ariosto me encanta até a raiz dos cabelos. Seu livro, Orlando Furioso, é uma estação de cura.
Mas, Cecília Meireles é um caso de amor à parte. Como professora lia com as crianças poemas do livro Ou Isto Ou Aquilo: O cavalinho branco, Colar de coral, Leilão de jardim, O Jogo e a bola, Rômulo rema, O sonho de Olga, Procissão de pelúcia, Avó do meninó etc. Com os alunos maiores lia as crônicas, e outros poemas da autora. Os fascínios, meu e de meus alunos, se misturavam nessas leituras, de modo que estas vivências criaram uma ligação eterna com Cecília Meireles.
18. Leu um livro que contribuiu para alterar o rumo de sua vida ou consciência, ou tenha de alguma forma influenciado os seus passos ou os seus dizer.
O livro Solte os Cachorros, de Adélia Prado mudou o rumo de minha vida.
19. Participa de associações ou agremiações (clubes, etc) de poetas ou escritores de literatura infantil?
Faço parte da AEI-LIJ
20. Poderia nos deixar um de seus poemas infantis?
Deixo MARTINA, do livro Ô de Casa! ( atualmente esgotado)

No canteiro
há um girassol
Dentro do girassol
há uma gota de orvalho
Dentro da gota de orvalho
há uma réstia de luz
Dentro da réstia de luz
há um grão
Dentro do grão
há um anel
Dentro do anel
há uma cantiga de roda
Dentro da cantiga de roda
a menina Martina
brinca uma ciranda
com sementes
beijadas de sol.

21. Que palavras deixaria como mensagem final aos leitores de PALAVRA FIANDEIRA?
Tomo a liberdade de imaginar que os leitores de Palavra Fiandeira sejam pessoas que se interessam por semeaduras poéticas, e que, em alguma seara estejam lançando sementes de arte. Então, com base nesta hipótese, deixo umas palavras do Eclesiastes que gosto muito:
Semeia a tua semente pela manhã e, de tarde, não cesse a tua mão de fazer o mesmo”.

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Marciano Vasques 
ESCRITOR E FUNDADOR DE PALAVRA FIANDEIRA


4 comentários:

  1. Olá, Marciano
    Olá, Eloí

    Agradeço-vos pela entrevista maravilhosa que nos presenteiam. São as crianças o futuro e a poesia a ponte que as levará a manter para sempre a simplicidade.
    Por ora, vou manter-me fiel a Eclesiastes, e que a minha mão semeie a qualquer hora do dia.
    Uma beijoca para Eloí.
    Beijo com carinho para o Marciano.

    Carmen Ezequiel

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  2. A Eloi sempre maravilhosa..simplesmente não tem como não sentir só pelas respostas, como ela se entrega quando escreve. É por isso que encanta e acaba despertando até em quem não gosta de poesias, o gosto pela leitura. Obrigada por ter contribuido de alguma forma, desde a minha infância (e até hoje- aos 26 anos), pelo meu prazer pela leitura!
    Beijos com carinho..
    Francine Romani

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  3. Querida Eloí. Que delícia de entrrevista. Saboreei cada palavra, cada linha. Sou uma criança de 58 anos que se alimenta de livros.
    Parabéns, Marciano pela brilhante entrevista.
    Pilar, Aibaia, SP.

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  4. Querida Eloí,
    Ler o que você escreve é sempre um prazer. Seu discurso é tão encantador quanto seus livros. Sua passagem pela nossa escola foi mágica e, realmente, você plantou uma bela semente em nossos alunos: o gosto pela leitura. Eu lhe admiro muito.
    Felicidades,
    Viviane C. Sitniewski

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