O POETA DIANTE DE SI
PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE ARTES, EDUCAÇÃO E LITERATURA
PUBLICAÇÃO DIGITAL
ANO 4 — EDIÇÃO 123
SÁBADO, 06 DE JULHO DE 2013
CARLOS ÓRDENES PINCHERA
Entrevista realizada por Rócio L´Amar
CHILE
Original em Espanhol
1.Onde
construiu você seus próprios lugares de encontro com a Poesia?
—Mesmo antes
de nascer, sempre esteve comigo a Poesia, na escassez de tudo: amor, pão,
carícias, tosse, fome, educação, etc. Em toda essa ausência se encontrava minha
poesia, ainda que não me desse conta de sua presença. Em lugares tristes e
miseráveis, na falta de uma cama, de um conto... Todo um mundo de misérias,
enfermidades e horrores, tomando forma
ao que posteriormente, bem mais tarde, se transformaria em um solitário
e pobre poeta, embora com uma dignidade que jamais me abandonou.
2.Frente ao
caos atual, os poetas aspiram a uma ordem mais justa e solidária no mundo. Como
você construiu a existência de uma voz própria e original?
—Precisamente
por essa espantosa solidão fui tecendo um sonho que se tornaria realidade no
ápice do coração: ser poeta em todo o sentido da palavra e, enquanto
trabalhava em minhas profissões, fui aos poucos aprendendo o mundo das letras, ou seja, conhecer as
palavras, aprender a ler e a escrever em uma luta surda, e apenas diante do
mundo que parecia derrotar-me, porém me parava e, entre lágrimas e impotência
almejei dominar o castelhano já quase total aos 17 anos. Que alegria ter podido
aprender a ler e a escrever sem receber nada de ninguém! Foi, entretanto, um
aprendizado que a ninguém desejo, pois introjeta muita dor.
3.O que ou
quem, ou quais pessoas colaboram na aquisição dessa criativa liberdade que pôde
transcender desde seu primeiro poema?
—O desamparo,
a angústia dos dias seguidos uns com os outros. E com essa maravilhosa arma que
é poder escrever, decidi numa noite, enquanto o mundo dormia, adotar uma
posição ferrenha: no momento de estar diante de uma página, recorri à
imaginação para sentir-me o primeiro homem na face do planeta a escrever
poesia. Assim, não sofreria influência de ninguém, o que me trouxe a
originalidade e a certeza de ser um grande poeta. E tudo realizado com fé e
amor!
4.Seu olhar é
crítico e autocontemplativo, sábio e cético, inquisitivo e angustiado. Você se
reconhece no plano nacional?
—Tenho um
olhar crítico pelo fato de que há muitas injustiças tanto no Chile como no
mundo. Aqui, neste país, há demasiada injustiça de toda ordem. Todavia, agora,
refiro-me ao aspecto cultural. O Prêmio Nacional de Literatura tem sido
outorgado em sua maioria à pessoas de baixa estatura poética ou literária.
Listo aqui alguns poetas deixados de lado: Eliana Navarro, Maria Sílvia Ossa,
Stella Díaz Varin, Maria Cristina Venares, Olga Acevedo, já falecidas. Na atualidade,
deixaram de lado, para variar, uma outra poeta, Délia Dominguez. Devo mencionar
a Mário Ferrero, José Miguel Vicuña,
Maffud Massis, e outros, que me escapam... Creio que, de alguma forma, tenho
sido reconhecido por um grande número de poetas mulheres, pois já muitos anos tenho lutado pela poetisa, para que
sejam lidas e todos possam ver os seus valores, promovendo recitais na SECH
para mostrar aos meus parceiros que em meu país havia grandes mulheres poetas,
e a justiça foi feita: visto que geralmente, nas antologias, apareciam apenas duas mulheres entre cem ou
mais homens. Logo Editorial Semejanza me editou “Mulheres na
Poesia Chilena Atual”, com 125 poetisas. Antologia catalogada em diversos
pontos geográficos, como a melhor antologia organizada por um poeta. Depois,
vieram outras: “Mulheres diante do mar”;
e “O livro da chuva”. Em Madrid, as Edições Pastora lançou duas edições
com autoras de Literatura Infantil:
“Enjambre Multicolor” e “Desde el país de la infância”. A única homenagem que
recebi foi das poetas há três anos atrás, no seio da Sociedade de Escritores de
Chile, que em brincadeira ou seriamente, me puseram uma coroa dourada e me
declararam “Rei das Poetisas”. Emocionei-me com os olhos marejados.
5.Percorrendo
sua poética vislumbro descompaixões existenciais e sociais, Que o toca parcial
ou de forma arbitrária?
—A marcha do
mundo vai se deteriorando por culpa de alguns poucos imbecis avarentos que
estão destruindo tudo. Isso é agoniante. As injustiças, milhões de crianças,
mulheres e homens morrendo de fome, diante da indiferença dos miseráveis que se
julgam donos do planeta. E que transformam povos em esfomeados. Também a forma
como são tratadas as mulheres, em sua maioria, certa depreciação estúpida e
destrutiva dos chamados “homens”; o assassinato diário de mulheres por seus
maridos, ou amantes, que saem livres e a isso logram chamar de “justiça”. Tudo
isso me toca, pois quisera que se dessem conta do tempo decisivo que se vive...
Que não são livres, visto que existem sem conhecer a vida e nem sabem cuidar de
seus corpos e espíritos.
6.Você é
muito talentoso, e nesse vício de pensar
e escrever, é uma ameaça aos poetas de sua geração. Tem consciência disso?
—Tenho sempre
sentindo pena por me deixarem de lado, porém, pena por eles mesmos, que não
sabem o mal que causam a si mesmos, eu estou tranquilo, houve um tempo, desde um grupo de poetas e escritores,
“Encontro”, disseram que não era justo eu ter recebido o Prêmio Nacional de
Literatura, eu me sorri e disse a eles que isso era impossível... Além disso, o
ridículo do caso é o autor ter que ir postular-se. Eu não o farei e já não me
importa, pois estou gravemente doente e já não me movo por um prêmio e tampouco
irei a postular-me... Que absurdo!
7.Considerando
que a vida do poeta está em sua literatura, e numa necessária e inseparável
meta, qual é a sua meta, sua aspiração?
—Tal como
estão e estiveram as coisas no Chile, não tenho aspirações pessoais. Ser ou não
reconhecido já não me importa. Realizei o que mais pude com meu talento.
Publiquei 35 livros (Dez em Espanha, por Edições PASTORA), Realizei rupturas
com minha própria poesia, também com o conto tradicional criei o “Nicuentos”. O
livro que reúne boa parte desses Nicuentos, “Sobre os telhados dormem as
estrelas” foi também publicado por Edições Pastora, e aqui registro os meus reconhecimentos
à escritora e editora Raquel Viejobueno Rodriquez.
Atualmente
está no forno meu único romance que escrevi aos 20 anos, “Agora tudo é noite”.
Eu o nomeio “romancezinho”. Jamais quis voltar a escrever romances, porque meu
Eu inteiro sempre esteve na poesia, e na Literatura Infantil, que tampouco é
reconhecida no Chile... Também venho escrevendo Haicai, porém rimados. Gostaria
de torna-los públicos. Como já sabe, não tenho metas. Logo, pode apagar as
velas.
8.Em quais
circunstâncias os acontecimentos foram rebeldes, difíceis de dobrar?
—Nunca aderi
ao estabelecido. Como Livre Pensador assumo o que venha, e jamais me dobrei
diante de ninguém e ninguém me dirigiu em nada. Sou livre, porém livre com
seriedade, Não tenho ódio, egoísmo, maldade, inveja, mentira, injustiças. Assim
que se é verdadeiramente livre. As máculas que citei causam muitos danos ao
mundo. O melhor é ser generoso, amável: ser o melhor possível como amigo, como
irmão.
9.Aproximando-nos
mais agora da estética de sua obra, direta ou indiretamente vislumbra algum olho ou
ouvido afinado com a sua poesia? Algum discípulo ou discípula?
—Tenho
centenas de discípulos, porém tenho orientado para que não escrevam parecido a
mim, pois são eles ou elas que se perdem. E como resultado disso, tem um ou
dois que escrevem parecido com Carlos Órdenes Pinchera, ainda que não se deem
conta. Chegará o momento em que o compreenderão e seguramente mudarão, para que
não se pareça uma cópia de minha poesia, ou uma forma de plágio... Sinto-me
reconfortado, entretanto tem muitas damas no Chile, ou em Facebook, que admiram meu
trabalho e a mim querem saudavelmente.
10.Que pensa
sobre a Poesia atual chilena?
—Os grandes
poetas já não estão e isso me causa uma imensa dor. Atualmente inclino-me a
falar mais do que conheço, que é a poesia escrita por mulheres. Há tanta
qualidade nas poetisas chilenas que é uma alegria poder lê-las. Creio que vivemos a melhor época da poesia feminina
chilena. Não cito nomes, pois certamente esqueceria entre 10 ou 20, o que seria
constrangedor. Lamento muito por estar incapacitado de continuar defendendo tão
grande poesia. Porém o tempo e a doença não o permitem. Oxalá sigam sendo tão
boas como o são agora.
11.Pense em
nomes. Tem alguns poetas chilenos em sua mente que mereçam ser escutados assim
como estudados sob o prisma de uma nova poética?
—Pelo que
comentei antes, não posso dar nomes. Os estudiosos saberão com o tempo quanto
maravilhosas são. Peço desculpas à tão fantástica entrevista, por não responder
da forma como certamente agradaria.
12.Se tivesse
a oportunidade de escrever uma ata, uma relação de feitos sobre você, que coisas escreveria, por justiça?
—Talvez por
ter lutado por toda a minha vida pelo que sou, que fui vítima de muita
injustiça; que tropecei, que caí porém me levantei com a força do coração, e venci. Que não tenho ambições de nenhuma
espécie. Sou o lobo solitário porque a grande manada me distanciou das luzes,
porém eu só desejo bem estar, alegria e saúde. Tenho minha luz própria.
13.As
cortinas estão fechando. Deixe a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA
FIANDEIRA?
—Meus
agradecimentos à Rócio L´Amar, e lhe desejo grandes alegrias. E queria dizer
mais uma vez que os homens lavem a sua alma e percebam que o planeta está
morrendo. Que aprendam a serem amáveis, generosos, humildes, e sejam
compassivos com os irmãos menores: animais, árvores, plantas. Indubitavelmente,
o planeta rejuvenescerá, e todos os
seres conhecerão a justiça, a verdade e a verdadeira vida. Amém!
RÓCIO L´AMAR é correspondente e colaboradora de PALAVRA FIANDEIRA.
A entrevista original com Carlos Órdenes Pinchera, em Espanhol,
assim como as considerações de
Rócio L´Amar sobre o autor estão no "Salón de Entrevistas",
fundado e editado por ela no Chile.
Rócio L´Amar
Correspondente e Colaboradora
de PALAVRA FIANDEIRA
PALAVRA FIANDEIRA
Edição CARLOS ÓRDENES PINCHERA
Traduzido para o Português por
Marciano Vasques
Original em Espanhol
CHILE —Maio 2013
PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques
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