ESTRELAS SÃO PIPOCAS
"Eu trago o verbo na alma,
escrevo sem ter papel"
PALAVRA FIANDEIRA
ARTE, EDUCAÇÃO E LITERATURA
DIVULGAÇÃO LITERÁRIA
ANO 4 —EDIÇÃO 126
27 JUNHO 2013
GOIMAR DANTAS
1.Quem
é Goimar Dantas?
—Peço
licença para responder com o poema Autorretrato,
que escrevi em 2007:
Eu
sou...
Menina
da rima,
bailarina
de retina,
nordestina
da toada,
potiguar
lá do Cordel.
Filha
de Pedro e Maria,
neta
de seu Zé Dantas
e
sua amada Luzia.
E
também de Pedro Horácio
e
da sagaz vó Maria.
Sou
fruto da terra seca.
Amante
do som da chuva.
Do
estrondo do trovão.
Da
melodia do mar.
Eu
sou a moça dos textos,
da
prosa, da sintonia,
do
engenho da palavra:
eu
sou a febre de amar.
Eu
venho de outras paradas,
do
Rio Grande do Norte.
Daquele
sertão sem sorte,
mas
cheio de poesia.
Gene
das gentes bravias,
dos
violeiros da feira,
das
histórias infinitas
que
nunca vão se acabar.
Espécie
de Sherazade
que
narra ao cair da noite,
dorme
sonhando versos
e
acorda pra lapidar.
Eu
tenho a pele morena
do
sol dos meus ancestrais,
que
ardiam noites e dias,
sempre
querendo mais.
Eu
trago o verbo na alma,
escrevo
sem ter papel,
desafio
na embolada:
eu
sou linha e carretel.
Sou
fã de Manuel Bandeira,
de
Carlos Drummond de Andrade
e
penso que Adélia Prado é
anjo
que vem do céu.
Entendo
que Hilda Hilst,
profetisa
da paixão,
foi
condutora de um tempo,
da
marcha do coração.
Eu
quero é parir poemas,
dar
à luz nas madrugadas,
achar
a palavra exata
na
hora em que precisar.
Eu
sou fiel aos meus livros
e
à vontade insaciável
de
descrever o não dito:
tesouro
bom de encontrar.
Sou
Diana Caçadora
e
vivo de articular
ideias
soltas no espaço,
tramas
em pleno ar.
Eu
sou lápis apontado,
nasci
para registrar,
para
versejar enredos
e
personagens sem par.
Se
ainda não me conhece,
atente,
pode apostar:
meu
nome é bem diferente.
Prazer,
eu sou Goimar.
2.Lançou
recentemente dois livros na Livraria CORTEZ. Pode nos falar algo
sobre essas obras?
— São
obras de trajetórias muito distintas, escritas com intervalo de
cinco anos mas que, por um desses mistérios da vida, foram
publicadas com uma diferença de tempo de apenas um mês. Por isso,
decidimos fazer os dois lançamentos no mesmo dia (08/06/2013), numa
grande festa que buscou comemorar a chegada dessas histórias às
livrarias. De forma bem humorada, o Minha
boca está pelada! (Escrita
Fina Edições) traz, em versos,
as dúvidas e aflições de uma menina esperta e questionadora que se
vê às voltas com as diversas situações ocasionados pela
inevitável troca de dentição – importante ritual de passagem da
infância.
Este
livro nasceu da lembrança de um “drama” pessoal. Quando tinha 8
anos, havia um pequeno espaço separando meus dois dentes da frente e
isso foi um caso sério em minha vida (risos). Na época, morria de
vergonha de sorrir na hora de tirar fotos. Resultado: em todos os
registros fotográficos do período – que foi um dos mais incríveis
da minha vida, diga-se de passagem – estou sempre com aquele
sorriso tipo Monalisa, ou seja: mais sem graça, impossível! Sofro
até hoje com isso porque meu semblante nessas fotos simplesmente não
condiz com a alegria que vivi naqueles anos mágicos. Este livro é,
portanto, uma tentativa de fazer com que as crianças não passem por
situação semelhante e jamais economizem gargalhadas e sorrisos
abertos, enxergando a beleza e a graça de todas as fases da
infância.
Já
o Estrelas são pipocas e
outras descobertas (Cortez
Editora) nasceu do meu desejo de instigar as crianças a exercitar ao
máximo a imaginação, convidando-as a criar explicações poéticas
para os quatro elementos e outras maravilhas do universo:
“esse
lugar feito pra caber verso, gente, planta, patinete, sorvete, beijo,
chiclete, brinquedo, pastel de queijo e bichinho de estimação... O
universo é uma música com um bonito refrão”.
Neste
nosso tempo em que a sensibilidade e a emoção muitas vezes são
deixadas de lado, cabe a nós incentivar, por meio da literatura, o
acesso de meninos e meninas a essa espécie de dicionário interno.
Uma brincadeira saudável que se assemelha a um inventivo jogo de
faz-de-conta.
3.Tive
um amigo especial, uma pessoa muito querida, chamada Waldemar Valle
Martins, além de outros amigos, na Universidade Católica de Santos.
Você lá esteve, pode nos comentar algo de sua passagem nessa
universidade santista?
—Tenho
lembranças lindas da faculdade. Cursar jornalismo foi uma das
decisões mais acertadas da minha vida. As aulas me ofereceram uma
gama variada de conhecimentos que, mais tarde, seriam essenciais ao
desenvolvimento de minha carreira como escritora. Também me ajudaram
a desenvolver habilidades indispensáveis a quem lida com o texto
cotidianamente. Dentre elas, a capacidade de trabalhar sob pressão,
com prazos sempre apertados. Além disso, a Faculdade de Comunicação
(Facos) da Universidade Católica de Santos dava ênfase absoluta às
matérias ligadas ao jornalismo impresso e ao exercício ininterrupto
da reportagem. Tínhamos inúmeras chances de praticar e de sermos
avaliados, pois, a cada ano, produzíamos diversos jornais
laboratoriais sob a supervisão de professores bastante exigentes.
Foram quatro anos riquíssimos, de muito estudo, treino,
aprimoramento e vivências excepcionais.
4.Estará
brevemente num congresso chamado “Congresso Andea”. Pode expôr
aos leitores da FIANDEIRA algo sobre esse evento e como será a sua
participação?
—Fiquei
muito feliz com o convite para participar do I
Congresso Internacional e III Congresso Nacional de Dificuldades de
Ensino e Aprendizagem,
cujo tema é Diversidade no Ensinar e Aprender: Educação, Saúde e
Sociedade. O
evento acontecerá na Universidade Presbiteriana Mackenzie entre os
dias 29 e 31 de agosto e reunirá cerca de 100 profissionais
de todo o mundo nas áreas de Educação e Saúde. Minha apresentação
acontece dia 29, às 12h, na mesma manhã em que falará o professor
José Pacheco, da renomada Escola da Ponte, de Portugal. O tema da
minha palestra é O professor
como mediador de leitura – um convite ao infinito.
O objetivo é capacitar
professores, estudantes de
Pedagogia e de Letras e demais interessados para lidar melhor com o
exercício diário de ações e reflexões que possibilitem aprimorar
seu trabalho como incentivadores/promotores de leitura.
5.Está
sempre em escolas, num alegre e colorido contato com as crianças.
Conte um pouco das emoções que vive nos colégios por onde
peregrina.
—Tenho
vivenciado momentos incríveis nesses encontros com as crianças. Na
maioria das vezes, sou convidada para contar as histórias dos meus
livros. Adoro poder interagir com os alunos. Nas contações do Quem
tem medo de papangu? (Cortez
Editora/2011), por exemplo, utilizo variados objetos cênicos, canto
e declamo o livro inteiro para os pequenos, que se mostram
maravilhados com a história do misterioso papangu. O retorno das
crianças é sempre muito vibrante e intenso. Os dois novos livros
são muito recentes, mas já tive oportunidade de contar as duas
histórias para uma turma de quase 100 alunos do colégio Wellington
Objetivo, na Freguesia do Ó. A recepção não poderia ter sido
melhor. Todos adoraram a ruivinha banguelinha do Minha
boca está pelada! e o
universo poético do Estrelas
são pipocas e outras descobertas.
Homenagem no Rio Grande do Norte
Livro de estreia da autora
6.Esteve
recentemente na CASA DE LIVROS. Como foi esse momento na magia de um
tão aconchegante lugar?
—Foi
um dia inesquecível. A Denize
Carvalho e a Angela Aranha, proprietárias dessa livraria encantadora
há quase 30 anos, desenvolvem um trabalho sensacional de formação
de leitores. A loja é especializada em Literatura Infantojuvenil,
mas vai muito além de apenas comercializar as obras. Dinâmicas,
proativas e, principalmente, apaixonadas pelo que fazem, Denize e
Angela realizam uma série de atividades cujo objetivo é aproximar
os livros dos leitores. Para isso, promovem bate-papos com
escritores, organizam oficinas, contações de histórias, sessões
de autógrafos, lançamentos etc. "O livro precisa ser vivido",
disse Denize, em meio à nossa conversa. Uma frase que, sem dúvida,
já diz muito sobre a proposta da Casa dos Livros. Uma vez lá, fui
convidada a deixar meu nome e uma mensagem na parede da livraria como
parte do Projeto Literatura na
Parede, que propicia aos
clientes ver as assinaturas, mensagens e desenhos deixados por
escritores e ilustradores. Foi um momento especialíssimo para mim.
Saí de lá encantada, com o coração acalentado e um sorriso
permanente no rosto.
Com Denise Carvalho e Graça Aranha
7.Tem
um livro chamado “Quem tem Medo do Papangu?”. Pode dar um
toquezinho para a FIANDEIRA sobre quem é o Papangu?
—Pelas
ruas, becos e praças, os papangus surgem nos dias de carnaval para
assustar e, na mesma medida, divertir a molecada travessa de algumas
cidades do Nordeste brasileiro. Trajados de sacos e trapos, com o
rosto pintado ou utilizando máscaras, portando chicotes, cornetas,
penicos ou guarda-chuvas quebrados, eles são personagens típicos do
folclore nordestino. O nome “Papangu”, por sua vez, vem do antigo
costume de abordarem as pessoas pedindo “um prato de angu”.
Neste
livro, procurei fazer um resgate afetivo de minhas memórias de
infância. Mais precisamente de quando descobri ser meu avô, Pedro
Horácio, o papangu mais famoso da pequena cidade de Japi, no Rio
Grande do Norte. Em paralelo, o livro traz informações sobre o
surgimento, desaparecimento e posterior resgate da figura desses
curiosos personagens surgidos no Recife, no século XIX, com intuito
de organizar as procissões católicas de Cinzas e, com seu chicote
estalando no ar, disciplinar a garotada que, eventualmente, estivesse
atrapalhando o andamento das cerimônias religiosas.
Anos
depois, os papangus foram banidos desses eventos, uma vez que muitos
viam nessas figuras um quê de morte e tirania. Décadas se passaram
e diversas cidades voltaram a dar espaço aos papangus, que
reapareceram como brincantes carnavalescos, completamente dissociados
das procissões. Hoje, com máscaras e vestimentas cada vez mais
bonitas e elaboradas, eles existem em profusão no município
pernambucano de Bezerros, onde são as principais estrelas do
carnaval. Por outro lado, em cidades como Japi (RN), onde ainda vive
boa parte da minha família materna, os papangus prosseguem
utilizando indumentárias e acessórios rústicos. Lá, a alegria da
garotada que corre pelas ruas e praças atazanando os papangus é
instigada pelo improviso, pelas palhaçadas e mímicas engendradas
por esses carnavalescos, que, ali, se comportam como misto de palhaço
e bicho-papão, atraindo a curiosidade das crianças.
Com o Senhor Cortez e Míriam Cortez, em seu mais recente lançamento na Livraria Cortez
8.Aprecia
a Poesia Infantil, e a Narrativa, e produz. Considera que a
Literatura Infantil seja apenas para crianças?
—A
boa literatura é para todas as idades. Gosto demais de citar um
trecho do ótimo livro Nos
bastidores do imaginário – Criação e Literatura Infantil e
Juvenil, da escritora Anna
Claudia Ramos. Em determinada passagem do texto, a autora entrevista
Ana Maria Machado e pergunta a ela o que é um bom livro infantil.
Ana, por sua vez, responde citando o autor inglês C. S Lewis: “Um
bom livro infantil é aquele que a gente lê com deleite aos 10 anos
e relê com igual prazer aos 50 anos”.
Anna Claudia Ramos
9.Insistente
pergunta de PALAVRA FIANDEIRA: Acredita no fim da era do livro de
papel?
—Acredito que sempre haverá lugar para o livro de papel. O prazer que ele propicia é, pelo menos para mim e para as pessoas que estão ao meu redor, incomparável. Ver a capa sob todos os ângulos, poder manuseá-lo, sentir o cheiro do papel, escrever nas laterais, grifar os trechos prediletos, andar com ele pra lá e pra cá sem se preocupar em ter que recarregar a bateria... Tudo isso é impagável! Os suportes eletrônicos têm seu valor, claro. Em uma viagem, por exemplo, fica difícil levar consigo um grande número de livros. Nesse contexto, me parece mais viável baixar os livros no ipad. Quanto às novas gerações, o que vejo são meus filhos adolescentes – desde sempre acostumados às traquitanas eletrônicas – lendo livros em formato tradicional com o mesmo entusiasmo com que eu os lia quando tinha a idade deles.
Com amigas queridas
10.Escreveu
em parceria com uma outra autora o livro “Mulheres Que Fazem São
Paulo”. Conte sobre essa obra. Trata-se de um painel contemporâneo?
O que nos poderia dizer sobre esse livro?
—No
ano em que São
Paulo comemorou seus 450
anos
(2004), o objetivo desta publicação, escrita em parceria com
Viviane Pereira, foi presentear os leitores com a possibilidade de
conhecer o perfil altruísta de 19 mulheres que sempre trabalharam e
lutaram por uma São Paulo melhor. São empresárias, atrizes,
cientistas, médicas, cineastas, pensadoras, presidentes de entidades
diversas. Mulheres que pensam e agem para além de suas necessidades
individuais, contribuindo, principalmente, para atender as urgências
coletivas da sociedade de São Paulo, do Brasil e do mundo.
11.Como
a Literatura Infantil chegou em sua vida? Por quais motivos ou
acontecimentos a sua trajetória tornou-a uma autora de Literatura
Infantil? E ainda: tem algum livro de sua infância que considera ter
sido marcante na formação de sua personalidade, de seu “Eu” ou
tenha, pela sua leitura, de alguma forma influenciado o rumo de sua
vida?
—Sempre
fui fascinada por boas histórias. Por isso transito por gêneros
variados que vão do texto jornalístico – caso dos meus
livros-reportagens e biografias – até a poesia e a literatura
infantil que, confesso, tem se mostrado cada dia mais presente em
minha vida. Escrevi meus primeiros livros infantis em 2007 tomada por
um surto criativo que, claro, teve de ser seguido por muitos estudos
e pesquisas. Nessa época, ao todo escrevi quatro livros, dois quais
consegui publicar dois: Quem
tem medo de papangu? (Cortez
Editora/2011) e Minha boca está
pelada! (Escrita Fina
Edições/2013). Não desisti dos outros, apenas não tive de
condições de, por enquanto, voltar a eles e trabalhar como se deve
para tentar publicá-los. De lá para cá, a vida foi me levando até
outras histórias, me oferecendo novas oportunidades. É o caso do
Estrelas são pipocas e outras
descobertas (Cortez
Editora/2013), que escrevi em 2011 e cuja publicação aconteceu mês
passado. Quando a ideia deste livro surgiu, estava completamente
envolvida na redação de um livro-reportagem, mas o apelo dessa nova
história infantil foi algo tão forte que não consegui deixar para
depois. Durante meses trabalhei no texto vivendo um dos processos
mais intensos, felizes e arrebatadores de toda a minha trajetória
como escritora (pelo menos até agora). No momento, tenho mais um
livro infantil já aprovado pela Cortez Editora e há outros dois em
esboço. Não sei quando finalizarei tudo isso porque, por ora, estou
absolutamente concentrada na revisão final de Rotas
Literárias de São Paulo, a
ser lançado pela Editora Senac São Paulo, e no qual venho
trabalhando há cinco anos. Nunca dediquei tanto tempo a um mesmo
projeto e tem sido um processo tão fascinante quanto extenuante.
Foram anos lendo incontáveis livros, revistas, jornais e sites.
Também entrevistei cerca de 40 escritores, poetas, livreiros,
jornalistas, gestores culturais e organizadores de saraus. Juntas,
essas pessoas me ajudaram a traçar um panorama dos espaços
literários de São Paulo – bibliotecas, livrarias, museus, bares,
centros culturais – desde o século 19, quando aconteciam saraus
como os de dona Veridiana Prado. Depois dessa empreitada, pretendo me
dedicar exclusivamente à literatura infantil e à tentativa de
publicar meu primeiro livro de poesias, o Veias
em versos, que concluí no
final do ano passado.
Quanto
ao livro fundamental da minha infância, poderia citar quase toda a
Coleção Vaga-Lume, da Editora Ática, mas escolho o primeiro que li
e que me abriu as portas para um mundo de sonho e encantamento do
qual não desejo sair nunca. É O
caso da borboleta Atíria, de
Lúcia Machado de Almeida. Guardo o exemplar comigo até hoje.
Leitura de infância
12.Deixe
aqui a sua mensagem final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
—Tenho
uma tatuagem com as palavras “Poesia e prosa” e, qualquer dia
desses, farei outra tatuagem com a frase que considero a mais linda
da Bíblia: “No princípio era o Verbo”, do Evangelho de João.
Tenho convicção de que quem escreve está, na realidade, “fiando”,
tecendo as tramas para uma vida mais rica, colorida, repleta de
aprendizagens e histórias. Para mim, não há sensação melhor do
que ver um texto tomando forma. Tudo o que espero é poder continuar
criando, tecendo, compartilhando memórias e invenções. Obrigada,
Marciano Vasques, pela oportunidade de poder “fiar/tecer” por
aqui também.
PALAVRA FIANDEIRA
Publicação digital de divulgação literária e artística
ARTE, EDUCAÇÃO E LITERATURA
EDIÇÃO 126
GOIMAR DANTAS
PALAVRA FIANDEIRA
FUNDADA PELO ESCRITOR
MARCIANO VASQUES
PALAVRA FIANDEIRA
ANO 4 —126
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