PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA LITERÁRIA
Revista Digital de Literatura
ANO 2 - Nº 50 - 30/DEZEMBRO/2010
NESTA EDIÇÃO:
PAULA LARANJEIRA
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1. Quem é Paula Laranjeira?
PILS: Sou professora, blogueira, e como disse um amigo, a entrevistada. Para os outros sou de fácil definição (creio que nem Pessoa conseguiu ser tantos “eus”), porém, ainda estou tentando saber-me neste mundo, pois quando achava que me sabia em todos os cantos e recantos, me vi confusa, sentada no meio de um labirinto, a procura sempre, do fio de Ariadne.
2. Paula Laranjeira, formada em Letras, intensa atividade cultural, vivendo no interior da Bahia, como é viver longe de uma metrópole?
PILS: Intensa atividade cultural? Acho que não. Se pautarmos o olhar em (pré) conceitos diremos que não. Até porque nestas paragens a cultura, mesmo a local é pouco valorizada. Para se ter uma ideia, não temos teatro, cinema (já tivemos), livraria ou centro cultural. Temos mais de 130 anos de emancipação política, aproximadamente 30 mil habitantes e o pouco que nos resta são casarões históricos se perdendo pela ação do tempo e do homem. Éramos portadores de vários elementos culturais como festa de Reis, Cavalhada, a Via Sacra Tradicional entre outros. Coisas que já não existem mais. O que nos sobra é uma biblioteca municipal pouco frequentada e com acervo pequeno . Além de uma Fundação cultural que está parada. Então imagine como é olhar tudo isso e depois, para as infinitas possibilidade culturais de uma metrópole. Cada convite que recebo para eventos, lançamentos de livro, peças teatrais, filmes, congressos em minha área de estudo e interesse deixam - me em “parafusos”. Mas tento reverter a situação com leituras e passeios culturais pela “net”, especialmente na blogosfera, além de fazer divulgação à distância.
Por outro lado, à medida que vou conhecendo, lendo e refletindo, acabo lançando novos olhares para este meu sertão, e eis que ele fica mais colorido, mais rico e muito mais fértil. Às vezes, encontro na gente e seus falares, os costumes, o ambiente e os seres do amigo Guimarães Rosa, do Graciliano, da Rachel de Queiróz, do atual Aleilton Fonseca, entre tantos outros. Nisso meus olhos “babam” como os dos bois do Guimarães e minha alma transforma pela alegria de saber-me parte disso. Tem dias que a Cora Coralina e seus quitutes invadem este lugar na poesia de vida e na cozinha de algumas mulheres, entre elas, minha mãe. Claro que muitos outros nomes/autores frequentam este sertão a partir das minhas leituras e releituras, não apenas os que falam dele, mas inúmeros outros.
3. Desenvolve um intenso trabalho de resgate e preservação da cultura autêntica em seus retalhos poéticos, divulgando texto de Ariano Suassuna, Luiz Gonzaga, a melhor poesia e ainda escreve sobre a Literatura Infantil. Como vê o esfarelamento cultural tão apreciado e divulgado pelas mídias?
PILS: Quando se sabe que por trás de tudo há uma intencionalidade baseada no interesse econômico, e mais que isso, na necessidade de poder absoluto de alguns indivíduos, fica fácil desconfiar de tudo e todos. Tenho visto há algum tempo na televisão e nas rádios a propagação de valores que têm mudado profundamente a sociedade e a “solidez” cultural. Primeiro há uma severa mudança nos valores familiares, onde tudo é permitido e a única lei é o “sim”. Posteriormente há o enfraquecimento qualitativo na educação, fator que nos torna mais maleáveis. E por fim, o “tiro de misericórdia”, o esfarelamento da cultura. Aí pergunta-se: o que sobra? Bem, sobram indivíduos sem valores, sem conhecimento e condição de interpretação e análise dos fatos, além de desprovidos de qualquer conhecimento cultural que o fortaleça enquanto coletividade. E sem nenhum bem simbólico que lhe pertença, “essa” gente, na qual também me incluo, facilmente se deixa manipular, se torna consumidor ativo e desenfreado. O que gera lucros e poder para uma pequena minoria.
Ou seja, esse esfarelamento cultural é algo necessário e parte de um processo que aniquilará de vez o espírito dialético tão necessário a uma sociedade que prima pela democracia e igualdade.
4. A qualidade musical descendo ralo abaixo, a decadência visível nas letras das chamadas canções e o império do dinheiro na sociedade do espetáculo estão entrelaçados com a decadência ética na política. De que forma a arte poderá restabelecer o padrão estético mínimo para reativar as consciências?
PILS: A arte é o freio. Dias atrás vi uma reportagem na TV, e isso é coisa incomum, que mostrava o trabalho com música clássica numa comunidade carente no Rio de Janeiro. Se antes tínhamos naquele lugar, crianças e jovens sem perspectivas, sem a consciência do seu estar/ser-no-mundo, agora eram jovens entusiasmados, com sonhos, valores, cultura e visão de mundo diferenciados. Provavelmente ou certamente os participantes deste projeto foram “infectados” pela grandeza artística que os encaminhará para o eterno “coma” da consciência. E o mesmo acontece com toda e qualquer pessoa que se insere no meio literário, nas artes plásticas, na dança, no teatro, entre outros. Dessa forma, pode-se também crer a arte como via de transformação. Como diz Oswaldo Montenegro em “Metade”, “Que a arte nos aponte uma resposta / Mesmo que ela não saiba”. Sabe-se que reativar a consciência não é a intenção nem a função da arte, mas não deixa de lhe ser um papel intrínseco. Aí pergunto: quem vai querer promover esta tomada/retomada de consciência através da arte? Quem vai querer, como diz a minha mãe, “criar cobra para ser picado depois”?
5. Que comentário faria sobre a decadência nas artes, na música, sobretudo a música dirigida aos jovens, a forma de arte que atinge mais diretamente a juventude?
PILS: A contra gosto, já ouvi muita coisa: axé, forró, funk, sertanejo, pagode e quase sempre com letras vazias, mensagens estereotipadas, possibilitando a aquisição de valores errôneos, especialmente no que se refere a relacionamento amoroso e sexo e às mulheres. Creio que a música tenha contribuído, em grande parte, para a formação de muitos jovens, por tal, a qualidade da música influenciará de forma positiva ou negativa este ouvinte. Toda geração lida com estas duas possibilidades musicais: a vulgar e a mais refinada, mas penso que nunca antes tenha sido tão direcionada ao esvaziamento intelectual e reflexivo como agora. Porém, também se percebe que muitos destes ouvintes têm fugido desse tipo de música, buscando em autores “das antigas” um repertório mais significativo, o que tem provocado muitas releituras e regravações de músicas do século XX, por exemplo.
6. Nos fale sobre Pesponteando: Retalhos Literários.
PILS: Meu blog! Meu lugar no mundo. Neste dezembro completa dois anos. Nasceu objetivando aniquilar meu vazio. Eu tinha terminado a faculdade e sem absolutamente nada para fazer, apenas alguns livros, quatro anos de estudo e um computador. Tive medo de enlouquecer diante da possibilidade do “nada”. Aí o pari num dezembro chuvoso, pois aqui ainda chove. É um menino ingênuo que muda seu discurso a cada dia, pois todo amanhecer traz novos conhecimentos, e consequentemente, maturidade, reflexão, crítica e autocrítica, o que se reflete em mudança constante, ou melhor, metamorfose. O Pesponteando tem de tudo um pouco, sempre relacionando à arte e cultura. Neste meu pedaço de chão virtual vou tecendo alguns tecidos em meu tear, vou juntando uns retalhos a outros, cozendo à mão ou à maquina novas peças, bordando em certos tecidos bem ao modo da minha mãe, só que meu tecido é o texto, minhas linhas são as palavras, minhas agulhas são ora a caneta ora o teclado.
7. É formada em letras e atua na Educação, no Ensino Médio. Como vê a produção atual de Poesia com o advento da internet como um espaço democrático e infinito? Tem poeta demais no mundo?
PILS: Talvez tenha poetas de menos. Com o nascimento do romance a poesia perdeu espaço, já que os leitores, provavelmente pela formação, acabam encontrando mais “facilidades” de compreensão do conteúdo na prosa. Já o leitor deste gênero, a poesia, muitas vezes pauta suas leituras apenas em produções contemporâneas, se afastando de poetas e produções de outros tempos. Além disso, os produtores ou pretensos produtores de poesia, em grande parte, são leitores de poucos poetas e gêneros, o que acaba refletindo em suas produções certa “pobreza”. Os textos são quase circulares. É por isso que penso que temos poetas de menos, há muita gente escrevendo, mas poucos com grandiosidade. Porém, e isso é quase uma contradição ao que acabo de dizer, tenho observado que a internet além de revelar muita poeira embaixo do tapete, também tem revelado pó de ouro. Tem muita gente boa, com boa poesia se mostrando nas janelas da rede, fato que torna a internet uma ferramenta positiva e democrática não só por trazer os tesouros desconhecidos, mas por possibilitar o acesso a livros, bibliotecas, textos raros, entre outros, a quem busca fomentar e enriquecer o intelecto.
8. Mário Quintana, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Manoel de Barros, Castro Alves, Sidónio Muralha, Drummond... A poesia ainda é necessária no mundo atual, tão midiático e dominado pelo imediatismo consumista desenfreado?
PILS: Certamente sim, pois além de ser freio, ela é luz. E quem não precisa da luz? O que noto é que não há um poeta ou um leitor deste e de outros gêneros literários que não seja um portador ativo de consciência. E o portador da consciência é avesso ao imediatismo e ao consumismo. Falando em consumismo, é interessante colocar como as pessoas buscam no ato de consumir freneticamente o lugar/estar da felicidade, é onde se encontra o prazer. Porém, há quem consiga o mesmo prazer em um livro. Desta forma percebemos que estamos estimulando hábitos errados. Seria revolucionário a mídia propagar o consumo de livros, mas livros com L maiúsculo. Porém isso não acontecerá, pois as TVs perderão seus telespectadores. E outros meios midiáticos como algumas revistas, perderão seus leitores.
9. Como vê a blogosfera? Atribui ao blog importância no resgate de valores artísticos?
PILS: Quando comecei a perambular pelos blogs, confesso que fiquei assustada. Era/é tanta coisa que às vezes tentando me achar, acabava me perdendo para logo em seguida me achar novamente. A blogosfera, termo ainda novo para mim, é um espaço de todos, de todas as manifestações, de todas as artes. Há algum tempo atrás se fazia pesquisa em livros, porém eram poucos e com informações limitadas, hoje há uma janela escancarada para o mundo, infinitas possibilidades, especialmente no que se refere às artes. Tomo como exemplo a Literatura de cordel, antes restrita ao nordeste, hoje está ao acesso de todos na blogosfera. A internet traz essa maravilha: o descortinar daquilo que era escondido, acessível a poucos. Num clique a democracia se instala. Às vezes, alguém cria um blog para culinária, mas acaba visitando e sendo visitado por blogs/blogueiros que tratam de poesia, contos, musica, dança, artes plásticas...e o que era desconhecido de alguns vai se espalhando. Claro que nem tudo possibilita o resgate de valores artísticos, há espaços que acabam atrapalhando com informações equivocadas, mas no geral tem muita coisa boa.
10. Seu blog está recheado de pinturas que abordam bordadeiras e costureiras. Como é para você esse simbolismo? Qual o significado dele em sua vida?
Vicente Romero
No blog Pesponteando: Retalhos Literários
PILS: Não me lembro ao certo da primeira vez que vi alguém com tecido e agulha. Mas este ato sempre movimentou alguma coisa em mim. Na condição de observadora do sujeito que movimenta os elementos do universo têxtil, sou capaz de recitar uma poesia concreta de imagens que trago desde a infância. Me lembro de tia Eridalva com o seu tear, a roda de fiar, o fuso, o descaroçador e o algodão. Era o básico para a mágica da construção do tecido.
Também tenho a minha mãe e sua velha máquina de costura. Muitas vezes sentava-se à máquina de costura como a Clarice Lispector à máquina de escrever, construindo no lugar de textos, colchas almofadas, tapetes: uma espécie de texto feito com tecidos. Eu adorava ficar olhando, e ainda o faço algumas vezes, quando ela faz consertos em alguma peça de roupa ou outra coisa.
Lembro - me também de várias vizinhas costureiras. Sempre gostei de frequentar suas casas, ficar ao lado da máquina observando o vai e vem da agulha, a linha, a tesoura e a nova peça que surgia. Era tudo tão lindo!
Já na condição de sujeito que trabalha com o tecido tenho certa experiência. Primeiro com as roupas de bonecas, ainda me lembro do gosto de costurar embaixo da mesa num dia chuvoso algumas roupas para as escassas bonecas. Depois, como não conseguia manipular a máquina, aprendi a bordar com pontos diferenciados: cruz, corrente, cheio, etc. E pela necessidade de reformar algumas roupas também bordei com miçangas e lantejoulas.
Mas foi na faculdade que veio o grande encontro: a costura e o texto. A comparação do texto com o tecido. Não me recordo o autor que faz essa analogia, mas foi/é algo que fica sempre se movendo em mim enquanto escrevo.
As costureiras, as bordadeiras, sempre estiveram presentes em minha vida, mas agora a costura é feita com as letras, as frases, e o papel em branco dá lugar a esta nova tessitura. Me encontrei... e tento ser uma tecelã das palavras, por isso as imagens no blog e todo o contexto sempre chamando a atenção para este universo.
11. Em meio ao desmanche da cultura, você mantém a coerência e a persistência no sonho de uma vida mais autêntica. De que forma, em nível governamental, seria possível contribuir para mudanças no quadro atual que, social e culturalmente, está dominado pela vulgarização via meios de comunicação?
PILS: Com educação de qualidade. Eis o único meio de cogitar mudanças para uma sociedade, pois a que temos é insignificante para FORMAÇÃO do indivíduo, apesar de ser ideal para “enformação”. Estamos produzindo nas escolas objetos em larga escala, produtos manufaturados, em uma fôrma, quando o que deveríamos fazer é justamente o contrario: tirar da fôrma, dar liberdade de pensamento, estimular o diálogo, estabelecer o olhar crítico e reflexivo como meta, proporcionar meios para a aplicabilidade do aprendido no cotidiano, promover a revolução pelo direito de ter valores e vivê-los... Mas os governos ou sei lá quem, primam por outras metas.
12. Aprecia literatura Infantil, certamente. Ela, essa forma literária, acredita que seja apenas para crianças?
PILS: Por algum tempo me limitei a este achismo: literatura infantil é coisa de criança. Mas tenho revisto muitos conceitos e este é um. Estudei um pouco de literatura infantil, e ao fazer isso entrei em contato com alguns textos, busquei os que havia lido na infância e adolescência. Acabei reconstruindo o gosto por esta especificidade literária, aguçando o olhar para várias questões antes ignorada em face ao preconceito etário e, simplesmente, me encantando. Vira e mexe aparece algum livro infantil aqui em casa, e tenho alguns na prateleira. Pena que o livro infantil esteja sendo substituído pelo filme com histórias infantis. A grande maioria dos pais compra DVD para os filhos quando poderia estar comprando livros.
13. Há um livro que possa citar que tenha influenciado de alguma forma na sua vida ou maneira de pensar?
PILS: Passei por momentos difíceis: hospitais, cadeira de rodas, desistência dos estudos, etc. E num destes períodos passei a ver muita TV, era uma forma ocupar a mente e esvaziá-la ao mesmo tempo, até que uma prima insistiu para que eu gastasse meu tempo com leituras. Pois bem, ela me emprestou alguns livros e entre eles estava Meu pé de laranja lima. Foi a grande descoberta da minha vida: o livro era vivo e podia mexer comigo, fazer rir ou chorar, pensar. Foi a porta de entrada para outras leituras: por isso tem muita importância em minha vida, já que a leitura possibilitou a descoberta de outros mundos. Tem uma frase do Mário Quintana, que gosto muito. Diz assim: “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. Pois é, o livro fez grande mudança em minha vida e eu quero que esta mudança se estenda ao mundo.
Claro que existem outros livros que contribuíram para a mudança de alguns pensamentos/partes de mim de maneira mais objetiva, mas tudo começou com este, já que tudo que li antes ficou restrito ao papel.
14. Participou como convidada de Palavra Fiandeira escrevendo um texto sobre Afro-brasileiros. Como vê atualmente a questão do racismo no país? Ou o Brasil está passando por uma transformação cultural?
PILS: O racismo está muito bem enraizado em nossa sociedade. Constantemente agredimos alguém por causa dessa pretensa superioridade de uma raça sobre a outra, sendo as maiores vítimas, os negros. Claro que nem todo mundo discrimina alguém pela cor da pele. Tem gente que diz assim: Não sou preconceituoso, pois tenho amigo negro (Amizade é uma coisa. Preconceito é outra, vale lembrar). E certamente este indivíduo não segregue ninguém, mas sei lá porque vem dois caras na rua, de forma suspeita. Qual causará mais insegurança? Quase sempre é o negro. Crescemos ouvindo que o negro não presta para nada, que é mau. Vários outros exemplos podem ser dados. Nesse sentido, se percebe que ele não age de maneira pensada, mas algo inconsciente, algo que está tão forte que não consegue controlar. É muito comum ouvirmos dizer que no Brasil se vive uma democracia racial, porém tal afirmação é uma forma de esconder o que é evidente: o preconceito racial é forte nesta e em outras sociedades. Mas o Brasil vem avançando na busca por sanar o racismo. Algumas políticas publicas, o trabalho de grupos afro-descendentes, um maior reconhecimento da literatura com temáticas afro e a militância quase isolada de alguns professores, o que se mostra eficaz, já que a intolerância deve ser revertida durante a formação escolar, e creio que nas séries iniciais seja mais profícuo.
O banimento do preconceito racial é algo a ser pensado a longo prazo. Planta-se a semente hoje para colher os frutos daqui uns trinta ou quarenta anos. O que estamos vendo hoje são os frutos plantados a partir da década de 70, no século passado.
15. Como vê a situação da mulher no contexto atual da decadência cultural?
PILS: A mulher tem sido uma forte. Primeiro ela luta por direitos iguais entre homens e mulheres. A duras pelejas consegue seu espaço como profissional, leis que assegure segurança e proteção contra violência doméstica numa sociedade que culturalmente prima a desvalorização da mulher, quer seja através de música (só as cachorras, minha eguinha pocotó, dói um tampinha não dói, Amélia é que era mulher de verdade, etc.) quer seja na TV ou nos cinemas, que entre seus destaques investe na mulher como objeto sexual. Noto, no entanto, que grande parte do problema está justamente na liberdade que a mulher conquistou. A grande maioria das mulheres não soube administrar essa “liberdade”, e a mídia sabendo-nos uma sociedade patriarcal e machista tem investido cada vez mais para que esta liberdade seja confundida com libertinagem. Dias atrás passou na rede Globo uma série intitulada As cariocas, fiquei impressionada como apresentaram a mulher carioca-brasileira: promíscua, sem valores, pronta para consumo. O problema é que esta imagem estereotipada não circula só em nosso país, mas excede as fronteiras nacionais.
No entanto, mesmo sendo “apedrejada” ela se encontra de forma engajada pela restauração e revigoramento da nossa cultura e pelo direito pleno de ser mulher. É ela que se coloca em ONGs, em grupos variados, é quem mais se dedica aos estudos, o número de professoras a implantar em sala de aula discursos, críticas e reflexões em prol da cultura é enorme, sem contar as lutas passadas.
16. Como vê o fato de um escritor de América Latina ganhar o Nobel de Literatura? Acredita que a voz da literatura, isto é, de seus representantes, possa de alguma forma influir no andamento das mudanças políticas ou culturais em nosso Brasil?
PILS: Apesar de já termos outros ganhadores deste prêmio ( Gabriela Mistral em 1945 - Chile, Pablo Neruda em 1971 - Chile, Gabriel García Márquez em 1982 - Colômbia) fiquei surpresa quando soube. Pensei: olharam para estas “bandas” de cá?! Somos quase animais aos olhos do mundo (EUA e Europa), incivilizados, sem cultura, sem “um monte de coisa”. E de repente alguém vira e diz que temos nestas paragens alguém que escreve de forma significativa a ponto de merecer o Nobel de Literatura. Meus Deus!, então somos bem melhores e nem sabemos! Sim, não sabemos que somos bons. Conheço um monte de gente que lê todos estes Best-sellers lançados lá pelos “States” e não conhecem nada da literatura brasileira, nem a clássica, nem a atual, canônica ou a marginal, além de desconhecer qualquer livro que não seja indicado pela Veja ou outra revista.
Porém, sobre a influência da literatura em nosso país, já fui mais otimista com relação a isso. A não ser que os autores clássicos ressuscitem, porque fora da academia e de alguns grupos sociais, a maioria das pessoas não conhece muitos autores para se deixarem influenciar por ideias e pensamentos de mudanças políticas e/ou sociais que estes exponham. Conhecemos poucos autores vivos de expressão na literatura, e não é pelo fato de não existirem, é pelo fato de não nos apresentarem, de limitarem a possibilidade de conhecer estas figuras. E mesmo conhecendo, a impressão que se tem é que nós os queremos mais como escritores de uma realidade no papel, que até se parece com o nosso mundo físico, mas que está restrito ao texto. Exemplo disso é o Vargas Llosa, aclamado com o Nobel de literatura este ano, com participação política no Peru, mas quando se candidatou ou apoiou candidatos à presidência do país não foi considerado apto nas urnas. No Brasil, um país que elege um palhaço analfabeto funcional como seu representante num cargo político, creio que se candidatássemos um grande nome atual da nossa literatura ou teríamos vitória com todos os votos válidos ou derrota total. Melhor não arriscar!
17. O mundo tecido pelos blogues, a infinita rede, a internet (Será afinal a biblioteca profetizada por Borges?), enfim, o mundo virtual, terá sobrevivência no futuro:? Irá se expandir com o tempo?
PILS: O que a gente tem em possibilidades na internet hoje é o mínimo se comparado àquilo que o futuro nos reserva. Eis nossa velha enciclopédia dando lugar ao que se configura nas redes. Borges fala de uma biblioteca fazendo analogia com a torre de Babel, infinita, chamando atenção para questões indecifráveis em línguas variadas. Se esta não é a biblioteca do Borges, falta pouco para ser, pois o que estamos vendo hoje em possibilidades é apenas uma ponta do iceberg que no futuro se porá à mostra.
18. Falando em sobrevivência, o que tem a dizer sobre o livro de papel?
PILS: Penso que o livro tenha sido uma das mais geniais criações do homem, pois democratizou o saber, e por mais que se profetize o fim do livro de papel não creio que isso aconteça. Claro que o e-book tem sido muito utilizado, possibilita a muitos o acesso a certas leituras. Mas ter o livro na mão, folheá-lo, sentir seu cheiro... é algo que não pode ser substituído.
19. Há um grupo de poetas de qualquer tempo e idioma, que para você seja representativo da poesia mais autêntica e transformadora de corações e consciências? Poderia citar alguns nomes?
PILS: Confesso que me dou mais à prosa que a poesia. Mas gosto dos poetas que surgiram com e a partir do Modernismo. A liberdade de estilo, formas e conteúdo deu mais chances para quem escrevia sem seguir a tendência ditada, por exemplo, pela Europa ou por determinados grupos daqui.
Estudando a historiografia da nossa literatura percebi que mesmo sendo bom poeta, se não seguisse a tendência, muitas vezes acabava sendo marginalizado. Se bem que ainda hoje temos gente sendo colocada num canto por questões regionais. Tem muita gente que acaba indo para o Rio de Janeiro ou São Paulo para alcançar o reconhecimento literário, pois é necessário fazer parte do eixo Rio-São Paulo. Após o Modernismo surgiu espaço para inventar e reinventar poesia.
Alguns nomes brasileiros deste período que conheço por leitura e que destaco: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Vinícius de Morais, Murilo Mendes e Cecília Meireles. Estes me restringindo em um tempo e Língua.
20. Parece ser uma pessoa feliz com o que faz. A felicidade está no fazer?
PILS: De fato sou feliz. Demorei muito para saber, naturalmente, o que era felicidade. Ficava à espera de algo surreal que chegaria com isso ou aquilo, que teria que TER , que teria que SER... Uma busca constante! Com a maturidade percebi a felicidade num conjunto de pessoas, de realizações e de situações. Ela era/é algo grande, que mesmo em face de alguma situação difícil ou triste não se desfaz. Mas o arremate final da minha felicidade está no FAZER. Trabalhar, ler, estudar, aconselhar, escrever... Minha suprema felicidade.
21. Há um alastramento de sites de relacionamentos e no entanto, as pessoas, de um modo geral, estão cada vez mais isoladas; predomina, mesmo que vagamente, uma estranha sensação de solidão na multidão. São questões do mundo virtual e de uma sociedade individualista. O que pensa sobre isso?
PILS: A maioria das pessoas busca se exibir, quer sair do anonimato; querem mostrar o quão maravilhosas e únicas são, por isso muitas mensagens, inúmeras fotos, centenas de comunidades, mas poucos vão além disso. Não há o aprofundamento da amizade, falta olho no olho, contato de pele, cheiro. E isso é imprescindível.
Cada um no seu canto, sem o risco de ser incomodado sem permissão é o “barato” dessa nova forma de se relacionar. Porém, nunca sabemos quem está do outro lado do monitor. Às vezes há o fingimento dos dois lados, e isso causa medo e, de certa forma, contribui para o sentimento de solidão e maior isolamento social. Claro que estamos falando de uma parcela de internautas que trocam a vida real pela virtual.
No entanto, há grupos que fazem percurso contrário utilizando as redes sociais como ferramentas de encontro, e não apenas como ponto exclusivo de encontro. Quando isso acontece, o isolamento social é reprimido e novos grupos de convivência acabam surgindo. Confesso que tenho experimentado os dois tipos de convivência com amigos. Mas, no meu caso, e falo isso por causa da minha deficiência, as amizades, reais ou virtuais, são sempre proveitosas na quebra do isolamento social.
22. No dia da absolvição de Michael Jackson morreu o poeta português Eugênio de Andrade. Nem precisa dizer qual evento ganhou as mídias do mundo. A cultura Pop regida pela mídia e a solidão da leitura conviverão para sempre?
PILS: Seria preciso uma revolução para que a leitura deixasse de ser um ato solitário. Mas onde nasceria este herói que faria do livro na mão do povo sua bandeira de luta? Até vemos alguns casos isolados, alguns projetos que objetivam dar livro a quem tem sede de leitura, mas muitas vezes, o livro, este que deveria ser peregrino, um cigano sem porto, a viajar de mãos em mãos, fica parado, acumulando poeira num canto qualquer de uma casa ou nas prateleiras de várias bibliotecas deste país. Claro que temos muitos leitores, mas temos bem mais decodificadores de signos lingüísticos – “O xale da vovó é roxo”, “Bia é a babá. A babá cuida do bebê”.
Já a música, pelo menos grande parte dela, não exige esforço, penetra nosso cotidiano sem permissão, cruza fronteiras, é ouvida em outra língua sem necessidade de tradução. E quem quer saber da letra!? A mídia vive dessa cultura musical descartável, de fácil acesso e de fácil substituição. Eis aí uma coisa que me incomoda na música: sou obrigada a deixar entrar tímpano adentro variados ritmos e letras. Meus vizinhos têm um gosto musical que não aprovo, mas eles adoram som no volume máximo, na rua carros de propagandas poluem as ondas sonoras com aquilo que a mídia planta. Bem que poderiam me perguntar se o som deles pode entrar em meus ouvidos, seria tão mais simples. Então, o jeito é ficar no meu canto, com o livro, sozinha, enquanto o resto do mundo ouve “música”. Falando em vizinho, por que ninguém briga com o vizinho por este estar lendo depois das dez horas? Na realidade, as pessoas nem sabem que o vizinho tem livros.
É por esta perspectiva que creio que a “mídia” já definiu os lugares de cada coisa. E nós ficamos — como bem lembra Zé Ramalho em Admirável gado novo — , numa “vida de gado” sem nem perceber.
23. Saramago morreu. Saramago viverá como um clássico? Ou a memória do esquecimento vencerá?
PILS: Certamente Saramago já pertence ao grupo dos clássicos. Creio que depois de Pessoa, seguindo a linha do tempo, ele seja o grande nome da literatura portuguesa e mais um a compor a literatura universal.
Em seu livro Intermitências da Morte, Saramago chama a atenção para a morte como condição necessária para o homem. No entanto, ainda neste livro, ele cogita a existência de alguém que rejeita os avisos da morte. Talvez seja este o futuro dele: rejeitar a morte e o esquecimento, chamando para si a imortalidade de seu pensamento e sua obra.
22. O que diria aos leitores de Palavra Fiandeira, como a sua mensagem final?
PILS: É muito bom, de alguma forma, fazer parte deste projeto – a revista Palavra Fiandeira – tão bem intencionado em promover a arte e a cultura não apenas numa perspectiva nacional, mas trazendo nomes, muitas vezes desconhecidos de outras partes do mundo e/ou trabalhando com temáticas oportunas. Espero que este meu jeito simples de viver, de pensar e trabalhar em prol das artes, em especial a literatura, seja oportuno e provocador de alguma nova reflexão. Estou muito feliz em poder dividir com vocês a alegria de amar a literatura e crer nela e em outras expressões artísticas como meio eficaz para propagação do pensamento reflexivo, que tem início nas artes e se reflete no homem, que por sua vez o projeta na sociedade. Desta iniciante no mundo da leitura um abraço carinhoso...
"Arte não é adorno, Palavra não é absoluta, Som não é ruído, e as Imagens falam, convencem e dominam. A esses três Poderes-Cidadãos não podemos renunciar, sob pena de renunciarmos à nossa condição humana." Augusto Boal
Paula Ivony Laranjeira
ENTREVISTA REALIZADA POR MARCIANO VASQUES
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PALAVRA FIANDEIRA
Revista de divulgação literária e cultural fundada pelo escritor
Marciano Vasques
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Obrigada por este convite Marciano, é uma honra para esta sertaneja simplória fazer parte da Revista Palavra Fiandeira.
ResponderExcluirabraços a todos...
Paula, uma "sertaneja simplória" chiquérrima, um luxo de ser humano! Amei suas palavras lúcidas, fortes e necessárias. Justo neste momento do ano de tanto consumismo e equívocos.
ResponderExcluirParabéns, Paula! Parabéns, Marciano, por nos proporcionar a oportunidade de conhecer uma pessoa tão linda, com sentimentos tão verdadeiros. Meu grande abraço
PARABÉNS PAULA, VOCÊ MERECE!!!!!!!
ResponderExcluirABRAÇO
MInha linda Paulita!
ResponderExcluirAcabei de fazer uma sugestão às Edições UESB para incluir a categoria Ensaio no próximo Concurso Artístico Literário Zélia Saldanha. Antes de enviar a sugestão me deparo com seu e-mail e a entrevista. Mal acabei a leitura, faço a sugestão de que você transforme essa entrevista em um Ensaio. Sobre o quê... Bem, ela tem a semente e todo um campo (minado) fértil para mais esse exercício.
Torço para que aceite.
Beijão!
Valmir Henrique de Araújo
A Paula é tudo isso e muito mais.
ResponderExcluirUma pessoa cheia de VIDA e dotada de uma sensibilidade de derreter-nos a alam.
Aprendi a conhecer e respeitar esta Menina dentro da blogosfera por conta das grandes partilhas que nos oferece.
Parabéns, Paula! Você é um show...
Parabéns ao proprietário do blog que teve a sensibilidade de trazer-lhe a té aqui e nos brindar com um pouco mais de você...
Abraços
Paula... maravilhosa, indiscutivelmente perfeita! Quanta leitura da vida se reflete nessa entrevista! E você, ainda tão jovem e no entanto, tão grande e tão sabedora das coisas, com tanta sensibilidade para perceber o mundo!Admiro-lhe demais! Parabéns!
ResponderExcluira todos, obrigada pelas palavras de carinho.
ResponderExcluirbjs
Paulinha, adorei a sua entrevista, você não muda , hein? Cada vez mais aplicada e estudiosa, sinto um grande prazer em ter convivido um pouquinho com você. Torço pelo seu sucesso, você merece!!! Um abraço, kélvia!!!
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