EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

PALAVRA FIANDEIRA - 45

PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
ANO 2 - Nº 45  - 29/OUTUBRO/ 2010


NESTA EDIÇÃO:
CÉLIA ANTUNES

DIRETAMENTE DE PORTUGAL
por CARMEN EZEQUIEL


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SOMBRAS COMUNS

Entrevista a Célia Antunes
por Carmen Ezequiel


Uma pessoa para compreender tem de se transformar.”
Saint-Exupéry


Aqui, fala-se de tudo e de nada.
Em Sombras Comuns não há tradição, provérbios ou coisa igual, onde o início é o fim e o fim não existe jamais.
Fala-se sobre a vida; do seu melhor e do seu pior, das inconstâncias da mente, do crescimento pessoal; de como tudo flui ao nosso redor e nos faz transformar. E, nessa transmutação do ser encontra-se o momento ideal, a palavra certa, em que se grita o silêncio e se respira a própria vida. Onde tudo se move e nada se fixa. É assim o amor. É assim a poesia.
Aqui, se partilha um diálogo místico, ainda que escondido de entre linhas, mas que se mostra mágico e nos apresenta ao mais profundo do ser.
É como sempre me questiono, se a nossa vida fosse única e simplesmente percorrer o caminho sem parar para admirar a paisagem, ou sentir a água cristalina dos lagos, ou dizer apenas um olá, ler uma poesia ou um bom livro, ouvir um amigo, respirar o sol e o mar…, que sentido teria?
Aqui e agora, vos apresento a Célia Antunes, uma mulher, uma filha, uma irmã e uma amiga, mas que muito mais ficará por dizer.

Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros mudam as pessoas.”
Mário Quintana

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Carmen Ezequiel (PALAVRA FIANDEIRA) – Quem é Célia Antunes? Define-te como mulher, filha, irmã, amiga e profissional.

Célia Antunes – Sou um ser que desceu à terra, como todos nós. Caracterizo-me por um conjunto de elementos que se compõem, e misturado por várias características e feitio que me tornam um ser único. Centrada no eixo central movo-me com os meus princípios, conduta e receios.
Como mulher: amigável, determinada, feminina quanto baste; que procura encontrar o seu lugar a cada instante.
Como filha: sensível, independente.
Como irmã: distante fisicamente, mas perto emocionalmente. Procuro o apoio neles sem o pedir diretamente. Necessito da sua presença e energia. Tudo farei ao meu alcance para os proteger.
Como amiga: boa ouvinte, presente sempre que possível, divertida e derreto-me quando sinto o amor neles. Gosto de lavar lágrimas junto a eles. Fazem-me sentir renovada.
Profissionalmente: trabalhadora, insegura por vezes, determinada e confiante noutras. Oscilo entre saber se devo agir ou esperar por indicações. Falta-me experienciar a liderança total de um projeto para definir-me concretamente. Receio ultrapassar os limites dos outros porque não gosto de sentir que estou a abusar da confiança deles.

CE (PALAVRA FIANDEIRA) – “Há pessoas que entram por acaso na nossa vida, mas não é por acaso que permanecem” William Shakespeare – É o verbo amar a razão dessa permanência? O que é para ti o amor e a amizade?

CA – Penso que, por vezes, não é o amor a razão dessa permanência. São as pessoas que entram e permanecem porque nos permitem experienciar o confronto de ideias e de valores.
Claro que existe o outro lado da moeda. Que são aquelas pessoas que, por magia ou acaso, entram na nossa vida e de imediato é sentida uma ligação profunda que nada, nem mesmo o tempo ou a distância, as fazem sair do nosso coração.
Sim, neste caso, só o verbo amar poderá explicar as atitudes que temos perante a existência do outro. E, até mesmo depois da morte ela vive claramente em nós.
Para mim, a amizade mora no amor. A amizade é uma expressão do amor. A amizade é a entrega, a confiança, a sinceridade sem magoar, um gesto delicado que expressa o sentimento de plenitude pura. Para se demonstrar amizade há que ter o senso de partilha, permanecer em nós o carinho, o afecto, o compromisso da verdade, sem véus que cubram a nossa autenticidade. Um olhar meigo cheio de amor é um bálsamo para a nossa vida, por vezes, nem a palavra diz tanto como o olhar ou a atitude.



                                              

CE (PALAVRA FIANDEIRA) – Poesia, pintura, escultura, fotografia, música, …, tudo o que é arte te seduz. Qual a que se destaca das outras quanto à tua preferência? Podes escolher um autor para cada uma delas e como tem têm influenciado no quotidiano?


CA – Arte é expressão. E, todas as formas de expressão têm a sua divindade. Aprecio todas, na sua singularidade, através do autor. Gosto mais da particularidade do autor quer seja ele pintor, escritor ou poeta. É o autor(a) que me vai seduzir através da sua própria forma de expressão. Posso pensar enumerar muitos, mas se estamos em conversa, posso dizer que gostei da tua poesia. Com ela conheci-te desde a infância e pude reflectir sobre a minha, conheci-te através dela. Isso foi um momento de evolução da minha vida, pois fui influenciada por ela. A Cátia, tua irmã, sempre que falamos, ela transmite-me nas suas ideias, pelas obras e performances, uma sensação de espírito apurado. Leva-me a estados de inteira plenitude de ser. O pintor das Caldas, o Zé Pires, que lhe pedi para me fazer um quadro. Todos os dias, sempre que olho para esse quadro, sinto que ele comunica comigo. Diariamente encontro uma resposta nele. As fotografias que o meu irmão e a minha cunhada Catarina fazem, criam ambientes variados e de uma certeza que as coisas, objetos e pessoas são importantes e têm o seu destaque. Falam por si. Entrego-me num espetáculo de dança e viajo nos meus pensamentos. Sinto-me leve nesse instante. A música tocada em sintonia influencia o meu estado e podem ser todos os estilos, nos mais diversos momentos, porque o ser humano é plural, já dizia Agostinho da Silva.

CE (PALAVRA FIANDEIRA) – “Palavras levam-nas o vento”, dizem. Pessoalmente, acho que a palavra é o que nos distingue dos animais. Das palavras que se seguem, verbaliza o que pensas de imediato.

Amor – O sentido da vida
Vida – Aquilo que tenho de mais importante; sem ela não existia
Injustiça – Sofrimento
Literatura – Desenvolvimento do nosso Ser
Alegria – Um estado de amor
Paixão – Possessividade
Desafio – Uma etapa
Beleza – Um estado natural
Serenidade – Encontro com a alma
Futilidade – Refúgio

Arte é expressão. E todas as formas de expressão têm a sua divindade.”
Célia Antunes


 Foz do Arelho, Caldas da Rainha

CE (PALAVRA FIANDEIRA) – Portugal é um País de uma beleza extrema, cheio de vida nos seus recantos, por vezes esquecido pelo próprio povo. Vamos dar a conhecer um pouco desse encanto aos leitores de Palavra Fiandeira. Qual a cidade com a qual mais te identificas?

CA – A cidade com a qual mais me identifico neste momento é com Caldas da Rainha, cidade onde vivo há 22 anos.
Tem o Parque D. Carlos I que nos permite viver em plena natureza. Praia a 9km, na Foz do Arelho. É uma cidade ligeira, com alguma história de águas termais, concebida por D. Leonor, esposa do Rei D. João II. Duas personalidades que admiro bastante pela contribuição que deram a Portugal e pelas próprias individualidades. Tem museus e a tradicional praça da fruta ao ar livre, que proporciona um ambiente único a quem a visita. É uma cidade emergente artística e culturalmente. Caminha-se com facilidade pela cidade.
Na minha opinião tem um futuro promissório, onde posso ter uma vida com qualidade, que é para mim aquilo que considero mais importante no local onde habitamos.

CE (PALAVRA FIANDEIRA) – Achas que os poetas e toda a espécie de literato são necessários nos dias que correm? Nesta era das tecnologias ainda faz sentido haver quem proclame ao amor? Ou, será que isso é mera futilidade?

CA – Hoje, questiono porque será que os poetas, filósofos, escritores, pensadores não têm mais voz perante a sociedade. Eles são uma ferramenta preciosa na nossa evolução, pois ajudam-nos a reflectir sobre tudo o que nos rodeia, sobre a própria vida e o nosso mais interior.
Levam-nos a questionar, a encontrar a nossa verdade e a definirmo-nos como indivíduos. A sabedoria da alma faz-nos mover com maior franqueza e respeito por nós próprios.
O amor; … nós somos amor, energia de amor… pensamentos de amor; leva-nos à serenidade. Sentir amor constantemente liberta-nos das maiores atrocidades que temos dentro de nós, cura-nos, faz-nos ágeis e flexíveis, permitindo-nos deixar a vida fluir em nós. Eu vivo no amor. É assim que eu encontro todos os dias a minha serenidade. Por vezes, não é fácil, mas eu tenho fé, sinto amor e acredito na mudança das coisas menos boas. Os momentos são aprendizagens.
Podemos passar por muitas épocas, eras, regimes, idades, mas existem bases que não mudam e nessa base o sentido do amor não se altera. Quem não sente e não tem consciência dele é mais pobre de espírito, logo mais difícil de encontrar a beleza da vida.

CE (PALAVRA FIANDEIRA) – Que local é esse onde tomas consciência de que não vale a pena muita coisa?

CA – No centro de mim, no meu eixo, aquele em que mergulho quando faço uma reflexão da minha vida, o meu lugar mais secreto. Quando olho para tudo e para a experiência que já tenho, que me ensinou que a vida é por si só uma bênção dos céus. A abundância está em sentir-se bem com aquilo que se tem, mesmo que estejamos a querer chegar a mais. Aquilo que se tem já é maravilhoso! Assim, chegaremos onde necessitarmos de ir sempre cheios, satisfeitos e espalhando vida aos outros.



CE (PALAVRA FIANDEIRA) – “Eu nada espero dos outros; logo, as suas acções não podem estar em oposição aos meus desejos" – Swarni Sri Yukteswar, in a Autobiografia de um iogue.
As expectativas podem, efectivamente, desiludir-nos. Já te desiludiste com algo ou alguém? Que ensinamentos são estes que nos apelam à espiritualidade?

CA – Em 37 anos já me desiludi com muita coisa e com muitas pessoas e, até mesmo, com a vida. Mas, aprendi algo no momento em que alguém me disse que estava desiludido comigo. Não tinha feito nada intencionalmente para que isso acontecesse. Então, questionei onde é que começa a desilusão. A liberdade do outro, o encontro do outro na minha vida, a vida como forma de nos levar ao nosso propósito?
Olhei para mim e eu respeito a minha liberdade, as minhas escolhas, os meus limites, as minhas fraquezas, as minhas falhas. Assim é o outro para comigo. Eu entro na vida do outro com uma intenção, deixando, de uma maneira ou de outra, uma marca, seja ela positiva ou negativa, grande ou pequena, mas com a certeza de que com um objectivo para o outro.
A própria vida me mostrou que tem vida própria e que eu devo-a respeitar.
Acredito no ensinamento que nos diz que se alguém entrou na tua vida para te desiludir é porque estavas a precisar de trabalhar esse sentimento. Porque senão tivermos dentro de nós a dor, nunca saberemos senti-la.
Deixar a responsabilidade no outro, a nossa felicidade, é meio caminho para nos sentirmos frustrados… liberta-te de esperares do outro e terás tudo o que necessitas. Muda o foco que tens no outro e foca-te em ti!

Vivemos sem saber a verdade absoluta de tudo o que nos rodeia”
Célia Antunes


 S. Pedro de Moel; Marinha Grande


CE (PALAVRA FIANDEIRA) – S. Pedro de Moel é uma freguesia do concelho de Marinha Grande (Leiria), e que nos convida à descontracção. Fala-nos das fotografias que aí tiraste, da natural e imponente natureza que delas transparece.

CA – S. Pedro de Moel faz parte do meu crescimento, pois sou natural da Marinha Grande. É aqui que ganho forças. É uma localidade que me traz recordações da infância. As fotografias foram tiradas num piquenique que fiz com a minha família. Enquanto as tirava encontrava em cada uma delas a singularidade da natureza. Prova da divindade em cada fragmento. A luz, a terra, as plantas, a água, o lado natural sentido em cada pormenor encontrado. Identifico-me como parte da natureza.

CE (PALAVRA FIANDEIRA) – Há conversas onde se fala de tudo e de nada. Parece-me que é o caso e que foi muito agradável. Queres dizer algo aos leitores de Palavra Fiandeira?

CA – A vida é natural, pelo que há que ser natural para que assim, naturalmente, nos insiramos na natureza. E, a paz torna-se rei ou rainha dos nossos sentidos. É importante estarmos centrados no mais profundo de nós para que estejamos sempre prontos a recriar a própria vida. Reposicionando-nos de acordo com a nossa identidade, não permitindo que velhos padrões sejam inimigos na construção do presente e futuro de cada um.
As adversidades fazem-nos mais fortes quando olhamos para elas de forma positiva e construtiva, dando-lhes o devido significado.
O melhor é sermos ativos dentro de nós próprios para que tenhamos sempre a determinação, o entusiasmo e estarmos prontos a agir.
Naturalmente, agradeço o convite desta troca de ideias que não é mais do que uma reflexão que fiz orientada por ti e que me deixou mais centrada em mim. Obrigada!

A própria vida me mostrou que tem vida própria e que eu devo-a respeitar”
Célia Antunes


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A mim a vida também me tem ensinado a refletir sobre tudo o que sou… nem mais, nem menos, mas única e singular.
Que há questões que nem sempre têm respostas e que há respostas para as quais não existem questões. Isto porque as perguntas que fizemos em criança não são as mesmas que fazemos em adulto, e as respostas que tivemos enquanto pequenos não são as que entendemos enquanto grandes.
Deixar fluir a vida e refletir.
Agradeço à Célia pela partilha dos seus sentimentos e que, como ela própria referiu, também me permitiu centrar mais em mim e nas minhas acções com os outros.
Aqui, fala-se de tudo e de nada.
De tudo o que somos.
De nada que ninguém é.

Carmen Ezequiel



Carmen Ezequiel
 
 Carmen Ezequiel é escritora, cronista e poeta.
É correspondente e colaboradora de PALAVRA FIANDEIRA em Portugal
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PALAVRA FIANDEIRA
Fundada por Marciano Vasques - Escritor
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4 comentários:

  1. Aqui fica também a informação de que a Célia Antunes está a iniciar o Projecto “Olha-Te”, dirigido fundamentalmente para pessoas doentes de cancro e respectivos familiares.

    É um projecto de cariz social, baseado no bem-estar e na esperança de uma melhoria de vida das pessoas carenciadas pelas circunstâncias da sua enfermidade.

    O objectivo deste projecto consiste em “manter as pessoas activas, de forma a devolver-lhes o entusiasmo necessário a um quotidiano sustentável, física e emocionalmente estável e assim, se vejam apoiadas no processo de recuperação da doença. Trabalha o indivíduo com actividades expressivas”.

    Colaboram terapeutas e técnicos de várias áreas que vão proporcionar, numa primeira fase o desenvolvimento de algumas actividades, tais como Musicoterapia, acções de desenvolvimento pessoal através de um programa que utiliza som, movimento e cor como poderosos meios de expressão do mundo interno, de aprendizagem, de relação connosco e com o outro, de comunicação e partilha de conhecimento.

    Para além dos terapeutas e técnicos, colaboram também voluntários que abraçaram o Projecto e estão ao serviço da comunidade.

    Este Projecto está a ser desenvolvido com a Associação Recreio Club, que já disponibilizou um espaço, frente do Parque D. Carlos I, por cima do antigo bar “Office”, para a realização do mesmo. Também estão previstos momentos de relaxamento e de apoio individual entre outros.

    Célia Antunes gostava de conseguir oferecer estas actividades às pessoas doentes e por isso tem andado a pedir apoio neste sentido. Quem quiser fazer parte do Projecto pode deixar aqui o seu comentário que entraremos em contacto.

    A Célia é uma mulher de força que conseguiu liderar o projecto que ambicionava. Parabéns.

    Carmen Ezequiel

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  2. Vim até aqui para conhecer esse "espaço democrático", onde "a palavra é um pássaro sem fronteiras"...e amei.
    Que riqueza, meu querido Marciano!
    Espaço para a poesia, a literatura, a arte em geral...estou admirada!

    Vou enviar-te o link do meu blog onde vc poderá ver, na íntegra, meu Projeto LEXICOTERAPIA E A EXCELÊNCIA HUMANA PARA O SÉCULO XXI.
    Esse Projeto é conhecido popularmente como:

    Adormecer e Acordar Palavras. E teve como tema gerador a obra de Bartolomeu Campos Queirós, CORRESPONDÊNCIA.

    Querido!
    Ainda sem entender bem como, digo-lhe que aceito sim, sua proposta e isso muito me honra!!!
    Estou emocionada.
    Ficarei aguardando detalhes...

    Graça Lacerda
    botoesmadreperola.blogspot.com

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  3. Querida educadora Graça,
    Suas palavras com leveza e retidão engrandecem os caminhos de Palavra Fiandeira.
    Muito obrigado,
    Irei ver sim o seu projeto.
    E como deve ter reparado, Bartolomeu foi um dos entrevistados que ajudou a embelezar e a valorizar este espaço.
    Continuaremos a nossa conversa, e aguarde, que receberá o convite para participar da edição temática sobre a qual já lhe falei.
    Um abraço,
    Vasques
    Um abraço,Vasques

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  4. Magnífica entrevista que nos "obriga" a querer conhecer mais da Célia e do seu projecto

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