Se eu não me envolver,
não me jogar de corpo e alma naquilo que estou
fazendo,
não vou atingir o belo.
Gosto de caprichar em cada frase, enfeitar com rendas e bordados coloridos...
PALAVRA FIANDEIRA
ARTES, EDUCAÇÃO E LITERATURA
PUBLICAÇÃO DIGITAL
ANO 4 — 129
SÁBADO!
17/AGOSTO/2013
CRISTINA PORTO
1.Quem é Cristina Porto?
Caipira da gema, cantora frustrada, escritora
de corpo e alma, mulher ainda mais realizada com a volta à natureza natal.
2.Quem é Serafina?
É a minha síntese: um pouco do que fui, do
que gostaria de ter sido, do que sou e
ainda serei. Tornou-se uma das maiores fontes de amor e alegria da minha vida,
especialmente pelo fato de vir cativando leitores de várias gerações.
3.Sua obra demonstra a sua crença no respeito à criança. A
Literatura Infantil pode ser considerada um gesto de amor? E o escritor, além
de a tomar como profissão deve ser envolvido por esse sentimento de compromisso
com a infância? Pode nos falar sobre isso?
Se eu não me envolver, não me jogar de corpo
e alma naquilo que estou fazendo, não vou atingir o belo. E essa é a minha
meta: o belo, no sentido de verdadeiro, legítimo, genuíno, aquilo que vem da
alma, das entranhas! Disseminar essa beleza é um gesto de amor e um compromisso
com meus leitores.
SESI Contagem
4.Teve um livro premiado,
intitulado “Trabalho Infantil”. Pode gentilmente nos comentar sobre o
significado de um prêmio para um livro cuja abordagem é comprometida com a
juventude?
Tenho dois livros sobre o mesmo tema,
editados pela Ática, com duas coautoras: Iolanda Huzak e Jô Azevedo. O
primeiro, “Serafina e a criança que
trabalha”, premiado pela FNLIJ, é conduzido pela Serafina, que compara o seu
cotidiano à rotina das crianças exploradas pelo trabalho infantil. Recebi um
texto condensado das autoras e minha incumbência foi transformá-lo em um livro
para leitores de 8 a 10 anos, aproximadamente. Já o segundo, “Trabalho
infantil: o difícil sonho de ser criança”, dirigido a uma faixa etária mais
alta, trata dos mesmos temas com mais liberdade e profundidade. Para me
distanciar da linguagem do trabalho anterior, pedi à editora para ir a campo:
Madalena, personagem adolescente, que tomou o lugar da Serafina, vai visitar um
lixão, em Santana de Parnaíba, conhece, em um dia escuro e chuvoso, o cais do
porto de Santos, região onde crianças de 9, 10 anos já se drogavam e prostituíam
e, finalmente, o sertão da Bahia, cidade de Valente, onde se produz muito
sisal, com famílias inteiras trabalhando em condições sub-humanas.
O meu comprometimento com temas sociais
começou aí e continuou com o trabalho sobre o Velho Chico, do qual falarei logo
adiante.
Acho que o prêmio nada mais é que um
reconhecimento ao seu trabalho, que vem depois do reconhecimento do público, em
forma de gratidão e amor.
5.Tenho o soldadinho de
chumbo como uma das mais ricas experiências no universo da escrita. Você tem
uma versão desse clássico de Andersen. Considera que um clássico como esse pode
de alguma forma ainda influenciar a infância para os mais profundos valores da
vida?
Esse clássico também é um dos meus
preferidos, desde pequena. E eu sempre me perguntava, quando mais adulta, o que
me levara a gostar tanto de uma história tão triste e trágica, mesmo! Só
descobri isso depois que “entrei” na obra para adaptá-la: era a primeira vez
que sentia um sofrimento vivido e narrado com extrema ternura.
6. “Se quiser exercitar sua
liberdade, você será uma pessoa sozinha.” Esta declaração é sua. Poderia
comentar algo sobre a profundeza de seu significado?
Eu gostaria de complementar a frase em
questão, pois me parece uma afirmação um pouco seca demais... Para mim, solidão
e liberdade andam juntas. E a primeira não me assusta, nunca me assustou, pois
me possibilita o exercício da segunda! Acho mesmo que somos sós, por natureza,
e isso é bonito, muito bonito! Essa história de “procurar sua outra metade”
sempre me irritou! Eu não quero ser metade de ninguém, nem quero só a outra
metade de alguém. Sou una, única e verdadeira. E considero muito os amigos que me
fazem companhia, sem desrespeitar minha solidão. Ela me é necessária, vital!
Tenho que ficar comigo mesma para não perder o centro, para não sair do eixo.
Sempre vivi sozinha, mesmo estando acompanhada. E não me arrependo nada dessa
escolha!
Hoje, sinto companhia nas minhas cachorras,
Filó e Nina, nos pássaros que vêm ao meu quintal, se alimentar da quirera e da salada
de frutas que lhes preparo toda santa manhã, nas flores da laranjeira e do pé
de uvaia, que prometem uma boa safra para este ano, nas pitangas que os
passarinhos não dão conta de comer... Integrada totalmente à natureza, sem
reservas e sem resistência, sei que vou ter momentos de solidão e ócio muito
profícuos.
7.Seu livro “Saudades do Rio
Mar” é um livro de crônicas? De Nostalgia? Poderia, por favor, expôr aos
leitores da FIANDEIRA algo sobre essa sua autoria?
“Saudades do Rio Mar” é o último livro de uma
série de quatro que compõem a coleção “Caminhos do São Francisco” (FTD), um dos
trabalhos mais significativos que já realizei! Foram dois anos viajando ao
longo do Velho Chico, por terra, procurando conhecer os bolsões de pobreza da
nascente à foz do rio. Procurei percorrer todos os estados banhados pelo Rio da
Unidade Nacional: Minas – Serra da Canastra, onde se encontra a sua nascente,
-- norte de Minas, região próxima a Montes Claros, -- norte da Bahia, onde o
São Francisco faz a divisa entre esse estado e Pernambuco, nas cidades de Juazeiro
e Petrolina, e, finalmente, o sertão
agreste de Alagoas e a Zona da Mata de Sergipe.
Tive que fazer duas viagens para cada região,
pois na primeira, diante de tanta miséria e extrema pobreza, não consegui
deixar de agir como uma assistente social. Impossível não me solidarizar diante
de um quadro tão triste e degradante! Digo sempre que só depois dessa
experiência – forte, contundente, indelével! -- eu passei a conhecer o Brasil
real.
8.Vive em sua casa dedicando-se quase que exclusivamente para a
Literatura, mas demonstra ter uma ligação gigante com a natureza: o azul celeste, os pássaros,
as flores. Acredita que a literatura, a produção de um artista/escritor se
entrelaça com a sua vida?
No meu caso, sim, completamente! Tudo o que
escrevo é fruto de emoções vivenciadas e metabolizadas. No auge da emoção, me
faltam palavras; no auge da beleza, também. Tenho que processar sensações e
sentimentos vividos para conseguir escrever. E daí, claro, tudo se transforma e
só faz enriquecer meu imaginário.
Atualmente me dedico a um projeto que chamei, provisoriamente, de “Caderno
Alado”: são poemetos dedicados a alguns pássaros (os que me são mais
familiares) e algumas informações sobre cada um deles. Ainda falta muito, mas
sinto que vai ficar bonito!
9.Certamente ao lançar seu
primeiro livro viveu uma forte emoção específica. O que acontece a cada novo
lançamento? A mesma emoção permanece?
O meu primeiro livro foi “Se...será, Serafina?”,
coleção Barra-manteiga, da Editora Ática, em 1980. Acho que a emoção do
primeiro, ainda mais no meu caso, é inigualável.
Hoje, 33 anos depois, o sentimento que predomina não é lançar mais e
mais livros, escrever mais e mais; é, sim, escrever cada vez melhor, com
clareza, propriedade e beleza. Gosto de caprichar em cada frase, enfeitar com
rendas e bordados coloridos...
10.A FIANDEIRA ainda insiste
na questão, aparentemente esgotada: “Acredita no fim da era do livro de papel?
Não... O livro de papel admite o toque, o
agrado, faz companhia até debaixo do travesseiro. Um companheiro que nos
acompanha nos mais diversos espaços; por isso, mais que amigo, um confidente, um
cúmplice.
11.Viaja, recebe convites,
visita escolas, está em contato frequente com o leitor e com a criança. Poderia
descrever qual a sensação, qual o fio de
ligação entre cada encontro, em cidades diferentes?
Em vários aspectos, criança é criança em
qualquer lugar do mundo. E a sensação que elas me passam, nesses
encontros, é a de um banho de amor que
nutre minha fonte por muito, muito tempo! A experiência mais recente aconteceu
há pouco, em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, MG. Visitei uma escola
pública, estadual, e fomos recebidas – Serafina e eu – com um carinho sem tamanho!
Quando entrei no recinto onde estavam as crianças – umas 300, mais ou menos –
todas me aplaudiram e gritaram meu nome espontânea e efusivamente!
Inesquecível!!! E os trabalhos que os professores desenvolveram com os livros
da minha menina, então? Sem palavras...
12. Deixe aqui a sua mensagem
final. Qual a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Minhas palavras fiandeiras: serenidade, amor
e compaixão. Com elas é possível tecer os dias de uma vida que valha a pena.
PALAVRA FIANDEIRA
Publicação digital de divulgação artística e literária
ARTE/EDUCAÇÃO/LITERATURA
EDIÇÕES AOS SÁBADOS!
Edição 129
CRISTINA PORTO
PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques
Obrigado, Marciano, por nos apresentar a singeleza em pessoa.
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