EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 1 de dezembro de 2012

PALAVRA FIANDEIRA — 94




PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA

Publicação digital de Literatura e Artes

ANO 4 —Nº94 — 1º DEZEMBRO  2012
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

NESTA EDIÇÃO:

ANA CLAUDIA MARQUES
_____________________________________


©




1.Quem é Ana Claudia Marques?

Sou uma paulista, aquariana, de quarenta e dois anos, esposa, mãe de dois filhos, que não perdeu a capacidade de sonhar. Fui uma menina irrequieta, que falava alto, e se tornou quieta e amiga dos livros com a mudança de casa e escola. Em adolescente a inquietude reapareceu, quando comecei a cantar e fazer teatro, conviver com gente muito especial e querida. Tive a sorte de poder sair de casa para fazer faculdade em S. Carlos, na Universidade Federal de lá, e foi onde cresci muito, aprendi a “ser gente”, ter responsabilidade sobre mim mesma. Recém formada em Terapia Ocupacional, casei com um filho de japoneses, e vivi três anos e meio no Japão, como missionária num meio religioso. Voltei de lá em 1996, com um bagagem cultural muito diferente da que tinha. De lá para cá a única coisa que não mudou, desde os nove anos de idade, é que eu sempre, sempre, escrevi muito. Tenho o hábito de levar um caderno para escrever a qualquer lugar que eu vá.


2.Trabalha como terapeuta e afirma ser feliz, poderia nos falar sobre isso?

Sempre bem acompanhada
©
Me formei em Terapia Ocupacional há vinte anos. Com a viagem ao Japão, estagiei por lá, pois aprendi japonês fluentemente. Voltando ao Brasil, achei que trabalharia na área, mas a vinda de minha primeira filha, me fez optar por trabalhar como autônoma, para poder cuidar dela, ser realmente mãe. Enveredei para os tratamentos holísticos; fiz diversos cursos de massagem terapêutica, Florais de Bach, Reiki, Acupuntura,e percebia que podia tratar as pessoas como um todo. Não tratava só a dor do corpo, chegava nas delicadezas da alma. Eu nunca tive o preconizado distanciamento terapêutico. Acho que me tornei amiga de todos os meus pacientes, e percebo que os ajudei a reencontrarem caminhos, verdades, querências. Também há outro fator: eu adoro ouvir as histórias das pessoas, é para mim um tremendo aprendizado. Eu costumo dizer que tenho alma de artista, e fiz da minha profissão de terapeuta uma outra arte. Por isso sou feliz.


3.Lançou recentemente um livro, conte, por gentileza, aos leitores da Fiandeira sobre ele.

Sim, meu primeiro livro de poesia, “O Poente, o Poético e o Perdido”, foi lançado em agosto, na Bienal Internacional de SP. Quando tive aulas com Deonísio da Silva, na UFSCar, em meados de 1990, ele viu meus escritos e me incentivou a publicá-los. Foi a primeira vez que reuni minhas poesias com este intuito. Mas ainda não era a hora de estrear. Casei assim que me formei, e esqueci de meu sonho, envolvida com a família e o trabalho. Não me recordei até adoecer, há seis anos. Tive uma doença auto-imune, e a recomendação da terapeuta foi: “faça o que gosta, ou morrerá em dois anos.” Resgatei meus escritos (entre outras coisas), e encontrei uma antiga carta do Deonísio, junto com vários xerox das colunas de “Caras” que ele escrevia, onde ele dizia para minha irmã que havia tentado uma vez me contatar para me apresentar ao seu editor, na época, mas que não dera certo. E a frase que me chamou a atenção foi: “de todo modo, conhecendo a Ana Claudia, acho que o livro já não é o mesmo. Como boa escritora que é, ela vive reescrevendo o que faz. Sempre é tempo, porém, de fazer nascer um livro. Um dia, tenho certeza, se ela quiser, estreará.”
Era o incentivo que faltava. Procurei o Deonísio através da internet, e lhe escrevi um e-mail. Ele me respondeu de pronto, e voltou a me incentivar. No ano passado ele me falou do Congresso Brasileiro de Escritores, e eu realmente me decidi a ir, para descobrir como se publicava um livro. Voltei do Congresso cheia de idéias, contatos de novos amigos, e mais determinação. 

Em março deste ano fui chamada pela editora Biblioteca 24 horas, que se interessara por meu livro, fechei contrato com eles, e com a ajuda inestimável de vários amigos, consegui lançar meu livro.
Eu apresento minhas poesias exatamente na ordem em que as resgatei, de 2004 para trás, chegando até a alguns poemas da adolescência. Há poemas sobre o Japão, filhos, espiritualidade, amor, perda, vida, enfim. A apresentação visual do livro também está linda, com as ilustrações de Yuri Rodrigues de Oliveira.



Com Sada Ali

Com Mara Senna
4.Tem algum projeto em vista ou em andamento? Um novo livro?

Tenho sim. Na verdade, projetos. Um livro de contos, compilando alguns já apresentados no meu blog www.pontocontos.blogspot.com.br e outros inéditos; um pequeno romance, que precisa de bons retoques; e várias outras histórias, já iniciadas. Também estou participando de duas antologias, que sairão em breve.

5.Além da terapia ocupacional, gosta de artes: pintura, música... Fale sobre isso, sobre a Arte em nossos dias, sobre a necessidade da Arte, enfim...

Arte faz parte da minha vida. Com a música tenho uma relação tão boa quanto com a poesia, pois componho bastante. Toco piano, violão, até instrumentos japoneses... sou professora de canto também. Acho que a música é a expressão mais pura da alma do ser humano. Se você não souber escrever, você ainda pode cantar! Quanto a pintura, eu desenho também desde menina. Sou autodidata. Parei por muitos anos de desenhar, e também estou resgatando este meu lado agora.
©
Os desenhos desta edição são de autoria de Ana Claudia Marques
Acho que a arte é realmente necessária como expressão do espírito humano. Pintura, música, literatura, teatro, são diversas linguagens que precisam ser exploradas e disponibilizadas. Não direi só para os jovens, mas para todos nós. Arte é como comida: se você estiver acostumado a comer comida ruim, não saberá qual o gosto de comida boa. Arte deve ser vista e vivenciada. Enriquece a vida, dá sentido a ela. Atualmente temos internet, canais de TV dos mais diversos, um mundo de informações, que nos facilitam este acesso. Estes mesmos meios, porém, propagam conteúdo de baixa qualidade. Só quem tem vivência pode escolher, caso contrário, há o “consumo” sem consciência de tudo o que a mídia propaga. Para mim, a arte é necessária para o corpo também, porque a nossa expressão final é neste corpo, onde chegam as vibrações dos sons, as cores na retina, as diferentes texturas no tato... Isto é o que enriquece a vida.

BIENAL
©
6.Você é amiga do Rospo e da Sapabela, pois adora uma conversa pura... Nos conhecemos nos corredores da Bienal, e senti o quanto tem de conteúdo e histórias...Como se situa numa época de possibilidades de comunicação assombrosa e tanta mudez no diálogo, de forma geral?

Sim, sou amiga deste casal pensante, e eu adoro uma boa conversa. Gosto de enveredar por assuntos profundos, existenciais, mas não gosto de usar termos difíceis, mesmo em meus escritos. Gosto de facilitar o acesso das pessoas ás idéias, e não dificultar o acesso através de um vocabulário rebuscado. Muitas vezes vou buscar em histórias infantis, ou em piadas, um paralelo com algo que aprendi, ou que quero passar a alguém. Acho que a mudez no diálogo é um mito. A nossa forma de nos comunicarmos se ampliou, pois do velho telefone surgiram celulares, chamadas com vídeo; das nossas cartas de papel originaram-se as cartas eletrônicas (e-mails). Mas vejo ao meu redor, jovens, como minha filha, ou pessoas da minha idade, ou da idade de meus pais, todos, sem exceção,se reunindo com amigos, passando boas e agradáveis horas no exercício de trocar ideias e experiências. Eu não tenho medo das máquinas; eu me sinto próxima das pessoas, mesmo conversando através de um “quadradinho” no facebook. Aliás, você é um amigo que conheci por lá, e fiz questão de conhecer pessoalmente! Como em qualquer relação que pode começar com um bom dia, dependerá do interesse de cada um o florescer de uma relação amiga ou o término naquele bom dia.



Brotar da amizade entre livros

7.Como a proliferação de poetas que a internet propicia, se bem, que naturalmente, é uma reedição do Movimento Literário Alternativo, agora num alcance impressionante. Mas, fale-nos sobre isso, sobre essas constelações de Poetas...

Veja, a internet facilita o nosso acesso a muito material, bom e ruim. Como eu disse antes, se você tem uma “dieta” cultural de qualidade, vai se afinizar com quem tem qualidade; se sua dieta é mais simples, vai buscar o que é mais simples. Eu tenho conhecido muita gente boa, do Brasil todo, graças às redes sociais. Jovens despontando, poetas mais maduros, com uma belíssima produção independente. Acho que temos uma mente muito cristalizada. Rendemos louvores aos clássicos, aos mortos, e esquecemos de olhar para os que estão vivos e produzindo belas obras, belos textos. Não que devamos dar as costas aos clássicos, Deus me livre! Mas devemos dar chance para os que estão chegando. O tempo acaba separando o que é bom do que é ruim, o efêmero do eterno. E aí, bem, torna-se clássico, não é?
Desta turma nova de poetas, gosto dos poemas de Mara Senna, Alfredo Rosseti, Mario Massari, Elisa Alderani, Eliane Ratier (que está devendo um livro ao mundo!). E através do facebook, conheci poetas já mais conhecidos, maravilhosos, como José Inácio Vieira de Mello, da Bahia, Rita Santana, também de lá; Benny Franklin, do Pará... em suma, estou descobrindo os “vivos”, porque os mortos eu li na escola.

8 Você, que poema de sua autoria, deixaria aqui, entre tantos que certamente aprecia...

Eu gosto muito deste poema, que está no meu blog.

Sinta-se abençoado por mim,
Que te lavo os pés e os seco em linho,
Que te preparo o pouso do espírito
Com todo o carinho.
Minha emoção transborda
Nesta taça rubra de cor;
Esta emoção me inunda,
Como se não coubesse em mim
Nem houvesse aonde a por...

Sinta-se abençoado por mim,
Irmão de todas as eras,
Caminhantes unidos,  somos,
Em vidas paralelas.
Teu andar seguro me guia;
Tuas pegadas a frente marcadas
Me dão o norte, me dão meu eixo.
E sinto, buscando tuas mãos
Envolvendo as minhas,
A alma em alegria.

Sinta-se abençoado por mim,
Senhor das terras morenas,
Fruto de mil raças e amores,
Entre servos e senhores.
Recolherei teu cansado corpo
E o banharei com mil aromas
Deslizando teu cansaço
Pro calor de meu regaço.

Sinta-se abençoado por mim,
Que sendo tudo
Frente a ti, me desfaço
Em sorrisos, em graça,
Em perdido mormaço.
Pois que a bem-aventurança
Do querer só me é dada
Quando acordo para meus sonhos,
E não quando morro acordada...

9.Como o excesso doPoliticamente corretohoje, principalmente em certos temas, políticos, certas questões, etc...Crê que esteja ocorrendo algum desvio, em alguns casos? Algum exagero?

Eu vejo excesso no “politicamente correto”, sim. Acho que tudo o que é radical não pode fazer bem, acaba sendo castrador da expressão natural. Sinto, ás vezes, que estou vendo uma “caça às bruxas”. Me afasto um pouco do quadro, e percebo que o excesso de informações a respeito do mesmo tema faz com que se torne mais importante do que realmente é. É como um inflacionamento de idéias... o politicamente correto também extrapola, quando começa com absurdos, como querer regulamentar obras que foram escritas há um século, por exemplo. Veja bem, eu sou, antes de tudo, uma terapeuta, leitora, sem formação na área de letras, mas compreendo que devemos ter a livre expressão dentro de um livro, de um filme, até para poder debater uma realidade retratada. Hoje tudo é hiperbólico: violência, bulling, racismo, inserção social. No mundo real sempre haverão aqueles que dominam, subjugam, infelizmente. Não acho que com superproteção estejamos ajudando alguém a ser melhor. Sem obstáculos as pessoas não crescem. Fui vítima de bulling minha infância inteira, e não morri por isso. O que não mata fortalece. Aprendi a me defender, e a não fazer com os outros o que fizeram comigo. O que significa: ensinem a pescar, não deem o peixe. Em nenhuma situação. E paro por aqui para não criar polêmicas.



10.Tem uma característica que é meio rara, que é divulgar os eventos, os lançamentos de amigos, e tudo o mais, pelo amor pela arte, e pela literatura... E parece tranquilamente trafegar sem grupos, etc... Isso a deixa muito feliz, não é?

Meu caro, quando fui ao Congresso Brasileiro de Escritores, em novembro de 2011, me comprometi com os colegas a divulgar seus trabalhos através do facebook, twitter e blog. Éramos em vários escritores novos, com pouco ou nenhum acesso a grandes livrarias, mídia etc. O compromisso inicial foi de todos, mas obviamente, cada qual age como quer. Eu prefiro manter com minha palavra, mesmo sabendo que muitos que eu divulgo não farão o mesmo por mim. Não me importo. Acho que o mundo é grande, e há lugar ao sol para todo mundo. Continuo divulgando a todos, sem distinção, é o que posso oferecer para ajudar autores e artistas que passam a mesma dificuldade que eu passo para ser minimamente conhecida. Quanto as minhas relações, não havia me dado conta que trafego sem grupos! Mas realmente, não gosto de rótulos, títulos e hierarquias. Converso com muita gente, não me dou conta se é ilustre personalidade ou não. Também não busco saber, pois para mim somos realmente todos iguais, e trato a todos deste modo Obviamente, respeito é bom e todo mundo gosta, e este é de uso comum nas minhas relações. E, com certeza, poder circular por entre toda gente me deixa feliz. Mas isto é característica minha desde pequena. Prefiro ser agregadora.

11.Pergunta meio antiga: o que pensa sobre o tal anunciado fim do livro de papel?

Apesar de todas as “profecias” anunciando o fim do livro de papel (até de minha editora, que já edita em e-book há mais de 10 anos, seguindo o mercado estrangeiro), acho que o livro de papel nunca vai acabar. Obviamente pode diminuir, mas há todo um envolvimento com o sensorial que não vai deixar o livro se tornar obsoleto. O tato, o cheiro, as cores; poder sublinhar as palavras que te chamam a atenção, marcar a página com a frase que mudou tua vida, o poema que te faz sorrir... quando me derem este tipo de sensação através de um i-pad, aí posso dizer: o fim do livro de papel chegou!

12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual é a sua PALAVRA FIANDEIRA?

Minha Palavra Fiandeira é sobre algo que acredito, e percebo acontecer na minha vida, a todo momento: a amizade é a teia de luz dourada com que envolvemos as pessoas com quem afinizamos, e neste infinito tear, vamos ligando vidas e acontecimentos. Muito obrigada pela tua amizade e pela oferta generosa deste espaço para que eu deixasse um pouco de mim.








PALAVRA FIANDEIRA
Ano IV
Publicação digital semanal
Literatura e Artes
Edições aos sábados
Edição 94 — 1 DEZEMBRO 2012
Edição ANA CLAUDIA MARQUES

PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

Um comentário:

  1. Bela entrevista amiga! Foi bom conhecê-la um pouco melhor! Sucesso com seu livro! Abraços!

    ResponderExcluir