EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

PALAVRA FIANDEIRA 7





 PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
ANO 1 - Nº 7 - 31/DEZEMBRO/2009



 MOCHILEIROS PELO MUNDO
 NESTA EDIÇÃO: 
ROCIO L`AMAR ENTREVISTA
JUAN TORRES GIMÉNEZ



 Rocio L`Amar é correspondente de PALAVRA FIANDEIRA no Chile.

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PALAVRA FIANDEIRA

Rocío L´Amar - Chile - JUAN TORRES JIMÉNEZ


Juan Torres Jiménez - às vezes -  parece - me filho da ira existencial, e não estou parafraseando a Dámaso Alonso, nem reproduzindo a introdução à sua obra, na qual indaga em uma poesia desarraigada. Cito: "a poesia não é senão um dos mais eficazes e rápidos modos que o homem possui para erguer-se do contingente ao absoluto, senão a (des)motivação do trabalho poético que marca a sua criação literária, na insistência do fenômeno linguístico como forma escrita, em seu standing, em sua concretude. Estética. Impacto social. Seu humor particular, que reflete um desencanto evidente. Seu desabafo, que a escoriação / abrasão de onde se nutre e prospera sua obra poética.

Esta minha aproximação não é uma visão sintética, um acaso, um talvez, senão vai acompanhada de um processo de evolução desde aquela primeira vez em que Juan Torres Jiménez ingressou nas oficinas de literatura que ministrei nos anos 90 em Lota, Chile, até culminar numa amizade, de forma e fundo, como se contemplam os bons acontecimentos.

Tanto que acredito ser interessante oferecer ao leitor/internauta uma perspectiva ou introdução geral do poeta - e sua obra - num grande risco, obviamente - para conhecermos as suas considerações confeccionado este corpus neste microespaço que ressalta o papel transcendental, nevrálgico, da liberdade individual e a diversidade de opiniões. Por que cada ser humano elege o que conforma a sua própria natureza, segundo Jean Paul Sartre, inclusive a negação a eleger implica já uma eleição. O convite está feito, a quem quiser aceitar o risco e a responsabilidade de seguir seu compromisso onde quer que este leve a Juan Torres Jiménez.

Pedala em sua bicicleta a pós - modernidade como excursionista sem bússola para descobrir-se. Esta velocidade, esta híbrida voz, eufórica às vezes, essas mudanças de pauta, esta macro-estética vanguardista que está criando novos conceitos de linguagem social, forjando estilos do não estilo, entrando no joguinho da oferta e procura numa sociedade legitimada com licença para escrever a incipientes exploradores que encontramos na Internet, poderia acarretar seus próprios perigos.

De frente para a ventania. Coliseu e diversão. Conjunto de exercícios ou ginástica e figurinhas literárias que desejam ser parte da memória histórica, ou parte somente do presente, do agora, e, sem lugar à dúvidas - estão vivenciando seu instante.

Por que subentendido é que as redes são heterogêneas e que a poesia abre portas às linguagens estranhas ou familiares, ali, onde somente existia/existe o vazio. Um vazio editorial.

Qualquer ingresso será útil, será idôneo, servirá para esses fogos de artifícios em poesia?
A este tema convidamos a Juan Torres Jiménez.


Significa algo para você que aplaudamos uma poesia que coopera - como disse um colombiano - com o crescimento do lixo cultural ou é uma especulação, uma grande variedade do mesmo com sua habitual explosão?

Inicialmente, não saberia dizer se me incluo em aplaudir uma poesia com essas características, por que, para ser sincero, não aplaudo muitas coisas atualmente, porém se é um feito, como fluxo poético está instalando, me parece talvez, porque não?, até interessante no sentido que fala de uma simbologia que reflete um estágio comum a muitos. Ou a uma minoria, não sei. Pessoalmente, não me interessa demonizar a dessacralização ou a banalização da poesia, ao contrário, me agrada, de certo modo. Ainda que aquele que tenha faro, vá a encontrar sempre a boa literatura.

Qual a sua opinião sobre a poesia light, como enfeite artificial, tecno-imaginativo, exibicionista e bajuladora, criada pelos internautas? Poderia a poesia perder sua capacidade de sedução e encanto, seu pequeno genes enigmático e linguístico?


Inegavelmente, a Web proporciona um tráfego ilimitado de informações e, o mais revolucionário ainda: é que qualquer um pode ter acesso a ela. E, para o tema ao qual me convoca, a poesia: publicar poemas, passando completamente por alto o rumo,  outrora indispensável, que no Chile, para meu gosto, era e é bastante calamitoso, no que a edição de poemas em formato de papel se refere.
Entretanto, convida à minha atenção a conotação restrita a sua pergunta ao termo ciberpoeta, como subcategoria, como uma nova infraespécie, talvez, que transita sonolenta ainda sob pseudos canônes que bem poderiam representar uma alternativa de categorização em si mesma, a mim me parece que tem mais o caráter de consequência em termos da globalização de informação e da visceral necessidade humana de se comunicar.
E logo me vem à memória, a propósito do tema,o projeto YP Poetry, baseado na geração de poesia a partir da busca em tempo real de material textual na rede. E onde robôs, os YP bots, ou máquinas poetas compostas por um computador conectado à Internet, um monitor e um vivavoz convertem os textos encontrados em sons e imagens pré-gravados de uma boca humana recitando fonemas. Isto para mim é ciber poesia, e nem por isso me deixa de parecer brutal e ao mesmo tempo maravilhosa. Creio que o experimento é a saída, se é que existe saída.
Ainda que a poesia light não signifique para mim absolutamente nada, por que para mim, a poesia, em si mesma seja nada, eu não escrevo poemas partindo de pressupostos, de cobiças. A poesia, como afirmo em um de meus textos, "é um vômito celeste", e esse vômito é o vazio geral de tudo. A anarquia metafísica por excelência. O assassinato de todos os deuses. Que há de perder o vazio então? Parecerá por acaso o estado natural e absoluto do nada? Existem cigarros light, porém, nem por isso eu sempre os fumo. Uns poeminhas mais, uns poeminhas menos, que mais dá?

Que acontecerá com a poesia do silêncio, do leve atrito dialogante, o taxativo da palavra?

- Nada. Que haveria de acontecer? A grande virgem ainda nem foi deflorada. O diálogo dos fantasmas aos fantasmas pertencem.

Ser poeta, viver em poeta, pensar e sonhar em poesia, viver em poesia, assumir sua vivência, resgatar o que escapa, os códigos da expressão urbana, as leis universais. Poesia do e no tempo, poeta da luz, das sombras, a evocação e o imaginário, polifonias multiestéticas... Há algum outro estalo
simbólico que você agregaria a essas expressões, e que passam pelo poeta e a poesia concreta?

Meus poemas.




Acataria você, Juan Torres Jimenez, em sintonia com o É, sujeito criador, refletir sobre "Os poetas malditos"?

Causa-me um pouco de aborrecimento refletir, no rigor acadêmico que isso implica (caso tenha sido essa a intenção da pergunta) acerca dos "poetas malditos", ainda que, em geral, atualmente, a poesia me enfastie bastante, porém como gosto de aborrecer-me:a escrevo, para ver se resulta numa delas algo que me tire de uma vez por todas do aborrecimento. Porém, como fazer o exercício se trata, começarei por efetuar uma aclaração semântica: os poetas malditos não existem, isso é uma invenção. Existem os poetas de culhões grandes, o que é diferente. Nem vamos falar de Rimbaud, Baudelaire, Mallarmé, Villón, Artaud, que sei eu...isso já nos ensinam na escola. Entretanto, existem, a mim me parece, um par de exemplos monumentais de poetas de culhões grandes : os chilenos Teófilo Cid, JorgeTellier e o espanhol Leopoldo Maria Panero (para relacionar alguns) no sentido existencial. Claro está, que é ao que me refiro, por que há de se ter saco para se viver como viveram , ou melhor dizendo, desfizeram suas vidas. Por isso, a reflexão que persigo, com esses exemplos, tem relação com a congruência do discurso propositivo da poesia que escreveram e a vida que, como unidades sociais, tiveram e temos, queiramos ou não, todos que viver. Esse ponto de encarnação, de fusão quase satânica, entre o imaginário poético e a vida real. A mistura donde se cruzam anverso e reverso voltando-se um só é a meu caprichoso parecer a antípoda a qual, por amor, todos os que escrevem deveriam invocar.

BIOGRAFIA

Juan Torres Jiménez (1976, Lota, VIII região, Chile), com licenciatura em Serviço Social pela Universidade de Concepción Integrou as oficinas literárias da Corporação Cultural Balmaceda 1215. Organiza múltiplas leituras e performances poéticas em Lota e Concepción. Em 2002, cria e dirige a revista lieterária Inxinerarte. Um ano mais tarde, publica na coleção: Poesia Jovem do Chile. Enquanto que em 2005 o faz na revista de poesia Trilce. Obtendo , em 2006, o segundo lugar no Primeiro Concurso Regional de Poesia Antumapu Mulchén 2006 convocado pelo Conselho Nacional da Leitura e o Instituto Antumapu. Em 2007, transfere-se para viver na Comuna de Cañete, onde publica "AS decapitações de Madona", uma publicação alternativa de poesia. No ano seguinte, colabora com alguns textos no projeto Girapoema, onde divulga uma poesia. Paralelamente, no ano de 2008, cria em conjunto com múltiplos artistas e profissionais cañetinos, a revista de difusão sociocultural e literária Scandio, que até hoje dirige realizando videoarte, performances, publicações nos formatos digital e  papel.

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A CABEÇA JÁ SEPARADA DO CORPO CONTEMPLA A TUDO DE OUTRA FORMA.



"O médico e disputado Joseph Ignace Guilhotin recomendou , à Assembleia Geral Constituinte em 1789, o uso para execuções em guilhotina - daí o nome - de modo a evitar, segundo sua opinião, ao condenado os inúteis sofrimentos. O primeiro executado com este método foi um bandido apelidado de "Pelletier" em maio de 1792, durante a Revolução Francesa"


A cabeça já separada do corporação
contempla tudo de outra forma
Sem significado algum
Sem palavras
Sem desespero

(Soube Guilhotin ao propor a máquina)

E alcança nele o indizível. E o atravessa.
Porém desde dentro
(tal qual o fez Pelletier desde a bolsa
em que a recolheram sua cabeça recém - cortada)
Desde o sangue mesmo
Depois até nós
quando a chuva cai
desbotando tudo

E eu olho a fumaça do cigarro que se apaga
 e me endemonio.



VISÃO PORNOGRÁFICA DA POESIA

A poesia não busca a beleza
se a come
E cava entretanto
no ar uma vagina
para nela ocultar o impossível

a nudez de algo maior que nos encolhe.

A poesia sangra luz quando a mordes.

E ao final quando está escuro
e tudo morre
és um mosquito sugando-lhe o sangue.
Com o qual
depois escreve este poema

onde cada letra no fundo é uma morte
mais pequena que os homens e seus mortos.
Astros em cachos agonizantes


O poema é um vômito celeste.

JURAMENTO DO HOMEM MODERNO

Eu, herdeiro de Caim e seu santíssimo deserto
Adorador do anticristo verdadeiro
Cajado. Injuriador de astros. Eletrizante macaco.
Juro, consagrar minha vida ao serviço do progresso e da máquina!

Guiar até a luz a humanidade que nos condena.
Juro, cultivar sem moral alguma a avareza
Amar a riqueza sobre todas e cada uma das coisas
pois só nela encontraremos o sossego.
Degolarei com diligência . Farei tudo quanto deva.
Assim, com a mesma força que sustento
em mim esta verdade embriagadora
Juro, emudecer também a qualquer que se oponha
com razão alguma ou sem ela
aos que pensam e trabalham como eu, fiel representante de minha casta

Juro, usar o sabre contra mãe pai irmão esposa filho filha
sem hesitação alguma esvaziar-lhes as entranhas
de modo a glorificar esses magníficos preceitos.
Desde agora não tenho alma. Sou o homem.

Sou a criatura por excelência.


O REQUIÉM DE VAD TEPES

Não vivo de anunciar algo maior que me ocorra


Eu o insiro
em uma lança

(do mesmo modo que Vad Tepes)


E bebo assim o sangue.
Leio o mundo até me esvaziar
Porque como a morte lava o homem
Assim também, lavo a linguagem

E o caixão é a linguagem
O que esqueceu de terminar Deus.
O ruído que em seu lugar nada pronunciou
E que agora com mais raiva investiga
em busca de algo
em mim

A medida
que vai voltando-se aí mais homem
que a soma de todos os homens
E eu mesmo.


Tradução para o Português: MARCIANO VASQUES

Um comentário:

  1. GRACIAS MARCIANO, LE AVISARÉ A JUAN TORRES QUE SU ENTREVISTA SE ENCUENTRA EN "PALABRA FIANDEIRA", LOS POEMAS QUEDARON MARAVILLOSOS EN PORTUGUÉS... BEIJOS, ROCÍO

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