PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
PUBLICAÇÃO SEMANAL DE LITERATURA E ARTES
EDIÇÃO SEMANAL
ANO 3 — Nº74
14 JULHO 2012
ROUXINOL DO RINARÉ
1.Quem
é Rouxinol do Rinaré?
Cearense, nascido em Rinaré, distrito de Quixadá (sertão
central), batizado Antonio Carlos da Silva, de uma família de
agricultores... é o sétimo filho de uma prole de 11 (dos quais 5
são poetas). Rouxinol do Rinaré é autodenominação, desde a
década de 90, por conta do envolvimento com a poesia.
2.Seu
livro “O Alienista em Cordel” já foi adotado por escolas, e tem
o reconhecimento de educadores. Como foi “traduzir” para o cordel
um conto tão importante como esse do Machado de Assis?
É...
fui
muito
feliz
ao
adaptar
“O
Alienista”.
Convidado
por
Marco
Haurélio
para
integrar
a
coleção
“Clássicos
em
Cordel”
da
Editora
Nova
Alexandria
(SP);
entre
as
várias
opções,
escolhi
esse
conto
do
Bruxo
do
Cosme
Velho.
Fui
feliz
porque
“O
Alienista
em
Cordel”
foi
publicado
no
ano
do
centenário
de
morte
de
Machado
de
Assis.
Além
da
adoção
para
projetos
escolares
(como
aconteceu
em
Belo
Horizonte
– MG
e
Cabo
de
Santo
Agostinho-PE),
nossa
versão
em
cordel
serviu
de
base
para
trabalhos
acadêmicos
e,
por
duas
vezes,
foi
adquirido
para
o
acervo
da
Biblioteca
Nacional.
Fazer
a
adaptação
de
O
Alienista
para
o
Cordel
foi
uma
honra
e,
ao
mesmo
tempo,
um
prazer,
já
que
sou
leitor
e
admirador
de
Machado
de
Assis.
Quanto
ao
processo
da
adaptação
em
si,
mesmo
tendo
o
domínio
da
técnica
de
construção
textual
do
gênero,
não
foi
tão
fácil.
Quando
faço
um
trabalho
desse
porte,
leio
várias
vezes
o
texto
original,
faço
anotações,
ponderações,
antes
de
escolher
o
caminho
para
tecer
a
narrativa
em
versos...
é
muita
responsabilidade!
3.Tem
uma filha que também é cordelista. Como surgiu em sua vida o
cordel?
Pois
é.
Tenho
três
filhas:
Joana,
Jamille
e
Julie
Ane.
A
Julie
é
a
cordelista.
O
cordel,
antes
conhecido
por
“romance”,
“folheto”,
era
o
entretenimento,
na
minha
infância,
nas
bocas
de
noite,
como
hoje
são
os
filmes
e
as
telenovelas.
Cresci
ouvindo
meu
irmão
mais
velho
(Severino
Batista)
ler
“O
cachorro
dos
mortos”
(de
Leandro
Gomes
de
Barros),
“As
proezas
de
João
Grilo”
(de
João
Ferreira
de
Lima),
“O
mistério
dos
três
anéis”
(de
Delarme
Monteiro),
dentre
outros
clássicos.
Mais
tarde
me
tornei
leitor
e,
consequentemente,
também
me
vi
escrevendo
meus
próprios
enredos.
O autor com a filha Julie
4.É
homenageado com uma “Cordelteca” numa escola, numa cidade chamada
Eusébio. Conte aos nossos leitores sobre esse projeto. Foi a
primeira “Cordelteca” no país?
Na verdade os méritos são do projeto “Nas ondas da leitura”,
da Editora IMEPH, onde colaboro como autor, revisor, e ministro
oficinas nas formações de professores em vários municípios do
Ceará.
Com
certeza
não
foi
a
primeira
“Cordelteca”
do
país,
mas,
creio,
tenha
sido
a
primeira
em
escolas
públicas
no
Estado.
O autor numa escola, em Fortaleza
Mesmo
tendo
publicado
primeiramente
textos
em
jornais,
considero
como
minha
primeira
obra
impressa
“O
valentão
Chico
Tromba”
(Tupynanquim
Editora),
romance
publicado
em
1999,
mas
que
fora
escrito
uns
cinco
anos
antes.
Trata-se
de
um
enredo
com
base
numa
história
real,
mas,
claro,
com
uma
boa
pitada
de
imaginação.
O
Chico
Tromba
era
um
pescador
lá
do
Rinaré,
com
fama
de
valente,
que
conheci
quando
eu
era
criança.
Ele
chegou
a
se
“arranchar”,
por
uns
tempos,
na
casa
de
meu
pai.
6.Como
está hoje o reconhecimento do cordel como uma cultura genuína da
arte popular do Brasil? Quais são os seus grandes expoentes
atualmente, além de você?
O
cordel,
atualmente,
tem
conquistado
seu
merecido
espaço.
Está
nas
bancas
de
revistas,
nas
grandes
livrarias
do
país
e,
sobretudo,
penetrando
com
muita
força
em
sala
de
aula;
seja
por
projetos
de
editoras
de
visão
como
a
Nova
Alexandria
(SP),
IMEPH
e
a
Conhecimento
Editora
(CE),
seja
por
programas
governamentais
ou
pelo
trabalho
individual
e
persistente
dos
cordelistas.
Os
grandes
expoentes
do
cordel,
de
minha
geração,
são
Marco
Haurélio,
Arievaldo
Viana,
Klévisson
Viana,
Evaristo
Geraldo,
Paiva
Neves,
João
Gomes
de
Sá,
Antonio
Francisco,
Costa
Senna,
Varneci
Nascimento
e
as
poetisas
Josenir
Lacerda
e
Arlene
Holanda.
Da
“velha
guarda”,
ainda
em
atividade,
são
os
mestres
Manoel
Monteiro,
Mestre
Azulão,
João
Firmino
Cabral
e
Bule-Bule.
Às
vezes
citar
nomes
não
é
bom,
pois
tem
muita
gente
boa
por
aí
que
fica
com
ciúmes
(rsrs).
O autor com amigos: Bule-Bule;Dulce;Marco Haurélio; Mestre Azulão
7.Vai
estar
na
I
FEIRA
BRASILEIRA
DO
CORDEL,
em
Fortaleza?
Como
será
esse
evento,
e
o
que
espera
dele?
Estarei
sim.
O
evento
em
si
já
é
uma
das
muitas
conquistas
do
cordel,
pois
é
resultado
de
um
projeto
aprovado
pelo
MinC
– Ministério
da
Cultura
– inscrito
em
2010
no
“Prêmio
Mais
Cultura
de
Literatura
de
Cordel”
pela
AESTROFE
(Associação
de
Escritores,
Trovadores
e
Folheteiros
do
Estado),
entidade
da
qual
fui
um
dos
idealizadores
e
que
tem
como
presidente
o
poeta
e
editor
Klévisson
Viana
(curador
da
feira).
Tenho
a
expectativa
que
seja
um
excelente
evento.
Oportunidade
ímpar
de
conhecer
novas
pessoas,
reencontrar
poetas
parceiros
e
amigos
e
expor
nosso
material.
Inclusive
estarei
lançando
dois
títulos
novos:
“O
capitão
de
Ladrões”,
romance
em
cordel
(edição
especial
pela
Nova
Alexandria),
e
o
“ABC
do
Ceará”
(pela
Editora
IMEPH).
Será
um
evento
imperdível
para
aqueles
que
amam
nossa
cultura,
pois
poderão
ouvir
uma
rica
palestra
com
Marco
Haurélio,
se
maravilhar
com
os
versos
improvisados
por
Geraldo
Amancio
e
Bule-Bule,
além
de
poder
adquirir
o
que
há
de
melhor
em
Literatura
de
Cordel
produzida
em
vários
estados
do
Brasil!
8.Tenho
uma
de
suas
obras,
que
chegou
a
mim
por
intermédio
de
Marco
Haurélio.
Trata-se
de
“A
História
Completa
de
Lampião
e
Maria
Bonita”.
Como
é
feito
o
trabalho
de
pesquisa
após
a
escolha
do
tema?
Esse
trabalho,
assinado
por
mim
e
Klévisson
Viana,
já
vendeu
mais
de
15
mil
exemplares,
com
diversas
tiragens
de
mil,
três
mil
e
até
cinco
mil
por
vez.
A
pesquisa é sempre necessária antes da escrita de qualquer tema.
Principalmente quando se trata de um tema polêmico e tão explorado
como o cangaço. Geralmente lemos bastante livros relacionados ao
tema, vemos filmes (se tiver) e hoje até recorremos à internet. No
caso de “A história completa de Lampião e Maria Bonita” nossa
fonte principal foi “O espinho do quipá”, obra de Antônio
Amaury e Vera Ferreira (neta de Lampião).
9.Como
terá
sido
esse
encontro
entre
John
Lennon
e
Raul
Seixas
no
céu?
Cordéis
de
“encontros”
são
muito
comuns,
quase
tanto
quanto
os
de
“pelejas”
e
“debates”.
Gosto
muito
das
músicas
do
“Maluco
Beleza”.
Ele
“sacava”
de
tudo
um
pouco;
não
foi
um
simples
roqueiro...
seus
ritmos
e
composições
estão
impregnados
de
filosofia,
poesia,
cordel
e
baião.
Daí,
já
escrevi
sete
cordéis
inspirados
em
Raul
Seixas
e
sua
obra,
sem
me
tornar
repetitivo.
“O
encontro
de
John
Lennon
com
Raul
Seixas
no
céu”
é
inspirado
no
fato
de
Raul
ter
sido
um
fã
dos
Beatles
e,
como
Lennon,
ter
sonhado
ele
(Raul)
em
criar
a
“Cidade
das
Estrelas”.
Lennon
morre
primeiro,
Raul
depois;
e
lá
no
outro
plano
concretizam
esse
sonho,
(rsrs).
Nesse
“encontro”
estão
outros
grandes
nomes
das
letras,
da
filosofia
e
astros
da
boa
música
mundial...
mas
o
que
acontece
durante,
somente
lendo
o
cordel
para
saber,
rsrs.
10.De
que
forma,
por
quais
caminhos,
chegou
ao
Brasil
a
Literatura
de
Cordel
e
por
quais
transformações
principais
passou?
Existe
hoje
muita
polêmica
em
torno
desse
assunto.
Como
não
sou
estudioso,
e
sim
autor
e
leitor
de
cordéis,
tenho
procurado
me
manter,
de
certa
forma,
neutro
nessa
discussão.
Como
curioso
li
alguns
teóricos
(pesquisadores)
do
gênero
que
afirmam
ter
o
cordel
origem
na
península
ibérica
e
que
chegou
ao
Brasil
na
“bagagem”
dos
colonizadores,
aqui
se
aculturando,
transformando-se
numa
poética
própria
do
Nordeste,
hoje
extensiva
a
várias
outras
regiões
do
país.
Acredita-se
que
a
poética,
tanto
do
cordel
quanto
do
repente,
tenha
fortes
influências
do
trovadorismo
da
idade
média.
Quanto
às
transformações,
eu
acredito
que
houve
aquelas
naturais,
esperadas,
por
conta
da
evolução
tecnológica
– do
manuscrito
para
o
impresso,
do
formato
de
folheto
(que
ainda
convive
bem
com
outros
formatos)
para
o
livro
(e
outros
suportes)
– sem,
no
entanto,
perder
suas
características
principais,
as
da
composição
textual
(boa
trama
composta
por
verso,
estrofe,
rima,
métrica
e
oração),
o
que
realmente
estabelece
o
gênero
“cordel”.
Os
temas
ou
assuntos
continuam
sendo
como
no
passado:
aborda-se
a
contemporaneidade
(ecologia,
cultura
afro,
guerras,
internet,
e
outros
temas
atuais),
mas
continua-se
a
fazer
releituras
de
obras
clássicas
da
prosa
(romances,
novelas
e
contos)
e
revisitar
temas
mais
antigos
(histórias
de
cangaceiros,
de
príncipes
e
princesas,
de
cavaleiros
e
dragões
etc.).
11.Num
curso
de
EJA
(Educação
de
Adultos)
a
Literatura
de
Cordel
pode
desempenhar
um
fator
alfabetizador
e
até
mesmo
de
protagonismo
nesse
processo
de
alfabetização?
Com
toda
certeza.
Levando
em
conta,
principalmente,
o
público
do
EJA
o
cordel
pode
despertar
o
gosto
pela
leitura,
por
sua
riqueza
lúdica
– rimas,
ritmo
e
as
boas
tramas.
Aqui
no
Ceará
há
vários
exemplos
de
projetos
bem
sucedidos,
utilizando
o
cordel
em
sala
de
aula,
tanto
para
o
EJA
como
para
educação
infantil.
Encontro de cordelistas: Evaristo Geraldo; Marco Haurélio; Serra Azul e Rouxinol do Rinaré
12.Tem
um
livro
sobre
o
FOLCLORE
BRASILEIRO.
Poderia,
por
gentileza,
nos
falar
sobre
ele?
É
um
texto
em
décimas,
escrito
em
2001,
que
foi
revisto
em
2010
e
publicado
pela
Conhecimento
Editora,
que
está
preparando
uma
reedição
bilíngue
(português/espanhol).
Tem
belíssimas
ilustrações
de
Anilton
Freires
(capa
e
miolo).
“Folclore
Brasileiro”
é
fruto
de
pesquisas,
com
base
em
Leonardo
Mota
e
Câmara
Cascudo
(respectivamente
folcloristas
cearense
e
potiguar),
mas
tem
também
como
base
as
minhas
vivências
como
menino
do
sertão
nordestino
– as
noitadas
ouvindo
histórias
de
Trancoso,
cordel,
brincadeiras
de
bumba-meu-boi,
contatos
com
as
rezadeiras,
com
os
repentisas,
com
os
brinquedos
artesanais
etc.
13.Deixe
aqui
a
sua
mensagem
final.
Qual
é
a
sua
Palavra
Fiandeira?
R
— Minha
Palavra
Fiandeira
destina-se,
em
especial,
aos
educadores:
O cordel forma leitores,
Mexe com a imaginação.
Por seus enredos rimados
Ler se torna diversão.
Ele entretém e ensina...
Use, em qualquer
disciplina,
Cordel na educação.
Cordel de Rouxinol do Rinaré
O autor em São Luís — Maranhão
Uma de suas paixões: A Revista TEX
Na editora Cortez, com Assis Ângelo
_________________________
PALAVRA FIANDEIRA
Revista Digital de Literatura e Artes
PUBLICAÇÃO SEMANAL AOS SÁBADOS
Edição 74 —ROUXINOL DO RINARÉ
Edição em 14 de Julho de 2012
PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques
______________________________
Só agora tive tempo de sentar-me ao computador e ler a íntegra desta entrevista feita com classe e respondida com talento e sensibilidade.
ResponderExcluirParabéns, Marciano e Rouxinol, por enriquecerem a web com textos que valem a pena!