EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 9 de junho de 2012

PALAVRA FIANDEIRA — 69







PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA DIGITAL LITERÁRIA

PUBLICAÇÃO SEMANAL DE LITERATURA E ARTES

EDIÇÃO SEMANAL 
ANO 3 — Nº69
09 JUNHO 2012



DEONÍSIO DA SILVA








1.Quem é Deonísio da Silva?

Um menino que sempre gostou de ler e de ouvir música, mais do que de escrever. O menino dentro da gente nunca morre. Um homem sempre será um menino, como a semente dentro da fruta. Sêmen e semente têm o mesmo étimo: spes, esperança em latim, o mesmo de esperma, esperança de ter filhos. Para Deonísio, a terra foi sua mãe, uma descendente de italianos muito bonita, cheia de entusiasmo, que é uma palavrinha que temTheos (Deus) no meio. E o semeador descende de gaúchos, que por sua vez descendem de portugueses.

2.É um contista e um romancista. Há um prazer maior, mais envolvente, na escrita de um romance ou na de um conto? Ou sente a mesma satisfação tanto ao produzir um como o outro?

Quando estou escrevendo um romance escrevi novesempre me pergunto: por que me meti nessa encrenca? Contos, eu escrevo por prazer; romances, mais por necessidade do que por prazer. coisas que podem ser ditas em romance, como essa tragédia sem testemunhas que na noite de 22 para 23 de fevereiro de 2012 resultou na morte de Stefan Zweig e de sua mulher, Charlotte Altmann Zweig, tramada no meu mais recente romance LOTTE & ZWEIG.



3.Poderia, por gentileza, contar aos nossos leitores,como é conquistar um prêmio internacional Casa delas Américas? Como tal acontecimento influiu no rumo de sua carreira literária?

Prêmios não ensinam ninguém a escrever. Se o sujeito sabe, eles não atrapalham. Era 1992, eu morava no interior de São Paulo, em São Carlos, e soube por telegrama que estava na caixa postal dos correios, mas quem lia o Estadão, que aquele dia não chegou em minha casa, soube antes. O José Saramago era o presidente da comissão julgadora e isso me deixou muito feliz. Estava também o Carlos Nejar. Mas da alegria maior ninguém soube e eu digo agora: minha filha Manuela, hoje Promotora de Justiça no Ministério Público de São Paulo, foi ao correio comigo, como sempre fazíamos. Ela tinha 13 anos, me esperou no carro e eu vim pela calçada pulando e dançando, ela não sabia o que deixara seu pai tão feliz, e eu mostrei o telegrama, pois fiquei meio sem fala. É que ela todos os dias ia a meu escritório e, escondido, lia cada capítulo. Quando eu fui pôr os originais no correio, ela disse para minha surpresa:o papaizí não vai revelar o narrador?. E confessou ter lido o livro que eu achava que ninguém tinha lido. Por causa desse diálogo entre o pai e sua pirralha, Avante, soldados: para trás tem aquele último capítulo.

4.Uma de suas obras tem o título deA mulher Silenciosa. Poderia resumidamente contar ao leitor da FIANDEIRA algo sobre esse romance. Sobre o que versa esse livro?



Eu vivia em Ijuí (RS) e, conversando com um advogado, descobri que havia um processo judicial em que uma mulher tinha sido condenada há mais de trinta anos, acusada de ter matado o marido. Livre, ela agora tinha uma loja de Caça & Pesca. Eu ia lá conversar com ela para compor minha personagem. No processo todos a acusam, ela não diz nada, não pode dizer nada, não lhe dão ouvidos. Era inocente, mas foi condenada. Vendeu 30 000 exs e nunca mais foi editado. Mas ela não sabia que aquele cliente era escritor e estava escrevendo um livro sobre ela.

5.Quando li seu livro “O Assassinato do Presidente” eu estava desde a alvorada numa fila imensa da Prefeitura em dia de pagamento de funcionalismo e me deliciava com seus contos. Poderia nos pincelar algo sobre uma benzedeira que defendia o direito ao aborto, ou comentar de modo genérico as sutilezas arejadas desse seu livro?

Que bom que eu fui boa companhia para você! Eu a conheci, chamava-se dona Mosa, morava à beira do Rio Capanema, no sudoeste do Paraná. Não havia médico nas redondezas, todos recorriam a ela. Para abortos, também. Como não gosto de condenar ninguém, mesmo sendo contra o aborto, procurei entender por que razão ela era tão querida naquele contexto.

6.Numa de suas entrevistas diz que em um de seus livros aborda o tema das escolhas na vida. “As más escolhas que fazemos na vida”. Poderia nos falar um pouquinho sobre isso?

É o romance Goethe e Barrabás. Barrabás foi absolvido em plebiscito, o mesmo em que Jesus foi condenado à morte na cruz. Nem sempre escolhemos direito, nem sempre o povo escolhe direito, isso é uma falácia da democracia, às vezes erramos, às vezes o povo erra, o que podemos é depois, se der, corrigir. Errar é humano, perseverar no erro é que é diabólico. Por que o povo não erra? Erra, sim, e erra feito, mas grandes acertos também, como o indivíduo. É da natureza da vida errar, acertar, errar de novo, retomar o bom caminho, essas coisas. O povo apoiou Hitler, Mussolini, a ditadura militar dos anos pós-64, vamos parando por aqui...

7.O escritor é “A lenha de sua própria fogueira”. O que isso quer dizer? Poderia, por favor, contextualizar ao nossos leitores?

O reconhecimento do escritor é em geral póstumo, isto é, pós-túmulo. Raramente esses escritores que aí estão badalados, ficarão. O tempo é uma peneira implacável e fará a justiça que hoje não se faz, assim como corrigirá injustiças.

8.É roteirista de cinema. Conte-nos uma de suas participações nesse universo.

República Guarani, documentário de longa-metragem que fiz com Sylvio Back, o diretor, e que nos deu o Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cinema de Brasília. Relatório Confidencial, de Antunes Filho, baseado em meu livro de estreia, adaptado para televisão, foi feito exclusivamente pelo diretor, nós nem nos conhecíamos ainda.



9.Como vê o avanço do livro virtual e das conquistas tecnológicas na comunicação, que abrem uma nova era na trajetória humana. Incomodou-se com a possibilidade alardeada, já não com tanta ênfase, do fim do livro no formato tradicional, de papel?

Temos que fazer como faz a Europa. Diante de uma novidade, não abandona o recurso anterior. Acrescenta. Passa a ter mais recursos. Diante do novo, não abandona o velho. O livro de papel é eterno, já deu provas disso, do virtual só sabemos que por enquanto funciona. Mas por quanto tempo? Não sabemos! Um dia perguntaram a Mao Tsé Tung o que ele achava da Revolução Francesa. Era o ano de 1989, por aí. Ele disse, depois de pensar: “É cedo ainda para um julgamento. Passaram-se apenas duzentos anos”. O livro virtual não tem dez anos!

10.Tem em sua obra algum tema que mais o atiça? Ou se interessa por igual por qualquer tema, como a política, a religião, a vida social...? De qualquer forma, a sua produção responde ao fato de que “Escritor não pesquisa só documento, pesquisa a alma”, como lindamente disse?

Gosto de me ocupar das relações de poder em sua essência, tal como exercício em sua microfísica. A Lei Seca é um bom exemplo do que digo. Tenho 63 anos e sempre dirigi bem, corri em autódromos na minha juventude, sei que na cidade a velocidade é uma, na estrada, outra. E sempre bebi um copo de vinho, nunca atropelei ninguém. De repente inventaram isso, depois que uns bêbados andaram cometendo crimes no trânsito. Isso me afetou diretamente. Agora, sou privado de às vezes ir jantar com amigos e beber vinho, pois posso ser pego na volta e parar na delegacia, onde ficarão com meu carro e me proibirão de dirigir. Um dia vou ligar um novo eletrodoméstico na tomada, e a tomada mudou, passara a ter três pinos. Quem decidiu por você? Todas as crianças bem educadas receberam algumas palmadinhas na infância. Agora, se os pais fizerem isso, serão tratados como infratores. Quem decidiu isso assim, por quê? Não pode mais reprimir nada? Mas você poda árvores, faz represas nos rios, tudo com bons resultados. E criança tem que fazer o que quer? Mas ela ainda não sabe o que é certo, o que é errado, o que prejudica os outros, o que faz bem a ela e aos outros etc.

11.É um escritor que participa da Rede Social. Como vê, de um modo geral, essa proliferação de redes, e a blogosfera: ou seja, como se posiciona diante dessa nova realidade nos relacionamentos humanos?

Vivemos um novo Renascimento. É fantástico, extraordinário. Mas ainda é para poucos esse universo. Infelizmente.
Dama com Arminho — Leonardo da Vinci —RENASCIMENTO



12. Deixe a sua mensagem final. Qual é a sua palavra fiandeira?

Respondo com Castro Alves:Oh bendito o que semeia/ livros, livros à mão cheia/ e manda o povo pensar./ O livro caindo n´alma/ é gérmen que faz a palma/ é chuva que faz o mar. Que pena eu tenho de quem não sabe o gosto de ler! Não o hábito, o gosto! Cansado, às vezes o hábito do banho é difícil, mas é necessário. Isso é hábito! Ler não é hábito, é gosto. Cansado, você pega um livro e descansa!
A minha palavra fiandeira é o amor, pelo amor vale a vida, todo o resto nos será dado por acréscimo, pois a felicidade não é indispensável, indispensável é amar!

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PALAVRA FIANDEIRA
Revista Digital de Literatura e Artes 
Fundada pelo Escritor Marciano Vasques
Publicada aos sábados
Edição 69, do Ano 3, em 09 de Junho de 2012
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2 comentários:

  1. Poxa, Marciano, que delícia ler Deonísio. Li a entrevista em duas talagadas. Na primeira, fruí. Na segunda, usufruí.
    A cada dia, mais e mais você acerta o compasso...
    Parabéns a ambos!

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  2. Parabéns Marciano Vasques por divulgar o mundo da escrita e homenagear os autores. Gostei imenso da entrevista e de conhecer um pouco mais do escritor DEONÍSIO DA SILVA. Um abraço

    Cecilia VB

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