©
PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA LITERÁRIA VIRTUAL
Publicação digital de Literatura e Artes
EDIÇÃO 102
ANO 4 —Nº102 — 09 FEVEREIRO 2013
EDIÇÕES AOS SÁBADOS
HELVIO LIMA
"Nesta hora as vozes do mundo lá fora emudecem e o universo se amplia no atelier que fica imenso porque arte é vida e é hora de tecer novas urdiduras..."
"Domingo na Praça", obra do artista
1.Quem é Hélvio Lima?
Mineiro, de Uberlândia,
no Triângulo Mineiro, formado em letras neolatinas, sou autodidata nas artes
plásticas. Comecei em criança, através do desenho, o exercício nas artes. A
pintura das telas, a partir dos dezoito. Despertei para a poesia e a literatura
no curso clássico e na faculdade. Taurino, 23 de abril, dia de São Jorge, sou
um lutador, vou fundo nas coisas que eu gosto, e a paixão pela arte e a poesia,
motivam meu trajeto nesta existência. Acredito que já tenha vivido muitas vidas
e tenho outras tantas por viver. Sou um grande amigo, sincero com as pessoas
com as quais me afinizo e grato a todos que cruzam meu caminho e me fazem
crescer. Os desafios da vida é que nos ensinam. O aprendizado é difícil, mas
necessário ao nosso aprimoramento. Busco a simplicidade, acima de tudo, na
realização do meu trabalho, no convívio com as pessoas que nos rodeiam...
Simplificar tudo para chegar à síntese, isto o ideal.
2.Como artista plástico
já participou de mais de 300 exposições. Como é a sensação a cada nova
exposição?
Desde a primeira
exposição coletiva da qual participei aqui em Uberlândia, nos conturbados anos sessenta, o desafio continua
sempre o mesmo: apresentar um trabalho sério, arte, à observação do público.
Submeter-se aos olhares diversos, eis a questão. De 1968 aos anos 70 expus em
espaços alternativos de lojas e outros lugares, todos que apareciam, que
atraiam a leitura de diferentes olhares e classes sociais. Num destes espaços
mostrei um desenho grande de Guevara, um pastel/óleo, que motivou a anotação de
meu nome por repressores de plantão na cidade. Os temas figurativos de cunho
social sempre me atraíram. A série“Campônios/Operários”, levou-me ao
reconhecimento inicial da obra. Um terrível incêndio na moldureira, uma semana
antes do vernissage, em 1981, queimou 27 obras desta série. Este fato, profundo
impacto em mim, mostrou-me a importância das obras que se cria, queridos filhos
jogados no mundo.
A ânsia e a expectativa que antecedem cada
mostra nos impulsionam a renovar-nos com criatividade, mas a liberdade de
expressão é que deve prevalecer acima de tudo. A partir da década de oitenta,
com a premiação em alguns salões de arte, e exposições individuais em galerias
de arte, não só em Uberlândia, como em outras cidades brasileiras, pude fazer
melhor avaliação do significado e alcance da arte em minha vida. Mais de
quarenta anos de carreira me proporcionaram maior segurança ao aceitar os
desafios que uma exposição de arte nos impõe, porém, a sensação de uma nova
mostra é sempre instigante, surpreendente e desafiadora.
Arte de Helvio LIma ©
3.Conte-nos sobre o
jornal "Fundinho Cultural", desde a sua origem, aos seus objetivos.
Há 10 anos edito, no
peito e na raça, sem apoios oficiais da cidade onde moro, mas com a colaboração
de maravilhosos amigos, o jornal Fundinho Cultural, cujo nome se origina do
bairro mais antigo de Uberlândia, o Fundinho. A idéia do jornal nasceu a partir
da minha mudança de residência e atelier/galeria para este local. O objetivo da
publicação, a princípio, foi trazer relatos significativos, depoimentos
históricos de pessoas interessantes da cidade, entremeados de literatura não só
dos escritores de Uberlândia, mas de todo o Brasil, e do exterior. À medida que
as edições se sucedem, busco aprimorar a sua apresentação e o jornal ganha a
apreciação e o incentivo de novos colaboradores. Costumo dizer que o Fundinho
Cultural é um jornal de um artista plástico que gosta de escrever e publicar os
escritores com o maior prazer. Indescritíveis e ternos momentos o Fundinho
Cultural tem me proporcionado. As figuras dos mais vividos à minha porta
sugerindo uma entrevista, uma matéria com alguém especial. A avó cujo neto em
Dubai busca notícias do bairro onde nasceu. Aquela leitora que envia exemplares
para seus parentes na Espanha ou nos Estados Unidos. Um série de histórias
felizes. O Fundinho Cultural na tese de mestrado, a premiação “The Best
Magazine/Cultural News”, nos Estados Unidos...
4.Vi uma postagem em seu
mural com uma canção de Raberuan, artista querido e inesquecível aqui de minha
região. Vejo também em você uma bela aproximação com poetas. As artes em suas
múltiplas linguagens podem orientar os sentimentos do mundo?
Raberuan, conheço de
pouco tempo para cá, mas já admiro bastante. Com suas lindas canções, saídas do
coração, uma poética do cotidiano e uma voz personalíssima. Uma pena que ele já
partiu para outro plano, tão prematuramente. Fui apresentado a ele pelos vídeos
colocados no face, pelos poetas Escobar Franelas (poeta, professor e
multimídia) e o Akira Yamazaki (poeta e produtor cultural), de São Paulo.
Comecei o intercâmbio com poetas amigos de vários lugares, desde a década de
setenta, publicando-os no jornal da empresa onde trabalhava. Continuo recebendo
muitos livros e poemas e conhecendo novos talentos. E sempre grato pela
gentileza das remessas, vou publicando-os no Fundinho.
O que seria do universo
sem as artes? As artes nos aproximam de Deus, e nos desprendem do chão. Que
tristeza, pessoas com raízes no ter somente! E aqueles que só pensam em levar
vantagem, baseados nas aparências, que sempre nos enganam?. Quem não tem um
olhar para a arte e a poesia não olha prá dentro de si, não sabe o que é viver.
Entre os admiradores da arte de Helvio Lima, o lindo poeta Akira Yamasaki,
já um fiandeiro.
Na galeria de amigos de Helvio Lima,
Escobar Franelas, guerreiro da literatura e ativista cultural com alma de educador.
Também já um fiandeiro.
©
5.Sempre recebo belos
postais com sua pintura e a reprodução de versos de poemas de poetas
contemporâneos. Como é realizado esse trabalho? Como os versos são escolhidos?
Pode nos falar, por gentileza, sobre isso?
Os postais, com minhas
pinturas e versos do conterrâneo poeta Aricy Curvello, surgiram em 2001, a
partir de um projeto inicial de 3 obras que participaram de um Salão
Internacional de Artes, em Brasilia, e obtiveram o primeiro lugar. A série “O
Chão que a gente pisa”, em acrílica e técnica mista sobre tela foi desenvolvida
em cerca de 30 obras e quase em sua totalidade foram transformadas em edições
especiais de postais que tem sido espalhados pelo mundo. No processo de
elaboração, foram realizadas as pinturas e depois a busca dos poemas, de forma
abstrata sem a obrigatória correlação com a obra, mas de certa forma com ela
comprometida. O estudo e a admiração pela
poesia de Aricy Curvello, com seus temas da contemporaneidade
levaram-me, com o consentimento do autor, a incorporá-la no trabalho plástico.
Recentemente foi realizada em São Paulo, na Casa Amarela, com a curadoria de
Escobar Franelas, uma exposição destes postais e algumas obras inéditas.
A arte postal de Helvio Lima, com versos de diversos poetas...
Entre os quais, Aricy Curvello
6.Promove uma mescla,
uma sintonia elegante e apurada em sua arte, com motivos populares banhados num
requinte de cores e técnica. Sua infância influenciou esse seu modo de ver e de
fazer arte?
A infância feliz vivida
em paz, num lar tranquilo, com muito amor, possibilita o equilíbrio da criança
e norteia seus rumos. Natural de um lar de operários, o meu pai Iracy,
desenhava bem, era pintor de paredes e me ensinou o segredo das cores. Minha
mãe, Miquita, uma bandolinista, oriunda de uma família profundamente musical me
ensinou a cantar. O meu avô era compositor e maestro do Jazz Band Az de Ouro. O
tio, dono da Orquestra Tapajós, tinha a harmonia de Glenn Miller em seu itinerário. Em criança
ficava observando os varais da Dona Magnólia, as diferentes cores das roupas, e
os canteiros de copos de leite, cravos e madressilvas. Queria saber o por que
de tudo, e desenhava as primeiras formas que via com a pequena caixa de lápis
de cor.
O exercício da cor é uma
forte presença em minha arte e o desenvolvimento das várias técnicas me
possibilitam expressar-me com liberdade. (grifado por Fiandeira)
7.A Rede é uma
maravilhosa revolução na forma como as pessoas se comunicam e se relacionam,
mas é nela também que vemos nos murais a reprodução de postagens arrogantes e
preconceituosas, muitas vezes disfarçadas e elitizadas, como também piadas que
reproduzem estereótipos, etc... Poderia, por favor, nos dar o seu depoimento
sobre o que para você significa a Rede?
Demoro um pouco a
acostumar-me e adaptar-me às possibilidades da informática. Mas, acredito que
os tempos modernos nos impelem a encontrar na Rede os resultados para as buscas
de cada um. Hoje, não tem como radicalizar-se em atitudes de negar o que foi
criado pelo homem, talvez, para alguns, ativar meras conveniências das relações
comerciais, mas existe um leque de novas possibilidades e abertura para rápida
comunicação. As pessoas são livres para postar o que quiserem, mas, podemos
ocultar os assuntos, vídeos e afins, que agridem nosso senso estético e nos
causa insatisfações. Não sou favorável às denúncias, nem censuras, mas, cada um
vê o que quer e tudo bem... Preencher com arte, cultura e sabedoria é sempre
uma saudável dica. E fora com as postagens arrogantes e preconceituosas, piadinhas de duplo sentido que geram
discriminações. Vejo um bom vídeo, uma frase legal, um texto que nos desperta a
criatividade e nos alerta para a solidariedade e o carinho pelo próximo, curto
e compartilho com prazer.
Postado por Helvio Lima, na Rede, em seu mural.
8.Lembra qual foi a sua
primeira pintura? E tem alguma que o tenha marcado de forma mais acentuada?
A primeira pintura, um
óleo sobre tela, foi uma simples natureza morta, mas, a seguir quis pintar um
conjunto musical de traços marcados, de tendência expressionista, para
homenagear minha família de músicos. Esta obra faz parte do acervo do meu irmão
Hélio. Pintei também uma série em pastel oleoso que retratava grupos humanos.
Um grupo de crianças especiais em seu passeio pela praça conduzidos pela
professora. Um quadro que retratava a explosão da alegria. Fiz o retrato de um
casal de idosos, magros, o homem cego que pedia esmolas com um pequeno quadro
de Nossa Senhora Aparecida. Eu os via passar por minha rua diariamente e os
fixei numa tela. Pintava muito o que via, pelas formas quase acadêmicas.
9.Pode nos revelar um
pouco como é o seu trabalho ao lado da companheira em seu atelier? E poderia
também nos atiçar algo sobre o livro que pretende publicar em 2013?
Em nosso atelier/galeria
no centro da cidade, situado ao lado da residência, trabalhamos, principalmente,
quando cessam os ruídos da cidade, o telefone, a rotina dos filhos Renan e
Isabela, as obrigações de todo cidadão comum. Trabalhávamos quase que
diariamente com múltiplas exposições e projetos. Agora, intercalamos um pouco
as atividades artísticas com as aulas do atelier livre que ministramos e as
edições do jornal. Na paz do atelier do cerrado, onde Adélia Lima, minha meiga
e generosa companheira há 37 anos, talentosa escultora, faz seus trabalhos de
maior formato. O contato com a natureza, no campo, o encontrar-se consigo
mesmo, sem telefone, sem campainha, só a passarada, nos alimenta... Tivemos em
2012 o projeto de um bom livro sobre minha história de 40 anos envolvido com as
artes, aprovado
pela Secretaria de Cultura de Minas Gerais, mas a não formação de uma equipe
para isto e circunstâncias externas não permitiram ainda a realização deste
sonho, mas a batalha continua neste ano. Tenho inúmeras críticas sobre minha
obra, depoimentos de colecionadores e fotos das diversas fases para compor o
livro.
Ao lado da companheira Adelia, com quem divide o atelier e a vida, entre as cores de seu viver.
10.O quadro da capa
desta edição é lindo. Como é a sua rotina de produção de suas telas? Prefere as
manhãs? Ou pinta nas noites? Fale um pouco sobre isso aos leitores de nossa
FIANDEIRA, por favor.
Não existe uma rotina em
meu trabalho, nem dia, nem hora certa para subir ao atelier e começar uma nova
obra. Depois de um período afastado das tintas estou organizando o atelier para
iniciar novos trabalhos neste início de ano.Tenho que me sentir completamente à
vontade para produzir uma nova obra. Gosto de trabalhar à noite. Roupas velhas
e leves, um radinho tocando, um lanchinho que sempre vem e deixa a vida rolar.
Nesta hora as vozes do mundo lá fora emudecem e o universo se amplia no atelier
que fica imenso porque arte é vida e é hora de tecer novas urdiduras...
(Ensaio na Praça)
Obras de Helvio Lima, entre cartões postais e quadros: fonte de cores e luzes.
11.Considera que alguns
pintores tenham de alguma forma exercido alguma influência em sua formação como
artista? Em sua infância, como se deu os primeiros contatos com a pintura.
Lembra de algum autor que o tenha encantado de imediato?
Em criança, não tive
contato com literatura específica à arte. Tive convivência com músicos mas não
com artistas plásticos. O ambiente de onde eu vim era extremamente simples e a
preocupação maior era suprir as necessidades básicas da sobrevivência, os
estudos e a saúde. Nós todos, as pessoas da casa, estávamos envolvidos o tempo
todo com trabalhos árduos e estafantes. No labor operário, ao lado de meu pai,
na pintura de paredes, tive contato com os pigmentos e as cores e daí as
primeiras experiências pictóricas, mas nisto não tive nenhuma aprovação dele.
Um operário quer um filho médico, engenheiro ou advogado, não um artista ou um
poeta... Pelo menos, este era o testamento lido diariamente nos meus ouvidos.
Se insistisse neste assunto o coro comia, com certeza. Na adolescência e
mocidade, a partir dos recursos vindos dos meus primeiros empregos, comprei
alguns livros e frequentei as livrarias da pequena cidade. Gostei muito dos
expressionistas, achei maravilhoso aquele estilo solto, denso e interior. Penso
que no meu trabalho inicial carreguei alguma influência daquilo que vi nos
livros. Impossível não citar a força expressiva de Van Gogh, Matisse, Munch,
Modigliani, gênios que povoaram o meu mundo de sonhos.
12.Deixe aqui a sua
mensagem final. Qual é a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Trabalho, trabalho e
mais trabalho, com prazer. Assim a aranha tece sua teia e vive sua sina. A
fiandeira faz a sua parte, tecendo dia e noite o seu destino. E eu fico aqui tecendo palavras e agradecendo
ao amigo, brilhante escritor Marciano Vasques a oportunidade de fazer meus
relatos, contar um pouco de mim. Muita honra estar aqui neste espaço junto com
tanta gente importante! Fiquei muito feliz em passar minha experiência de vida,
meu caso de amor com a arte e a poesia, um caminho de muita alegria e
realizações felizes. Grato amigo Marciano e grato a todos que puderem ler meu
sincero relato. Abraços gerais aqui do cerrado brasileiro, com o canto das
siriemas, dos mutuns, o sabor e o perfume dos muricis.
O artista com a querida família. ©
Arte de cores e luzes
@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@@
PALAVRA FIANDEIRA
Publicação digital de artes e literatura
Edições aos sábados
Edição 102 —HELVIO LIMA
PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques
Honrado, amigo poeta Marciano Vasques, feliz pela oportunidade de registrar aqui um pouco da minha intimidade neste trajeto de arte/vida vidarte que é sonho e realidadecor. abraços e felicidades
ResponderExcluirHelvio Lima
Incrível!
ResponderExcluirIndagações bem formuladas e respostas surpreendentes.
Parabéns à PALAVRA FIANDEIRA, Marciano Vasques e Helvio Lima.
Muito bom conhecer mais um pouco de ti, Helvio, e de tua obra. A argúcia serena do Marciano, ao entrevistá-lo, também facilita demais essa interlocução tão prazerosa, e que fica mais viva ainda quando relida. Ergo um brinde aos dois: tim-tim!
ResponderExcluir