Quem abandona sua criança interior não vive.
Frederico Godofredo foi um dos livros-médicos que me ensinou
que não devo parar seja qual for a situação que aparentemente impeça.
PALAVRA FIANDEIRA
Arte, Educação e Literatura
PUBLICAÇÃO DIGITAL SEMANAL
EDIÇÃO 131
ANO 4
SÁBADO, 31 de Agosto 2013
MÁRCIA SZÉLIGA
1.Quem
é Márcia Széliga?
Desde
pequena sempre tive a sensação de estar vestindo um corpo... é
como se meu "recheio" se percebesse dentro de uma roupa
chamada de corpo. O corpo físico. Esse corpo físico ganhou um nome:
Márcia. O corpo foi ganhando outros adjetivos de fora também. E meu
"recheio" pensava: mas isso sou eu? Então eu olhava para o
espelho reafirmando alguns aspectos desse corpo visto de fora, muitas
vezes por um olhar que o caricaturizava (hoje em dia dão o nome
gringo de bullying). Mas meu "recheio" não concordava com
algumas maneiras como era visto o corpo que eu habitava. Então fui
crescendo com esse estar dentro e ser fora que levei um bom tempo
para trazer o "recheio" pra fora e dizer: assim sou eu. Até
chegar aí a caminhada foi assim: caçula de 7 filhos, gostava de
desenhar desde pequenininha. Era tudo o que mais amava, meus lápis,
meu cachorro, minhas bonecas. Mas jamais imaginei ser possível nem
sonhar um dia seguir um caminho como artista. Quando se é pequena a
gente sonha que é mais possível se chegar à Lua, e esse era o meu
sonho, antes mesmo do homem ter pisado pela primeira vez nela.
Sei
que meu "recheio" sempre viveu um mundo interior assim,
onde livros eram mais do que estudos, onde desenhos eram mais do que
aulas de educação artística, onde bichos de estimação eram mais
do que apenas bichos de estimação, onde paredes falavam
e brinquedos eram vivos, onde Deus era mais do que religiões, e
muito mais do que apenas a forma dada a Ele.
Hoje
em dia, após um caminho como artista formada pela escola de Música
e Belas Artes do Paraná, nas andanças pela Europa fazendo
especialização em Desenho Animado na Polônia, e retornando ao
Brasil com vontade de entrar de cabeça na Literatura , e trazendo a
Literatura para as Artes Visuais, penso que meu "recheio" é
constituído de sementes, e meu corpo, extensão desse recheio, um
instrumento que veio para cumprir uma semeadura. Então o que sou,
sou m instrumento da Arte e da Palavra que, na linguagem sagrada
habitante da essência criativa do meu ser nessa passagem, tem
procurado semear cores, encantamento, vida, mas também entra em
contato com todas as estações da alma, em sua luz e sombra, para
poder falar de coração para coração a toda criança, jovem e
idoso.
2.Da
estrada, tirou uma foto de um restaurante que é uma obra de arte.
Nunca pensou em se dedicar à arte da Fotografia? Aproveite e fale
dessa foto, por favor. E, uma curiosidade: Já pensou em se dedicar
profissionalmente à fotografia?
Essa
foto foi de um passeio domingueiro em que levava minha mãe e meus
sogros para almoçar num restaurante polonês aqui no Paraná.
Começou a chover e entrei no carro. Quando me deparei com aquela
imagem da forma sendo distorcida pela chuva, achei lindo perceber o
quanto a matéria, por mais rígida que seja, pode se tornar líquida,
um fluído, dependendo do olhar. Poderia ser só uma chuva
distorcendo a imagem. Mas para mim registrar o que senti com meu
olhar teve outro alcance. E é em situações assim que pude sentir
melhor o Expressionismo de grandes mestres da pintura.
Sim,
já me dediquei algumas vezes a essa arte, e acabei estimulando o meu
marido para que se tornasse fotógrafo. Fizemos algumas exposições
juntos, uma até foi de fotos dele com interferência de desenhos
meus sobre as fotos. É sempre bom estar com uma câmera à mão,
todo instante pode ser capturado pelo olhar de um modo não ordinário
de enxergar, e aí, o registro desse instante ser eternizado. É
quase o mesmo que estar vivendo o fato mais uma vez. Mas por
enquanto, me dedico mais como hobby mesmo.
©Márcia Széliga
3.Realizou
em 2008 uma exposição intitulada TRAJESTÓRIA. Pode contar ao
leitor da FIANDEIRA algo sobre esse evento em sua carreira?
Foi
um tempo intenso. Eu passava por uma crise existencial na minha
relação com as artes. Primeiro porque já há anos eu fazia
desenhos só com o lápis de cor. Sempre amei lápis de cor, mas
chegou um momento que, mesmo tentado outras técnicas e não ter sido
muito feliz, pois buscava algo que me desse mais rendimento em termos
de tempo de execução, o lápis de cor sempre foi o que mais ganhava
tanto na minha realização pessoal quanto na satisfação do
público, de clientes e autores.
Entre
outros conflitos pessoais, esse era um dos que passou a me cutucar
mais fundo. E mergulhei numa escuridão dentro de mim mesma. E senti
que algo dentro de mim gritava em silêncio querendo sair. Fiz
algumas tentativas no tempo de faculdade com pintura e também ao
longo da carreira. Incomodava-me a ideia de ter de seguir regras de
pintura e composição, ficar presa às técnicas e ser caçadora de
temas para ter o que mostrar.
Havia
muito tempo que eu já não realizava exposições. Desde que fiz
minha última exposição no início dos anos 90, uma exposição com
temática de lendas indígenas (retratando lendas dos índios
Kanamari que convivi na Amazônia em 1989), não expus mais. Nessa
exposição um artista de admiração mútua, Orlando da Silva, me
intimou: "agora quero ver você desenhar a sua lenda pessoal!"
Pensei
comigo o que ele queria dizer com isso... para resumir, tantos anos
depois, exatamente nessa época em que comecei a questionar tudo o
que eu estava fazendo, essa intimação veio a me cutucar. E agradeço
ao Orlando onde quer que ele esteja por ter me entregado uma pérola.
Sim,a
pérola, que se forma pela agressão de grãos de areia a uma ostra
era como eu me sentia. Fechei-me mergulhando em mim mesma conhecendo
meus cantos escuros e até onde pude chegar com a luz da minha
consciência curiosa me desvendar.
Não
vou dizer que foi fácil decidir pegar nos pincéis e simplesmente
começar a pintar. Primeiro tive de travar uma luta interna daquela
que se preocupava com a crítica, com o julgamento, com o querer
agradar, com controlar, com o acertar sempre.
E
foi depois de alguns anos que eu jpa havia comprado as telas é que
um fluxo de poesia foi acontecendo. E a poesia é metáfora, comunica
a todos os seres por meio de seus símbolos. Foi um momento de
iluminação. A imagem para a poesia! Vieram os primeiros estudos
junto com as palavras. Nem sempre nessa ordem, às vezes era também
simultaneamente. Aí, outra luta interior, se eu colocar isso na
tela, será que serei aceita? Será que não estarei me expondo?
Tantas considerações... E o que é um artista se não revelar os
anseios da alma e com isso poder expressar uma arte mais viva, que
fale por si, que toque a humanidade?
Então
fui me desprendendo de conceitos, de pré-conceitos e principalmente
do julgamento que contraí para mim mesma. Comecei a pintar a
primeira tela que, ao pegar, me lembrou muito os bastidores de
bordado que usava na infância, quando aprendi a bordar. A pintura, a
poesia, o bordado... poderia bordar o que quisesse ali, e colocar
mais elementos, elementos orgânicos, que transmitissem o sentido
visceral do que me gritava por dentro. Essa mistura toda, essa
alguimia, entre ossos, penas, contas, pedras e sementes resultou em
Trajestória - os trajes, a trajetória de minha história, que
também, pelos símbolos que acessam o universo arquetípico, pode ir
de encontro com a história de muita gente. Foi assim então que
revivi. Trazendo a Sombra à Luz. Criando coragem de contar pelas
telas poéticas e orgânicas minha Lenda Pessoal.
4.Na
BIENAL DO LIVRO do Paraná, em 2010, participou ao lado de Paulo
Munhoz de um debate sobre “Ilustração” em Literatura Infantil.
Deixe aqui, por gentileza, um comentário sobre esse acontecimento e
o conteúdo da sua participação, visto que o eixo da evento foi “A
qualidade da Arte da Ilustração no livro Infantil”...
Talvez
eu não consiga lembrar do que foi dito, mas vou contar do que sinto
sobre o tema. Naquele tempo eu estava em tratamento de saúde, e
ilustrei um livro muito sensível que veio de encontro ao momento
pelo qual eu estava passando. Um momento de transformação eu diria.
O livro é “O Espelho”, de Ieda de Oliveira, e foi à convite
dela que participei do debate.
A
qualidade da Arte da ilustração no livro infantil, começo sempre a
falar sobre isso aos que participam de minhas oficinas, que não se
define simplesmente por domínio de técnicas e desenhos bem
elaborados, nem apenas decorativos que embelezam. A qualidade diz
respeito à expressão que, numa combinação de cores, formas e
técnicas comunique a sutileza contida nas entrelinhas do texto, numa
parceira com a palavra. Também o impacto necessário para exprimir
aquele sentimento, aquela situação que o texto traz, uma atmosfera
que vai além da ambientação. Penso que a ilustração é capaz de
não só transcender junto com a palavra, mas também de abrir outros
portais da imaginação e do sentimento humano, possibilitando ao
leitor de se sentir também participante do livro. Acredito que é
assim que um livro passa a morar dentro da gente de uma forma mais
viva e não só um objeto que volta para a estante. Ilustração e
palavra então cumprem um papel que vai além do entretenimento. São
ferramentas eficazes para transformar a humanidade.
5.Estudou
ARTE na Polônia. Conte, por favor, para a FIANDEIRA, essa
experiência em sua vida.
Quando
fui para a Polônia, foi imediatamente após a experiência de ter
convivido com os índios Kanamari numa aldeia bem no meio da floresta
amazônica, em uma região da Bacia do Juruá, quase divisa com o
Acre. É interessante contar que, antes de sair da aldeia tive 3
noites de sonhos, em uma sequencia. Seguiríamos com a equipe para
uma aldeia mais distante , não fosse esses sonhos que tive. Na
primeira noite sonhei que recebia uma ligação do Consulado da
Polônia em um orelhão no meio da mata (e lá não haviam orelhões,
obviamente), dizendo que minha bolsa de estudos tinha sido aprovada.
Na segunda noite sonhei que arrumava minhas coisas para apresentar
relatório da vivência ao órgão que me aceitou como voluntária no
programa indigenista. E na terceira noite sonhei que fizeram uma
festa de despedida para mim. Haviam amigos e familiares reunidos e eu
embarcando no avião. Fiquei tão encucada com os sonhos que pedi
para voltar para a cidade onde ficávamos em contato com o "mundo
dos brancos". Mais coisas estranhas aconteceram naqueles dias
que estou relatando num livro meu, autobiográfico, que será lançado
em breve. Essas coisas foram reforçando minha crença no universo
sutil, no mundo invisível. Ao chegar na cidade, uma pessoa que
estava responsável pela casa da organização, veio me dizer que eu
precisava telefonar urgente para casa. Liguei e veio a confirmação:
minha bolsa tinha saído! Arrumei tudo e no dia seguinte já peguei
o avião para chegar em Cuiabá, apresentar o relatório e, no dia
seguinte: retornaria à Curitiba. Em Curitiba fui recebida com uma
festa pelos familiares e amigos, que significava uma festa de boas
vindas e ao mesmo tempo de despedida. Enlouquecida, tive apenas uma
semana para arrumar tudo e passar 3 anos fora. Durante a viagem eu
ainda ouvia o vozerio dos índios e a sinfonia da floresta. Demorei
alguns meses para "cair na real" de que estava mesmo no
país de meus antepassados, em Cracóvia. Uma das primeiras
experiências que me puxou o fio terra por lá foi uma excursão aos
campos de concentração de Auschwitz, Treblinka e Birkenau. Foi um
choque tão grande que não quis sair do quarto por uma semana
depois, até me recompor. Mas nem tudo é assim tão assustador na
Polônia. É um país lindo! Não imaginei que houvessem lá tantas
riquezas, apesar de ter pego a época do final do comunismo e o
capitalismo entrando com tudo. Foi mesmo um choque cultural e
confuso. A queda do Muro de Berlim, e perceber que, mesmo derrubado,
um muro invisível ainda continuava existindo separando as duas
Alemanhas... enfim, é uma experiência enriquecedora morar num país
que parecia mais estar entrando num túnel do tempo, onde aprendi a
lidar com os recursos que se tinha à mão, com escassez, mas ao
mesmo tempo riquíssimo em sua cultura, ao valor que dão às artes e
às raízes. Sinto saudades e às vezes parece que tudo não passou
de um sonho. Teria muito o que contar, mas dá um livro. E deu. Esse
capítulo de minha história vai estar num livro chamado Carrossel
dos Sonhos, pela Lei Municipal de Incentivo, trazendo uma linha do
tempo desde o meu primeiro desenho de infância até a fase atual,
com mais de 400 imagens.
ARTE DE MÁRCIA SZÉLIGA: Obra em Acrílica fluorescente sobre tela "Saudades"
6.Participa
de uma Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura
Infantil e Juvenil. Pode resumir quais as principais dificuldades dos
artistas da ilustração hoje no Brasil?
Creio
que continua ainda sendo para muitos a questão de direitos autorais
e prazos apertados. Na Inglaterra tenho uma amiga ilustradora que tem
um contrato de receber pró-labore mensalmente para poder trabalhar
com calma durante um ano, no máximo, em um projeto de livro. E
depois continua recebendo os royalties pela obra que ilustrou. embora
ultimamente tenha se queixado que esse valor tenha despencado
consideravelmente após as vendas de lançamento. Lá rapidamente os
livros acabam indo para os saldões. Ilustrar livro é o que sempre
digo: não basta saber desenhar e ler. Existe um tempo de trabalho
invisível que é toda a elaboração que fazemos internamente,
sentindo o texto, a atmosfera, que sentimentos e símbolos evocam,
para ir amadurecendo da primeira imagem que dispara ao resultado
final que expresse de fato a alma do livro que é alma do escritor,
que é também a alma do artista, que vai tocar a alma do leitor.
Esse desafio que é de surpreender e ir além de nós mesmos quando
ilustramos.
7.Certamente
todos os livros que ilustrou são motivos de alegria e satisfação
pessoal. Porém, se tivesse que citar alguns que por quaisquer
motivos tenham trazido uma alegria especial, ou então, por qual
motivo citaria alguns livros entre tantas obras das quais se tornou
parceira?
Você
está me fazendo uma pergunta difícil demais de responder, e
comprometedora... rsrsrsrs. Não tem o que eu não ame ter ilustrado.
Tudo me ensinou muito sobre mim, sobre o outro, sobre o mundo, sobre
viver. Digamos que todos são partes de um imenso quebra-cabeças que
dou o nome de ARTE. Já briguei comigo mesma por não conseguir tudo
de bom para atingir o máximo na ilustração até sair do pedestal
que ergui em achar que teria de sempre ser o máximo e olhar com
humildade ao presente que recebia por estar diante do maravilhoso e
mágico desafio de ilustrar um texto, um texto que é como um filho
que se confia a outras mãos para que seja acolhido e vestido com
roupas de carinho e gratidão, já briguei também comigo por não me
sentir adequada a alguns até que percebesse que nem sempre se é pau
pra toda obra. E toda vez que vou ilustrar um livro, seja ele
didático, ou de literatura, minha oração é essa: Arte, me guie!
Deixa eu ser seu instrumento!
7.Quem
é Frederico Godofredo?
Frederico
Godofredo é um menino especial que chegou num momento especial e
delicado na minha vida. A caminho de uma nutricionista, a querida e
sensível Liana Leão, que me conduzia para a consulta, me entregou
as folhas de papel e disse: fiz esse texto pra você. Fui lendo e não
pude conter as lágrimas com tanta poesia, tão sensível. Frederico
Godofredo é um menininho que me conquistou, que conversou muito com
minha criança interior, que cuidou da adulta enferma que eu estava.
Os desenhos foram feitos na cama, em meio ao processo da cirurgia de
mama. Frederico Godofredo foi um dos livros-médicos que me ensinou
que não devo parar seja qual for a situação que aparentemente
impeça. Esse é frederico Godofredo - um livro médico e professor.
8.Para
você, a Literatura Infantil é só para crianças? E, dos
livros que leu na infância quais deles influenciaram de alguma forma
a sua vida?
Toda
a minha estrada na Literatura tem me provado que não abandonamos
nossa criança de todo. E nem devemos. Quem abandona sua criança
interior não vive. Por isso, o Literatura Infantil vai falar a toda
idade que mantém acesa essa chama que é a criança que cada um de
nós somos. Só de ver o sorriso largo de um adulto se abrir diante
de um livro infantil, ou os olhos de um idoso se encher em brilho
d'água por tocar sua criança através do livro, fico triste que
ainda exista quem ache que Literatura Infantil seja livrinho pra
criancinha dormir ou aprender a ler e colorir. Escrever Literatura
Infantil e ilustrar é algo sensível e rico demais para ser
subestimado dessa maneira. É onde tocamos uma fonte mais pura e
nobre do santuário interior de nós mesmos e transmitimos a cada um.
Sem contar que a Literatura Infantil é uma prática maravilhosa de
liberdade e amor, na diversidade de expressões e de se atingir
camadas infinitas da imaginação e do universo, onde nada é
impossível.
Dos
livros que li na infância,
A coleção O Mundo
da Criança, que minha mãe sempre lia comigo no colo, numa cadeira
de embalo à luz de um abajour. Monteiro Lobato também me tirou do
sufoco de ler os clássicos exigidos pela escola e que acho que tem
idade certa pra se ler clássicos. Criança precisa viver a infância,
mas também não ser subestimada em sua inteligência com livros
ingênuos demais.
©Márcia Széliga
9.Leu
Histórias em Quadrinhos na infância? Que recordações tem da arte
do nanquim nos gibis?Já realizou/produziu um desenho animado? Sonha
com isso?
Muito!
Meus irmãos colecionavam e eu amava pegar pra ler, tudo do Tio
Patinhas, Maga Patalógika, Madame Min, Recruta Zero e Sargento
Tainha, Batman, e por aí vai. Minhas tardes eram essa delícia de
ler gibis, ver desenho animado de qualidade, digo , qualidade de
roteiro acima de qualquer tecnologia que se vê hoje em dia. Se
comparar as animações que nos faziam rir com uma boa parte do que
se vê hoje em dia que tem muito de efeito, se fechar os olhos só se
houve gritaria, pancadaria, xingação e mais uma enxurrada de
bobagens da luta do bem contra o mal.
Gibi na infância
10. Já realizou/produziu um desenho animado? Sonha com isso?
Sobre o sonho de realizar
desenho animado, sim, trabalho de
faculdade na Polônia, e cheguei a
participar do Festival do Minuto quando voltei ao Brasil. Continuo
sonhando em realizar mais sim. Meu primeiro livro de imagem já é
praticamente um roteiro de desenho animado, e penso nele como um
filme de animação que pretendo concretizar. Se chama Totem, pela
Cortez Editora.
©Márcia Széliga
11.Quando
surgiu esse seu amor pela arte, pelas cores, pelo desenho? Quais
acontecimentos ou impressões na sua infância ou adolescência
contribuíram para a decisão de sua vida em ser artista?
Meu
pai desenhava. Minha mãe também, mas menos. Confesso que só
conheci os desenhos de meu pai nas cartas de namoro que ele escrevia
para ela (e que pena mesmo que elas não existem mais, mas bota pena
nisso - ele tinha uma letra linda e fazia uns desenhos bem
bonitos). Meus irmãos também, alguns desenhavam muito bem, mas
acabaram seguindo outros caminhos. Vendo-os desenhar eu sentia uma
vontade louca de fazer o mesmo. Via minha irmã usar do quadriculado
para reproduzir desenhos. Ela sempre foi muito talentosa, mas meu
"recheio" cochichava no meu ouvido que eu um dia seria
capaz de desenhar sem precisar fazer o quadriculado. Eu achava muito
chato e trabalhoso esse negócio de fazer quadriculado para se
atingir a perfeição de uma reprodução, e ainda mais de um outro
desenho que nem era criação própria.
Na
escola então, um colégio de freiras, era aquela coisa de desenhar
em cima da linha, diziam "para treinar a coordenação motora",
ou de não poder pintar fora da linha que era errado, ou pegar no
lápis de um jeito diferente não ser certo, tinha de pegar como todo
mundo pegava para ser certo. As atividades de educação artística
então eram bobinhas. E eu ia para casa rechear mais páginas do
caderno de desenhos como um jeito de dizer que para desenhar não
precisava de tudo aquilo certinho. A freirinha não acreditou que
fosse eu que desenhasse as novidade que trazia de casa. Dizia que eu
estava mentindo. E foi então que um certo dia entrou a madre
superiora com minha mãe e irmã, e eu achando que tinha aprontado
alguma com aquela surpresa repentina invadindo a sala de aula, a face
de autoridade da Madre Superiora dizendo: "sua filha diz que é
ela quem faz todos esses desenhos!" E minha mãe, com aquele
olhar doce azulado (ou azul adocicado) e com um sorriso suave só
disse: " Mas não precisava me chamar aqui só para isso.
Bastava pedir para ela desenhar, que é ela mesma quem desenha."
E seu olhar doce, nunca esqueço, olhou pra mim sorrindo e pediu para
que eu desenhasse. e desenhei com um bando de coleguinhas em volta
pagando pra ver.
Assim
foi na infância.
Na
adolescência um irmão meu me estimulou muito. ele comprou cadernos
de desenho para ele aprender, mas eu faminta quis aprender junto. E
quanto maior o desafio, mais eu gostava: expressões faciais, o corpo
humano em diversas posições, o olhar, as diversas maneiras das mãos
falarem... foi tanto encantamento que fui descobrindo de ver que o
corpo humano falava sem precisar de palavras que isso imprimiu bem no
fundo de mim mesma a vontade de trazer a tridimensionalidade para o
plano bidimensional do papel e ainda fazer com que essa
bidimensionalidade falasse!
12.Deixe
aqui a sua mensagem final. Qual é a sua PALAVRA FIANDEIRA?
Somos,
cada um, instrumento de algo maior. A vida não é só essa coisa
rasa e densa que nossos olhos são capazes de enxergar até um certo
limite. Há Vida por detrás da vida, de um Amor tão imenso que a
Luz que nele está pode ser que não se dê conta de abraçar. Mas se
abrimos o coração e a mente numa entrega, em humildade, a receber
ensino dessa Fonte e aplicar na vida não só em benefício próprio,
mas especialmente na relação com o próximo. Outro dia me perguntei
qual o sentido de estar num planeta como esse onde cada vez mais o
que tem dado ibope são as notícias negativas, se esse era o sentido
da vida. E aí pensei que, se isso nos causa dor, é para que a
sintamos para transmutá-la devolvendo em amor. Amor através de
nossos atos. Meu ato então se dá pela Arte, e com a Arte e pela
Arte, não fosse eu artista, estaria atuando na área da Saúde ou da
Educação... aí caminhei um pouco mais e percebi que também na
Saúde e na Educação a Arte está. Os livros criaram vida própria,
conquistando professores e alunos. Os livros e a arte está pelos
hospitais auxiliando na cura dos seres humanos. Sendo assim, creio
que venho cumprindo minha missão com dignidade. E a vida aqui passa
a ter mais sentido.
Obrigada
de coração e do fundo de minha alma por essa entrevista gostosa,
Marciano Vasques. Fui tecendo minha Palavra Fiandeira e ela virou um
cobertor imenso de quentinho.
PALAVRA FIANDEIRA
Publicação digital semanal
Edições aos sábados
EDIÇÃO MÁRCIA SZÉLIGA
PALAVRA FIANDEIRA ANO 4
Fundada pelo escritor Marciano Vasques
Muito lindo! A Márcia é de luz!
ResponderExcluirBjks
JP
Maravilhosa entrevista de meu amigo Marciano, que com sua publicação nos permite ir conhecendo as pessoas nos bastidores. E agora a minha querida e admirada amiga Marcia aparece com todo seu esplendor. Parabéns!
ResponderExcluirMárcia querida, esta entrevista é você quase ao vivo e a cores! Nada do que diz é raso ou supérfluo, ao contrário, há sempre um sopro de transcendência em suas palavras e reflexões. E suas imagens, tão vibrantes e cheias de emoção, nos levam a uma viagem sem fim Márcia adentro...
ResponderExcluirAlém disso, está a capacidade desse nosso amigo Marciano (que deve ser mesmo de outro planeta) de extrair o sumo de seus entrevistados. Parabéns a ambos, e obrigada por esses momentos!
Angela
Anja querida, que alegria saber que você através da entrevista, pôde viajar pra dentro de mim! Um jeito bacana então eu encontrei de te carregar comigo. Beijos gratos, te amo!
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