EDITORIAL

PALAVRA FIANDEIRA é um espaço essencialmente democrático, de liberdade de expressão, onde transitam diversas linguagens e diversos olhares, múltiplos olhares, um plural de opiniões e de dizeres. Aqui a palavra é um pássaro sem fronteiras. Aqui busca-se a difusão da poesia, da literatura e da arte, e a exposição do pensamento contemporâneo em suas diversas manifestações.
Embora obviamente não concorde necessariamente com todas as opiniões emitidas em suas edições, PALAVRA FIANDEIRA afirma-se como um espaço na blogosfera onde a palavra é privilegiada.

sábado, 31 de agosto de 2013

PALAVRA FIANDEIRA 131

Quem abandona sua criança interior não vive.





Frederico Godofredo foi um dos livros-médicos que me ensinou 
que não devo parar seja qual for a situação que aparentemente impeça. 


PALAVRA FIANDEIRA
Arte, Educação e Literatura
PUBLICAÇÃO DIGITAL SEMANAL
EDIÇÃO 131
ANO 4
SÁBADO, 31 de Agosto  2013

MÁRCIA SZÉLIGA



1.Quem é Márcia Széliga?
Desde pequena sempre tive a sensação de estar vestindo um corpo... é como se meu "recheio" se percebesse dentro de uma roupa chamada de corpo. O corpo físico. Esse corpo físico ganhou um nome: Márcia. O corpo foi ganhando outros adjetivos de fora também. E meu "recheio" pensava: mas isso sou eu? Então eu olhava para o espelho reafirmando alguns aspectos desse corpo visto de fora, muitas vezes por um olhar que o caricaturizava (hoje em dia dão o nome gringo de bullying). Mas meu "recheio" não concordava com algumas maneiras como era visto o corpo que eu habitava. Então fui crescendo com esse estar dentro e ser fora que levei um bom tempo para trazer o "recheio" pra fora e dizer: assim sou eu. Até chegar aí a caminhada foi assim: caçula de 7 filhos, gostava de desenhar desde pequenininha. Era tudo o que mais amava, meus lápis, meu cachorro, minhas bonecas. Mas jamais imaginei ser possível nem sonhar um dia seguir um caminho como artista. Quando se é pequena a gente sonha que é mais possível se chegar à Lua, e esse era o meu sonho, antes mesmo do homem ter pisado pela primeira vez nela.
Sei que meu "recheio" sempre viveu um mundo interior assim, onde livros eram mais do que estudos, onde desenhos eram mais do que aulas de educação artística, onde bichos de estimação eram mais do que apenas bichos de estimação, onde paredes falavam e brinquedos eram vivos, onde Deus era mais do que religiões, e muito mais do que apenas a forma dada a Ele.
Hoje em dia, após um caminho como artista formada pela escola de Música e Belas Artes do Paraná, nas andanças pela Europa fazendo especialização em Desenho Animado na Polônia, e retornando ao Brasil com vontade de entrar de cabeça na Literatura , e trazendo a Literatura para as Artes Visuais, penso que meu "recheio" é constituído de sementes, e meu corpo, extensão desse recheio, um instrumento que veio para cumprir uma semeadura. Então o que sou, sou m instrumento da Arte e da Palavra que, na linguagem sagrada habitante da essência criativa do meu ser nessa passagem, tem procurado semear cores, encantamento, vida, mas também entra em contato com todas as estações da alma, em sua luz e sombra, para poder falar de coração para coração a toda criança, jovem e idoso.


2.Da estrada, tirou uma foto de um restaurante que é uma obra de arte. Nunca pensou em se dedicar à arte da Fotografia? Aproveite e fale dessa foto, por favor. E, uma curiosidade: Já pensou em se dedicar profissionalmente à fotografia?

Essa foto foi de um passeio domingueiro em que levava minha mãe e meus sogros para almoçar num restaurante polonês aqui no Paraná. Começou a chover e entrei no carro. Quando me deparei com aquela imagem da forma sendo distorcida pela chuva, achei lindo perceber o quanto a matéria, por mais rígida que seja, pode se tornar líquida, um fluído, dependendo do olhar. Poderia ser só uma chuva distorcendo a imagem. Mas para mim registrar o que senti com meu olhar teve outro alcance. E é em situações assim que pude sentir melhor o Expressionismo de grandes mestres da pintura.
Sim, já me dediquei algumas vezes a essa arte, e acabei estimulando o meu marido para que se tornasse fotógrafo. Fizemos algumas exposições juntos, uma até foi de fotos dele com interferência de desenhos meus sobre as fotos. É sempre bom estar com uma câmera à mão, todo instante pode ser capturado pelo olhar de um modo não ordinário de enxergar, e aí, o registro desse instante ser eternizado. É quase o mesmo que estar vivendo o fato mais uma vez. Mas por enquanto, me dedico mais como hobby mesmo.

©Márcia Széliga


3.Realizou em 2008 uma exposição intitulada TRAJESTÓRIA. Pode contar ao leitor da FIANDEIRA algo sobre esse evento em sua carreira?
Foi um tempo intenso. Eu passava por uma crise existencial na minha relação com as artes. Primeiro porque já há anos eu fazia desenhos só com o lápis de cor. Sempre amei lápis de cor, mas chegou um momento que, mesmo tentado outras técnicas e não ter sido muito feliz, pois buscava algo que me desse mais rendimento em termos de tempo de execução, o lápis de cor sempre foi o que mais ganhava tanto na minha realização pessoal quanto na satisfação do público, de clientes e autores.
Entre outros conflitos pessoais, esse era um dos que passou a me cutucar mais fundo. E mergulhei numa escuridão dentro de mim mesma. E senti que algo dentro de mim gritava em silêncio querendo sair. Fiz algumas tentativas no tempo de faculdade com pintura e também ao longo da carreira. Incomodava-me a ideia de ter de seguir regras de pintura e composição, ficar presa às técnicas e ser caçadora de temas para ter o que mostrar.
Havia muito tempo que eu já não realizava exposições. Desde que fiz minha última exposição no início dos anos 90, uma exposição com temática de lendas indígenas (retratando lendas dos índios Kanamari que convivi na Amazônia em 1989), não expus mais. Nessa exposição um artista de admiração mútua, Orlando da Silva, me intimou: "agora quero ver você desenhar a sua lenda pessoal!"
Pensei comigo o que ele queria dizer com isso... para resumir, tantos anos depois, exatamente nessa época em que comecei a questionar tudo o que eu estava fazendo, essa intimação veio a me cutucar. E agradeço ao Orlando onde quer que ele esteja por ter me entregado uma pérola.
Sim,a pérola, que se forma pela agressão de grãos de areia a uma ostra era como eu me sentia. Fechei-me mergulhando em mim mesma conhecendo meus cantos escuros e até onde pude chegar com a luz da minha consciência curiosa me desvendar.
Não vou dizer que foi fácil decidir pegar nos pincéis e simplesmente começar a pintar. Primeiro tive de travar uma luta interna daquela que se preocupava com a crítica, com o julgamento, com o querer agradar, com controlar, com o acertar sempre.
E foi depois de alguns anos que eu jpa havia comprado as telas é que um fluxo de poesia foi acontecendo. E a poesia é metáfora, comunica a todos os seres por meio de seus símbolos. Foi um momento de iluminação. A imagem para a poesia! Vieram os primeiros estudos junto com as palavras. Nem sempre nessa ordem, às vezes era também simultaneamente. Aí, outra luta interior, se eu colocar isso na tela, será que serei aceita? Será que não estarei me expondo? Tantas considerações... E o que é um artista se não revelar os anseios da alma e com isso poder expressar uma arte mais viva, que fale por si, que toque a humanidade?
Então fui me desprendendo de conceitos, de pré-conceitos e principalmente do julgamento que contraí para mim mesma. Comecei a pintar a primeira tela que, ao pegar, me lembrou muito os bastidores de bordado que usava na infância, quando aprendi a bordar. A pintura, a poesia, o bordado... poderia bordar o que quisesse ali, e colocar mais elementos, elementos orgânicos, que transmitissem o sentido visceral do que me gritava por dentro. Essa mistura toda, essa alguimia, entre ossos, penas, contas, pedras e sementes resultou em Trajestória -  os trajes, a trajetória de minha história, que também, pelos símbolos que acessam o universo arquetípico, pode ir de encontro com a história de muita gente. Foi assim então que revivi. Trazendo a Sombra à Luz. Criando coragem de contar pelas telas poéticas e orgânicas minha Lenda Pessoal.



4.Na BIENAL DO LIVRO do Paraná, em 2010, participou ao lado de Paulo Munhoz de um debate sobre “Ilustração” em Literatura Infantil. Deixe aqui, por gentileza, um comentário sobre esse acontecimento e o conteúdo da sua participação, visto que o eixo da evento foi “A qualidade da Arte da Ilustração no livro Infantil”...

Talvez eu não consiga lembrar do que foi dito, mas vou contar do que sinto sobre o tema. Naquele tempo eu estava em tratamento de saúde, e ilustrei um livro muito sensível que veio de encontro ao momento pelo qual eu estava passando. Um momento de transformação eu diria. O livro é “O Espelho”, de Ieda de Oliveira, e foi à convite dela que participei do debate.
A qualidade da Arte da ilustração no livro infantil, começo sempre a falar sobre isso aos que participam de minhas oficinas, que não se define simplesmente por domínio de técnicas e desenhos bem elaborados, nem apenas decorativos que embelezam. A qualidade diz respeito à expressão que, numa combinação de cores, formas e técnicas comunique a sutileza contida nas entrelinhas do texto, numa parceira com a palavra. Também o impacto necessário para exprimir aquele sentimento, aquela situação que o texto traz, uma atmosfera que vai além da ambientação. Penso que a ilustração é capaz de não só transcender junto com a palavra, mas também de abrir outros portais da imaginação e do sentimento humano, possibilitando ao leitor de se sentir também participante do livro. Acredito que é assim que um livro passa a morar dentro da gente de uma forma mais viva e não só um objeto que volta para a estante. Ilustração e palavra então cumprem um papel que vai além do entretenimento. São ferramentas eficazes para transformar a humanidade.





5.Estudou ARTE na Polônia. Conte, por favor, para a FIANDEIRA, essa experiência em sua vida.

Quando fui para a Polônia, foi imediatamente após a experiência de ter convivido com os índios Kanamari numa aldeia bem no meio da floresta amazônica, em uma região da Bacia do Juruá, quase divisa com o Acre. É interessante contar que, antes de sair da aldeia tive 3 noites de sonhos, em uma sequencia. Seguiríamos com a equipe para uma aldeia mais distante , não fosse esses sonhos que tive. Na primeira noite sonhei que recebia uma ligação do Consulado da Polônia em um orelhão no meio da mata (e lá não haviam orelhões, obviamente), dizendo que minha bolsa de estudos tinha sido aprovada. Na segunda noite sonhei que arrumava minhas coisas para apresentar relatório da vivência ao órgão que me aceitou como voluntária no programa indigenista. E na terceira noite sonhei que fizeram uma festa de despedida para mim. Haviam amigos e familiares reunidos e eu embarcando no avião. Fiquei tão encucada com os sonhos que pedi para voltar para a cidade onde ficávamos em contato com o "mundo dos brancos". Mais coisas estranhas aconteceram naqueles dias que estou relatando num livro meu, autobiográfico, que será lançado em breve. Essas coisas foram reforçando minha crença no universo sutil, no mundo invisível. Ao chegar na cidade, uma pessoa que estava responsável pela casa da organização, veio me dizer que eu precisava telefonar urgente para casa. Liguei e veio a confirmação: minha bolsa tinha saído! Arrumei tudo e no dia seguinte já peguei o avião para chegar em Cuiabá, apresentar o relatório e, no dia seguinte: retornaria à Curitiba. Em Curitiba fui recebida com uma festa pelos familiares e amigos, que significava uma festa de boas vindas e ao mesmo tempo de despedida. Enlouquecida, tive apenas uma semana para arrumar tudo e passar 3 anos fora. Durante a viagem eu ainda ouvia o vozerio dos índios e a sinfonia da floresta. Demorei alguns meses para "cair na real" de que estava mesmo no país de meus antepassados, em Cracóvia. Uma das primeiras experiências que me puxou o fio terra por lá foi uma excursão aos campos de concentração de Auschwitz, Treblinka e Birkenau. Foi um choque tão grande que não quis sair do quarto por uma semana depois, até me recompor. Mas nem tudo é assim tão assustador na Polônia. É um país lindo! Não imaginei que houvessem lá tantas riquezas, apesar de ter pego a época do final do comunismo e o capitalismo entrando com tudo. Foi mesmo um choque cultural e confuso. A queda do Muro de Berlim, e perceber que, mesmo derrubado, um muro invisível ainda continuava existindo separando as duas Alemanhas... enfim, é uma experiência enriquecedora morar num país que parecia mais estar entrando num túnel do tempo, onde aprendi a lidar com os recursos que se tinha à mão, com escassez, mas ao mesmo tempo riquíssimo em sua cultura, ao valor que dão às artes e às raízes. Sinto saudades e às vezes parece que tudo não passou de um sonho. Teria muito o que contar, mas dá um livro. E deu. Esse capítulo de minha história vai estar num livro chamado Carrossel dos Sonhos, pela Lei Municipal de Incentivo, trazendo uma linha do tempo desde o meu primeiro desenho de infância até a fase atual, com mais de 400 imagens.


ARTE DE MÁRCIA SZÉLIGA: Obra em Acrílica fluorescente sobre tela "Saudades" 


6.Participa de uma Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil. Pode resumir quais as principais dificuldades dos artistas da ilustração hoje no Brasil?

Creio que continua ainda sendo para muitos a questão de direitos autorais e prazos apertados. Na Inglaterra tenho uma amiga ilustradora que tem um contrato de receber pró-labore mensalmente para poder trabalhar com calma durante um ano, no máximo, em um projeto de livro. E depois continua recebendo os royalties pela obra que ilustrou. embora ultimamente tenha se queixado que esse valor tenha despencado consideravelmente após as vendas de lançamento. Lá rapidamente os livros acabam indo para os saldões. Ilustrar livro é o que sempre digo: não basta saber desenhar e ler. Existe um tempo de trabalho invisível que é toda a elaboração que fazemos internamente, sentindo o texto, a atmosfera, que sentimentos e símbolos evocam, para ir amadurecendo da primeira imagem que dispara ao resultado final que expresse de fato a alma do livro que é alma do escritor, que é também a alma do artista, que vai tocar a alma do leitor. Esse desafio que é de surpreender e ir além de nós mesmos quando ilustramos.
7.Certamente todos os livros que ilustrou são motivos de alegria e satisfação pessoal. Porém, se tivesse que citar alguns que por quaisquer motivos tenham trazido uma alegria especial, ou então, por qual motivo citaria alguns livros entre tantas obras das quais se tornou parceira?
Você está me fazendo uma pergunta difícil demais de responder, e comprometedora... rsrsrsrs. Não tem o que eu não ame ter ilustrado. Tudo me ensinou muito sobre mim, sobre o outro, sobre o mundo, sobre viver. Digamos que todos são partes de um imenso quebra-cabeças que dou o nome de ARTE. Já briguei comigo mesma por não conseguir tudo de bom para atingir o máximo na ilustração até sair do pedestal que ergui em achar que teria de sempre ser o máximo e olhar com humildade ao presente que recebia por estar diante do maravilhoso e mágico desafio de ilustrar um texto, um texto que é como um filho que se confia a outras mãos para que seja acolhido e vestido com roupas de carinho e gratidão, já briguei também comigo por não me sentir adequada a alguns até que percebesse que nem sempre se é pau pra toda obra. E toda vez que vou ilustrar um livro, seja ele didático, ou de literatura, minha oração é essa: Arte, me guie! Deixa eu ser seu instrumento!



7.Quem é Frederico Godofredo?
Frederico Godofredo é um menino especial que chegou num momento especial e delicado na minha vida. A caminho de uma nutricionista, a querida e sensível Liana Leão, que me conduzia para a consulta, me entregou as folhas de papel e disse: fiz esse texto pra você. Fui lendo e não pude conter as lágrimas com tanta poesia, tão sensível. Frederico Godofredo é um menininho que me conquistou, que conversou muito com minha criança interior, que cuidou da adulta enferma que eu estava. Os desenhos foram feitos na cama, em meio ao processo da cirurgia de mama. Frederico Godofredo foi um dos livros-médicos que me ensinou que não devo parar seja qual for a situação que aparentemente impeça. Esse é frederico Godofredo - um livro médico e professor.


8.Para você, a Literatura Infantil é só para crianças? E, dos livros que leu na infância quais deles influenciaram de alguma forma a sua vida?

Toda a minha estrada na Literatura tem me provado que não abandonamos nossa criança de todo. E nem devemos. Quem abandona sua criança interior não vive. Por isso, o Literatura Infantil vai falar a toda idade que mantém acesa essa chama que é a criança que cada um de nós somos. Só de ver o sorriso largo de um adulto se abrir diante de um livro infantil, ou os olhos de um idoso se encher em brilho d'água por tocar sua criança através do livro, fico triste que ainda exista quem ache que Literatura Infantil seja livrinho pra criancinha dormir ou aprender a ler e colorir. Escrever Literatura Infantil e ilustrar é algo sensível e rico demais para ser subestimado dessa maneira. É onde tocamos uma fonte mais pura e nobre do santuário interior de nós mesmos e transmitimos a cada um. Sem contar que a Literatura Infantil é uma prática maravilhosa de liberdade e amor, na diversidade de expressões e de se atingir camadas infinitas da imaginação e do universo, onde nada é impossível.
Dos livros que li na infância, A coleção O Mundo da Criança, que minha mãe sempre lia comigo no colo, numa cadeira de embalo à luz de um abajour. Monteiro Lobato também me tirou do sufoco de ler os clássicos exigidos pela escola e que acho que tem idade certa pra se ler clássicos. Criança precisa viver a infância, mas também não ser subestimada em sua inteligência com livros ingênuos demais.

©Márcia Széliga

9.Leu Histórias em Quadrinhos na infância? Que recordações tem da arte do nanquim nos gibis?Já realizou/produziu um desenho animado? Sonha com isso?

Muito! Meus irmãos colecionavam e eu amava pegar pra ler, tudo do Tio Patinhas, Maga Patalógika, Madame Min, Recruta Zero e Sargento Tainha, Batman, e por aí vai. Minhas tardes eram essa delícia de ler gibis, ver desenho animado de qualidade, digo , qualidade de roteiro acima de qualquer tecnologia que se vê hoje em dia. Se comparar as animações que nos faziam rir com uma boa parte do que se vê hoje em dia que tem muito de efeito, se fechar os olhos só se houve gritaria, pancadaria, xingação e mais uma enxurrada de bobagens da luta do bem contra o mal. 

Gibi na infância

10. Já realizou/produziu um desenho animado? Sonha com isso?
Sobre o sonho de realizar desenho animado, sim, trabalho de faculdade na Polônia, e cheguei a participar do Festival do Minuto quando voltei ao Brasil. Continuo sonhando em realizar mais sim. Meu primeiro livro de imagem já é praticamente um roteiro de desenho animado, e penso nele como um filme de animação que pretendo concretizar. Se chama Totem, pela Cortez Editora.

©Márcia Széliga
11.Quando surgiu esse seu amor pela arte, pelas cores, pelo desenho? Quais acontecimentos ou impressões na sua infância ou adolescência contribuíram para a decisão de sua vida em ser artista?

Meu pai desenhava. Minha mãe também, mas menos.  Confesso que só conheci os desenhos de meu pai nas cartas de namoro que ele escrevia para ela (e que pena mesmo que elas não existem mais, mas bota pena nisso - ele tinha uma letra linda e fazia uns desenhos bem bonitos). Meus irmãos também, alguns desenhavam muito bem, mas acabaram seguindo outros caminhos. Vendo-os desenhar eu sentia uma vontade louca de fazer o mesmo. Via minha irmã usar do quadriculado para reproduzir desenhos. Ela sempre foi muito talentosa, mas meu "recheio" cochichava no meu ouvido que eu um dia seria capaz de desenhar sem precisar fazer o quadriculado. Eu achava muito chato e trabalhoso esse negócio de fazer quadriculado para se atingir a perfeição de uma reprodução, e ainda mais de um outro desenho que nem era criação própria.
Na escola então, um colégio de freiras, era aquela coisa de desenhar em cima da linha, diziam "para treinar a coordenação motora", ou de não poder pintar fora da linha que era errado, ou pegar no lápis de um jeito diferente não ser certo, tinha de pegar como todo mundo pegava para ser certo. As atividades de educação artística então eram bobinhas. E eu ia para casa rechear mais páginas do caderno de desenhos como um jeito de dizer que para desenhar não precisava de tudo aquilo certinho. A freirinha não acreditou que fosse eu que desenhasse as novidade que trazia de casa. Dizia que eu estava mentindo. E foi então que um certo dia entrou a madre superiora com minha mãe e irmã, e eu achando que tinha aprontado alguma com aquela surpresa repentina invadindo a sala de aula, a face de autoridade da Madre Superiora dizendo: "sua filha diz que é ela quem faz todos esses desenhos!" E minha mãe, com aquele olhar doce azulado (ou azul adocicado) e com um sorriso suave só disse: " Mas não precisava me chamar aqui só para isso. Bastava pedir para ela desenhar, que é ela mesma quem desenha." E seu olhar doce, nunca esqueço, olhou pra mim sorrindo e pediu para que eu desenhasse. e desenhei com um bando de coleguinhas em volta pagando pra ver.
Assim foi na infância.
Na adolescência um irmão meu me estimulou muito. ele comprou cadernos de desenho para ele aprender, mas eu faminta quis aprender junto. E quanto maior o desafio, mais eu gostava: expressões faciais, o corpo humano em diversas posições, o olhar, as diversas maneiras das mãos falarem... foi tanto encantamento que fui descobrindo de ver que o corpo humano falava sem precisar de palavras que isso imprimiu bem no fundo de mim mesma a vontade de trazer a tridimensionalidade para o plano bidimensional do papel e ainda fazer com que essa bidimensionalidade falasse!



12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual é a sua PALAVRA FIANDEIRA?

Somos, cada um, instrumento de algo maior. A vida não é só essa coisa rasa e densa que nossos olhos são capazes de enxergar até um certo limite. Há Vida por detrás da vida, de um Amor tão imenso que a Luz que nele está pode ser que não se dê conta de abraçar. Mas se abrimos o coração e a mente numa entrega, em humildade, a receber ensino dessa Fonte e aplicar na vida não só em benefício próprio, mas especialmente na relação com o próximo. Outro dia me perguntei qual o sentido de estar num planeta como esse onde cada vez mais o que tem dado ibope são as notícias negativas, se esse era o sentido da vida. E aí pensei que, se isso nos causa dor, é para que a sintamos para transmutá-la devolvendo em amor. Amor através de nossos atos. Meu ato então se dá pela Arte, e com a Arte e pela Arte, não fosse eu artista, estaria atuando na área da Saúde ou da Educação... aí caminhei um pouco mais e percebi que também na Saúde e na Educação a Arte está. Os livros criaram vida própria, conquistando professores e alunos. Os livros e a arte está pelos hospitais auxiliando na cura dos seres humanos. Sendo assim, creio que venho cumprindo minha missão com dignidade. E a vida aqui passa a ter mais sentido.
Obrigada de coração e do fundo de minha alma por essa entrevista gostosa, Marciano Vasques. Fui tecendo minha Palavra Fiandeira e ela virou um cobertor imenso de quentinho.




PALAVRA FIANDEIRA
Publicação digital semanal
Edições aos sábados
EDIÇÃO MÁRCIA SZÉLIGA
PALAVRA FIANDEIRA ANO 4
Fundada pelo escritor Marciano Vasques


4 comentários:

  1. Maravilhosa entrevista de meu amigo Marciano, que com sua publicação nos permite ir conhecendo as pessoas nos bastidores. E agora a minha querida e admirada amiga Marcia aparece com todo seu esplendor. Parabéns!

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  2. Márcia querida, esta entrevista é você quase ao vivo e a cores! Nada do que diz é raso ou supérfluo, ao contrário, há sempre um sopro de transcendência em suas palavras e reflexões. E suas imagens, tão vibrantes e cheias de emoção, nos levam a uma viagem sem fim Márcia adentro...
    Além disso, está a capacidade desse nosso amigo Marciano (que deve ser mesmo de outro planeta) de extrair o sumo de seus entrevistados. Parabéns a ambos, e obrigada por esses momentos!
    Angela

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    1. Anja querida, que alegria saber que você através da entrevista, pôde viajar pra dentro de mim! Um jeito bacana então eu encontrei de te carregar comigo. Beijos gratos, te amo!

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