EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 1 de setembro de 2012

PALAVRA FIANDEIRA 81




PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
PUBLICAÇÃO SEMANAL DE LITERATURA E ARTES
EDIÇÃO SEMANAL 
ANO 3 — Nº81
1º SETEMBRO 2012


JOSÉ XAVIER CORTEZ
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                                            Menina na estande da CORTEZ, 
                                            na última Bienal do Livro



  Arte: Roberto Melo
1.Quem é o senhor Cortez?

Uma
pessoa que não sofreu mudança com relação à questão social, naquilo que se relaciona com os semelhantes. Sou uma pessoa sempre pensando no Ser Humano, na família. Sempre trabalho nas publicações com amor, pensando em todos, em cada leitor. Nos que são capazes de ler, para levar às pessoas mensagens que possam ajudar a se ter uma sociedade mais justa.


2.Fale-nos, por gentileza, de sua trajetória.

Nasci num sítio no município de Currais Novos, no RN, e desde os cinco anos ajudava os meus pais nos afazeres diários, e no sustento da família. Fiz um pouco de tudo. Fui garimpeiro, balconista, vendia frutas carregando um balaio pelas ruas, aos 18 anos, quando após me alistar na Escola de Aprendizes de Marinheiro, em Janeiro de 1955, tornei-me militar, e tive que lutar muito para garantir as minhas despesas pessoais. Durante oito anos fui militar, até ser cassado. Então vim para São Paulo.
A casa onde a família se reúne a cada dois anos 
(Arte: Roberto Melo)

Miriam Cortez, filha do livreiro José Xavier Cortez
(originalmente, em Poesia Potiguar)

3.Como foi a sua vida em São Paulo?

Quando aqui cheguei, tive muita dificuldade para conseguir emprego. Trabalhei num estacionamento e comecei lavando carros. Em 1966, após prestar alguns vestibulares consegui entrar no curso de Economia da PUC, onde me formei. E foi na PUC que abriu-se para mim o universo dos livros. Sob encomenda comecei a vender livros para os meus colegas da classe. Fui ganhando a confiança dos professores e dos alunos e um dia, num corredor da PUC, abri a livraria Cortez&Morales, uma sociedade que durou 11 anos. No início de Janeiro de 1980, criei a Cortez Editora e Livraria Ltda, que é onde estamos agora.

4.Qual a importância da Livraria Cortez para o contexto da época?


                Palestra do escritor e estudioso da Literatura de Cordel,
                Marco Haurélio, na livraria CORTEZ.
Vivíamos
numa ditadura. E desde o início, a livraria tornou-se uma opção para os que buscavam uma literatura comprometida, "de esquerda", uma literatura que nem sempre era encontrada nas outras livrarias. Depois, encorajado por professores e alunos da PUC, tornei-me editor.

5.Borges, numa histórica palestra em Universidade na Argentina, disse que o livro passou por diversas valorações. Inclusive, para ele, é um objeto de culto, não no sentido religioso, claro. E para o senhor, o que é o livro? O que ele representa ou simboliza?


O
suporte mais importante para a transmissão do conhecimento. Sempre me vali dos livros. E comecei a ler tarde. A leitura me levou ao que sou hoje. ela poderia me fazer isso! ela! Hoje não consigo ficar um dia sem ler!

               Estande da CORTEZ na última Bienal do Livro: 
               criatividade e preocupação com a natureza.



6.Na feira de Frankfurt, recentemente, anunciou-se o ano de 2018 como a data em que o livro digital vai triunfar, vai finalmente dominar. Qual a sua expectativa diante disso?


Não
devemos desconsiderar a tecnologia. E ela vai ajudar a vender o livro de papel, pois as pessoas não vão deixar de ler essa forma do livro. Vão se cansar de ler na tela, e não vão guardar os livros digitais. Pode haver na leitura uma grande dispersão do conhecimento, pois o computador favorece isso. É muito fragmentado, às vezes muito supérfluo. Um livro de Sociologia, de Filosofia, de Economia, enfim, obras que tratam desses assuntos, exigem muita concentração. O computador não se aprofunda, quer dizer, não permite, na maioria das vezes, um aprofundamento. Entretanto, nós, aqui da Editora, estamos muito atentos a tudo isso. Veja que vai acontecer um congresso nos EUA sobre esse tema e um colaborador da Cortez irá participar.


7.Considera que a Literatura Infantil é apenas para crianças?


De
maneira alguma. Foi após ter lido um livro Infantil que tomei a decisão de investir nesse segmento. Ao ler "Sebastiana e Severina", de André Neves, fiquei emocionado. O livro me influenciou e mudou os meus rumos, ampliando os caminhos de nossa editora. O assunto tratava de uma igreja, uma cidade na Paraíba, da rendeira, transportou-me imediatamente para Currais Novos, nos anos 50. Um livro infantil fez isso! Toda a minha saudade, todo o meu sentimento, todas as lembranças, a minha própria infância, tudo isso foi recuperado no livro, então abriu-se, a partir dessa leitura, um outro segmento para a nossa editora

8.Conte-nos um pouco mais sobre isso.


Em
2004 estava a pensar em um novo segmento editorial, e como sempre participei e participo das entidades de classe, e sempre gostei de estar por dentro do que está ocorrendo no mercado livreiro, estava eu em uma reunião da ANL, a qual fui o fundador. sentia que não dava para continuar apenas com a área acadêmica. Não havia mais correspondência entre a efervescência universitária e a venda de livros, por conta de alguns fatores, entre os quais a cópia. Havia em minha mente três alternativas: auto-ajuda, religião e infanto-juvenil. Lemos e discutimos muito. A primeira não se encaixava dentro do perfil da nossa editora. A Religião, além disso, tinha e tem ótimas editora que a divulgam muito bem. Desse modo, restou Literatura infanto-juvenil. Percebemos o quanto essa é uma área que tinha espaço. Viu como a leitura de um livro infantil influencia uma vida adulta? Li com 60 anos e não era criança. Os adultos se encantam com a história infantil, principalmente os que não tiveram infância. Vou contar um fato: enviamos para o Governo de Fortaleza mais ou menos 100 mil exemplares de um volume da coleção infantil "Nossa Capital", um livro para cada criança. Na feira de Fortaleza pudemos constatar que todas as crianças e seus pais sabiam a história da cidade. Quão importante foi esse livro infantil! Eis um exemplo concreto. Os adultos aprendem também. O livro leva ao caminho certo, como aconteceu comigo quando li "Sebastiana e Severina".
A alegria de ser CORTEZ

9.Qual a sensação do senhor quando um novo livro é lançado pela sua editora?

Quando
publico um texto sempre acho que a sua mensagem vai trazer felicidade para alguém, além do conhecimento. Cheguei aqui sem nada. Mas sempre busquei na leitura o apoio, a ajuda. Um pai que leva um livro para o filho está fazendo uma grande ação. O filho, ao receber o livro, deve aprender a pensar: "Meu pai trouxe um objeto importante." É assim que eu vivo. Penso que é assim que deve ser. Plantar as coisas, fazer uma boa ação, no sentido de que as pessoas utilizem essa boa ação. Tive muita ajuda em minha vida. O respeito pelas pessoas vem da infância, uma dose grande da minha educação eu trouxe de onde nasci. Por isso, a cada livro que publico sinto uma felicidade.

10.Como
leitor, desde que tenha se encantado a primeira vez com a leitura de um livro, qual é o seu gênero preferido de literatura? Poesia? Conto? Romance?


Gosto
de ler sobre Política, Sociologia, Filosofia. Aprecio também a literatura real, aquela que fala da vida. Li, recentemente, "O Caçador de Pipas". Gosto, de um modo geral, das obras que falam da questão da Educação no país. As nossas coleções sempre nascem da vida, de um acontecimento, de uma experiência pessoal, algo que eu vivi. Temos como exemplo a coleção "Preconceito". Tem também um pouco de história. Muitas das histórias foram pensadas por mim. Veja esse caso: eu estava numa reunião de editores, e o presidente da Entidade falou que um editor Inglês iria dar uma palestra. Alguém sugeriu a contratação de um tradutor. O presidente respondeu: Não acredito que vamos ter que contratar um tradutor! Não é possível que um editor não saiba falar Inglês! -"Que preconceito", pensei na hora. Criei então a coleção "Preconceito", que é um sucesso de vendas, E assim foi indo. Certa vez apareceu alguém da França, amigo de Edgar Morin, e tinha uma deficiência e fui vendo nos preconceitos o quanto o mundo, a humanidade, ainda é deficiente de respeito, de entendimento das coisas que são essenciais, de ética, de amor. A coleção aborda o preconceito contra o deficiente, contra o homossexual, e assim por diante, a cada volume.


11.Tem alguma ideia ou sugestão que possa contribuir para política governamental com relação ao livro?

Todas
as iniciativas com relação ao livro, ao incentivo da leitura merece aplauso e apoio. Veja, um patrocínio da UNESCO, ajudando ao governo brasileiro a desenvolver esse hábito, ONGs, universidades, entidades, todos lutando hoje por essa questão da leitura. O Brasil está bem. Acho que um espaço grande para resolver essa questão. A política editorial do governo quer privilegiar as pequenas e médias editoras. O PNBE agora faz um levantamento dos 20 títulos de cada editora. Todas as iniciativas são válidas.

Entrevistando o senhor Cortez, para a Revista PALAVRA FIANDEIRA

12.Que mensagem deixaria para o nosso leitor? Qual é a sua Palavra Fiandeira?


tem o privilégio de ser leitor! Que continue lendo. Cada vez mais. Qualquer dúvida que eu tenho, sempre um livro capaz de esclarecê-la. É importante continuar lendo. Sempre recorro a um livro. Qualquer que seja o problema. Esteja eu com a unha encravada, ou com o coração muito apaixonado. Sempre encontrarei uma resposta que me satisfaça.
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PALAVRA FIANDEIRA

PUBLICAÇÃO SEMANAL DE LITERATURA E ARTES
Edição especial 1
Edição Nº 81
Edições aos sábados — 1º Setembro 2012
Edição José Xavier Cortez
Palavra Fiandeira:
Fundada pelo escritor Marciano Vasques
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Um comentário:

  1. Grande e reveladora entrevista com um personagem cuja história é das mais ricas no meio em que militamos: o editorial. Parabéns, Marciano!

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