EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 55

PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA LITERÁRIA DIGITAL
EDIÇÃO 55
ANO 2 —  18/FEVEREIRO/2011

NESTA EDIÇÃO:


MÁRCIA KUPSTAS

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A PALAVRA FIANDEIRA DE 
MÁRCIA KUPSTAS

Entrevistada por Marciano Vasques


1. Quem é Márcia Kupstas?


— Uma mulher que tinha o sonho de escrever, desde que era muito criança. Levou um bom tempo pra entender que se pode dedicar tempo aos sonhos e à realidade. Casou; descasou, teve filhos e encontrou a felicidade pessoal num lugar paradisíaco em Ubatuba, ao lado do Paulo, seu novo companheiro. 


2. Seu primeiro livro foi "Crescer é perigoso". Poderia, por favor, nos falar sobre ele?


—Tenho IMENSO carinho por CRESCER É PERIGOSO. Na época, lecionava no colégio Bandeirantes, capital de São Paulo, e tinha mais de 1000 (é sério, mil mesmo) alunos, boa parte deles orientais. Daí a inspiração para o Gustavo, um 'japonesinho' tímido, deslocado com o estereótipo de c-d-f, louco pra namorar, ter amigos, fazer alguma bagunça, sair do meio "nipônico" tradicional... o livro fez grande sucesso na época e detonou minha carreira. Ganhou o Prêmio Revelação Mercedes-Benz de 1988.


3. Alguns de seus livros têm no título a palavra "beijo" (O Primeiro Beijo; Clube do beijo...), parecem ser obras dedicadas ao público juvenil. Assim sendo, fale-nos da recepção desse público aos seus livros.

— Gosto de escrever para jovens. Acredito que é a nossa primeira grande aventura, a de adolescer. Todo mundo tem seu primeiro beijo, primeira decepção amorosa, primeiro grande amor... esses temas atraem e seduzem e modéstia à parte, acho que consigo "ler" a alma jovem com dignidade e realismo.


4. Já recebeu alguns prêmios literários. Poderia, por gentileza, nos contar sobre alguns deles, embora, claro, todos tenham sido importantes em sua carreira.
  
— O primeiro e maior foi o Mercedes-Benz, até porque era a estréia, só havia 2 prêmios e mais de 500 livros concorrendo. Depois o Orígenes Lessa, aí uns prêmios em concursos de contos e o jabuti em 2004, com ELES NÃO SÃO ANJOS COMO EU.


5. Como escritora, naturalmente está inserida no seu tempo. Dessa forma, como é a sua atuação na Internet? Tem blog? Site? Mantém intercâmbio com poetas? Participa de sites de relacionamentos? Enfim, como  pode ser encontrada no mundo virtual?

— Sou uma mulher das cavernas, em termos de informática. Tenho um site básico, biográfico e respondo e-mails com grande satisfação, do mesmo modo que respondia cartas. Abro alguns sites, faço compras pela internet, leio notícias em sites informativos, mas não assino embaixo da exposição gratuita que a internet propõe, na qual quase todo mundo se sente celebridade, conta tudo, diz o que acha de tudo, onde foi o que fez... entrei e saí do FACEBOOK, detestei a experiência. Gosto de preservar minha intimidade, prefiro contatos mais seletivos.


6.  Hoje, ao entrevistá-la, senti saudades do seu livro 9 cois@s e-mail que eu odeio em você , que li quando era Professor Orientador de Sala de Leitura, e lembro-me de como os jovens do "ginásio" o disputavam para os empréstimos. Poderia falar aos nossos leitores sobre a abordagem dessa obra?

— É legal, né? À época, meu filho tinha uns 16 anos e minha filha uns 7. Ele vivia apoquentando a menina, e disse um dia que ia vendê-la por internet, ela ficou furiosa... daí veio a inspiração, as maldades masculinas e as respostas femininas, num jogo de vai-e-volta em correspondência bem franca. Acho que a guerra entre os sexos ficou expressiva no livro, não só para pré-adolescentes; de certo modo essas dualidades masculinas/femininas prosseguem pela vida afora. 


7. Realiza Palestras e Conferências por esse Brasil afora, participando de Bienais do livro, e outros eventos. Como é para você, em termos de satisfação interior, esse contato e essa atividade?
  
— Já fiz muito, viagens demais, participei demais desses eventos. Hoje também sou seletiva, até porque moro em Ubatuba e aceito convites ou que são mais próximos (como a Feira de Parati, que fica a 100 km daqui) ou a Feira do Livro de S. José dos Campos, que será em abril de 2011, também perto.

8. Participou  de dezenas de encontros nos CEUS (Centros Educacionais Unificados). Como foi esse contato na periferia? De que forma essa experiência contribuiu com a sua Carreira Literária?


— Fiquei fã "de carteirinha" dos CEUs. É uma grande experiência educacional, reunindo escola/teatro/piscina/biblioteca tudo num mesmo ambiente, para alunos e comunidade. Pena que o projeto carecia de grande injeção de $ e o governo seguinte cortou muitas verbas. Torço para que seja de novo privilegiado.


9. Já realizou centenas de visitas em escolas. Quando começou essa peregrinação? Lembra qual a primeira escola que visitou?

— Não lembro... foi muito mesmo. Acho que é um caminho importante, ainda mais em começo de carreira, para o escritor "testar" seu público.  Hoje praticamente não faço mais visitas, os convites são muitos e acabam atrapalhando a concentração, no processo de escritura. 


10.  Muitos autores influenciaram a sua vida, e exercerem sobre você um fascínio e um apreço pela leitura. Poderia citar alguns desses escritores?

— Na infância, Lobato. Adorava tanto os seus livros, que ganhei a coleção inteira como  presente de natal e aniversário, um ou 2 por data. Depois, era sócia com mamãe da biblioteca Ambulante do SESI, uma kombi que parava no bairro, lotada de livros. Descobri grandes autores, que amei: José Mauro de Vasconcelos (infelizmente meio esquecido hoje), Agatha Christie, John Stenbeck,  Jack London, Ernest Hemingway. Mais velha, achei o Rubem Fonseca, Stephen KIng, Mario Vargas Llosa, Dean Koontz, Gabriel Garcia Marquez,  e mil outros, sou leitora voraz.

11. Participou da Revista Capricho. Escrevia histórias? Crônicas?  Recebia cartas de leitoras? Qual foi a sua contribuição literária para com a publicação?

— Tive uma coluna, HISTÓRIAS DA TURMA, por 3 anos. Eram contos curtos com a mesma galera, que morava num prédio e dividia descobertas, romances, confidências... o pessoal mandava cartas, colocava leitores como coadjuvantes, foi bem legal. Hoje existe em livro, pela ed. Atual.

12. Você é descendente de Russos, e de Ucranianos. Qual a influência desses povos em sua formação cultural? Ouvia histórias e Lendas quando criança?

— Minha avó morou conosco até meus 18 anos, quando ela faleceu, então a convivência foi grande. Ela era grande conversadora, lembrava de detalhes da Europa, da primeira Guerra Mundial, começo de imigração nos anos 20/30, contava lendas russas, foi um universo de histórias que ela me revelou. 
  
13. A leitura de autores diversos como Edgar Allan Poe, Agatha Christie, Conan Doyle, certamente trouxe algum despertar em você pela literatura policial ou de suspense.  Mesclando isso com o seu prazer em escrever ao público juvenil, é correta a afirmação de que essas leituras em sua adolescência e formação cultural, influenciaram em algum aspecto o seu fazer literário?

— Talvez menos do que eu mesma gostaria. Acabei criando histórias mais  emotivas e familiares do que de suspense/terror. Vai sair um grande livro nessa área, em que de certa forma resgato essa influência, chama-se A GENTE MATOU O CACHORRO? , pela ed. Salesiana.

14. Muitos não reconhecem de forma adequada o valor da Literatura Infantil, chegando ao disparate de a considerar uma arte menor. Outros reconhecem seu valor legítimo e imenso. Acredita que a Literatura Infantil seja exclusivamente para crianças, ou o adulto poderá dela usufruir?

— Sem dúvida, está aí o imenso sucesso de HARRY POTTER no mundo todo que não me deixa mentir. Acho que existe sim muito preconceito, aquele papo de crítico, de "arte menor" e "arte maior'... grandes autores "clássicos" de hoje eram populares em seu tempo e sofreram isso. José de Alencar,por ex, era chamado até de analfabeto pela ELITE PENSANTE de sua época porque vendia jornais, era reconhecido pelo público... o tempo separa joio do trigo, muita gente do "infanto-juvenil" vai ficar para o futuro, pode crer, e será reconhecido, APESAR da crítica.

15. Uma polêmica que aos poucos vai se desbotando é a questão da sobrevivência do livro de papel diante do avanço e do domínio da tecnologia. Para você, o livro no seu formato de papel desaparecerá com o tempo?

— Creio que sim, ou pelo menos vai conviver com dificuldade com o e-book. Mas isso não atrapalha, livro já foi em papiro, em rolo... nada impede  que boas histórias continuem sendo escritas e desfrutadas, seja no formato que for.


16. Participa de alguma entidade de defesa dos interesses dos escritores? 
 

— Não. Sou sócia pro-forma de uma delas, mas não sou lá muito sociável... acho que escritor não é bem uma classe sindicalizável, creio que se quisesse lutar por uma causa comum seria a de não taxar direito autoral como renda, no mais, é cada um batalhando seus próprios trabalhos. 

17. Uma de suas obras tem um título sugestivo: "É preciso Lutar". Sobre qual tema trata esse livro?

 —É um livro legal, ganhou o prêmio Orígenes Lessa, Altamente Recomendável para jovens. É a luta de moradores de uma rua para impedir que uma árvore seja cortada por um motivo fútil. O livro está também em Frankfurt, na biblioteca mundial deles , como Altamente Recomendável também.


18. Também escreve poesia? É verídico ou um pouco lendário certo argumento editorial de alguns de que poesia não vende? Isto é, tem veracidade, tem consistência tal argumento? No caso afirmativo, haveria então uma falta de interesse pela poesia entre nossos contemporâneos?

— Gosto de ler poesia, mas não escrevo. Sou verborrágica, narrativa. Não é minha praia.

19. Seja um livro de poesia, um  para o leitor juvenil, uma obra infantil...: o que deve ter um livro para que seja atraente?

— Um livro tem de ser honesto. As obras nascem das vísceras do escritor, quem é formalista e não sente a obra, geralmente escreve mal e é mal aceito pelo leitor. Personagens bem criados, reais, convincentes, seduzem o leitor e geralmente protagonizam grandes enredos. 


20. Tem algum livro contemporâneo ou clássico, que gostaria de ter escrito? Que você, após ler, poderia dizer assim: "Como queria eu ter sido a autora desse livro!"?

Muitas vezes penso isso, de tanta gente! Fica até chato citar um.

21. Márcia, além do prazer e da alegria que a leitura causa, no caso da Literatura o que mais deve ela  trazer ao leitor?

— Histórias são maneiras de você aprender sobre sentimentos. Gosto de sugerir a  questão: imagine se você tivesse de sentir na pele, dos 8 aos 18 anos, todos os sentimentos humanos, bons e ruins. Você ficasse órfão e se sentisse solitário, abandonado, com medo, carecesse de proteção, amizade, enfrentasse rejeição, raiva, ódio, depois descobrisse a paixão, a perda, o ciúme etc... provavelmente lhe diriam para escrever uma biografia, tão incomum é sentir tudo na pele. Com os livros, nós aprendemos sobre sentimentos através dos outros, dos personagens que nos são espelhos das emoções. Acho - como já disse Stephen King - que uma boa história, no momento certo em sua vida, pode salvar a sua alma.


22. O que é para Márcia Kupstas a felicidade?

— É viver em Maranduba, curtir a minha praia quando tem pouca gente, dormir cedo, caminhas bastante, escrever coisas que me atraem, namorar o Paulo, ler bons livros. Ah, e um comercial, por favor! Somos  donos do CHALÉS PAUMAR, que tem 4 aptos para alugar em temporada, 2 kitinetes e 2 unidades de 2 quartos. Se alguém quiser conhecer um pouco desse paraíso, apareça! O fone é 012 3849-5262

23. Enredos e dramas juvenis e adolescentes estão, como já vimos, em seus livros. Fazem parte da sua trajetória de escritora. Quando surgiu esse interesse pela alma adolescente?

— Acho que ainda sou adolescente. Tenho grande empatia com esse período de descobertas, de paixões tão fortes, de tamanha insegurança diante do futuro... gosto de retratar gente que tem um "rito de passagem" e aprende a enfrentar a vida, através desse momento decisivo.


24. Além de escritora, é professora. Pode nos falar sobre a sua atuação na área educacional ou acadêmica?

— Lecionei durante dez anos em grandes colégios da capital, mas desde 1992 tive de decidir entre a carreira literária e a acadêmica. Aí fiz minha escolha pelos livros, entro nas escolas pelas suas páginas ou em eventuais projetos, como  palestras ou oficina para professores.

25. Além do que já é feito no plano institucional (compra de livros pelo governo — Notável!, etc) que outras iniciativas poderiam contribuir para facilitar o acesso do brasileiro à leitura?

— Preço. Livro em banca é uma boa, livro como presente em catálogo tipo Avon, venda de porta-em-porta... dessacralizar o livro, tirar o peso de entrar em livraria (pouquíssimas!). Acho que a Internet facilitou bastante isso, mas ainda é pouco. Deveria haver mais livros na televisão, novelas com personagens lendo e divulgando livros que gostem, entrevista com escritores (nesse ponto, um brinde ao Fausto Sival, sempre citando alguns livros em seu programa)

26. O preço de capa sistematicamente foi usado como justificativa para o não acesso do brasileiro  ao livro. Tudo bem: o livro realmente é caro. Mas, poderia apontar outro motivo que possa ser posto como empecilho, barreira, para a democratização e a expansão da leitura?  

—Tradição cultural é uma coisa que pesa. Somos um povo visual (visto o sucesso da TV) e a leitura requer pré-requisito, alfabetização, tempo introspectivo, modelo de incentivo... pais que não lêem dificilmente terão filhos leitores. Há muito que fazer nesse campo.

27. No gancho da pergunta anterior, com relação ao CD (Música), e ao DVD (cinema, filme) a pirataria se expande. Além de ser um problema de ordem cultural, evidentemente, é também de causa social, visto o preço de DVDs originais. Caso ocorresse com o livro tal coisa, ou seja, caso houvesse o alastramento de livros piratas num  contexto no qual que a leitura tivesse a penetração que tem a Música e a cultura de entretenimento na alma do brasileiro, isso, a pirataria de obras literárias vendidas em camelôs, causaria uma revolta entre os escritores, considerando o anseio natural de cada poeta por ser lido?

— Questão complicada, essa... de certa forma somos pirateados pelo xerox, em "n" escolas. Mas a bandalheira em excesso  foi coibida, apesar de que hoje você também tem a chance do pessoal baixar livros em alguns sites... eu mesma descobri o CLUBE DO BEIJO, com capa e tudo, num site, reclamei, tiraram, mas... é difícil. O negócio é o leitor/fã se conscientizar de que pode ter acesso ao livro através de sebo, biblioteca etc sem precisar do pirata. 

28. Teria algum projeto literário em andamento, algum livro em mente, ou então algum sonho, que poderia nos antecipar e revelar aos leitores?

— A GENTE MATOU O CACHORRO? está em provas finais, vai para livrarias mês que vem. Depois, tantos projetos! Vou amadurecer mais as ideias. 


29. Para terminar, que mensagem deixaria aos leitores de PALAVRA FIANDEIRA?


— Não desistam da leitura. Mesmo que haja falta de tempo, ansiedade, muita coisa a fazer, encare alguns minutos com os livros como uma prioridade na sua rotina. Como disse antes, citando Stephen King, uma boa história, no momento certo em sua vida pode salvar a sua alma. 

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PALAVRA FIANDEIRA —
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

Um comentário:

  1. Muito boa a entrevista, como sempre são as do Marciano. Achei a Marcia muito simpatica e fiquei ate com vontade de fazer uma visita a ela algum dia. Um abraço, Michelle

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