Importante numa relação é valorizar o que tem valor
e abrir mão de apegos e medos desnecessários.
PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA LITERÁRIA VIRTUAL
Publicação digital de Literatura e Artes
EDIÇÃO 112
ANO 4 —Nº112 —20 ABRIL 2013
EDIÇÕES AOS SÁBADOS
IDALINA DE CARVALHO
A filosofia é uma arriscada viagem,
da qual é impossível sair ileso,
já que a proposta é se despir totalmente
e assumir posição de feto para nascer de novo,
completamente nu de conceitos.
1.Quem é Idalina de Carvalho?
Uma mulher
obstinada em viver a plenitude das coisas. Sou uma caipira da zona da mata
mineira, gosto de céu, estrelas, lua, de sol, de chuva, de passarinhos cantando,
de cachorros e, especialmente, de gente. Gosto de estudar, de buscar sentido
para todas as coisas que me rodeiam. Sou professora de Filosofia no Presídio
Estadual de Cataguases, pós-graduanda em Filosofia, Cultura e Sociedade na
UFJF. Escrevo poemas.
2. A Poesia e a Filosofia enfrentam a mesma fonte
de pensamento característica de uma época que obedece ao imperativo da
velocidade: a questão distorcida do pragmatismo, do utilitarismo, tipo: “A
Poesia não é útil”. O que nos pode sobre isso comentar? São a Filosofia e a
Poesia necessárias hoje?
Realmente é
incontestável a percepção da superficialidade que domina as relações sociais
contemporâneas, bem como do estado de alienação em que vivem os cidadãos do nosso tempo. A grande massa é submetida a
um sistema de escravidão voluntária, dividindo as horas do seu dia entre
produção e consumo. Todos têm pressa e assim as escolhas passam a exigir um
critério de seleção: a utilidade. Não há espaço para sentimentos – o espaço
entre o início de uma conquista e a conclusão de um relacionamento é de uma
brevidade espantosa; a poesia, que envolve a subjetividade humana e que tem um fim em si
mesma, acaba sendo vista como dispensável, por não ter uma utilidade
prática. Entretanto, não é o fim – ou
talvez seja. Mas quero dizer que em meio a toda essa massa preocupada com a
aparência e a superficialidade das coisas, caos e harmonia se complementam; do que é efêmero nasce a necessidade de
substância.
É na busca
da subjetividade perdida que a poesia, como a Filosofia, se fazem
presentes. A poesia deixa de ser, para a
que desperta desse estado de sono, apenas a expressão de sentimentos, uma
espécie de desabafo romântico – e se apresenta como um grito da alma, como a
relação sensível de conflito do homem
exterior com o homem interior, do homem pleno como o seu próximo, do homem com
o meio. Acima de tudo, a poesia concede ao homem o poder mágico sobre a palavra
que, ao seu comando, se torna melodia. A
poesia não é necessária para a sociedade desumanizada, mesmo porque ela não
percebe mais nada. É necessária sim para o artista que não se submete à
escravidão moderna e que se intoxica cotidianamente com a falta de beleza do
mundo. Para o poeta a poesia não é apenas necessária, mas indispensável, como a
nota musical para o músico.
Quanto à
Filosofia, é somente ela que pode levar o homem a empreender a difícil viagem
para dentro de si mesmo – tão importante para que ele consiga digerir as
aceleradas transformações por que passa a humanidade, especialmente nos dias em
que vivemos. Diferente da psicologia, a viagem filosófica não leva o homem
apenas ao contato com o próprio eu interior, mas principalmente ao encontro do
outro, do da essência de tudo que o rodeia – até que ele perceba que nada tem sentido
se ele se abstém de conferir sentido às coisas. A filosofia é uma arriscada
viagem, da qual é impossível sair ileso, já que a proposta é se despir
totalmente e assumir posição de feto para nascer de novo, completamente nu de
conceitos. Só assim é possível iniciar uma vida marcada pelo exercício da observação, da dúvida constante, de
questionamento e busca de uma verdade superior. A Filosofia pode
libertar o homem de seu estado de sono. Isso pode ser inquietante, já que ele
se torna irremediavelmente condenado a ver as coisas como elas são – e talvez,
para a maioria, seja muito mais agradável permanecer aprisionado dentro do que
é virtual do que viver a vida real.
Com Ferreira Gullar ©
3.Nos conhecemos quando eu editava o
boletim Literário CHURROS, matriz de Palavra Fiandeira. Depois fomos nos
reencontrando diversas vezes. Gostaria que contasse um pouco sobre o Movimento
Literário Alternativo. E essa trajetória de fazeres em sua vida...
No início
da década de 90, depois de avaliar um livro que eu pretendia publicar, Joaquim
Branco, poeta e professor em Cataguases, aconselhou-me a interagir com poetas e
escritores de várias partes do Brasil, através dos boletins alternativos. Foi
assim que tive meu primeiro contato com o movimento alternativo de poesia.
Comecei, naquela época, a editar “Pensaminto”, um alternativo que circulava
pelo Brasil e alguns países do exterior. Trocávamos publicações, livros,
experiências. E através do movimento, a rede de amigos envolvidos com poesia me
trouxe grandes presentes, como por exemplo, a poesia sonora e bonita de
Marciano Vasques. Naquele mesmo período ingressei na faculdade de Letras e, em
pouco tempo, comecei a lecionar Língua Portuguesa e tive oportunidade de levar a
poesia aos alunos, através de vários eventos dos quais participei. Percebo que
os amigos da década de 90 se reencontram hoje pelas redes sociais e que a
grande maioria persistiu, trabalhando hoje a poesia com uma qualidade ainda mais ampliada. O
movimento foi válido, foi importante; foi, pra mim, uma semente que germinou e
lança seus frutos a um número muito maior de leitores hoje.
Idalina divulgando cultura e poesia
4.Recentemente, demonstrou uma empolgação e uma
felicidade extraordinárias com uma formatura. O que nos conta sobre esse
acontecimento em sua vida?
A vida é
constante movimento e deslocar-se, sair da própria zona de conforto para
conquistar novos espaços é sempre motivo de comemoração. É necessário estar
vibrante para que o movimento da vida adquira mais força ainda. Há três anos
mantenho uma rotina de viagens, sendo professora na cidade de Cataguases na
metade da semana e estudando em Juiz de Fora na outra metade. Uma rotina
cansativa que, algumas vezes, me fez querer desistir. Mas eu consegui chegar
enfim: na última terça-feira (16) aconteceu a minha colação de grau em
Filosofia (UFJF), bacharelado e licenciatura. Entretanto, concluir a graduação
foi um “jardim da infância” filosófico apenas. Em maio iniciam as aulas da
pós-graduação na mesma área, onde os estudos filosóficos adquirem um enfoque
mais político. O fascinante de empreender uma jornada dessas é que, à medida em que eu caminho, consigo perceber o
quanto pequena e ignorante eu ainda sou.
5.Participa da Rede Social. É interessante notar
que a Rede difunde, principalmente através de piadas, ideias ricas de
estereótipos, às vezes contra a mulher, por exemplo, porém, curiosamente,
postadas por mulheres. Também é possível observar que algumas pessoas da luta
literária que estão na Rede hoje, não conseguiram mudar o hábito de tentar
esconder o outro, quando o outro não pertence ao seu grupo. A Rede,
extraordinariamente revolucionária, pode de fato aperfeiçoar o Ser humano?
Criar um perfil mais humano em todos os aspectos?
Não sei se
compreendi bem esta situação de “esconder o outro, quando o outro não pertence
ao seu grupo”, mas penso que essa atitude não é da rede de poetas em
particular, mas do ser humano. Dividimo-nos em grupos, por afinidades, até
mesmo pela necessidade de se manter aparências, de parecer mais do que se é. No
meu caso, em especial, evito aceitar como amigos os que se iniciam na vida
literária – e faço isso porque a grande maioria desses poetas são mesmo
inconvenientes. São pessoas que, uma vez aceitas como amigas, não fazem questão
alguma de manter uma conversação, ou de pelo menos pedir licença para te enviar
poemas e textos diversos – fazem isso no mural, enviam como mensagem, não se
preocupando em sequer dizer um olá.
Avalio criteriosamente todos os convites de amizade que recebo – e o critério
que utilizo é o de afinidade de
propósitos na vida. Pessoas que têm objetivos, que buscam crescimento – não
importa idade, situação financeira, profissão. Importa que sejam envolvidos com
alguma causa que eu considere interessante.
Não
acredito que a rede social possa aperfeiçoar o ser humano, mas que seja
potencializadora. Se você visita um perfil de uma pessoa fútil, vai encontrar
um shopping de futilidades. Se visita
uma pessoa vaidosa, vai se deleitar em vaidades. E assim por diante. Quanto ao
“perfil mais humano”, creio que cada um encontra o que busca. Desta forma, se
você busca se humanizar, a internet de forma geral pode ajudar muito. Como uma
mãe inconsequente que dá aos filhos tudo o que pedem, a internet atende a todos
os seus anseios e não utiliza de nenhuma ética ou limite para atender aos seus
pedidos. Quem busca a rede social para ampliar conhecimentos, encontrará amigos
com o mesmo propósito e encontrará caminhos para uma excelente pesquisa. Quem
quer se desenvolver na senda do crime, também encontrará ali um campo imenso
para se perder. A liberdade de escolha permite isso.
6.Você continua firme na difusão de algo que
parece ser bem precioso em sua vida: A amizade. Aproveite e, por gentileza,
relate à FIANDEIRA alguns dos valores que devem ou deveriam nortear a vida
hoje.
Isso não é
algo que eu busque, é muito natural pra mim porque eu realmente gosto muito de
pessoas. Nada no mundo é mais importante que as pessoas que eu conheço e,
conhecer mais pessoas vai me abrindo um leque que é feito caleidoscópio que se
move e muda de cores e desenhos. Deve ser esse o meu talento, lidar com
pessoas. Como professora, por exemplo, eu não percebo que aquele é um trabalho,
porque eu interajo com meus alunos e aprendo tanto com eles, e divido
percepções de vida, entendimento de fatos, enfim – é muito prazeroso, uma troca
intensa de tudo.
Como dona
de casa nunca fui um sucesso (risos). Mas a hora do café sempre foi marcada
aqui em casa por longos bate papos, por risos e muita alegria. Cheguei a montar
um projeto denominado “Chá com leitura” para reunir vizinhos, ler poesia e
falar sobre a vida de todos. Eu amo realmente isso. Quanto a dizer quais os
valores que deveriam nortear a vida hoje, isso eu não sei fazer, porque entendo
que cada pessoa só consegue apreender o sentido de alguns valores quando estão
prontas pra isso. Cada um, na sua busca por felicidade, vai encontrando pistas
que levam a uma vida mais harmoniosa – mas sempre dentro do seu tempo
particular. Acredito que cada um é realmente o que acredita ser, e recebe da
vida de acordo com suas crenças. Aquele
que se afirma feliz, desenvolve um olhar otimista e acaba enxergando – até nas
piores situações – algo de positivo. Aquele que se considera sofredor
desenvolve uma percepção negativa que capta sofrimento até de situações
positivas. Então é isso: acredito que felicidade seja uma forma de perceber
aspectos positivos de situações e de se manter sintonizado mais na busca de
soluções do que propriamente nos problemas. Sabedoria é uma palavra bonita pra
ser usada como norte – e ela rima com harmonia, com alegria, com poesia.
Com Affonso Romano de Sant'Ana ©
7.Tirando os aspectos materiais nas sociedades
orientadas por um político e monetário sistema injusto, o que mais empobrece o
ser humano? Não materialmente, quero dizer...
A falta de
conhecimento é, na minha opinião, a maior carência do homem, porque ela promove um distúrbio de percepção que leva o
indivíduo à dificuldade de se relacionar com o outro. As pessoas não conseguem
perceber que é através do outro que se
torna possível conhecer a si mesmo; que é na união com o outro que se torna
possível resolver as mais difíceis questões da vida humana; que é na
compreensão do outro que se encontra acolhimento para a compreensão da própria
vida. Não há como tirar de tudo isso o sistema político e monetário, já que o
poder incentiva o individualismo e promove incessantemente a disputa.
8,Aprecia a Literatura Infantil? De que forma
essa literatura poderá como protagonista ou não, incentivar na criança a
leitura do mundo sem esbarrar no didatismo?
A
literatura infantil é filosofia pura, já que desperta a criança para a vida que
acontece dentro e fora dela. Ela cumpre o papel filosófico de promover o
deslumbramento, de acender os sentidos e mostrar que as palavras têm vida e têm
melodia – e que os sons também podem ser coisas, enfim, leva à descoberta de si
mesmo como um deus que é capaz de dar sentido às letras e transformá-las em
coisas. E que também é capaz de poetizar as coisas, transformando-as em versos.
Metaforicamente falando, não é isso o que um adulto tem que saber para
enfrentar a vida?
9.FIANDEIRA insiste numa questão: Acredita no fim
da era do livro de papel?
No fim
talvez não, mas numa perda de espaço para os livros digitais, nisso eu
acredito. Não só por problemas ambientais, mas também pela facilidade que a
tecnologia proporciona de tornar
possível carregar uma biblioteca dentro de um notebook, por exemplo. Os livros
que utilizo em pesquisa acadêmica, prefiro tê-los digitais, pela facilidade de
carregar pra todo lado. Eu não deixei de comprar livros impressos, mas confesso
que o número de livros digitais que tenho hoje ultrapassam ao número de livros
tradicionais.
Idalina é poeta
10.Ao passear em seu mural deparei com uma
postagem interessante e aqui emerge uma pergunta: O que seria um amor a preto e
branco?
(risos).
Amor em preto e branco talvez seja aquela união convencional, regida por regras
em desuso e que não cabem mais na cabeça de quem não se deixa escravizar. Mas
falar das minhas crenças filosóficas referentes a relacionamentos entre homem e
mulher, é papo pra uma madrugada inteira (risos). Apenas resumindo: o que pode
dar cor a um relacionamento é o fato de não ser necessário que alguém esteja
preso, é permitir que a relação seja arejada. Importante numa relação é
valorizar o que tem valor e abrir mão de apegos e medos desnecessários. Para
haver leveza, espontaneidade e prazer é preciso caminhar sem o peso dos
conceitos impostos pela sociedade de forma geral.
11.Idalina nos presenteará com um livro? Tem o
objetivo de lançar alguma obra? Caso afirmativo, poderia adiantar algo sobre?
Claro que
sim, meu amigo! Tenho um novo livro de poemas quase pronto, deve entrar pela
lei de incentivo `a cultura da minha cidade neste ano ainda. Mas, antes disso,
estou envolvida com a produção de uma antologia com poemas de alunos detentos
do Presídio de Cataguases, ainda em outubro deste ano. Também estou trabalhando
com alunos envolvidos numa pesquisa do núcleo de psicologia da UFJF (do qual
faço parte), que tem como objetivo identificar superdotação e talento no
Colégio de Aplicação João XXIII, da referida universidade.. Oriento dois
adolescentes identificados como talentosos no campo literário. Esses alunos
deverão lançar seus livros num futuro próximo.
12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual
a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Quero
agradecer pelo convite de participar desse PALAVRA FIANDEIRA e parabenizá-lo
pelo nível da entrevista. Confesso que acordei mais cedo e estou aqui há pelo
menos três horas procurando ser objetiva e clara , em retribuição ao carinho de
lembrar meu nome para ocupar esse espaço. Preciso falar da importância de intelectuais
como você que, tendo talento e reconhecimento, desenvolve ainda um trabalho
marcado pela gentileza de dar visibilidade a outros colegas. Continuemos juntos
nesta tarefa de difundir a literatura, de promover o gosto pela leitura. Receba
um abraço carinhoso desses morros de Minas
que guardam tanta poesia.
Sarau de Poesia — Homenagem
PALAVRA FIANDEIRA
Publicação digital de divulgação literária
Publicação semanal
Edições aos sábados
Literatura e Artes
Edição 112
Edição IDALINA DE CARVALHO
PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques
PALAVRA FIANDEIRA
ANO 4
Muito obrigada, Marciano, pelo convite. Ficou mto bonita a página. Parabéns pelo blog!
ResponderExcluirLi e amei! A resposta sobre a rede foi ótima, é assim mesmo, rs. E quando fala sobre literatura infantil dá uma aula e tanto! Muito boa a entrevista no todo. E foi ótimo saber da sua trajetória desenhada com palavras precisas. Parabéns, amiga, pelas respostas brilhantes. Parabéns também pela colação de grau. Que seus caminhos se alarguem cada vez mais. Bitokitas e Luz.
ResponderExcluirObrigada, Elza querida!
ExcluirNos é sabido da dificuldade que temos de encontrar no mundo atual pessoas que amam e valorizam de verdade o que amam, como um simples nascer do sol, um bate papo com os amigos, e encontramos isso em Idalina, que não deixa a correria do dia-a-dia tirar esses momentos de alegria, quando ela se refere as pessoas como amigos, alunos, mostra um amor maior, um amor crescente de aprendizado, de conhecimento que por diversas vezes são perdidos pela falta de atenção. Precisamos de mais "Idalinas" nesse mundo, mundo onde ainda os tremores do desconhecimento abalam amizades, relacionamentos e também o aprendizado de pessoas que podem anseiam pelo conhecimento, mas que por falta de atenção o deixa de lado, ou esquecido.
ResponderExcluirObrigada, Bel... grande amiga e companheira na tarefa de levar a Filosofia aos jovens, buscando desenvolver nesses meninos e meninas um gosto pela reflexão.
ExcluirEncantada com suas palavras e sua postura perante nosso curso e a vida... pena não ter tido contado com você na UF :) mas vou me aproximar mais na sua pós... nunca é tarde pra fazer novas amizades...
ResponderExcluirDaniele, realmente uma pena não ter tido oportunidade de conhecê-la pessoalmente. Mas ainda dá tempo e vamos combinar um cafezinho na cantina do ICH assim que retornarem as aulas. Obrigada pelas suas palavras.
ExcluirBela mulher, em todos os múltiplos sentidos da palavra "bela" e da palavra "mulher".
ResponderExcluirObrigada, Escobar.
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