EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 53

PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
ANO 2 — Nº 53 — 08/02/2011
NESTA EDIÇÃO:
Diretamente de Espanha

ANTONIO PORPETTA

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ANTONIO PORPETTA


1. Quem é Antonio Porpetta?

Um homem que, entre viver e sonhar, sempre elege sonhar (ainda que seja com os pés no chão).


2. Tem viajado pelo mundo e conhecido gente. Fale aos nossos leitores dessa alegria. O que representam para o senhor esses encontros?

Belgrado/ 1997 — Com Maria Kodama e Snezana



Leitura na rua Skardalija


A oportunidade de conhecer gentes, paisagens, vidas, costumes, apaixonantes. Ter encontros com seres humanos de uma qualidade inimaginável. Comprovar que ser poeta é bem mais do que uma habilidade para "escrever poemas". Reafirmar-me como pessoa entre pessoas. Entregar e receber.

3. Um de seus poemas diz que "nossa vida acaba sendo um dia". Fale, por favor, sobre isso.

Acredito que os poemas não devem explicar-se: que cada leitor busque e encontre neles sua própria explicação. De todo modo, nesse poema — "Um dia" — trato de resumir a alegria de viver e a esperança em nosso viver cotidiano.

4. Tem um livro em Português. Qual o tema desse livro?

— É uma pequena antologia de quatorze poemas meus relacionados com o mar. Foi publicado, em idêntico formato, em Espanhol, Francês, Italiano e valenciano. Além do Português. O mar está presente com muita frequência em minha obra, como realidade e como símbolo. Amor profundamente "Meu mar" Mediterrâneo.


5. Um poeta que "não entende quase nada de blog". Para muitos, estamos entrando na era da tecnologia, que irá substituir a era humanista. Como vê a influência e o futuro da tecnologia na vida das pessoas?

A tecnologia é muito útil para nos facilitar muitas coisas. Porém nada mais. Não deve converter-se em obsessão. E, claro, não remover o humanismo, epicentro de nossa dignidade como pessoas. Paradoxalmente, creio que a tecnologia pode nos ajudar a ser mais humanos.

6. Como se tornou poeta? Quando sentiu pela primeira vez que não poderia viver sem a poesia?

— Faz anos, a morte prematura e inesperada de um queridíssimo amigo me impulsionou a escrever algo em suas memória e homenagem. Sem esperar ou ao menos tentar, eis que resultou num poema. Assim me dei conta de que a poesia era para mim o meio idôneo para canalizar os meus sentimentos mais fundos. E desde então, junto a sua leitura, a criação poética foi o foco de minha vida.


7. Tem uma obra considerável: Livros de poemas, de contos, de ensaios, de teses acadêmicas. Qual o seu primeiro livro de poesia?

— Intitula-se "Por un Cálido Sendero" (1978), e é um livro em conjunto com minha esposa, Luzmaria Jiménez Faro (no total: a metade dela e a metade minha, com poemas separados) Foi ideia dela. Desde então, estamos visitando esse caminho - pleno de vida e de poesia -, cada vez mais cálido, com mais ilusão e mais esperança. Como todo primeiro livro, tem mais ternura que técnica.

8. Certamente recebeu prêmios literários. Como vê o prêmio na carreira de um escritor?

— Além de satisfazer o ego e da confirmação do próprio crivo literário, na Espanha servem, sinceramente, para publicar. As editoras raramente apostam na Poesia. Se o prêmio leva, além disso, a um acréscimo econômico, com a publicação do livro premiado, o autor pode ver sua obra difundida, com a possibilidade de ser lida por muitas pessoas.

9. Quais os temas predominantes em sua poesia?

Não há mais que um: a vida. A vida em todas as suas vertentes, variantes e manifestações. Essa vida a que, em um de meus poemas, chamo "um absurdo milagre", que nos é concedida para nosso desfrute e nossa humana realização.

10. Tem viajado para diversos países da América Latina e de América Central. Poderia falar algo sobre a poesia contemporânea de América de fala espanhola?

— Geralmente, a poesia é muito respeitada e muito querida em quase todos esses países. Há grandes vozes poéticas e os poetas são admirados — às vezes, quase como seres superiores — publicamente quanto reservadamente. Os espanhóis temos muito que aprender com eles.

11. Diz que escreve toda a sua poesia numa torre. Que local é esse?

É uma torre, na Sierra Madrileña (tem uma foto dela em meu blog), na qual me exilei para escrever, apenas interrompido — melhor, vestido — pelo canto dos pássaros. Dentro tenho um formoso sino do século XVIII, procedente de um velho convento, que sempre faço badalar quando termino um poema, como celebrando o nascimento de um novo ser.

12. A poesia é ainda necessária no mundo hoje?

— Hoje, mais do que nunca. É quase a única coisa que nos poderá salvar da mediocridade, a vulgaridade e o materialismo reinantes. Creio, sinceramente, que sem poesia não valeria a pena viver.

13. Teve livros traduzidos para outras partes do mundo?

— Sim, além dos anteriormente citados, coletâneas poéticas completas de minha lavra, foram levadas ao Alemão, Inglês, Russo, Sérvio, Árabes... Tenho tido sorte nesse aspecto.


14. Tem uma praça inaugurada com o seu nome. Qual é a sensação desse acontecimento e onde fica essa praça?


— A inauguração ocorreu em 30 de Janeiro de 2010, em Elda, meu povoado natal, na província de Alicante (uma cidade de 60.000 habitantes integralmente dedicada à produção de sapatos femininos). Foi uma emocionante demonstração de carinho sobre minha pessoa e minha obra.

15. De acordo com algumas previsões, o livro de papel desaparecerá com o avanço da informática, pois — dizem — o futuro é do livro virtual. O que pensa sobre isso?

— Não sei o que acontecerá. Porém, eu não posso prescindir do "prazer erótico" da leitura: a carícia dos dedos sobre o papel, o gozo sensível ao virar as páginas, o mesmo aroma da folhas, a adoção de uma postura adequada em qualquer lugar da casa ou em qualquer outro recanto, a mesma estética colorida dos livros em uma biblioteca... Um livro é muito mais que "algo" para ler: é "algo" para sentir e para ser mais feliz. O virtual jamais poderá substituí-lo.


16. Borges, nos anos 70, numa conferência na Argentina, disse que o livro é um objeto de culto, não no sentido religioso. Mas como zelo, respeito. Como interpreta essa declaração?

Absolutamente de acordo, como bem disse na resposta anterior.


17. Conhece algo de Literatura Infantil?

— Conheço muito pouco. Parece-me um gênero extremamente difícil. O mundo das crianças é apaixonadamente complexo: adaptar-se a ele requer uns dotes literários e humanos muito especiais. Eu não os tenho.


18. Poderia citar algum livro que tenha lido e que tenha influenciado a sua vida ou transformado o seu pensamento?

A lista seria demasiada longa. Cada livro que se lê modifica de alguma forma a vida do leitor, pois lhe proporciona, com maior ou menor impacto, novas experiências vitais, novas perspectivas, ou desperta adormecidas memórias.


19. Diante da tumba de León Tostoy; num encontro internacional de escritores em Belgrado: considera-se um escritor do mundo?


— Sem nenhuma vaidade, sim, considero-me um "escritor no mundo", felizmente cosmopolita. Por uma série de circunstâncias, desde 1985, em que realizei minha primeira leitura fora da Espanha, em Guatemala, tive o privilégio de levar minha poesia, e a poesia espanhola, de maneira geral, a muitas partes e diante de muitos auditórios. Fornecerei a você uns dados: que resumem esses vinte e cinco anos de atividades internacionais: 101 viagens ao exterior, 28 países visitados nos cinco continentes, muitos deles repetidamente. Um milhão de quilômetros de voo (aproximadamente, 25 voltas em torno da Terra), 356 atividades acadêmicas e culturais realizadas em 156 universidades e centros culturais... Que os leitores possam me perdoar por tantas estatísticas, mas é porque me sinto realmente plenamente recompensado por esse trabalho.


20. Se tivesse que escolher um de seus poemas para os leitores de PALAVRA FIANDEIRA, qual deles aqui deixaria?

Eis que elegeria um muito breve, o menor que escrevi. É de meu livro "Silva de estravagancias", e diz assim:

... E pensar que estas rosas
não sabem que são rosas,
e entrarão na morte sem sabê-lo...



21. Conhece algo da Literatura brasileira?

Envergonho-me confessar que sei muito pouco de sua Literatura. Porém, considero imprescindível, por exemplo, a poetas como Vinícius de Moraes, Ledo Ivo ( a quem conheci o ano passado — 2010 — em Bogotá), Cecília Meireles, Drummond de Andrade... Grandes vozes da Poesia Universal.

22. O que é o prêmio espanhol "Fastenrath"?


— É o mais antigo prêmio literário de Espanha (creio que surgiu em 1909). É concedido pela Real Academia da Língua Espanhola ao livro mais destacado (alternadamente, de Poesia, Romance e Ensaio) dos cinco anos anteriores. Foi concedido em 1987 ao meu livro de Poemas “Los sigilos violados”.


23. Seu poema "Las Sirenas" considero intrigante e profundo. Poderia nos comentar o que originou esse poema?

As pobrezinhas sereias necessitavam de uma reivindicação: não eram gente más. Sinceramente, nem sabiam que seus cantos encerravam a morte. Se os houvessem sabido, tenho certeza de que teriam permanecido bem caladas. Nesse poema, coloco-me ao lado delas e as defendo. Tinha que fazer isso.


24. Para um poeta basta a inspiração ou a técnica é imprescindível?

Eu responderia como respondeu San Juan de La Cruz a uma pergunta semelhante: "Alguns versos me são ditados por Deus. Porém, a maioria, eu os invento". Sem chegar a esse contato com a divindade, creio que no processo criativo tem algo de "inspiração" e muito de técnica. O poeta tem que se deixar na folha branca alguns chips de sua própria vida. Ainda que sem magia de nada serviria o fazer poético.

25. Seus pais eram portadores de uma cultura erudita, que incluiu a música clássica e uma ampla biblioteca. Considera que o meio ambiente influencia nos rumos da vida de uma pessoa?


— Tive essa sorte. Todavia o ambiente, às vezes, "influencia", não "determina".


26. Seu livro "HISTORIAS MÍNIMAS Y OTROS DIVERTIMENTOS" trazem contos curtos. Numa época de texto curto (Twitter) o romance de texto longo sobreviverá?

Naturalmente que sobreviverá! O que não sei é "como" irá sobreviver. Desde os mais velhos tempos todos necessitamos que nos contem histórias, que nos levem com a imaginação a mundo reais ou fictícios, que, de uma maneira ou outra, nos façam sonhar... A literatura cumpre essa função social imprescindível: que o homem consiga "ser" além de "estar".

27. Conte-nos sobre o seu livro "Memórias de um Poeta Errante."

— Eis que é um livro no qual um poeta errante (eu) expõe suas memórias. Agora, falando seriamente: nele recolho detalhadamente todas as minhas andanças literárias pelo mundo. Pessoas — de nosso ambiente ou não — povos, paisagens, anedotas, experiências... Tudo o que foi por mim vivido em minhas viagens pelo estrangeiro, amplamente exposto. Há, como é natural, momentos tristes, alegres, divertidos, preocupantes, perigosos... É um livro, em suma, pleno de vida... Porém, de vida "vivida".

28. Que palavras e mensagem deixaria aos leitores de PALAVRA FIANDEIRA?


— Que não deixem de visitar e recomendar este magnífico Blog, de tanto interesse para os que amam a literatura. Bem construído, atraente, com sugestivos textos... Um luxo para escritores e leitores.
Também, meus agradecimentos aos que aqui chegaram na leitura desta entrevista. (Agradecimentos extensivos, claro, ao Marciano Vasques, que tão amavelmente a propôs e a tornou possível.)
E finalmente, se têm um tempinho livre, lhes agradeceria muito que me visitassem em: http://www.porpettablog.com




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TRADUZIDO DO ESPANHOL PARA O PORTUGUÊS POR 
MARCIANO VASQUES

PALAVRA FIANDEIRA 
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

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4 comentários:

  1. Buenos días Marciano:

    Gracias por publicar esta entrevista.
    Hoy he sabido de este poeta, que no conocía.

    Poco a poco ya voy entendiendo cada vez más el portugués.

    Me ha encantado esta conversación que habéis mantenido.

    Enhorabuena, Montserrat

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  2. Antonio dice que posiblemente la tecnología del internet nos puede ayudar a ser más humanos... aunque no concuerdo con él, he visualizado su tremenda humanidad en esta entrevista, las preguntas directas que le has hecho, Marciano, lo confirman, respuestas sencillas, escuetas y sobrias, propias de los espíritus altruistas...

    felicitaciones, para ambos, desde Chile, Rocío

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  3. É bom demais compartilhar pensamentos e sentimentos. Principalmente, a respeito de poesia.
    Linda entrevista. Parabéns, Marciano!
    Bj,
    Regina Sormani

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  4. Grande entrevista. Eu gostei do lado humano deste poeta.

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